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Oliveira, Fernão de. Grammatica da lingoagem portuguesa – T01

Grammatica da
lingoagem portuguesa.1

Esta he a primeyra anotação que Fernão doliueyra
fez da lingua Portuguesa. Dirigida ao mui
manifico senhor: e nobre fidalgo o senhor dom
fernando Dalmada. Filho herdeyro do
muy prudente e animoso Senhor
Dom Antão. Capitão geral
de Portugal ec.

Muy manifico senhor.

Contendião em mi dous pareçeres
diuersos. Hum me dezia que não acupasse
a grãdeza de seu entẽder co esta
minha, pequena obra. E outro me amoestou
não fosse buscar mais longe os
fauores de meus prinçipios poys a
muyta nobreza e antiga d' seu sangue
me chamaua. A qual nam se contentando
com os altos prinçipios Dalmada: ajuntou consigo
a gloria immortal e vitoria Dabrãches: e sobre tudo
me prendeo a virtude mais que humana de sua merçe.

Estas cousas me obrigão e fazem julgar que elle abasta não
so pera meu intento que so hum homẽ bayxo: e estendesse
a pouco meu animo: mas tambẽ a lingua de tam nobre
gente e terra como he Portugal viuera contẽte e folgara
de se estender pollo mundo se leuar nestes primeyros
encontros por seu escudo o nome de tão bõs exerçiçios
como são os de sua merçe o qual na paz e quietação em que
viuemos não despende mal: mas aproueita seu tempo lẽ
do bos liuros para sy e no regimento de sua casa primeyro
2cria com muyto cuydado dom Antão seu filho quem
deos guarde e prospere: para cuja doutrina com muyta
despesa me trouxe a sua casa e graçiosa e cõpridamẽte me
conserua nella: poys quanto carrego tem de sua gẽte ser
bem ensinada: e a fazenda milhor repartida e mays manifesto
a todo o mundo do que o eu posso dizer. A fim tãto
resplandeçe em sua merçe o lume da prudẽçia do senhor
Capitão seu pay. e a sua louuada velhiçe afremosenta em
todos seus filhos a noua idade tanto com saber que com
muita firmeza quero que minhas obras se pubriquem so o
titolo de seu nome: e dellas seja a primeyra esta como prologo
das outras a notação em alghũas cousas do falar.
Portugues: na qual: ou nas quaes eu não presumo ensinar
aos que mays sabem: mas notarey o seu bo costume para
que outros muitos aprendão e saybão quanto prima e a
natureza dos nossos homẽs porque ella por sua votade busca
e tem de seu a perfeyção da arte que outras nações aquirem
com muyto trabalho: e nestas cousas se acabara esta
primeira anotação em dizer não tudo mas apontar alghũas
partes neçessarias da ortografia: açento: ethimologia:
e analogia da nossa linguagem em comũ e particularizando
nada de cada dição: porque isto ficara para outro
tempo e obra. E porem agora primeiro diremos que
cousa he linguagẽ e da nossa como e prinçipal antre muitas.
O que peço a sua merçe ouça com muyta atenção e võtade
porque nisso fauoreçera o partido de meu trabalho.3

Primeyro capitulo.

A lingoagem e figura do entendimento: e
assi e verdade que a boca diz quanto lhe manda
o coração e não outra cousa: antes não
deuia a natureza criar outro mais disforme
monstro do que são aquelles que falão o que
não tem na vontade. porque se as obras são
proua do homẽ. Como diz a suma verdade Jesu xpo nosso
d's: e as palauras são ymagem das obras: segũdo diogenes
laerçio: escreue que dezia Solon sabedor de Greçia
Cada hũ fala como quẽ e: os bos falão virtudes e os maliçiosos
maldades: os religiosos pregão d'sprezos do mũdo
e os caualeiros blasonão suas façanhas: e esses sabẽ falar
os que ẽtẽdẽ as cousas: porque das cousas naçẽ as palauras e
não das palauras as cousas: diz misõ filosofo: e outra vez
çiçero a bruto e quĩtiliano no oitauo liuro õde tãbẽ disse
que falar e pronũciar o que entẽdemos: este so e hũ meyo que d's
quis dar as almas raçionaes para se poderẽ comunicar
antre si: e com o qual sendo spirituaes são sentidas dos corpos.
Porẽ nã e tã espiritual a lingua que não seja obrigada
as leys do corpo. Mas segundo a disposição da lingua
corporal assi vemos formar diuersas as vozes hũas çeçiosas /
outras tartaras: e muitas cõ muitos defeitos e tãbẽ
cõ suas perfeições Porque como este orgão da lingua e boca
he mais e milhor disposto assi cumpre milhor seu ofiçio:
bẽ ou mal disposto pode ser em calidades e feição: calidades
como seco ou humedo: feição como dẽtes grãdes
ou desuiados: e tambem muitos falão muito mal: so com
mao costume não mais. E e muito de culpar este defeyto
das calidades serem diuersas: nas quaes tem dominio
as condições do çeo e terra em que viuem os homẽs
vem que hũas gentes formão suas vozes mays no
4papo como caldeus e arabigos / e outras nações cortão
vozes apressandosse mays em seu falar: mas nos falamos
com grande repouso como homẽs assentados: e não somente
em cada voz per sy mas tambem no ajuntamento
e no som da lingoagem pode auer primor ou falta antre
nos: nam somente nestas / mas ẽ muitas outras cousas
tem a nossa lingoa auantagẽ: porque ella e antiga ensinada /
prospera / e bẽ cõuersada: e tambẽ exercitada em bos
tratos e oficios.

Segundo capitolo.

A antiga nobreza e saber da nossa gente e terra
da Espanha: cuja sempre milhor parte foi Portugal:
ainda que agora nam e mayor depoys do diluuio
geral que e o mais antigo tempo de que se os
homẽs lembrão. Naceo de noe e de Tubal / diz Beroso
estoreador de Babilonia e noe edificou ẽ esta terra noela
e noegla çidades e da primeira destas faz Plinio mençã
aos vinte capitolos do quarto liuro da sua estoria natural:
poys nam menos de tubal seu neto afirma põponeo
mela que fũdou gibaltar. E estes ja então ordenarão boas
leys e ensinarao letras nesta terra cõ muitas outras
nobrezas e bos costumes que nela deixarão: despoys destes
Hercoles lybio filho de osiris rey do egipto veo morrer
em esta terra desejãdo de viuer sua velhice descãsada
em ella por a virtude que della conheçia: e os soçessores deste
edificarão em memoria e honrra do nome de seu capitão.
Libisona. Libisosa. Libunca. Libura. E Libisoca / cidades
desta derradeira chamada Libisoca / apõta somẽte
Plinio no terçeiro liuro aos tres capitolos: e Ptolemeu
na tauoa da espanha põe Libisoca e Libura: e esta
derradeira libura põe junto do rio tejo abaixo de toledo
da parte do sul / quasi mostrando ser Euora que agora chamamos.
5E se tambẽ quiseremos mais antiguar a edificação
da nossa Lixboa podemos dizer que e aquella das
çinco çidades ja ditas a que elles chamarão Libisona.
Luso que tambẽ ennobreceo esta terra não foy Grego:
mas de portugal nacido e criado filho de Liçeleu: e este
recebeo em seu reyno a el Rey Dionisio ou Dinis: com
festas de sacrifiçios e deuações porque ja desdentão os por
tugueses sabem conhecer e seruir e louuar a d's. E deste
rey Luso se chamou a terra em que viuemos Lusitania a qual
despoys chamarã Turdugal: e agora mudãdo alghũas le
tras Portugal / nã do porto de gaya como quer Duarte
galuão na estoria del rey dõ Afonso anrriquez: mas dos
Turdolos e Galos / duas nações dhomẽs que vierã morar
em esta terra: segundo conta Estrabão no terceyro liuro
da sua geografia. E assi desta feyção ja tambẽ este nome d'Portugal e
antigo e agora com a virtude da gente muy
to ẽnobrecido e cõ muitos bos tratos e cõuersações assi
em armas como em letras engrandeçido.

Terçeyro capitolo.

E tanta a nobreza de nossa terra e gente que so ella
com seu capitão viriato pode lançar os Romanos
da espanha e seguilos ate a sua ytalia. E so
esta nossa terra Portugal na espanha quãdo os
godos com seus costumes barbaros e viçiosos perderão
a Espanha teue sempre bãdeyra nũca sogeyta a mouros
Mas muytas vezes contrelles vitoriosa: como foy a do
sancto Abade dom Joam de Mõte mor: o qual confessão
todos que corria a terra dos mouros como d' imigos e não
como de senhores. E esta e a verdade que em Portugal sẽ
pre ouue lugares / e terras proprias dos christãos porque
se assi nam fora que na estremadura não ouuera lugares de
christãos não se atreuera o abade Joam que era homẽ prudente
6a sayr tras seus imigos por suas terras desses imigos
por espaço de jornadas com pouca gente. E os luga
res de portugueses que ficarão em Portugal / posto que as
vezes fossem vencidos como tambẽ as vezes erão vence
dores: porque assi passa onde ha continoa guerra. Todauia
sempre teuerão capitão christão ate o Conde dom Anrri
que e el rey dom Afonso Anrriquez seu filho:o qual por
autoridade apostolica foy feyto rey nam deuendo nada a
alguem: como com muyta verdade afirma Ruy de pina
na estorea del rey dom Sancho o primeiro deste nome.

Apontey isto para que desta nossa propria e natural nobreza
nos prezemos e nam fabulizemos ou mintamos
patranhas estrangeyras: e muyto menos nos louuemos
dos godos porque elles perderão o que a virtude desta ter
ra ensinou gaynhar aos nossos.

Quarto capitolo.

O estado da fortuna pode cõçeder ou tirar fauor
aos estudos liberaes: e esses estudos fazẽ mais
durar a gloria da terra em que florecem. Porque
Greçia e Roma so por isto ainda viuẽ: porque quã
do senhoreauão o mundo mandarão a todas as gentes
a elles sogeytas aprender suas linguas: e em ellas escreuião
muytas bõas doutrinas e não somẽte o que entendião
escreuião nellas: mas tambem trasladauam parellas
todo o bo que lião em outras. E desta feyção nos obrigarão
a que ainda agora trabalhemos em aprender e
apurar o seu esqueçendo nos do nosso não façamos assy
mas tornemos sobre nos agora que he tempo e somos
senhores porque milhor he que ensinemos a Guine ca
que sejamos ensinados de Roma: ainda que ella agora
teuera toda sua valia e preço. E não desconfiemos da
nossa lingua porque os homẽs fazem a lingua / e não a
lingoa os homẽs. E e manifesto que as linguas Grega
7e Latina primeiro forão grosseiras: e os homẽs as
poserão na perfeição que agora tem. Antes se quiserdes ou
uir as fabulas que elles contão eu vos farey pareçer que primeiro
souberão falar os homẽs da nossa terra: porque vitru
uio diz no segundo liuro dos seus edifiçios que ajuntãdo
se os homẽs a hum çerto fogo o qual por açerto cõ grã
de vento se açendeo em matos e ali conuersando hũs cõ
outros souberão formar vozes e falar. E nã dizendo elle
onde foy este fogo. Conta diodoro siculo no seisto liuro
da sua biblioteca que foy nos montes pireneus os quaes são
antre França e Espanha. E pois gramatica e arte que ensi
na á bem ler e falar: saybamos quem primeiro a ensinou
e onde e como: porque tambẽ agora a possamos vsar na nos
sa antigua e nobre lingua.

Quinto capitolo.

Mercurio primeiro em Egipto ensinou a ler e fa
lar diz diodoro siculo. E despoys tambẽ em gre
cia onde lhe chamarão Hermes que quer dizer
interpretador: e isto confirma marçiano capella
no terceiro liuro nomeando o rey e terra que diodoro diz
ainda que esse Diodoro no quarto liuro torna a dizer cadmo
e não o primeiro dos que põe xenophonte ser o que primeiro
trouxe letras a greçia: e pode ser que dambos seja
verdade em diuersos tempos antremetendosse alghũa
aduersidade que a terra padeçeo: na qual os estudos do pri
meiro por ventura pereçerão: ou ẽ diuersas terras como
vẽ a saber Mercurio em Atenas e Cadmo em Thebas.
Homero diz que Archiloco foy o primeyro que despois da
quelles emendou as escreturas e letras em greçia: e xenophonte
diz que nessa terra palamedes e simonides ajudarão
os prinçipios desta nossa arte. plinio diz que apolodoro
floreçeo em ella. E podemos entẽder que antre os primeyros
8em Italia: diz Beroso comero gallo ensinou letras
e leys: e muyto despoys Nicostrata e Euandro seu filho
porque ja a primeira doutrina nessa terra esqueçia: ainda
porẽ que diz mersilo que de Hetruria tem a Italia as letras
e doutrinas dando a entẽd er que sempre alli perseuerarão
onde noe morreo: mas ao cõtrairo diz Catão nos liuros
dos naçimẽtos antigos que os hetruscos aprẽd erão as letras
latinas: e cõ tudo como quer que seja Salustio ainda
em tẽpo de Eneas troyano: e despois acha a Italia muy
grosseyra e mal mesturada. E muito despoys veo o primeiro
grãmatico Crates melotes segũdo diz Suetonio
tranquilo no liuro dos grãmatigos antigos.

Não seria nada se estas terras Greçia e Italia de que
falamos somẽte soubessem pouco em seus começos: mas
com isso achamolas que desfauoreçem o bo saber que e pior.
Porque diz Suetonio trãquillo no liuro dos grãmaticos
antigos que lançauão dantre si os philosophos e oradores
e assi o afirma aulo gellio no quinto deçimo liuro e çiçero
quasi o mesmo quer sentir no prologo do primeiro liuro
da inuenção oratoria: e na primeyra tosculana e outras
vezes se pode nelle bem sentir. E não e muito seguir Ita
lia o que ja Greçia ãtes teue por ley na republica d' socrates

Isto nũca fez a nossa terra: mas se cõ a neçessidade dos
tempos alghũa ora se nam acupou tanto em letras por se
defender de seus imigos: logo como teue paz em tẽpo do
mui nobre rey dõ Dinis tornou a os estudos paraque cria
os milhores juyzos que todas as terras nossas vezinhas.

Estes no tempo do poderoso nosso senhor e rey dom
Johão o terçeiro deste nome: a quẽ deos quis dar aquella
bem-auenturança de viuer e senhorear sem sangue: que diz
chilo philosopho de Laçedemonia. Estes digo estudos
neste tempo deste nosso glorioso principe muyto mays
9fauoreçidos que em nenhum outro tempo nem terra auiue
mos nos com gloria de nossos tempos porque ja os pre
guiçosos não tem escusa nem se podem chamar remissos
por falta de premio: e com tudo apliquemos nosso trabalho
a nossa lingua e gente e ficara com mayor eternidad'
a memoria delle: e nam trabalhemos em lingua estrangei
ra / mas apuremos tanto a nossa com bõas doutrinas que a
possamos ensinar a muytas outras gentes e sempre sere
mos dellas louuados e amados porque a semelhança e cau
sa do amor e mays em as linguas. E ao contrayro vemos
em Africa / Guine / Brasil e India não amarẽ muyto os
Portugueses que antrelles naçem so polla diferença da
lingua: e os de la nacidos querẽ bem aos seus portugueses
e chamanlhes seus porque falão assi como elles.

Agora ja poys notemos o falar dos nossos homẽs e
da hi ajuntaremos preçeitos pera aprenderem os que vierem
e tambem os ausentes.¶A primeyra partição que
fazemos em qualquer lingua e sua grãmatica seja esta em
estas tres partes. Letras Sylabas e Vozes: que tampẽ
ha na nossa de Portugal com suas considerações cõfor
mes a propria melodia.

Capitolo seysto.

Letra e figura de voz estas diuidimos em cõsoan
tes e vogaes. as vogaes tem em sy voz: e as con
soantes não se não junto cõ as vogaes. Como .a
que he vogal: e .b. que he cõsoante: e nam tẽ voz
ao menos tão perfeyta como .a. vogal.¶As figuras destas
letras chamão os Gregos caracteres: e os latinos
notas: e nos lhe podemos chamar sinaes. Os quaes hão
de ser tantos como as pronũçiações a que os latinos chamão
elementos: e nos as podemos interpretar fundamẽ
tos das vozes e escritura.10

Diz Antonio de nebrissa que temos na espanha somẽte
as letras latinas: mas porque e verdade que são tantas e taes
as letras como as vozes: nos diremos que de nos aos
latinos ha hi muita diferẽça nas letras: porque tambẽ a temos
nas vozes: e não he muyto poys somos bẽ apartados
em tempos e terras: e não somẽte isto: mas hũa mes
ma nação e gente de hũ tempo a outro muda as vozes e
tambẽ as letras. Porque doutra maneira pronunçiauão
os nossos antigos este verbo tanger: e doutra o pronunçiamos
nos: e os latinos não podem dizer que a mesma letra
era .c. quando tinha sempre hũa so força com todas' as
vogaes: como diz Quintiliano. E agora quando a cada
vogal quasi muda sua voz: não diremos logo que temos
as mesmas letras: nem tantas como os latinos: mas temos
tãtas figuras comelles: e quasi as mesmas ou imita
ção dellas. E com tudo nam deixa dauer falta nesta parte
porque as nossas vozes requerem que tenhamos trinta e
duas: ou trinta e tres letras: como se mostrara a diante.

Ja confessamos ser verdade o que diz Marco varrão nos
liuros da Etymologia que se mudão as vozes e com ellas
e tambem neçessario que se mudẽ as letras: mas não com
tão pouco respeito como agora alghũs fazẽ: os quaes como
chegão a Toledo: logo se não lẽbrão de sua terra a que mui
to deuem. E em vez de apurarẽ sua lingoa corrompẽna
com emprestilhos: nos quaes não podem ser perfeitos.
Tenhamos poys muito resguardo nesta parte: porque a lin
gua e escritura e fiel tisoureyra do bem de nossa soçessão
e são diz Quintiliano as letras para ẽtregar aos que vie
rem as cousas passadas.

Capitolo seytimo.

Examinemos a melodia da nossa lĩgua e esta guarde
mos como fezerão outras gẽtes: e isto desdas mais pequenas
11partes tomando todas as vozes e cada hũa por si e ven
do em ellas quantos diuersos mouimentos faz aboca cõ
tambẽ diuersidade do som e em que parte da boca se faz cada
mouimento porque nisto se pode discutir mais destintamente
o proprio de cada lingua. E assi e verdade que os
gregos com os latinos: e os ebraycos cõ os arabigos: e
nos com os castellanos que somos mais vezinhos cõcorre
mos muitas vezes em hũas mesmas vozes e letras: e cõ
tudo não tanto que não fique algũa particularidade a cada
hũ por si hũa so voz e com as mesmas letras e a nos e aos
castelhanos guerra e papel: e no pronunçiar quẽ não sin
tira a diferença que temos porque elles escondẽse e nos abri
mos mais a boca: e quasi podemos dizer que o que da a entender
horaçio na arte poetica dos gregos e latinos temos
antre nos e os castellanos: porque a elles deu a natureza
afeyçoar o que querem dizer: e nos falamos boqui
cheos com mays magestade e firmeza.

Capitolo. Viij.

Na nossa lĩgua podemos diuidir ãtes e neçessario que
diuidamos as letras vogaes ẽ grãdes e pequenas como
os gregos mas nã ja todas porque e verdade que temos a
grande e α pequeno: e ε grande e e pequeno: e tambẽ ω
grãde e o pequeno. Mas nã temos assi diuersidade ẽ .i.
nem .v. Temos a grãde como almada e α pequeno como
αlemαnhα: temos ε grande como fεita e e pequeno como
festo: e temos o grande como fermωsos e o pequeno como
fermoso. E conheçendo esta verdade auemos de cõfessar
que temos oyto vogaes na nossa lĩgoa mas nã temos
mais de çinco figuras: porque não queremos saber mays
de nos que quanto nos ensinão os latinos: aos quaes diz
Plinio que e pouco saber escoldrinhar as cousas alheas
não nos entendendo a nos mesmos.

Tem tanto poder o costume e tambem a natureza que
12em que nos pes nos faz conheçer esta diuersidade de vo
zes e faz que muitos em lugar destas vogaes grandes
escreuem duas como quer que a voz não seja mais que hũa e
outros põelhe aspiração: mas tambẽ estes errão porque
lha nam podem por em todos lugares. O remedio que eu
a isto posso dar he este que nas vogaes grandes dobremos
as letras: mas de tal feyção que o dobrar dellas se
faça em hũ mesmo lugar e figura o .a nesta forma α e ωne
sta ε e ω tambẽ nestoutra: α e os pequenos nas formas a
costumadas. E isto porque nos não podemos saluar cõ os
latinos dizendo que a consoãte ou consoãtes e letras que vão
a diante fazem grande ou pequena a letra vogal que fica: mas
vemos que cõ hũas mesmas letras soa hũa vogal grande as
vezes e as vezes pequena: segundo o costume quis e nã
mays.

Capitolo.nono.

Acostumão os grammaticos repartir as letras
cõsoantes em mudas e semiuogaes em qualquer
lingua: e e esta a principal causa de sua reparti
ção: que as semiuogaes podẽ estar em fim das vo
zes como as vogaes. E por tanto se chamão semiuogaes
que quer dizer quasi vogaes. E as mudas cujo nome e bẽ
claro não podem dar cabo as vozes: e deyxadas outras
rezões desta diuisão por esta que me ami milhor pareçe não
ha hi antre nos mays letras semiuogaes que somente estas
l. r. s. e. z. Tambem escreuemos .m. em fim das nossas syllabas
ou vozes / mas nã muyto açertãdo.

Disse que esta letra .m. não e semiuogal nem podẽ fenecer
em ella as nossas vozes: porque isto e verdade que nesses ca
bos onde a escreuemos e tambẽ no meyo das dições em
cabo de muitas syllabas soa hũa letra muy branda que nem
he .m. nem .n. como nos escreuemos ora hũa dellas: ora
outra imitando os latinos. Mas a meu ver de neçessidad'
13escreuamos nos taes lugares esta letra que chamamos
til ainda que a alghũs pareçera sobeja e que não serue mais que
de soprir por outras. Aos quaes eu pregunto se nas dições
que acabão em ão: e ães: e ões: e ãos: escreueremos
.m. ou .n. e o poseremos antre aquellas duas vogaes que
soara: ou se o poseremos no cabo que pareçera: por ond'
me pareçe teremos neçesidade de hũa letra que este sobre a
quellas duas vogaes juntamente: a qual seja til.

As letras mudas são estas .b. c. d. f. g. m. n. p. q. t. x. Chamão
se mudas: porque em si não tem voz alghũa nem offiçio ou
lugar que lha de: tiramos dantras nossas letras .k. porque sem
duuida elle antre nos não faz nada: nem eu nunca vi em
escritura de Portugal esta letra .k. escrita ora poys as
dições gregas quando vem ter antre nos tã longe de sua
terra: ja lhes não lembra a sua ortografia: e nos as fazemos
conformar com a melodia das nossas vozes: e cõ as
nossas letras lhes podemos seruir. Por tanto .k. nẽ .ph. nem .ps.
nunca as ouuimos na nossa linguagem: nem nas
auemos mester.

Capitolo deçimo.

Alem destas letras acostumadas: porque as vozes
da nossa lingua o querem assi. Temos estas
letras .ç. j. rr. ss. v. y. ch. lh. nh. As quaes por to
das fazẽ numero de trinta e tres: e cõ .h. sinal
de aspiração trinta e quatro. E cõ tudo a estas duas .til. e
h. não metemos em conto de letras perfeytas: porque de fei
to a força dellas e muy diminuyda e tanto que quasi a não
sentimos sem ajũtamẽto doutras letras: nẽ lhe podemos
dar nome proprio que a pronũnçiação dellas mostre: e assi
ficão as nossas letras ẽ trinta e duas: e tambẽ esta letra
til serue em lugar doutras alghũas letras / em muytas a
breuiações. O que mostra não ter ella virtude muy propria:
mas todauia he neçessaria .ç. e. j. e .rr. dobrado e .ss. dobrado.
14e v e .y. e ch. lh. nh. aspiradas estas tres derradey
ras: logo veremos quanta neçessidade temos de todas el
las quando dixeremos a propriedade de cada hũa. E pos
to que chamasemos a estas menos acostumadas: nẽ por
ysso são nouas: mas antes a neçessidade as pos ja em vso
muyto ha.

Capitolo vndeçimo.

Despoys que vimos as diuisões das letras e suas
partes: saberemos agora o proprio de cada hũa
dellas: e a semelhãça ou parentesco comũ que tem
antre si: como nos manda quintiliano no primei
ro liuro. E porque as letras liquidas nas partes das diuisões
que ja fezemos não tem lugar nem fazẽ genero ou
espeçia de letras por si. Mas somente são letras semiuogaes
deminuidas de sua força. Por tanto aqui juntamẽ
te falaremos dellas.

O proprio de cada letra entendemos a particular pro
nunçiação de cada hũa: e o comũ chamamos aquela par
te da pronũçiação e força em que se hũa pareçe cõ a outra
E isto nos manda quintiliano bem ver: porque nisto cõsiste
o saber ler: e mais que saber ler: e he verdade que se não teueremos
çerta ley no pronũçiar das letras não pode auer
çerteza de preçeitos: nem arte na lingua: e cada dia acha
remos nella mudança não somente no som da melodia:
mas tãbẽ nos sinificados das vozes: porque so mudar hũa
letra: hũ açento ou som e mudar hũa quantidade de vogal
grande a pequena: ou de pequena a grande: e assi tãbem
de hũa cõsoante dobrada em singela: ou ao cõtrairo
de singela em dobrada: faz ou desfaz muito no sinificado
da lingua não menos das figuras das letras nos mãda
quĩtiliano ter muito carrego: porque ellas sam como instru
mento: o qual se for duuidoso pora tambẽ em duuida o ef
feito: e não imitemos os desuairos de tantas confusões
15que assi lhe quero chamar d' letras como se acostumão: mas siga
mos hũa çerta regra d' screuer / e a mais façil.

Capitulo .xij.

Esta letra .α. pequeno tẽ figura douo cõ hũ escudete
diãte e a põta do escudo em bayxo cãbada para
çima: a sua pronũçiação e cõ a boca mais aberta
que das outras vogaes e toda a boca igual: a grãde
tẽ figura de dous oouos ou duas figuras douo hũa pega
da cõ a outra cõ hũ so escudo diãte: a pronũçiação e cõ a
mesma forma da boca se não quanto traz mais espirito.

Esta letra .e. pequeno tẽ figura darco de besta cõ a polgueira
de çima de todo em si dobrada ainda que não amassa
da: a sua voz não abre ja tãto a boca e descobre mais os dẽ
tes. A figura do ε. grãde pareçe hũa boca bẽ aberta com
sua lingua no meyo e tão pouco não tẽ outra diferẽça da
força de .e. pequeno se não quãto enforma mais seu espirito.

Desta letra .i. vogal sua figura he hũa aste pequena aleuã
tada cõ hũ ponto pequeno redõdo em çima: pronũçiasse cõ
os dentes quasi fechados: e os beiços assi abertos como
no .e. e a lingua apertada cõ as gẽgibas de bayxo: e o es
pirito lançado cõ mais impeto. A figura desta letra .o. pe
queno e redonda toda por inteiro como hũ arco de pipa e a
sua pronũçiação faz isso mesmo a boca redonda dentro e
os beiços encolhidos em redõdo. E α figura de ωgrãde
pareçe duas façes cõ hũ nariz pello meyo ou e dous oos
juntos ambos e tem a mesma pronũçiação cõ mais força
e espirito: e todauia estas letras vogaes grandes fazẽ al
ghũ tanto mays mouimẽto na boca que as pequenas.

Esta letra .u. vogal aperta as queixadas e prega os bei
ços não deixando antreles mais que so hũ canudo por õde
sae hum som escuro o qual he a sua voz. A sua figura e du
as astes aleuantadas dereitas mas em baixo são atadas
com hũa linha que sae dhũa dellas.16

Capitolo treze.

Pronũçiasse a letra .b. antros beyços apertados lançã
do para fora o bafo com impeto: e quasi com baba.

.c. Pronũçiasse dobrãdo a lingua sobre os dentes
queyxaes: fazendo hũ çerto lombo no meyo della diante
do papo: casi chegando cõ esse lõbo da lingua o çeo da bo
ca e empedindo o espirito: o qual per força faça apartar a
lingua e façes e quebre nos beyços com impeto.

A pronũçiação da letra .d. deita a lingua dos dentes d'
çima com hũ pouco de espirito.

A pronũçiação do .f. fecha os dẽtes de çima sobre o bei
ço de bayxo e não he tão inhumana ãtre nos como a quinti
liano pinta aos latinos: mas todauia assopra como ele diz.

A pronũçiação do .g. e como a do .c. cõ menos força do
spirito.¶A pronũçiação do .l. lambe as gẽgibas de çima
co as costas da lingua achegãdo as bordas della os dẽtes
queyxays.¶A pronũçiação do .m. muge antre os beyços a
pertados apanhando para dentro.

A pronunçiação do .n. tine / diz Quintiliano tocãdo cõ
a põta da lingua as gingibas de çima.¶A força ou virtu
de do .p. e a mesma que a do .b. se não que traz mays espirito.

Diz diomedes que a pronunçiação do .q. se faz de .c. e .u.
e elle quer que ou seja sobeja: ou sempre tenha .u. liquido des
poys d' si.Verdade e que ja quintiliano quasi deu a entẽder
que esta letra era sobeja porque não faz mais do que pode fa
zer .c. e os mais antigos todos os lugares que agora se escrevẽ
cõ .q. elles os escreuião cõ .c. cujo testemunho e este
nome anticũ que cornelio frõto escreue cõ .c. mas como quer
que seja nola auemos mester na nossa lingua assi para em al
ghũas dições que de neçessidade tẽ .u. liquido como quasi.
quãdo. quãto. qual. e outras semelhãtes como tambẽ para
quando se seguẽ .i. ou .e. por tirar a duuida que pode auer ãtre
.c. e .ç.17

Pronũçiase o .r. singelo cõ a lingoa pegada nos dẽtes
queyxaes de çima e sae o bafo tremendo na põta da lingua
Do .rr. dobrado a pronũçiação e a mesma que a do .r. singelo
se não que este dobrado arranha mays as gẽgibas de çima:
e o singelo não treme tãto: mas tã mala ves he semelhãte
ao .l.¶O .s. singelo diz quĩtiliano e letra mimosa e quando
a pronũçiamos aleuãtamos a põta da lingua pera o çeo
da boca e o espirito assouia pellas ilhargas da lingua.

O .ss. dobrado pronũçiasse como o outro pregãdo mais
a lingua no çeo da boca.¶O .t. tẽ a mesma virtude do .d.
com mays espirito toda via tira o .t. pera fora.

Ao .x. nos lhe chamamos çis mas eu lhe chamaria antes
xi porque assi o pronunçiamos na escritura: pronunçias
se co as queixadas apertadas no meyo da boca / os dẽtes
jũtos a lingua ancha dentro na boca e o espirito ferue na
humidade da lingua.¶A pronũçiação do .z. zine antros
dentes çerrados com a lingua chegada a elles e os beyços
apartados hũ do outro: e e nossa propria esta letra.

Capitolo quatorze.

Esta letra .c. cõ outro .c. de bayxo de si virado para
tras nesta forma .ç. tẽ a mesma pronũçiação que .z. se não
que aperta mais a lingoa nos dẽtes.¶.j. cõsoante tẽ a aste
mais longa que o vogal: e tẽ ençima hũ pedaço quebrado para
tras: e em bayxo a ponta do cabo virada tambẽ para tras
a sua pronũçiação e semelhãte a do .xi. cõ menos força e esta
mesma virtude damos ao .g. quando se segue despoys delle
e. ou .i. mas a mi me pareçe que cõ o .i. consoãte o podemos
escusar.¶A força de .v. consoante e como a do .f. mas cõ
menos espirito. E a sua figura são duas costas d' triãgolo
cõ o cãto para bayxo. Esta letra .y. que chamamos grego tẽ a fi
gura como .v. consoante se não que estende hũa perna para
bayxo ficandolhe a boca para çima todavia: da qual alghũs
poderão dizer que não e nossa: mas eu lhe darey offiçio na
18escriptura das nossas dições proprias: e e este que as mais
das vezes quando vem hũa vogal logo tras outra nos pro
çiamos ãtrellas hũa letra como ẽ meyo. seyo. moyo. joyo
e outras muitas a qual letra a mi me pareçe ser .y. e não .i. vo
gal porque ella não faz syllaba por si: nẽ tã pouco .j. cõsoãte
na força que lhe nos demos / mas ẽ outra quasi semelhãte aquella
muito ẽxuta sẽ nenhũa mestura de cospinho e nestes taes
lugares podera seruir esta figura de .y. e se nã he oçiosa.

O til e hũa linha dereita lãçada sobre as outras letras
sua força e tão brãda que a não sentimos se não mesturada
cõ outras: e por tãto não tẽ nome apropriado mais de quan
to lhe o costume quis dar. e eu digo que e neçessareo todas
as vezes que despoys de vogal em hũa mesma syllaba escre
uemos .m. ou .n. e muito mais sobre os ditõgos.

h. se e letra cõsoante como alghũs quiserão: e o traz diomedes
grãmatico ha mester propria força e se a tẽ ou não
ou se e bõa a pronũçiação que lhe dão alghũs latinos elles
o vejão: nos portugueses não lhe damos mais que hũ pouco
de esprito: o qual esforça mais as vogaes cõ que se mes
tura: e dizẽ os latinos que se pode mesturar cõ todas as vo
gaes: mas antre nos eu não vejo alghũa vogal aspirada
se não e nestas interjeyções vha e aha e nestoutras de ri
so ha ha he. aĩda que não me pareçe este bo riso portugues
posto que o assi escreua Gil viçente nos seus autos: tampẽ
achamos alghũas poucas vogaes cõ sinal d' aspiração na
escritura e não na voz: e me pareçe que se não faz mais que so
para mais çerto conheçimẽto de quẽ são como homẽ o qual
segue aĩda a escritura latina: hauer. outro tãto: mas hũ e
alghũ hi e a hi averbios de lugar: honrra. hõrrado so de
nosso costume os escreuemos sẽ mais outra neçessidad'.
Das cõsoãtes temos tres aspiradas para as quaes posto
que não temos proprias figuras mais que so aspiração
19co ellas mesturada: toda via as vozes são bem assinadas
per si e diferentes das outras não aspiradas são estas as
letras. ch. lh. nh. seja logo este o nosso .a. b. c.

α. a. b. c. ç. d. e. ε. f. g. h. i. j. l. m. n. o. ω. p. q. r.
rr. s. ss. t. v. u. x. z. y. ch. lh. nh.

Abreuiaturas temos muitas: e escusadas: as mays del
las co esta letra til. Neste nosso .a. b. c. ha hi trĩta e tres le
tras todas nossas e neçessarias para nossa lingua: das
quaes oito são vogaes. e chamãose. α. a. e. ε. i. o. ω. u. e vin
ta quatro consoantes e chamãose .be. ce. çe. de. ef. gue. je.
el. em. en. pe. qu. er. err. es. ess. te. ve. xi. ze. ye. ao sinal daspiração
chamamos aha: e ao sinal das abreuiaturas cha
mamos til. O qual a diante diremos como e muito nosso
e serue em mays que abreuiar.

Capitolo .xv.

Algũas letras se fazem liquidas. Quer dizer liquido
aqui brando / ou diminuido de sua força
das vogaes nos fazemos .u. liquido alghũas ve
zes despoys de .g. e .q. como quando: e lingua
mas se o meu sentir he açertado eu sinto nos taes lugares
.o. pequeno e não já .u. e assi o escreueria se me atreues
se desta maneyra lingoa. qoando. porque assi me soa a mi
nas minhas orelhas: e se outra cousa fazem por imitar a
os latinos não e nosso o que seguẽ. Verdade e que despois de
g. quãdo logo vẽ .e. ou .i. escreuemos no meyo .u. porque não
façamos voz d'.i. cõsoãte: como guine guerra. mas aquelle .u.
não tẽ ali voz alghũa porque não somẽte e diminuido: mas d'
todo desfeyto alghũs tãbẽ despoys de .q. fazem o mesmo
escreuẽd o sempre .u. o qual elle tẽ ja d' seu: e eu não no escre
ueria se não so onde soa e ainda a hi escreueria .o. como ja
disse: pode auer alguem que diga aquele .y. ãtre duas vogaes
de que falamos ser .i. vogal liquido: mas a mi me pareçe estou
tro que digo: mayormente porque elle fere sobre a vogal
20seguinte com hũa çerta força como letra consoante: pois
elle .j. cõsoante liquido não pode ser: porque não tem a tras
outra consoante muda que caya sobrele que e proprio da consoante
liquida: como logo diremos: mas antes sempre se
acha antre duas vogaes como fica dito.

As consoantes liquidas antre nos são .l. e .r. como flo
res. claro. gloria. graça. fraco. fresco. primo. Liquida sera
a letra semiuogal. Diz Probo grãmatico se em hũa mes
ma syllaba vier depoys doutra letra consoante e dizẽdo
outra: entende que essa outra seja doutro genero de letras
consoantes: conuẽ a saber muda: porque logo a baixo diz
que se não podem ajuntar duas letras liquidas em hũa
sillaba sendo de diuersa natura como .l. e .r. nem .r. s. porque
dous .ll. ou dous .rr. bem se ajuntão. E porque se não podem
ajuntar se chamão diz elle liquidas / que quer dizer der
ritidas: aĩda porẽ que a interpretação que ja demos deste no
me liquido e milhor. E esse probo gramatico a põe pouco
antes destoutra: dizendo que o som das letras fazendose liquidas
se adelgaça e diminuy: mas de tal feyção auemos
dentender agora nestas consoantes a diminuição que a
letra muda que fica a tras per çima da liquida caya na vo
gal que vay a diante: e todas soem na mesma syllaba.

Porque dissemos que .l. e letra liquida: saberemos que a forma
e melodia da nossa lingua foy mays amiga de por sem
pre .r. onde agora escreuemos as vezes .l. e as vezes .r. co
mo gloria e flores: onde deziã grorea e froles: e tambẽ ou
tras partes comestas.¶Algũas letras posto que se escreuão
não se pronũçião como dissemos que fazia .u. alghũas vezes
despoys de .g. e .q. esta e outras quaesquer que isto teuerẽ podẽ
se chamar liquidas em hũ outro çerto modo de liquiçer /
ou deminujr. E porque aqui vẽ a mão quero dizer que tampẽ
so de costume: sem mays outra neçessidade se acreçentão
21alghũas outras letras em alghũas partes como per encheo
que se compõe de per e mays cheo. As letras liquidas
não tem outras figuras nomes nẽ pronunçiações di
uersas do que soyão quando não erão liquidas: mas são as
mesmas cõ menos força.

Capitolo .xvj.

As letras consoantes aspiradas que são .ch. lh. nh. não
tem propria figura ainda ate gora: os nomes dellas
são .che. lhe. nhe. os quaes sabidos são sabidas as pronũçiações:
mas que seria se dissessemos não auer antre nos aspiração:
das vogaes não ha hi duuida se não que nenhũa e aspi
rada antre nos / tirãdo alghũas interjeições: das cõsoãtes
eu diria que sem aspiração fazẽ alghũa mudança cujo sinal
e aquella figura de letra .h. que lhe mesturamos assi como faze
mos do til nas vogaes quando tambẽ mudão sua voz: di
go que mudão a voz porque não he a mesma voz vila e vilã:
mas o til que lhe posemos muda a calidade do .a. d' claravoz
em escura e meteo mais pellos narizes: outro tanto: nas
outras vogaes como .e. e .ẽ./ i e im .o. e .õ. u. e .ũ. onde o til
faz alghũa cousa e tem poder alghũ: o qual sintem as ore
lhas: mas a boca o acha tão sotil tomãdoo por si soo que
o não sabe formar: nẽ lhe da nome natural como diz mar
çiano capella que as outras letras tem: conuẽ a saber nome
conforme a sua natureza e pronũçiação: da mudãça que aquelas
tres cõsoantes fazẽ em sua força e virtude: outro tãto dize
mos que o sentimos naquelle ajũtamento que faz co as taes le
tras: mas não lhe podemos a elle so formar nome nẽ pro
nũciação proprios: verdade e que de costume lhe chamamos
aquelle til: e a este aha: mas ãtre nos claro esta que não temos
voz a qual se forme co este elemẽto ou fundamẽto til. nẽ tão
pouco co estoutro aha que e proprio d' aspiração: posto que al
ghũas nações lhe chamẽ ache e não açertão: mas antes
dahi naçeo o erro de mal pronũçiar mihi e nihil: e outras
22muitas partes: e do mao pronũçiar veo o pior escreuer d's
sas dições cõ .ch. Mas nos somos tão grãdes bogios dos
latinos que tomamos suas cousas sem muito sentir dellas
quanto nos são neçessarias: e por nossa võtade damos nossas
auantagẽs aos latinos e gregos que tão pouco sabẽ as
vezes o que hão mester como os que antre nos pouco sintem.
Isto digo porque tão pouco tẽ os latinos vozes aspiradas
como nos: e os gregos poucas mais: porque as gẽtes da eu
ropa falão todas cos beiços dẽtes e põta da lingua cõ a
qual põdoa em diuersas partes da boca formão diuersas le
tras: e nos mais que todos cõ a boca mais aberta e as nossas
vozes são mais fora da boca: o que não tẽ os hebreos e arabi
gos cuja propria e aspiração. porque elles formão suas vozes
dẽtro quasi na fresura dõde falãdo lãção muito espirito. E
pois nos as letras que mais dẽtro formamos que são .c. e .g. não
chamamos aspiradas: tão pouco o chamemos a essoutras
que trazẽ menos esperito do .c. quando lhe probo grãmatico
chamou dobrado / cuido eu que sentio isto que eu sinto: pois o
g. quẽ não ve quanto e seu chegado: se alghũ perfioso quiser para
lãçar dãtre os latinos esta aspiração mais proua que a esperiẽ
çia. Damoslhe quintiliano o qual diz no primeiro liuro assi
Olhe bẽ o grãmatico diz se ãtre os latinos sobejão mais
letras que a nota daspiração a qual se fosse neçessaria tãbẽ teriamos
nota ou sinal de não aspiração: e aulo gellio quasi o
mesmo sinte aos tres capitolos do segũdo liuro: cõ os qaees
nẽ eu quero dar mais valia ao costume de muitos grãmati
cos: nẽ quero deixar a esperiẽcia que me mostra não auer as
piração nestas terras: se não se elles chamão aspiração a
qualquer spirito: o qual todas as letras tẽ ou pouco ou muito
e hũas são diferentes das outras ẽ diminuyção /acreçẽta
mẽto ou qualquer mudãça d' spirito. Como .b. e p. f. e v. d. e t. e
outras como logo diremos: o que não chamamos aspiração
23porque desta feyção todas as letras são aspiradas: mas e
aspiração hũ grande espirito / grande digo eu em cõpara
ção do acostumado nas letras e vozes: e esse grande espi
rito arrancado do estamago: do qual zomba Catullo con
tra arrio: e testemunha disso quintiliano no primeiro e
o mesmo entẽdo eu que plinio faz no começo do liuro deste
mesmo numero.

Capitulo .xvij.

Porque nos ja dissemos que antre nos e os latinos
tambẽ era sobeja esta letra .k. agora o queremos
repetir porque de feyto desta letra e do vso della
duuidão a mayor parte dos grãmaticos latinos
posto que Diomedes diga que serue sempre seguindose .α. breue
Ao qual ajuda Marçiano capella: mas não se estende tan
to: e com tudo cõtra estes e muitos mais e milhores val
so a autoridade de Quintiliano e muito mais a esperien
çia da nossa lĩgua õde ella não serue da qual nos aqui falamos.

Desta letra .q. pareçe Quintiliano duuidar antre os la
tinos: a quem segue Diomedes / mas porem Marçiano
diz outra cousa: e com tudo os latinos aperfiem consigo
nos da nossa lingua sentimos isto que estas syllabas .ca e
coa e co e cu. Bem podẽ escusar essa letra .q. como cadey
ra. coando começo. cuberto: e tambẽ estoutras .ce e ci. Co
mo ceyxume e cina: se não que aos vulgares sera trabalho
so: e por tanto em quando com liquida e em queyxume e
quina escreuamos .q. ainda que o meu pareçer era que ne
stes derradeiros pois não soa letra liquida não se escre
uesse se não assi: qeixume e qina / e assi outros semelhantes.
E porem o costume val muito / sem o qual a escritura
por ventura ficaria duuidosa.

Capitolo. Xviij.

Ate aqui dissemos do proprio genero e particu
lar d' cada letra / agora vejamos da comunicação
que alghũas tem / ou dalghũa partiçipação que to
24das tem antre si: das vogaes antre u e o pequeno ha tanta
vezinhença que quasi nos confundimos dizendo hũs somir
e outros sumir: e dormir ou durmir / e bolir ou bulir
e outras muitas partes semelhantes. E outro tanto antre
.i. e e. pequeno como memoria ou memorea / gloria: ou
glorea. Ainda que eu diria que quando escreuemos .i. na
penultima sempre ponhamos o acçento nessa penultima
seguindose logo a vltima sem antreposição de consoante /
como / arauia / e se a tal penultima assi d' vogaes puras não
teuer o açẽto não na escreueremos cõ .i. se não cõ .e. como
glorea / e memorea antre. as consoantes .b. e .p. são muy se
melhantes / e .c. com .g. tem muita vezinhença, / e .d. com .t.
f. com .v / l. com .r. singelo .ç. com .z / e .s. ou .ss. j. e .x. tambẽ:
as vogaes hũas cõ outras em ter voz: e as cõsoantes antre
si em ferir sobre as vogaes. E as letras semi vogaes ẽ
seu ofiçio: e as liquidas na sua valia todas tem hũas com
outras alghũ pareçer: e com tudo quaesquer que se pareçẽ
ainda que muito consigo trazem alghũa çerta maneyra d'
mouer a boca / lingua / dentes e beyços ou formar o es
pirito poronde temos neçessidade de as particularizar.

Tambẽ em se mudar hũas em outras tem as letras comu
nicação e guardão a rezão de seu parẽtesco ou vizinhẽça
Como todoudia / por todo o dia: e isto assi antre as vogaes /
como antre as consoantes das vogaes se trocão .
o. e ω. ε. e e. a. e α. E assi outras como fermoso e fermωsos
e fermosa / e αlegre e αlegria αmarão e amαrão:
poys as consoantes antre si tambẽ se mudão hũas em ou
tras / como amarano seu d's / por amarão o seu d's: no amor
de d's por em o amor de d's: pollo conselho de meus amigos /
em lugar de por o conselho de meus amigos. Pula
mão / por pus a mão.¶Das letras por si ja dissemos quan
to esta pequena obra pode consentir: agora saybamos co
25mo se ajũtão em syllabas: onde falãdo primeiro dos ditõ
gos faremos não os mesmos nẽ todos os da lingua latina:
mas tãbẽ alghũs outros e mais ẽ numero: porque as vo
zes da nossa lingua os tẽ: e quintiliano assi mãda escreuer
qualquer lĩgua como soa: e não somẽte a ortografia e diuersa ẽ
diuersas linguas mas tãbẽ em hũa mesma lingua se muda
cõ o costume.

Capitolo .xix. Das syllabas.

Syllaba dizẽ os grãmaticos e vocabulo grego e
quer dizer ajuntamẽto de letras: mas nos deixa
da a interpretação do vocabulo seja cujo for p
odemos dizer que syllaba he hũa so voz formada cõ
letra ou letras: a qual pode sinificar por si ou ser parte de di
ção: e assi as vogaes aĩda que sejão ẽ ditõgo podẽ fazer syl
laba sẽ outra ajuda: e as cõsoãtes não se não mesturadas
co as vogaes.¶Ditõgo dizẽ tãbẽ ser dição grega e quer di
zer ou sinifica e diz dobrado sõ: aueis dẽtender e hũa voz
cõ hũ so spirito ou e sillaba na qual são duas vogaes porque isto
queremos entẽder da syllaba que sejão ẽ ella todas as letras
que teuer vnidas cõ hũ so espirito e destes temos muitos na
nossa lingua: mais cuido eu que em qualquer outra pode auer
ao menos das que eu conheço. e esta he hũa das particulari
dades da nossa propria armonia.¶Os ditõgos que eu achey
antre nos portugueses são estes .ae. como tomae .ãe. como
pães .ao. como pao .ão. como pão .ãy. como mãy .ei. como
tomei .eo. como çeo .eo. como d's .eu como meu .io. como
fugio .oe. como soe .oi. como caracois .õe. como põe .oi. como
boi .ou. como dou .ui. como fuy. nos quaes .a. grãde e .a.
pequeno .e assi .e. grãde e ω grãde sempre se prepoẽ e todas
as outras as vezes se põe ãtes e as vezes d'spois hũas das
outras queremos aqui repetir quanto e neçessaria esta letra ou
sinal til pera os ditõgos porque se em çidadão e escriuão e
outros desta voz e outras escreuemos .m. ou .n. no meyo
26dira vilamo ou vilano: e se no cabo fica sobre a letra o somẽte
que e a derradeira: e se fosse .m. morderia a voz e aper
talia antros beyços: e o .n. não e nosso / porque a nossa lĩgua
e mui chea e .n. corta muito: somos cõtrairos a esta letra .n.
como diz quintiliano dos latinos: e e propria aos castellanos
como elle diz dos gregos. E nos aqui vemos e sen
timos co as orelhas que soa ali hũ til sobre ambas as letras
vogaes do ditongo: como escriuão escriuães: o qual co a
boca e beiços muy soltos tambẽ soa na mesma forma em
todas as syllabas em cujos cabos nos escreuemos .m. ou
n. errando cõ o costume: porque as letras mudas de cujo nu
mero são .m. e .n. ãtre nos nũca dão fim a dição alghũa nẽ
syllaba: e isto a esperiençia e propriadade das nossas vozes
no lo ensinão: e por tanto não escreueremos ensinar
com .n. na primeira syllaba nem embargar cõ .m. a imita
ção dos latinos poys nos taes lugares antre nos não
sentimos essas letras: mas nessas e outras muitas partes
escreuamos til.

Capitolo .xx.

Poys ja começamos a falar das letras em que
as nossas syllabas podem acabar vamos por
diante coellas. Das consoantes digo: porque
das vogaes qualquer dellas pode dar cabo as
syllabas. As nossas vozes acabão sempre em
voz perfeita e desempedida o que não cõsintẽ as letras mu
das: mas ao contrairo atão a boca e cortão as dições que
he proprio de mudos e grosseiros como vemos quasi nas
gentes de terras frias: os quaes Didovirgiliana respon
dẽdo a ilioneu: quer entender que pella pouca partiçipação
do sol são menos perfeytas e assi vemos que os latinos
poucas vezes e os Gregos mais poucas ou nunca fazem
o fim das suas dições em letra muda: seja logo esta
hũa condição da nossa lingua e não de pouco primor
27que os vocabulos nem syllabas delles antre nos nunca
acabẽ em letra alghũa das que por essa e nã outra rezão cha
mamos mudas as letras cõsoãtes em que as nossas dições
ou suas syllabas podem acabar são estas .l. r. s. e .z. as quaes
ja chamamos semivogaes ou quasi vogaes: porque nisto sã
soltas como vogaes e gozão d' seu offiçio em dar fim a di
ções ou sylbas como vogaes: pode acabar dição ou sylla
ba nesta letra .l. como peytoral / papel / barril / caracol / azul
e .r. como lagar / comer / dormir / señor / artur. E .s. como
entras / reues / dormis / retros .us não temos em cabo de
dição: mas temolo em cabo de sylba. Como buscar e custar.
Em .z. tambẽ acabão dições ou syllabas. Como cabaz
pez. juyz. arroz. alcatruz. Os ditongos reçebem despoys
de si til. ou .s. ou ãbas: como tabalião. escreueys. çidadãos
capitães lições.

Capitolo .xxj.

Antes de si todas as vogaes em ditongos e
fora delles reçebem qualquer letra consoãte
Como .ba. ca. ça. da. das. dei: e dou. dous. dão
e dões. Antes de letra liquida estara sempre
letra muda. Como / brauo / drago / crãguejo/
frangao / grosso. as mays letras que se ajuntao em hũa sylla
ba são quatro / a primeyra muda: e a segunda liquida e a
terçeyra vogal ou ditongo: e a quarta semi vogal ou til /
como frasco ou franco na primeira syllaba se cõtão .f. e .r.
e .a. s. ou til. Tãbẽ ha hi syllabas de tres letras. como trazer:
e outras de duas como cana: e outras d' hũa so como
era auarento. Contãose em hũa mesma syllaba todas as
letras que soão em hũa so voz. como em tardou .t. e .a. e .r.
se contão na primeyra syllaba. e .d. e .o. e .u. na segunda.

Capitolo .xxij.

E assi tambẽ as nossas syllabas nunca se começão ẽ
duas letras de diuersa natureza como sperãça: mas
28Sempre lhe daremos nos começos das taes vozes hũa vo
gal que soe coa primeira letra. Como esperãça. estrado. Por
que ja dissemos que a nossa lingua he muy cõprida no pronunçiar
das letras e sylbas.

Duas letras de hũa mesma natureza em hũa syllaba
juntas ambas em hũa parte antes ou despois não são ne
çessarias na nossa lingua como offiçio e peccado. as quaes
cada hũa de sua parte bem podẽ estar: como .sesta. sostra.
Ainda porẽ que cuido que este priuilegio tẽ esta letra .s. somẽ
te: duas vogaes de hũa mesma natureza não se ajuntão ẽ
hũa syllaba: e as que fazẽ ditongo serão sempre diuersas.

Capitulo vinte tres.

Duas syllabas de vogaes puras sem mestura ou
antreposição de consoãte bẽ se podem cõtinoar:
como fazia. ia. comia. Ainda que nos pella mayor
parte lhe metemos no meyo hũ .y. consoante co
mo Mayo. seyo. saya. ayo. mas não sempre: e se isto falta que
não metemos este .y. antrellas e as mays das vezes nas
partes onde alghũa destas duas vogaes ou syllabas assi
continoadas tem estas vozes ou alghũa dellas .i. ou .u. co
mo .duas. rua. maria. e tambẽ .o. pequeno como zamboa:
e cõ tudo ainda aqui não sempre mas tãbẽ .u. i. ou .o. se te
uerẽ despoys de si outra vogal tãbẽ soa antrelles muitas
vezes este .y. consoãte como marroyo. tiyo. arguyo. tiya.

Capitolo .xxiiij.

As dições que trazemos doutras linguas es
creuelas emos co as nossas letras que nellas
soão como ditõgo filosofo. gramatica: porque
todo o mais e empedimento aos que não sabẽ
essas lingoas donde ellas vierão: se não quan
do ainda forem tão nouas antre nos que seja neçessareo
pronunçialas co a melodia de seu naçimento: mas nos
29trabalhemos quanto poderemos de as amãsar e cõformar
co a nossa .autor;. rector. e outras comestas não nas escre
ueremos cõ .c. ãtes de .t. como os latinos fazẽ: porque a nos
sa lingua não cõsinte acabar as nossas syllabas em .c. nem
em outra alghũa letra muda: como .ac. ab. e .ad. e mays
poys nos taes lugares soa antre nos .u. ou .i. mesturado
em ditongo coa vogal que antes estaua assi o escreuamos.

Capitolo .xxv.

Quando hũa dição acaba em vogal e outra dição
logo começa tambẽ em vogal se são ambas dhũ
mesmo genero mesturanse ambas e fazẽ hũa vo
gal: e as vezes grãde d' seu genero de que ellas erão como d's
creuer: por de escreuer: estauassi por estaua assi: e comos
latinos por como os latinos:e se são de diuersos generos
a primeira perdesse e a segũda em que começa a segũda dição
fica e muitas vezes ẽ mayor cãtidade como mesturãsãbas
por mesturãse ãbas: e comeste por como este. Ainda porẽ
que as vezes ficão ãbas ẽteyras mayormẽte se são diuersas
como acaba ẽ a vogal: e começa a segũda.

Capitulo .xxvj.

As consoantes que se mudão hũa em outra são til.
em .n. e .r. ẽ .l. quãdo despois desses til ou .r. esta
alghũ artigo como .o. ou .a. ou .os. ou .as. assi co
mo polo. no. por .em .o. e por .o. e fezerãno por fe
zerão .o. e assi tambẽ no plural fezerãnos por fezerão os.
E isto se faz de neçessidade em que nos o custume ja pos e
para se conheçer se em fezerãnos aquele nos e artigo cõ
posto ou plural deste nome eu: então quando for plural
de eu. escreueremos cada hũ por si e o cabo da primeira
parte enteiro como fezerão .nos. bem as letras. que quer di
zer fezerão a nos bẽ as letras: ou lhe acreçẽtamos .a nos.
dizendo fezerão nos a nos: mas isto e ja quasi pregunta.

Tambem somos amigos de cortar as vozes: onde se es
30creuem.l. ou .r. quando despoys destas letras se auia des
creuer vogal como sylba por syllaba: e fezerdes por fezeredes:
e nos verbos nas derradeyras syllabas das segũ
das pessoas do plural que acabauão em des agora muda
mos o .des em .is: e ajuntamolo em ditongo co a vogal
que ficaua antes: como fazeys por fazedes: e amais por
amades.¶Tambem nesses verbos quãdo despoys das
pessoas que acabão em .s. vem logo artigo mudamolo .s.
em .l. como mudamolo por mudamos o: e amaylo vosso
deos: por amays o vosso deos.¶Todos estes são costumes
proprios assi como outros que ja dissemos e particu
lares da nossa lingua; e alghũ tanto pareçem compostos
ainda que não de todos afirmarey ser composição se não
que estas syllabas se mudão ou cortão para milhor me
lodia. Como neste vocabolo conuem a saber. Ao qual
podemos diuidir e dizer. Como vem a saber. Porque
assi o ouui pronũciar poucos dias ha no pulpito ao muy
to reuerendo padre mestre Baltasar da ordem do Car
mo: cuja lingua eu não tenho em pouco antros portugueses.

Capitolo .xxvij.

A quantidade das sylbas da nossa lingua e
muy façil de conheçer: porque as vogaes
em si dão çerta voz destinta as grandes das
pequenas / e as pequenas das grandes: com
tudo as grandes podem gastar mais ou me
nos tempo hũas que outras: e as pequenas outro tanto
antre si/ segundo as consoantes que se seguem a diante
as quaes tambem ajudão acreçentar ou demenuyr
nas vozes. Porque de neçessidade mais tempo gas
tão duas consoantes que hũa: as quaes tambem tem
espirito e ajudão a soar e ter vωz: mays tempo tem
esta letra .vogal. a grande. em gasto. que em gato.
31e mais tem esta letra .e. ẽ presto que em perto. e não mais
que por as mais consoantes que trazem por cuja considera
ção os latinos julgão a quãtidade de todas as suas sylla
bas porque as vogaes antrelles não tẽ diferença como antre
nos e os gregos.¶.i. e .u. letras vogaes tambẽ segun
do mais ou menos consoantes de que vierẽ acõpanhadas
assi gastarão mais ou menos tempo: mas ellas em .si. sem
pre são de hũa mesma quantidade e a mi me pareçe que sem
pre são grandes como ouuido. escudo. e em lugar de .i. pe
queno serue .e. pequeno como memorea / hostea / neçessareo
reuerẽçea: nas penultimas: das quaes partes e outras se
melhantes eu nũca escreueria .i. se não .e. porque eu tenho que
a penultima pura ou vltima qualquer que se escreue cõ .i. sempre
tem o açento da dição como .Maria .ouuir. e as que nam tẽ
esse açento da dição escreuense com .e. pequeno e não cõ
.i. como ja dissemos.¶Outro tanto dizemos de .u. vogal
como dissemos do .i. o qual .u. vogal sempre e grãde: como
gorgulho. arguyo: e em lugar de .u. pequeno escreuemos
.o. pequeno: como argoyr continoar. onde se esteuera .u.
poseramos o açento na penultima como concluyo.

Não pareça a alguem que nos confundimos .i. pequeno cõ
.e. pequeno: nem .o. pequeno com .u. pequeno: porque ellas
não são diuersas vozes e tam pouco não temos ha hi ne
çessidade de diuersas letras: mas e desta maneira que antre
.i. que e letra delgada aguda e viua e antre .ε. grande soa
na nossa lingua hũa outra voz mais escura: e não mais que
hũa: e a este chamamos .e. pequeno / o qual em hũas partes
soa mays e em outras menos como fazem as outras
vogaes: e õde soa mais podemos dizer que e mais vezinho
do .e. grande: onde tambẽ menos soa sera isso mesmo ma
ys vezinho de .i. mas não por isso dizemos que são duas letras
porque não muda a voz se não por respeito das con
32soantes mais ou menos: ou por qualquer outra vezinhẽça
de letras que se coelle ajũtão gasta mais ou menos tempo
e apareçe mais ou menos a sua voz como: escreueste: me
morea: mais soa .e. pequeno na penultima de escreueste.
que de memorea porque em escreueste tem a diante na mesma
silba hũa letra consoante .s. e em memorea tem logo
outra vogal em outra syllaba a qual lhe tira parte da voz
porque dous çapateiros vezinhos abatẽ a vẽda hũ ω outro:
e os estados baixos jũto cõ os poderosos parecẽ muito
menos: e esta .ε. a causa porque ainda em memorea e outras
semelhãtes partes a penultima pareçe mais pequena porque
antes de .si: tem hũa syllaba grande com açento: tã pequeno
fiqua este .e. nestas partes que muitos se enganão e escreuẽ
em seu lugar .i. o qual nos a hi não sentimos. e porque disse
que o ajudaua a ser pequeno a grande voz logo sua vezinha
que fiqua atras não sespantem porque assi estimamos
em muyto mais pouco as cousas pequenas despois que vi
mos muitas grandezas e os escudeiros da beira em sua
terra tinhão em muito hũ pelote frisado o qual não tem
em conta despois que fartam os olhos de ver sedas e ouro
de cortesãos: e bem vemos como em lãpreya e correya
e em outras partes comestas esta letra .e. pequeno que esta na
penultima soa mais que em memorea e neçessareo. e nã
somẽte soa mais mas tãbem em si tẽ o açento e prinçipal
tõ da dição assi porque antes não tẽ outra vogal mayor como
tãbem porque despois de si não se continoa logo outra
vogal mas metesse no meyo hũ .y. consoãte. Mas que diremos
destes nomes femeninos: capitoa: e viloa: e outros
comestes que tem .o. pequeno na penultima cõtinoãdose lo
go vogal sem antreposição de alghũa cõsoante e mais na
antepenultima tem .i. o qual nos dissemos que sempre .ε.
grande. Estes nomes eu nam nos pronũciaria nesta forma
33çidadoa. capitoa: viloa: rascoa: aldeoa. mas pronunçialosia
assi aldeã vilã çidadã. verdade e que rascã nem
capitã não são mui vsados: e com tudo zamboa e padoa
e quaesquer que o costume consentir: não vejo outra rezão
para os escusar se não a que dey de correya e lampreya
e assi e de feito que zamboa e padoa e bayoa: zaruatoa:
tẽ a antepenultima pequena. O numero das sillabas quin
tiliano o não quer determinar: mas nos podemos saber
onde ellas podem chegar desta feição: tomando cada vo
gal por si ella pode fazer syllaba e com letra semiuogal
tras si e com muda antes e mais com muda mesturada
cõ letra liquida assi .a. as: ba bas: bras: e .es. te tes tres.
e com ditongo como .o. ou. do dou: dous. e eu: se. seu: seus
a. ao. ão. ga: grao. graõ. e assi de todas as vogaes.

Agora e necessareo que digamos que cousa e syllaba
vltima e penultima: e ante penultima cujos nomes ja tra
tamos e auemos de repetir .vltima quer dizer derradei
ra e e claro .penultima quasi derradeira: e ante penultima
outra antes dessa quasi derradeira: em hũa qualquer de
stas se pode assentar o açẽto das dições da nossa lingua.

Do açento.

Capitolo .xxviij.

Acẽto quer dizer principal voz. ou tom dadição
o qual acaba de dar sua forma e melodia as dições
de qualquer lingua / digo as dições somẽte por
que a linguajem ainda no ajuntamento das dições
e no estilo e modo de proceder tem suas particularidades
ou propriedades: como a seu tẽpo em outra obra
mayor que desta materea espero de fazer direi: e não e mal
ordenado que neste lugar despois que falamos das partes
e materea das dições agora tratemos da forma dellas e
despois diremos das suas cõdições e estados. Esta for
ma das dições a que chamamos açẽto sem a qual se mal conheçem
34hũs vocabolos dos outros e neçessarea em cada
parte ou dição e em cada hũa não mais que so hũ açento
ainda que aos gregos pareceo outra cousa os quaes derão
ẽ hũa dição dous açẽtos e ao cõtrairo a duas dições hũ
açento: e nisto derradeiro os seguirão tãbem os latinos
nas partes onde se mesturão as dições que elles chamão
encleticas as quaes pronuncião de baixo de hũ açento
coa diçã precedente e se disto para que seja entẽdido pode
mos dar alghũ exemplo na nossa lingua seja nas partes
em cujos cabos se mesturão os artigos como fezerãno
por fezerão: e querẽno bem por querẽo bẽ: onde o artigo
se mete debaixo do açento da dição precedẽte: mas
a mỹo cõtrairo me pareçe: e e verdade na nossa lĩgua que
não ha dous açẽtos se não onde ha duas dições e não
compostas ou juntas em hũa:.

Os lugares deste açento de que falamos são antre
nos a vltima syllaba ou penultima: ou antepenultima:
daqui para tras o nosso esprito nem orelhas não consin
tem auer açento e a nação ou gente que outra cousa po
de sentir e cõsentir não se cõforma com nosco nẽ a musi
ca do nosso ouuido e do seu e hũa e conforme: isto digo
porque na lingua grega as dições que despois de si tẽ partes
encleticas ou atratiuas tẽ asinado hũ açento sobre a par
te encletica e outro seu proprio sobre si o qual as vezes fica
antes da penultima e isto acõteçe quando a prĩcipal dição
tinha o seu açẽto na antepenultima porque então em respeito
de todo o ajuntamento fiqua antes da antepenulti
ma. e assi cumo os gregos tem isto pode ser que tãbem
outras gentes o tem comelles e com tudo se pronuncião
ambos aquelles açentos ou qual delles elles o saibão:
eu não dou conta mais que escasamẽte da minha lingua a
qual não tem mais nem outra cousa que o dito.35

Capitolo .xxix.

Na vltima syllaba estara o açento das nossas dições
quãdo ellas acabão em .r. como pomar. Alcaçer
erua doutor. e artur. tirãdo alcaçer por ca
stelo o qual tem a penultima grande ainda que alghũs
o pronũcião alcaçere. cõ .e. no cabo e então fiqua o
açento na antepenultima.¶Tambẽ tem o açento na vltima
as partes acabadas em .z. como rapaz. perdiz: arroz.
arcabuz. e quãdo acabão em .l. como bancal. pichel. couil
çerol. azul. e outro tãto as acabadas em .s. como tomas.
nome proprio dhomẽ. inues. retros. tirando marcos. Lu
cas. e domingos. nomes proprios. e tirãdo os verbos os quaes
nas partes de suas cõjugações como tẽpos e pes
soas não guardão esta regra mas vão por outro caminho
como logo diremos. nẽ auemos dentẽder que estas regras
tem verdade nas partes ou lugares declinados: se nam
se particularmente se poderẽ cõprender nellas. e porque
os nomes e verbos nisto podem ter mais duuida sabere
mos que estas regras falão dos nomes no singular e dos
verbos na primeira pessoa do presente do indicativo e no
infinitiuo.¶As dições acabadas em til. tem o açento na
vltima como escriuão. çidadão. çidadã. aldeão. aldeã. tirã
do rabão. orfão orgão. couão. tauão mosca. ouregão. pintão.
e farão nome de lugar. e zimbão cousa de frades ver
dade e que estes todos tẽ a premeira ou penultima grãde
mas frangão tem vogal pequena nessa premeira silba nem
por isso deixa de entrar nesta eiçeiçam por que não tem
tam pouco o açento na vltima. Tambem as dições acabadas
nesta terminação: em. não tem muitas vezes o açento
na vltima como linhajem. menajem. mas vintem
porẽ tãbẽ. ninguem alguem. arreuem. almazem. desdem
e outras tem o açento na vltima como diz a regra e alghũas
36pessoas dos verbos como dissemos tambẽ se não
comprendẽ nesta regra: como amão / amauão e amarão /
preterito.¶As dições que tem vogal grande no cabo tem
o açento nessa vogal grande como aluara. eyxω. chaminε
guadameçi. peru. calecu. çegu. ja dissemos que .i. e .u. se contão
por vogaes grandes.¶As dições acabadas em ditõ
go tem o açento na vltima syllaba ainda que com esse diton
go tenham .s. ou til:como amei. amareis. amarão. futuro.
Cõ tudo resaluando nesta parte derradeira alghũas pes
soas dos verbos como ja dissemos.

He tam proprio a nos daremos o açento na vltima que
muitas vezes corrompemos a melodia das linguas estrã
geiras que aprendemos querendo as conformar co a nos
sa: e se assi o fazem tambẽ outras gentes elles o vejão eu
falo cos homẽs da minha terra.

Na penultima syllaba tem seu açento as dições que não
tendo a vltima grande ou cõ alghũa das cõdiçoes ja ditas
tem essa penultima grande como estudaste. estudauas. Ti
rãdo este nome que não he nosso proprio .vltimo e vltima e
assi se se tirarẽ outros não serão nossos comeste. os verbos
tambẽ em alghũas partes tem o açento na penultima po
sto que a vltima tenha as cõdições que dissemos que auia
de ter pera ter o açento em si: e as partes dos verbos que
a isso não tem respeito são como estas .amas .andas .ames
andes: e tambẽ apanhas. apanhes. acolhas. recolhas. E
porem não tem o açento na penultima: as partes que tendo
a ante penultima longa tem as outras duas seguintes
pequenas: como amauamos. faziamos ainda que isto falta nas
segũdas pessoas do plural: assi no presente futuro e prete
rito do indicatiuo como tãbẽ no presente do sojũtiuo assi
como dizemos estudamos. riremos. e digamos onde o
açento esta na penultima não embargando que essa penulti
37ma seja pequena e antepenultima grande: a qual se forma cõ
u. ou .j. vogaes grãdes.¶As dições que não tẽ nenhũa des
tas tres sylbas de que falamos grãde vltima nẽ penultima
nẽ antepenultima pela mayor parte tẽ o açẽto na penulti
ma como cãdea zãboa. ẽtoa. atroa.¶As dições que tẽ ou to
das tres estas syllabas grandes: ou a vltima com alghũa
qualquer das outras escolhe antre as outras o nosso costume
para lugar do acçẽto e som prinçipal da dição ou par
te a vltima como lugar / rosalgar. E com tudo da penulti
ma e antepenultima antes escolhe a penultima tam grãde
amigo e de chegar o açento ao cabo da dição: e poẽno
antes na penultima. como linguajem. giesta trouxerão.

Na penultima syllaba tem o acçẽto as dições que tẽ essa
antepenultima grãde tẽdo as outras seguintes vltima e
penultima pequenas: como amauamos. andauamos. Ardego.
etego. aspero. colera. e isto não sempre: mas pella
mayor parte / porque as segundas pessoas dos verbos
no plural dos tempos que disse seguem outra cousa.

O plural dos nomes segue as regras do açento do seu
singular: ainda que mude ou acreçẽte as letras ou as sylbas
ou a cãtidad' dellas. Como moço. moços: e mouço. mouços
fermoso: fermosos. papel. papeis. arnes. arneses. lição. lições.

Nos verbos o thema ou prinçipio são o presente
do indicatiuo: e o infinitiuo: mas não sempre as outras
partes do verbo seguem as formas destas primeiras posições:
nem nos açentos nem na ortografia: posto que se for
mỹdellas e como se tirão as eiçeições quasi se pode entender
do que fica dito: porque nesta pequena obra não ha
lugar para falar mais particularidades e não somẽte nos
verbos / mas tambẽ nos nomes e em outras partes ha hi
eiçeições: das quaes tambẽ assi nesta parte dos açentos
como de qualquer outra parte da grammatica aqui abasta
38amoestar o que nos assi fazemos.

Porque ja dissemos das syllabas e suas cõdições / ou ca
lidades o que podemos alcançar e a breuidade da obra reque
ria agora falaremos das dições. Primeyro de seu naçimẽto
a que chamão os gregos etimologia e despois da ana
logia que quer dizer proporção: ou semelhança cõ a qual se
mestura tambẽ a diferẽçia que tẽ antre si as vozes: e por der
radeiro diremos hũ pouco do conçerto que tẽ as partes da
oração hũas cõ outras.

Capitolo .xxx. Das dições.

Dição vocabolo: ou palaura: tudo quer dizer hũa
cousa: e podemos assi dar sua definçã. Palaura
e voz que senifica cousa ou auto ou modo: cousa
como artigo e nome auto como verbo modo co
mo qualquer outra parte da oração as quaes como sinificão
e que cousas: autos ou modos são estes que sinificão diloemos
ẽ outra parte onde falaremos das partes da oração. Ago
ra aqui não falamos das palauras se não em quanto são vo
zes: e por tãto so dizemos das cõdições da voz e escritura
dessas palauras: as quaes hão de ter ẽ si ajũtamẽto de sylla
bas assi como as syllabas se ajũtão de letras. Mas cõ tudo
tãbẽ pode ser a palaura d'hũa so syllaba ou letra: como
pão hũa so sillaba e .e. terçeira pessoa do verbo sustãtiuo
hũa so letra: O que primeiro nestas auemos dolhar: e o seu fũ
damẽto e dõde vierão a que os gregos chamão como disse
mos etimologia: e esta diuidimos ẽ nossa. alhea. e comũ.
porque as dições cuja etimologia aqui buscamos ou são nos
sas proprias: como castiçal. janela. panela. ou alheas como
ditõgo açẽto picote.alquiçe: ou comũs como mesa. çapato:
e cada hũas destas ou são apartadas como fazer ou jũtas
como cõtrafazer. ou são velhas como ruão / cõpgar / çicais
ou nouas cõmo peita e arcabuz. ou usadas como rẽda / sisa
casa / corda. Ou tãbẽ são proprias como liuro porque lemos
39ou mudadas como liuro estromẽto de musica ou são pre
meiras como liuro: ou tiradas como liureiro e liuraria:
de todas estas e de cada hũa dellas veremos agora.

Capitolo .xxxj.

As nossas dições são aquellas que naçerão ãtre
nos ou são ja tam antigas que não sabemos se
vierão de fora: nestas a grãmatica manda saber
donde / quando / porque / e como forão feytas: dõde
forão feitas: como pelote de pele: assi como tambẽ ja foy
em tempo del Rey dom Afonso Anrriquez capa pele:
quando forão fetas como sisa em tempo del rey dom Johão
o premeiro: porque forão feitas como aueyro nome
de lugar: porque dantes nessa terra moraua hũ caçador
daues ao qual como dalcunha chamauão o aueiro.

Tambem saberemos como forão feitas as nossas dições
assi como neste nome Sanctarẽ: no qual saberemos que se
não chamou santerea: segundo o requeria sua etimologia
e isto fazendoo assi a nossa lingua que e muy amiga de pro
nunçiar suas vozes co a boca aberta e sem muitos moui
mentos e no cabo e chea e solta: mas porẽ para saber todas
estas cousas requerese ler e ver muyto: e ainda assi
alcançaremos pouco: porque auemos de preguntar isto
a cada tempo e terra e pessoa muito pello miudo: ora poys
se como adeuinhando dixeremos que homẽ se chama
porque e o meyo de todas as cousas ou porque esta no meyo
do mal e do bem: e se dixeremos que molher se chama porque
e molle e velho porque vio muito: e antigo porque foy antes
dagora e tẽpo porque tẽpera as cousas e lugar quasi lubar
porque aluhe em si tudo: e senhor porque os senhores se
ñoream senhos senhorios sem outra mestura: e ler / quasi
liando ver. E tambem escreuer / quasi discretamente ver
E alfayate porque faz alfayas. E passaro porque passa vo
40ando.E onzena porque da onze por dez: e assi comestas podemos
tambem cuydar outras dozentas patranhas: as
quaes sempre são sobejas e muytas vezes falsas: e pouco
reçebidas antre homẽs sabedores que do pouco que cõ muy
to lendo e trabalhando aquerirão se prezão e não de ima
ginações aldeãs sem juyzo. Poys se alguem me dixer que
podemos dizer como temos muytos vocabolos latinos
e que isto alcanção os homẽs doutos que sabem lingua lati
na: como candea que vem de candela vocabulo latino: e mesa
de mensa que não somente e latino: mas tambẽ tẽ ainda
outro mays escondido naçimento grego de meson. que quer
dizer cousa que esta no meyo: assi outro tanto lume de lumẽ
latino: e homẽ de homo. e molher d' mulier. e liuro e por
ta e casa / e parede / e quãtos quiserdes. E não so latinos
mas gregos / arabigos / castelhanos.françeses: e toda quan
ta outra immundiçia poderem ajuntar. Preguntarlhey
então que nos fica a nos: ou se temos de nosso alghũa
cousa: e os nossos homẽs pois são mais antigos que os latinos
nessa conuersação que teuerão cõ os latinos: porque
bem não ensinarião: porque serião em tudo e sempre ensina
dos: eu não quero ter tam bayxo espirito e cuidar que deuo
tudo: mas sempre afirmarey que poys Quintiliano no pri
meyro liuro confessa que os latinos vsauão de vocabolos
emprestados quãdo lhos seus faltauão que tãbẽ da nossa
lĩgua tomarão alghũs / como nos tomamos da sua: os quaes
como nossos os auemos de tratar e pronunçiar e cõformar
ao som da nossa melodia: e ao sentido das nossas ore
lhas: e tambem os que forem alheos como alheos lhe da
remos o que seu for. E para que isto seja bem feyto he ne
çessario que nesta parte não tenha liçença se não quẽ com
habelidade e saber for mereçedor della.

Capitulo .xxxij.41

As dições alheas são aquellas que doutras linguas
trazemos a nossa por algũa neçessidad' d' costume
trato arte: ou cousa algũa nouamente trazida a
terra: o costume nouo traz a terra nouos vocabulos como
agora pouco ha trouxe este nome picote / que quer dizer burel
do qual porque de fora trouxerão os malgalantes o costume:
ou para milhor dizer o desdem de vestir o tal pano trou
xerão tambẽ o nome coesse costume: e alquiçe tã pouco e
vestido da nossa terra por isso tambẽ traz o nome estrangeiro
cõsigo. E arcabuz ha sete ou oytanos pouco mais
ou menos que veo ter a esta terra com seu nome dantes
nunca conheçido nella: e porem a este podemos chamar
nouo mais que alheo / porque pode ser que tão pouco
dantes não era vsado nessa terra dõde o nos trouxemos
ou tomamos. Ora pois de tal nome comeste que nem e ma
is proprio nẽ mais antigo em outra terra que nesta se quise
remos saber a etimologia ou naçimẽto delle ha mester que sai
bamos onde premeiro naçeo esta cousa a que chamamos ar
cabuz e quẽ no pario este nome digo assi nouo naçido: nã
so a terra: mas a pessoa particular hauemos de saber e ẽ
tão lhe preguntemos porque lhe assi chamou: e pode ser
que a pessoa que achou a cousa não lhe pos logo o nome: ou
por ventura não jeste nome mas outro / e despois lhe poserão
este. E por vẽtura antressa gente a que o nos foremos
pregũtar sera tão nouo que nos preguntarão outro tãto co
mo nos a elles: assi que e trabalhoso e pouco çerto querer saber
os naçimẽtos particulares das dições. E neste pare
çer he tãbẽ quintiliano no primeyro liuro. Mas porẽ podemos
saber e e bẽ e neçessario que saibamos os nacimẽtos
em genero como se são nossas as dições se são alheas:
se são nouas velhas ou vsadas: e se são cõpostas ou apartadas.
E assi de qualquer outra maneira das que apõtei e ey de
42tratar ou trato ja: poys se queremos pregũtar pella interpretação
do nome como se fez e porque: como se dissessemos
arcabuz se chamou de arca porque tem a arca do cano mayor
que a espingarda: e formase não per composição ou ajũ
tamento: mas acreçentando aquella silaba .buz. a qual quasi
e sinal de aumento ou grandeza da cousa como esta sillaba
ão. nestes nomes rapagão: molherão: e como .az. nestes .be
berraz. velhacaz: ainda assi tambẽ he duuidosa a etimolo
gia particular: e não so duuidosa mas em parte escusada
porque posto que a arte e a deligẽçia ensine como se formão as
dições: todauia saber dõde e porque: quando os homẽs dou
tos o não podẽ alcãçar não curão de imaginações / porque
nisso tanto pode fazer hũa molher farta dagua comelles:
e porque disto ja fica dito no capitolo preçedente tornemos
a falar das dições alheas as quaes tambẽ com alghũ trato
vem ter a nos: como de guine e da India onde tratamos
e cõ arte não somẽte quando a arte vẽ nouamẽte a terra
como veo a da impressão: mas tambẽ nas artes ja vsadas
quando de nouo vsão alghũ costume os alfayates em vestidos:
e os çapateiros em calçado: e os armeiros em ar
mas d' nouas feyções / e assi os outros: porque os homẽs fa
lão do quefazẽ: e por tanto os aldeãos não sabẽ as falas da
corte: e os çapateiros não são entendidos na arte do ma
rear / nẽ os lauradores dantre douraminho entendem as
nouas vozes que estano vierão de Tunez com suas gorras.
Mas tornãdo a nosso proposito a estas dições alheas cõ
neçessidade e não façilmẽte trazidas chamarlhemos alhe
as em quãto forẽ muito nouas de tal feição que não possamos
negar seu naçimẽto: e despoys pelo tẽpo a diãte cõ
formandoas cõ nosco chamarlhemos nossas / porque desta
maneira forão as que agora chamamos comũs de que logo fa
laremos.

Capitolo .xxxiij.43

Dições comũs chamamos aquellas que em muitas
linguas seruem igualmente: e o tempo em que
se mudarão dhũa lingoa para outra: fica tão lõge
de nos que não podemos façilmente saber
de qual para qual lingua se mudarão: porque assi as podião
tomar as outras linguas da nossa / como a nossa dellas: co
mo alfayate. almoxarife. alguidar: almocreue. E muitas
outras dições começadas nesta sylba .al. as quaes dizem
que são mouriscas: e assi tambẽ dizem ser não somẽte lati
nas as nossa palauras: e castellanas: e doutras nações
nossas vezinhas: mas de greçia e doutras gentes mays
apartadas de nos: e com que nunca conuersamos dizẽ estes
curiosos ser muitas dições das nossas: e de tal feyção se
aleuantão contra a nossa lingua: e a fazem pobre e toda
emprestada que lhe não deyxão nada proprio como se não
ouuera homẽs na nossa terra antigos e nobres: e sabedo
res: mas por ventura os ossos de seus pais e auos destes
que isto dizem não jazem em portugal: ou se jazem nesta
terra não jazem em propia sepultura:portanto deyxemo
los ficar com sua magoa acusandoos porẽ muy afincada
mente: porque desfazem muito na gloria do çeptro e coroa
do nosso reyno.estes assi como tambẽ cortão a perpetuidade
delle os que de nouo trazem noua lingua a ter
ra: porque a lingua e a vnidade della he mui çerto apellido
do reyno do senhor e da irmandade dos vassalos: e o rey
ou senhor ainda que fosse estrangeyro e viesse de fora senho
rear em algũa terra hauia de apartar sua lingua e não na
deyxar corrõper com alghũa outra: assi parelle viuer em
paz como tambẽ porque seu reyno fique e perseuere em
seus filhos: quanto de minha parte segundo eu entendo
eu juraria que quem folga douuir lingua estrangeyra na sua
terra não e amigo da sua gente nem conforme a musica natural
44della: mas donde isto naçe eu direi mais alghũa par
te disso ẽ outro tẽpo se agora me quiserẽ ouuir este pouco.

Capitulo .xxxiiij.

As dições apartadas a que os latinos chamão
simprezes ou singelas são aquellas cujas partes
não podẽ ser dições inteiras: mas diuidẽse somẽte
em syllabas e letras ou tambẽ não se podẽ
deuidir quando não tẽ mais que hũa so letra como .ε. terçeyra
pessoa do presente do indicatiuo no verbo sustãtiuo: e co
mo .i. por .ide. imperatiuo deste verbo .ir. e como muitas
conjũções e preposições e auerbios e outras partes assi
das que elles dizem que se não declinão como tambẽ das declinadas
ora sejão artigos ou quaesquer outras: diuiden
se poys as dições singelas ou apartadas como dou. das.
dar. e como .es. segunda pessoa do verbo sustãtiuo: e em si
labas se diuidem: como / damos / e somos / e andamos: e
não se podẽ diuidir em dições como .fazer. porque .fa. por si
não diz nada e .zer. tampouco: e posto que se possão diuidir
quãto a voz, o seu primeiro e prinçipal intento e seu sini
ficado não consitẽ a tal diuisão: porque ainda que este verbo
.amariamos. como outras muitas partes tãbẽ fazẽ se pos
sa apartar em outras partes que sinificão apartadas como
em ama. nome de molher que cria ou verbo imperatiuo e tã
bem indicatiuo: e mais em riamos preterito imperfeito
de rir. não por isso lhe diremos que e parte composta ou jũ
ta. porque não e seu intẽto em amariamos de amar sinificar
essoutras cousas nem forão as partes desta voz amariamos
em quanto sinifica amar trazidas doutras dições e jũtas
aqui por arte / mas aqui naçerão e de prinçipio a natu
reza as pos neste lugar quanto a este sinificado digo: do
que dixemos podem entender o que se requere para hũa di
ção ser apartada ou singela.

Capitulo .xxxv.45

As dições juntas a que os latinos chamão cõpostas
são cujas partes apartadas sinificão ou po
dẽ sinificar e sã dições por si ou partes doutras
dições ẽ que premeiro seruião: e donde tẽ seu primeiro
e proprio naçimẽto ao cõtrairo das apartadas: ou
as dições jũtas são aquellas ẽ que se ajuntão diuersas dições
ou suas partes fazẽdo hũa so dição: como cõtrafazer. Refa
zer. desfazer. nas quaes dições se ajũtão diuersas outras di
ções ẽ cada hũa d'llas. ẽ cõtrafazer se ajũtão cõtra e mais
fazer. E ẽ refazer se ajũtão .re. e mais fazer: e em desfazer
des. e mais fazer. e posto que cada hũa destas partes não sinifique
apartada por si como .re. e des. que apartadas não dizẽ
cousa alghũa abasta que hũa qualquer das partes da cõposi
ção possa sinificar como aqui sinifica fazer: e cõ tudo para
mais abastança se se achar alghũa dição junta cujas partes
apartadas nenhũa dellas por si sinifique como. desde
tampẽ. e então. e nelhures. e algures. e tamalaues. Ainda
assi lhe chamaremos dição junta: porque o primeiro fundamẽto
daquellas partes e serem diuersas / e estar cada
hũa por si: as quaes aqui se ajuntão e fazẽ hũa so dição e
cõ tudo não sempre podemos alcãçar donde vem as partes
deste ajuntamento e tambẽ nas dições diriuadas ou tira
das donde alghũas são tiradas he dificultoso saber.

Alghũas partes ou vozes temos na nossa lingua as
quaes são partes porsi / mas não sinificão cousa alghũa e por
tãto não lhe chamaremos partes da oração ou da lingua
como são o nome e verbo e outras: mas todauia fazẽ ajũ
tamẽto ou composição porque de seu naçimento ellas são a
partadas: mas tẽ por offiçio seruir sempre em ajũtamẽto
e nũca as achamos fora delle: e são estas as partes .re. es.
e des. As quaes se ajuntão assi .reuender. estoruar. Desconçertar.
E porẽ em que não sinifiquem apartadas por si /
46fazem sinificar as dições com que se ajũtão mais ou menos
ou ẽ contrairo. Hũa çerta maneira de dições mayormẽte
verbos temos nos que pareçẽ juntos como apanhar: ar
ranhar. açoutar. abertura: abastança. açerto: mas na verda
de isto em muitas partes não he ajuntamento se não costume
bẽ ameudado antre nos: posto que as vezes tambẽ he
ajuntamento: como acorrer. apareçer. aconselhar. porque as
partes dos primeiros não se achão apartadas. e as destes
derradeiros si: como correr. pareçer. conselhar. E porque
aqui e tempo como d' caminho quero dizer deste auerbio
ate o qual antre nos responde ao que os latinos dizem vsqz
este auerbio digo / alghũs o pronunçião cõforme ao costume
da nossa lingua que he amiga dabrila boca: e danlhe a
quella letra .a. que digo no começo: mas outros lhe tirão
esse .a. e não dizẽ ate: mas dizẽ te não mais começãdo ẽ .t.
Antre os quaes eu contarey tres não de pouco respeito
na nossa lingua: antes se ha de fazer muyta conta do costume
de seu falar e são estes. Garçia de resende em cujas
obras o eu li no Cançioneyro portugues que elle ajuntou
e ajudou. E Joam de Barros ao qual eu vi afirmar que
isto lhe pareçia bem: e a mestre Baltasar com o qual falã
do lhe ouui assi pronunçiar este auerbio que digo sem a / no
começo e com tudo a mi me pareçe o contrayro: e ao con
trairo o vso dandolhe .a. no começo: assi como damos a
muitas dições segundo o que fica dito.

O que dissemos das vozes começadas ẽ .a. podemos
tambẽ dizer das que começã em .es. e em: que podem ser
juntas ou sera somente costume como disse: costume nestes
ensino. e ensinar. escuitar. esperar. e ajuntamento ne
stoutros. encarregar. esguardar. espedaçar.

As dições juntas as vezes se ajuntão de duas partes
e as vezes de mais: de duas pella mayor parte / como
47empedir. encolher. d' mais como desempedir desencolher
e as mais não serão mais que tres como aqui são des. e .em.
e pedir ou colher.¶As partes destes ajuntamẽtos ou to
das guardão a forma que tinhão dantes ou não todas a gu
ardão ou nenhũa dellas. todas como empedir: desempedir.
não todas como aquelloutro onde a premeira parte
perde hũa letra .e. do cabo: e nenhũa dellas fica enteira: co
mo nelhures que pareçe ser composto de nenhũ e mais lugar:
e algures outro tãto: e nestas mudanças das partes
e letras o que fica por dizer e da ortografia e não he este o
seu lugar.¶As dições juntas as vezes guardão a mesma
sinificação que tinhão as suas apartadas. e as vezes to
mão outra quasi semelhãte: e outras vezes muito deferẽ
te: guardão a mesma sinificação como toruar e estoruar:
tomão outra quasi semelhante como guardar e resguar
dar. chegar. e achegar: são de todo diferẽtes como podar
e apodar: pedir: e empedir: e nam so diferentes / mas
tãbem cõtrairas como fazer: e desfazer: ãdar e desãdar. e
quãdo fiquão na mesma sinificação ou acreçentão essa si
nificação como vẽder e reuender: ou a demenuẽ como a
çertar e cõçertar porque mais chegado e ao fim açertar que
conçertar e traz cõsigo mais perfeição desse auto o qual
ainda que pareça diferente não e muita a diferẽçia e compo
sição não ha hi que duuidar della posto que se perca esta letra
.a. do começo de premeiro verbo açertar. quando lhe ajũ
tamos esta parte .com. no começo dizendo cõçertar: porque
assi se faz em outras partes que se mudão e tirão e acreçantão
letras: de como esta parte .re. no ajuntamẽto tem
virtude de acreçẽtar: e estoutra .des. tem virtude de desfa
zer: ou diminuir: ou fazer o contrairo: e como esta parte
.com. sinifica muitas vezes cõpanhia: cujo exẽplo seja con
chegar: e conjuntar: destas e doutras meudezas não fala
48mos porque para esta obra abasta o que dissemos.

Capitolo xxxvj.

As dições velhas são as que forão vsadas: mas
agora são esqueçidas como .egas. sancho. dinis. No
mes proprios e ruão que quis dizer çidadão segũdo
que eu julguey ẽ hũ liuro antigo o qual foi tras
ladado em tẽpo do mui esforçado rey dom Johão da boa
memorea o premeiro deste nome em portugal: por seu mã
dado foy o liuro que digo escrito e esta no moesteiro de Pe
ra longa: e chamase estorea geral: no qual achei esta com
outras anteguidades de falar. mas destas e doutras que
por lugares mais particulares achamos cada dia quanto nos
hauemos daproueitar ou seruir e como: logo o diremos
Poys ẽ tẽpo del rey dõ afonso anrriquez capa pelle era no
me de hũa çerta vestidura e não somẽte de tãto tẽpo / mas
tãbẽ antes de nos hũ pouco nossos pays tinhão alghũas
palauras que ja não são agora ouuidas: como cõpgar que
queria dizer comer o pão cõ a outra viãda e nemichalda
o qual tanto valia como agora nemigalha segundo se declarou
poucos dias ha / hũa velha que por isto foy pregũtada
dizẽdo ella esta palaura: e era a velha a este tẽpo quando isto
disse de çento e dezaseis ãnos de sua idade. Estas diz çiçero
no terçeiro liuro a seu irmão quinto. as velhas digo
nos diz elle que guardão muito a anteguidade das linguas
porque falão com menos gente: acarão que quer dizer jũto ou
apar: e samicas que sinifica por ventura: e outras piores
vozes ainda agora as ouuimos e zõbamos d'llas: mas não
e muito de marauilhar diz marco varrão que as vozes ẽuelheção
e as velhas alghũa ora pareção mal porque tambem
enuelheçẽ os homẽs cujas vozes ellas são: e isto e verdad'
que a fremosa meneniçe despois de velha não e para ver: e assi
como os olhos se ofendẽ vendo as figuras que a elles não
49contentão assi as orelhas nã consintẽ a musica e vozes fo
ra de seu tempo e costume: e muy poucas são as cousas que
durão por todas ou muitas idades em hũ estado quanto
mais as falas que sempre se conformão cõ os conçeitos ou
entenderes / juyzos e tratos dos homẽs: e esses homẽs
entendem julgão: e tratão por diuersas vias e muytas: as
vezes segundo quer a neçessidade: e as vezes segundo pe
dem as inclinações naturaes.¶O vso destas dições antigas
diz Quintiliano traz e da muita graça ao falar quando
he temperado e em seus lugares e tempos: a limitação
ou regra sera esta pella mayor parte que das dições
velhas tomemos as mais nouas e que são mais vezinhas
de nosso tempo: assi como tambẽ das nouas hauemos de
tomar as mais antigas e mais reçebidas de todos ou da
mayor parte: ainda porem que não sempre isto he açertado /
porque muitas vezes alghũas dições que ha pouco são pas
sadas são ja agora muito auorreçidas: como abem / ajuso
acajuso / a suso / e hoganno / algorrem: e outras muitas: e
porẽ se estas e quaesquer outras semelhantes as metere
mos em mão dhũ homẽ velho da beyra: ou aldeão não lhe
pareçerão mal: mas tambẽ não sejão muitas nẽ queyramos
vangloriarnos por dizerem que vimos muitas anteguidades:
porque se essas dições antigas que vsamos: as quaes sen
do moderadas nos auião dafremosentar forem sobejas
faram muito grande disonançia nas orelhas de nossos tẽ
pos e homẽs.

Capitolo .xxxvij.

As dições nouas são aquellas que nouamente ou
de todo fingimos ou em parte achamos: de todo
chamo quãdo não olhamos a nenhũ respei
to se não ao que nos ensina a natureza para o que
teuerão liçença os premeiros homẽs quando premeiro
50nomearão .toalha e gardanapo e quando dixerão chorar
.cheirar: espantar: e outros muitos que não são tirados de ne
nhũa parte: nos jagora para fazer vocabolos de todo assi
como digo não temos mui franca liçẽça mas porẽ se acha
semos hua cousa noua ẽ nossa terra bẽ lhe podiamos dar
nome nouo buscãdo e fingindo voz noua como poderião
ser as rodas ou moendas em que agora se fala e dizẽ que hão
de moer com nenhũa e pouca ajuda. Esta tal cousa nunca
ainda foy vista por tanto não pode ter nome se agora de
nouo for achada trara tambẽ voz noua consigo.

Achar dições nouas em parte e não de todo he quãdo
para fazer a voz noua que nos he neçessaria nos fundamos
em alghũa cousa como em bombarda que he cousa noua
e tem vocabolo nouo o qual vocabolo chamarão assi por
amor do som que ella lança que he quasi semelhante a es
te nome bombarda ou o nome a elle e daqui tambẽ tiramos
estoutro isso mesmo nouo esbombordear.

Fingir ou achar vocabolos nouos e perigo diz Quintiliano
em tanto que se são bos não vos louuão por isso
e se não prestão zombão de vos. Verdade he que não ha
cousa tam aspera que o vso não abrande: mas com tudo
não se faça ley do costume dos piores: porque as falas dos
que não sabem farão escarneo de si mesmo e de quem as
faz e vsa. Pois logo desque bem forem fingidos ou acha
dos os vocabolos o vso delles se fara com muitos resgua
rdos o premeyro que desses vocabolos nouos tomemos
os mais velhos como dissemos no capitolo preçedente:
E outro resguardo seja que com serem mais velhos sejão
tambem mais vsados e ameudados / e o vso delles seja aprouado
por aquelles que mais sabem: e tambẽ teremos es
toutro resguardo no vso das vozes nouas que sempre as sal
uaremos cõ alghũ sinal d'stes ou outro qualquer semelhãte: os
51sinaes são: como dizẽ: porque assi diga.ou fale. porque vse d'ste
vocabolo: ou dizer. como dizẽ la. como diz foão. quasi dã
do a entender que não vsamos açinte da tal nouidade ou tã
bẽ velhiçe se for cousa velha porque tãbẽ das vozes velhas
dizemos outro tanto como das nouas nestes resguardos.

Capitolo .xxxviij.

As dições vsadas são estas que nos seruem a ca
da porta (como dizẽ) estas digo que todos falão e
entendẽ as quaes são proprias do nosso tẽpo e
terra: e quẽ não vsa dellas e desentoado fora do
tom e musica dos nossos homẽs dagora.Algũas destas
ficarão ja de muito tempo ha tãto que lhe não sabemos seu
prinçipio particular: mas em geral sabemos que he destas que
aqui se chamão vsadas e não embargando sua anteguida
de durão ainda como são muitas quasi as mays das dições:
algũas destas forão nouas mais pouco ha: mas por
serẽ mui frequẽtadas não fazemos ja nenhũa diferẽça de
las a essoutras: e porẽ de todas ellas ou são geraes a todos
como d's pão vinho / çeo e terra / ou são particulares: e es
ta particularidade ou se faz ãtre offiçios e tratos como os
caualeiros que tẽ hũs vocabolos: e os lauradores outros: e
os cortesãos outros: e os religiosos outros: e os mecanicos
outros: e os mercadores outros: ou tãbẽ se faz ẽ terras
esta particularidade porque os da beira tem hũas falas
e os Dalentejo outras: e os homẽs da estremadura são
diferentes dos dantre douro e minho: porque assi como os
tẽpos assi tãbẽ as terras crião diuersas cõdições e cõçei
tos: e o velho como tẽ o entender mais firme cõ o que mais
sabe tambẽ suas falas são de peso e as do mançebo mays
leues: mas o que me espanta muito / e que na lingua latina na
qual despoys que os latinos acabarão não temos nos que
não somos latinos liçença de por / nem tirar: nem mudar
52nada: nesta lingua latina digo vejo ãtre os letrados della
assi como são de diuersas faculdades hauer diuersos vocabolos
e geitos de falar e dizẽdo todos hũa mesma cou
sa não sentendem antre si. Mas os grãmaticos zombão
dos logicos: e os sumulistas apupão aos rheitoricos: e
assi de todos os outros. O qual defeito não sey cujo he:
ainda porẽ que não sey se lhe chamão elles defeito: mas eu
julgo o ser grãde e não da lingua: sera logo dos homẽs: e
para que possamos fugir destas e doutras culpas em qual
quer lingua e muito mais na nossa saibamos que a primeira
e prinçipal virtude da lingua e ser clara e que a possão to
dos entender e pera ser bem entẽdida ha de ser a mais a
costumada antre os milhores della e os milhores da lingua
são os que mais lerão e virão e viuerão continoando
mais antre primores sisudos e assentados e não amigos
de muita mudãça.

Capitolo .xxxix.

Dições proprias chamamos aquellas que seruẽ na sua
primeira e prinçipal sinificação. Como liuro que
desdo seu prinçipio e prinçipal intẽto sempre quis
e agora quer dizer este de papel escrito porque lemos
e assi homẽ e molher / terra pedra / e muitos infindos
outros das dições proprias: e de suas espeçias e do vso
dellas hauemos de falar mais largamẽte em outra obra
aqui so tratamos do naçimẽto das dições e hũa parte desse
naçimẽto e a propriedade de que aqui abasta o que apõtamos
todauia amoestamos que as dições proprias tẽ a prinçipal parte
da bõa e clara linguagẽ e destas vsaremos mais a meude

As dições mudadas a que os latinos chamão trasladadas
são as que por neçessidade ou melhoria d' sinificação ou
voz estão fora de seu proprio sinificado e ou estão ẽ lugar
doutra dição que não era tã bõa como nos queriamos para nos
so intẽto / ou estão õde não auia dição propria como liuro
53quando quer dizer estormento musico o qual por ser nouo e não
ter nome ou voz propria e ser semelhante ao liuro de papel
que he o proprio lhe chamarão assi: destas dições muda
das temos tãbem mais que dizer em outra parte.

As dições que chamamos primeiras chamão os latinos
primitiuas: estas são cujo naçimẽto não proçede doutra
parte mais que da võtade liure daquelle que as primeiro pos
como roupa. mãta. esteira. cadeyra. e matula e candieiro.
ainda que cãdieiro alghũ a que pareçera que voa muito pode dizer
que vem de cãdeo cãdes verbo latino que quer dizer resplã
deçer: porque o candieiro resplãdeçe: e porem quando tẽ lume
e não ja sempre: mas como quer que seja isto e cousa de riso: e
quando muito aperfiarẽ estes nossos latinos acalẽtemolos
dizendo que si.¶As dições tiradas a que os latinos chamão
diriuadas são cujos naçimẽtos vem doutras algũas
dições dõde estas são tiradas / como tinteiro / velhiçe / hõ
rrada / tiramos ou formamos hũas dições doutras para aba
steçer e fazer copiosa a nossa lĩgua: e porque nos não faltẽ vo
cabolos nas cousas: para as quaes todas os premeiros homẽs
não poderão dar vozes ẽ cõprimẽto: ja não digo para as cou
sas que elles não conheçião: porque mal pode dar nome a cou
sa quẽ a não conheçe: mas ainda as sabidas e trabalho no
mear de nouo: e porẽ porque hũas cousas ou são ou pareçẽ
chegadas a outras: ou tãbẽ desçendẽtes e espeçeas dellas
assi isso mesmo fazemos hũas dições quasi como espeçeas parti
çipãtes doutras: e ẽ outras fazemos as formas semelhãtes
e chegadas ẽ voz como tinteiro: pela vezinhẽça e trato
que tẽ cõ tinta lhe poserão esse nome: e velhiçe de velho por
que e sua propria: e hõrrada ou hõrrado de hõrrar: tẽ muita
parte assi na cousa como na voz: e a meu ver não digamos
que foy isto defeito de não acharẽ vocabolos: mas e cõforme
a bõa rezão que aja e se guarde a semelhãça das cousas
54nas vozes e assi são mais claras e dizẽ milhor seus sinifica
dos porque a diuersidade das vozes mostra auer diuersida
de nas cousas e tãbẽ a semelhãça por cõseguẽte das vozes
faz entẽder que as cousas não são diferẽtes e porque a forma
ção destas vozes que se tirão hũas das outras e alghũas par
tes ou nas mais requere ser julgada ou tratada na parte e
pellas regras de proporção ou semelhãça a que os gregos cha
mão analogia agora falaremos della que e outra parte desta
nossa grãmatica: e mostraremos como se guarda ãtre nos
porque ja dissemos ate aqui da etimologia da qual marco var
rão diz que se não alcãçaremos muito della nẽ por isso sere
mos dinos de culpa: mas antes ao cõtrairo quem souber
alghũa cousa sera de louuar: porque assi como as cousas apartadas
e particulares trazem consigo esqueçimẽto assi
tambẽ se alcanção com muita diligençia e trabalho a quẽ
não deue não ser dado muito agradeçimẽto.

Capitolo .xl. Da analogia.

Assi como a diferẽça das dições faz conheçer as
diuersas cousas hũas das outras segũdo fica di
to tambẽ assi a semelhãça das dições nos abre
caminho para que conheçamos hũas cousas por
outras segũdo que tẽ alghũa semelhãça ou pareçer ãtre si: e
por tanto os nomes se conheçem dos verbos e os verbos
cõ os nomes das outras partes: porque são diferẽtes
hũs dos outros e os nomes se conheçem por outros no
mes: e os verbos por outros verbos porque sam em alghũa
cousa e voz semelhantes cada parte destas cõ as outras
do seu genero: e cõ tudo não tãto que não tenhão alghũas
meudezas diferentes ou diferẽcias mais meudas e par
ticulares como o nome ser comũ ou proprio: ajetiuo e su
stantiuo: e o verbo pessoal ou impessoal: e mais ainda ca
da verbo ou nome tem diuersidade em outras mais cou
55sas: como o nome em estados: e o verbo em modos e tem
pos numeros e pessoas: dos quaes numeros e pessoas
o nome isso mesmo não e liure delles: e esta diferença ou
semelhança a que os gregos chamão anomalia / e analogia
ensinaremos nos na nossa lingua quanto nos d's ministrar
e couber nesta pequena obra: porque mostremos que os
nossos homẽs tãbẽ sabẽ falar e tẽ cõçerto em sua lingua.

Tem diferẽça as dições na voz assi como as cousas no
sinificado: porque hũas se declinão e outras não: e esta e a
premeira diuisão que fazemos das vozes que sinificão por
que e escusado fazer outras mais particulares: e com tu
do porque se saiba a quanto alcança este nosso deuidir sa
beremos agora premeiro que cousa he declinação porque alghũs
fracos grãmaticos se não enganem. Declinação e
diuersidade de vozes tiradas de hũ premeiro e firme prĩ
cipio por respeito de diuersos estados das cousas: a qual
assi e neçessarea como nas gentes o conhecimento dos
desuairados oficios e estados: e chamase declinação por
que daquelle premeiro principio firme que dissemos o qual
não se moue nem muda da sua premeira voz se declinão:
caẽ ou deçendẽ quasi como abaixãdose por graos porque
não tem a primoria que fica no premeiro principio as vozes
declinadas cada hũa por seu geito: e são muitas as manei
ras de se declinar as vozes: por que não somente se chama
declinação a dos casos como logo diremos: pois logo
se quiseremos bem olhar e cõfessar a verdade sera cou
sa mui chã que neste dizer se comprẽdem todas as vozes
sinificatiuas: as vozes hũas se declinão e outras se não
declinão. não se declinão nẽ se trazẽ doutros principios
as dições que chamamos premeiras: mas declinanse to
das as tiradas ou diriuadas: e não somente os generos
das dições tem seus principios firmes de que outras se tirão:
56mas as que en si particularmente se declinão como
são nomes e verbos: tambem tem seus premeiros e firmes
principios em que se fundão e afirmão: tẽ principio
as dições em os generos como liuro dõde se tirão liurei
ro e liuraria: e como porta donde porteiro e portaria: os
principios aqui não se mouẽ e são atre si diuersos como
liuro e porta: tem tãbem particulares principios cada di
ção por si quando se declina ou varia em si mesma como
o nome em numeros e o verbo em modos / tẽpos / nume
ros / e pessoas em o nome o singular e seu prĩcipio. e no
verbo o presente do indicatiuo e infinitiuo: e assi como
as vozes mostrão esta diuersidade nas cousas e estados
dellas assi tãbẽ nos fazẽ conheçer quãta semelhãça tẽ como
hũs nomes cõ outros: e hũs verbos cõ outros porque
os nomes tẽ sua forma distinta da dos verbos e cada parte
da oração se conheçe antras outras e em hũa mesma par
te as diuersas espeçeas ou estados do que tudo agora di
remos e de cada cousa destas.

Capitolo .xli.

Marco varrão diuide as declinações em naturaes
e voluntareas: volũtareas são as que cada hũ faz
a sua vontade tirãdo hũa voz doutra: como de
portugal portugues. / e de frãça: frãçes: mas de
frandes framengo. e de galiza galego. e com tudo não e
mui franca ou para milhor dizer solta a liberdade de todos
nesta parte porque posto que se não podẽ dar aqui mais
limitadas regras esta que. em toda parte se d'ue guardar
seruira tãbem aqui: que neste tirar das dições. o qual polla
mayor parte ja foi feito pollos antigos: e esse hauemos
de guardar: se aindagora o ouueremos mester seja cõfor
me a melodia da nossa lingua e seja entregue não a qual
quer pessoa mas aquelles de cujo saber e vontades nos
poderemos fiar cõ rezão: porque não sera fiel na nossa lingua
57quẽ lhe quiser mal: e mais saberemos que não todas as
espeçeas das dições tiradas são assi liures para poderẽ an
dar parõde quiserẽ porque os participios: e os nomes de
menutiuos e aumẽtatiuos e alghũs outros ainda que não
em tudo: não se tirã mas formãse guardãdo çertas regras
das quaes diremos na declinação natural porque nesta tra
tamos so das dições que não tẽ çerta lei de formação: e assi
como são os nomes das nações e outros muitos cujos
exẽplos logo daremos das nações como d' grecia que fez grego
mas de gocia nome não mui diferẽte destoutro grecia fe
zemos godo e não gogo como grego e d' arabia arabigo
mas de persia persio. e de asia asião e da india indio. e tã
bẽ dizemos sarnoso e não sarnẽto mas ao contrairo cha
mamos ao cheo d' sarapulhas sarapulhẽto e não sarapu
lhoso. e de pedras dizemos pedregoso. mas d' area areẽ
to. e de po nẽ poento nẽ pooso / mas ẽ outra figura e sinifi
cação ẽpoado. Se por vẽtura poderemos chamar a essou
tros tirados tambẽ tẽ a mesma variação por que de baçio
dizemos baçia ẽ diuerso genero: e de çepo çepa. e d' çesto
çesta. e de bãco bãca. mas não de mesa meso: nẽ de casa ca
so. e posto que dizemos bolo e bola: nem por isso dizemos
bizcoito e bizcoita nẽ paço e paça. nẽ liuro e liura. e d' frã
cisco dizemos francisca: mas não dizemos de Gõçolo
gonçala posto que este derradeiro e mais nosso: e não menos
de johane dizemos joana mas dafõso não nos atreuemos
a dizer afonsa. e aĩda nesses que temos somos diferẽ
tes porque de domingos dizemos domingas. mas de mar
cos que tambẽ acaba em .os. não dizemos marcas mas di
zemos marquesa nome proprio de molher. se quiserdes
que seja de marcos. e os nomes verbaes: assi tãbẽ são diferentes:
porque de ler dizemos lição: e de orar oração: mas
de amar e honrrar dizemos amor e hõrra ainda que não são
tirados estes derradeiros e não somẽte os tirados de di
58uersas partes são diferẽtes mas tãbẽ vindo dhũa mesma
parte como de capitão dizemos molher capitoa e não capitaina.
e de pescado ou pescar dizemos homẽ pescador:
e molher pescadeira: e barca pescaresa: e tudo isto não e
muito fazerse assi porque antros filhos dhũ so pai hũs são
mui feos e outros pareçẽ milhor: e parecese hũ cõ seu pai
e outro cõ sua mai e outro cõ nenhũ delles: e na lã d'hũa
so ouelha se acha alghũa boa e outra não tanto e na de
muitas jũtamẽte se tira hũa para bos panos e outra para
não tão finos: e per cõseguẽte hũas terras e aruores so hũa
mesma constelação dão fruito e outras não aproueitão para
cousa alghũa: e hũas por si multiplicão: e outras regadas
e curadas despois de muito trabalho não querẽ creçer ou
se secão: outro tãto e nas vozes: porque hũas não formão d'
si nada: e outras se podẽ multiplicar: e alghũas pareçẽ a
suas primitiuas ou premeiras dõde deçẽdẽ e outras não.
e outras muito: e muitas menos. E alghũas formações
tẽ milhor sõ ou musica que outras e são mais vsadas: e mais
que toda esta cousa não somẽte na nossa lingua e tã desuairada:
mas tãbẽ nas outras: e ãtre muitas da latina o afir
ma ser assi nella marco varrão cujo bo testemũha e .aulo
gellio no segũdo liuro aos .xxv. capitulos: e quintiliano no
primeiro liuro da a rezão porque: amoestãdonos que em cada
lingua notemos o proprio do costume della: ca esta ar
te de grammatica em todas as suas partes e muito mais
nesta da analogia: e resguardo e anotação d'sse costume
e vso tomada despois que os homẽs souberão falar: e não lei
posta que os tire da boa liberdade quãdo e bẽ regida e ordenada
por seu saber: nẽ e diuindade mãdada do çeo que
nos possa d' nouo ensinar: o que ja temos e e nosso: não em
bargãdo que e mais deuino quẽ milhor entẽde: e assi e verda
de que a arte nos pode ensinar a falar milhor ainda qu'não d'
nouo: ensina aos que não sabião e aos que sabião ajuda.59

Capitolo .xlij.

As declinações naturaes são mais sogeitas as
regras e leis de cujo mandado se rege esta arte
As regras ou leys que digo são como disse anota
ções do bo costume. As quaes porque aqui são
mais gerais e comprendem mais chamamoslhe naturaes
e de feito pareçẽ ser mais proprias e consoãtes a nature
za da lingua pois lhe ella mais obedeçẽ. E assi diz marco
varrão que a declinação natural e aquella que não obedeçe
a vontade particular de cada hũ: mas que e conforme ao co
mỹpareçer de todos: e mais não se muda tão asinha: pos
to que o vso do falar tenha seu mouimẽto como elle diz e
não perseuere hũ mesmo ãtre os homẽs de todas as ida
des: e com tudo tambẽ padeçe a grãmatica aqui suas eyçeições
como nas outras partes ainda que não tam bastas
e para que começemos a dar exemplos assi das regras geraes
como das eiçeições particulares: sabereis que tampẽ
aqui segundo nosso pareçer podem entrar alghũas espeçeas
de dições tiradas: como são os nomes dalghũs offi
çios mecanicos os quaes se são nossos proprios e são tirados
pella mayor parte acabão nesta terminação .eiro.
como pedreyro. carpenteiro çapateiro Dixe se são nossos
porque oriuez não he nosso e assi outros e dixe se são tirados
porque alfayate e calafate não são tirados e outros: mas
porẽ ainda dos nossos e tirados ha hi alghũs que não seguẽ
a regra que demos como ferrador. boticairo. çurrador. e ou
tros: e a regra que demos dos nomes dos offiçios que acabas
sem em .eiro. damos das offiçinas ou lugares desses offi
çios cujos nomes acabarão em ria: pella mayor parte co
mo oriuezaria. çapataria. carpentaria: mas de telheiro di
zemos telheira: e d' tauerneiro tauerna. e o lugar do mer
cador dizemos logea: e o do boticairo botica. Ainda porẽ
60que estes não são diriuados: tambẽ podemos dizer que e
regra geral que os nomes verbaes femeninos acabem todos
em .ão. como lição. oração. e os masculinos acabem
em or. como regedor. gouernador. e os demenutiuos em
inho. ou inha. como moçinho moçinha. e'os aumentatiuos
em az ou ão. mas porẽ dos verbaes acabados em ão
tiraremos isto que não de todos os verbos se podem for
mar mas tem outros nomes não tirados que seruem por el
les como de amar. amor. e de honrrar. hõrra. e dos acabados
em .or. tiraremos que tam pouco se podẽ tirar de to
dos: e os que se tirão poucos tẽ femeninos em a. Na declinação
natural onde falamos das dições tiradas: podemos
tãbem meter os auerbios os quaes quando são tira
dos polla mayor parte ou sempre acabão em mente. como
cõpridamente. abastadamente. chammente. e porem ha hi
muitos que não são tirados como .antes. despois. asinha.
logo. çedo. tarde: e quasi podemos notar que os auerbios a
cabados em .mente. sinificão calidade. e não todos os que si
nificão qualidad' acabão em .mẽte. porque ja'agora não di
remos prestesmente. como disserão os velhos nẽ raramẽte
os quaes velhos tambẽ forão amigos de pronũciar hũs
certos nomes verbaes em .mento. como cõprimẽto. Afei
çoamẽto. e outros que jagora não vsamos. Despois que disse
mos em comũ o que se nos ofereçeo nesta declinação natu
ral. Vejamos particularmẽte dos artigos / nomes: e ver
bos. cuja e esta mais propria.

Capitolo .xliij.

Nam dizemos aindagora neste lugar nẽ liuro que
cousa he artigo: nem tampouco mostramos qual o
ficio tem: porque aqui não falamos se não das for
mas ou figuras das vozes ou dições. e para isto
so abasta saber que os artigos na nossa lingua diuersificão
ou varião a forma de sua voz em generos: numeros e ca
61sos. em generos como .o. e .a. e ẽ numeros como .os. e .as
e em casos como o. do. ω. o. α. dα. a. α: os dos. ωs. os. αs.
dαs. as. αs. os generos são distintos em letras porque o mas
culino tẽ .o. e ao femenino serue a. e estas são proprias le
tras desses generos: tãbẽ nos nomes: e os numeros nisto
são diferẽtes que o plural sempre acreçẽta esta letra .s. sobre
o seu singular. e não faz mais aqui nos artigos de que falamos
posto que nos nomes as vezes se faz mais que acreçẽtar .s. co
mo diremos ẽ seu lugar. todauia não temos plural sem .s
nos nomes e artigos digo porque os verbos vão por outro
caminho. A diferẽça que tẽ os casos dos artigos e que no pre
meiro caso a que os latinos chamão nominatiuo e nos lhe po
demos chamar prepositiuo pola rezão que daremos quando fa
laremos da natureza dos casos e da composiçã da lĩgua
mas não nesta obra: neste premeiro caso os artigos mascu
linos acabão ẽ .o. pequeno no singular. E os femeninos e .a
pequeno. e no segũdo caso a que os latinos chamão genitiuo
e nos assi lhe podemos chamar ou possessiuo tambẽ nes
se acabão em vogaes pequenas os artigos o masculino ẽ .o
e o femenino ẽ .a. mas no terceiro caso a que nos e os latinos
chamamos datiuo. acabão os masculinos ẽ .o. grãde e
os femeninos em .a. grande: e no derradeiro a que os latinos
chamão accusatiuo: e nos pospositiuo: acabão em .o.
pequeno: os masculinos. e os femeninos em .a. pequeno. e no
plural todos estes acabão nesta letra .s. acreçẽtada sobre
o seu singular como dissemos: no começo tãbẽ temos variação
nestes artigos porque hũs casos começão em letra
vogal e outros ẽ cõsoãte: os que começão em letra cõsoãte
são os casos possessiuos assi no singular como no plural:
e todos os outros começão em ambos os numeros em
vogal. a letra cõsoãte em que aquelles começão he .d. e as vo
gaes são as mesmas em que acabão porque todos os artigos
62em todos os casos são monosyllabos que quer dizer de hũa
so syllaba: e por tãto na mesma voz em que começão nessa acabão:
e sẽ ditõgo.¶Nesta parte queremos amoestar que não
cuidẽ algũs quando dizẽ .ao. parao. aos. paraos. que tudo aquil
lo assi jũto e so artigo de datiuo. mas as premeiras partes
daquelles ajũtamẽtos .a. em .ao e para ẽ .parao. são proposições
e o artigo que trazẽ despois d' si não e datiuo mas e posposi
tiuo. o qual se segue sempre despois d' preposição e não algũ ou
tro caso: isto dixe porque alghũs grãmaticos o ensinão mal:
dãdo noticia dos casos a seus prĩcipiãtes. e quã mal o elles
entẽdẽ: se mostra no pouco proueito que lhes cõ isso fazẽ.
e mais que lhes pareçe que podẽ ensinar a falar cõ çerimoneas
mudas: no. do. polo. e co: são cõpostos ou jũtos. do. quando
sinifica d'.o. como venho do estudo. venho do paço. e polo
quando sinifica por .o. como por o amor de d's. e no por ẽ .o.
e co. por cõ .o. e anto por ãte o meu d's. e não somẽte estas
e outras composições se fazem com os artigos. mas tam
bem antreposições muitas vezes como. diloemos. por
diremos .o. amaloiamos por amariamos .o. e com tudo
nestas antreposições aquelle artigo .o. que se alli antre
põe he relatiuo: alghũ tanto diferente daqueloutros.

Aqui quero lẽbrar como em Portugal temos hũa cou
sa alhea e com grande disonãçia onde menos se deuia fazer:
aqual e esta. que a este nome rey damoslhe artigo castelhano
chamando lhe elrey: não lhe hauiamos de chamar
se nã: o rey: posto que alghũs doçes dorelhas estranha
rão este meu pareçer: se não quiserẽ bem olhar quanto ne
le vay: e cõ tudo isto abasta para ser a minha milhor mu
sica que a destes: porque o nosso rey e senhor pois tem
terra e mando: tenha tambem nome proprio e destinto
por si: e a sua gente tenha fala ou linguagem não mal
mesturada mas bem apartada: para que seja o rey mais
63nosso dizer que elrey: ajuda me muito o natural da nossa
lingua o qual imitão os castelhanos quando nos querem
arremedar dizẽdo. Mãda o rey de portugal. e não dizẽ
mãda el rey de portugal: que a elles era mais proprio dizer
mas isto fazem cuidãdo que assi falão mais portugues: e de
feito não se enganão.

Capitolo .xliiij.

Os nomes se declinão em generos e numeros:
em generos como moço. moça. e em numeros
como .moço e moços. moça e moças: as declina
ções dos generos são muitas e menos para cõprẽ
der porque posto que os nomes acabados em hũa letra qualquer
sejão mais dhũ genero que doutro não por isso se po
de dar regra vniuersal como nestas duas letras .a. e .o. das
quaes hũa e mais masculina e outra femenina: e com to
do tẽ suas faltas: porque isto. isso. e aquillo. são acabados ẽ .o.
e não são masculinos: mas são de genero indeterminado
não neutro como o dos latinos. e eixo. mouço. queiro. e
outros são femeninos. e em .e. pequeno. Tambem temos
nomes masculinos e femeninos: como almadraque: e alfaçe.
em .e. grãde. outro tanto como alquiçe. e chamine ẽ
.i. e .u. alẽ de auer mui poucos: tãbẽ são não muito nossos
como çafi. guadameçi. calecu. peru. e çegu. todauia são es
tas letras mais enclinadas a masculinos: em ditõgo sem
consoante acabão poucos nomes: e esses que são tẽ mais
pareçer d' masculinos como pao. birimbao. breu. treu. Bal
dreu. e esses ditõgos tendo cõsoãte ou til. são duuidosos
como lição: dição: rezão: melão: coração. as cõsoantes de
qualquer outra feição tambẽ são duuidosas ainda que mais
enclinadas a hũ genero que outro: por que em al mais são mas
culinos. como bancal: cabeçal: brial. e em el. como papel.
pichel. e em il. como barril: buril. e ẽ ol. como rol: çerol. e
em ar. como lagar: lugar. e em er. como alcaçer. e em or.
64com. ω grãde como suωr. mas quatro cõparatiuos. Mayor.
menor. milhor. e pior são de genero comũ. pois ẽ .or.
com .o. pequeno tãbẽ são masculinos polla mayor parte como
ardor. feruor: mas algũs são femininos como flor. cor
e dor em .ur. não me lẽbra outro se não artur nome proprio
dhomẽ: e mais não e nosso: os nomes ẽ .as. cõ .a. grãde: e ẽ
εs. com ε grãde são masculinos como ẽtras. inues. e ẽ .es
cõ .e. pequeno de genero comũ: como portugues. ingres. Frã
çes posto. que tenhão femininos em a como portuguesa. ẽ
os. cõ .o. pequeno: e em ωs com. ω. grãde são masculinos
como marcos domingos / cos / retros. em az. são masculi-nos.
como rapaz. cabaz. e ẽ ez cõ .ε. grãde como enxadrez:
e em .ez. cõ .e. pequeno como pez. tãbẽ são masculinos: mas
em .iz. d'lles são masculinos e delles femininos como juiz
almofariz. e delles femininos: como boyz. rayz. perdiz. e ẽ
oz. cõ .o. grãde: e tambẽ em .oz. cõ o pequeno: e outro tanto
em uz. são. masculinos como arroz. catramoz. alcatruz.

Ainda porem que nesta çidade ouue ou cuido que aĩda e viua
hũa molher que se chamaua cataroz. Os nomes que se acabão
em til se tem ditongo ja dissemos de que genero são: mas
não tendo ditõgo se tem .a. sam femininos: como. lam. co
uilhã. vilã. çidadã. e se tem .e. as vezes são masculinos: co
mo vintem. desdẽ. almazem. arreuem. e as vezes femininos:
como linguagem. linhagẽ borragẽ. E se bẽ olhardes
aos femininos não achareis o açẽto na vltima: como aos
outros. Alguẽ niguẽ. e quẽ são d' genero indeterminado
til. com .i. faz os nomes masculinos: como patim: e jardim
e com .o. tambẽ como som e tom: cũ .u. tambẽ sam masculi
nos: como hum. alghum. nenhum. e mais jejum e debrũ.
Este nome ajetiuo .comũ. serue a masculinos e femininos
porque não digamos nos femininos comũa: hũs çertos
nomes ajetiuos acustumamos nos formar em .um. como
65ouelhum. cabrum. porcum. E outros os quaes damos a
genero masculino: mas porem em seu lugar e tempo diremos
que os nomes ajetiuos e denotatiuos não tẽ çer
to genero por si.¶Porque era longo cõprender tanta variedade
d' terminações ajudounos a natureza e vso da nos
sa lingua cõ os artigos os quaes sempre ou as mays vezes
acompanhão os nomes cuja compañia declara os ge
neros desses nomes: não dixemos aqui quantos nẽ quaes
erão os generos dos nomes: nem tãpouco que cousa
he nome como tambẽ fezemos aos artigos: e faremos
nos verbos: porque do intento desta parte da grammati
ca que agora tratamos não he mais que so dar notiçia das
vozes e não difinções ou determinadas declarações das
cousas.

Capitulo .xlv.

Tem diferença as vozes dos nomes: ou se decli
não em numeros porque o singular he diferente
do plural: nem o plural se contenta com
so as letras do singular. Tirando Domingos.
Marcos e Lucas: que não varião seus numeros: e
com tudo o genero que tinhão no singular os nomes esse
terão no plural. como candeya que he feminino no singular
tambem o assi sera no plural como candeyas. Variando
a letra dos numeros guardamos esta regra geral que o
plural tem como sua letra propria esta letra /s/ acreçentan
doa sobre seu singular: mas isto d' diuersas maneiras por
que as vezes acreçẽta tambẽ outras coella: e as vezes ti
ra alghũas e outras tambẽ muda: ficãdo sempre .s. no plu
ral: os nomes que somente acreçentão .s. no plural são todos
os que no singular acabauão em vogal. como liuro no singu
lar: e no plural .liuros. e porta e portas. ainda que seja cõ
ditongo como pao e paos. çeo e çeos. e os nomes acaba
dos em til tambem acreçentão .s. no plural e não mays se
66não tẽ ditõgo como vilã. vilãs. som. sõs. jardim. jardins. al
ghũ. alghũs. imagem. imagẽs. e quando tem ditõgo an
tes de til. muitas vezes acreçentão /s/ não mais como mãi
mãis. mão. mãos. rabão. rabãos. ruim. ruĩs. mas outras
muitas vezes os nomes acabados em ão cõ ditõgo e til /
mudão alghũa das vogaes desse ditongo ou ãbas como
tabalião. tabaliães. cordão. cordões. Tabalião muda hũa
so letra do ditongo e cordão ãbas: tabalião muda .o. em .e
e cordão muda todo o ditongo .ao. em outro oe. mas para
limitar quaes são os nomes que acreçentão /s/ ou. mudão hũa
so letra ou ambas as do ditongo eu não acho regra mais
geral questa que agora darey ainda que tera muitas eiçeições.
A regra e esta que os nomes acabados em .ão.
se sinificão offiçios ou tratos mudão a letra derradeyra
do ditongo que e .o. em .e. Como tabalião. tabaliães. escriuão.
escriuães. capitão. capitães. capelão. capelães. refião.
refiães. pião. piães. trugimão. trugimães. E tampẽ
pão. pães. cão cães. damião. damiães. gauião. gauiães. Dia
mão. diamães. e maçapão. maçapães. guimarães. Verdade
e que vchão faz vchões. e ortelão. ortelões. E assi pode
auer outros que me não lembrão. Poys dos nomes acaba
dos em .ão. ditongo que não mudão esse ditongo no plu
ral: damos esta regra que podera alcançar a mayor par
te que os nomes de nações quando se acabão nesse di
tongo ão fazem o que dizemos: como Africão africãos
Indião indiãos. e se fosse em costume tambem diriamos
Romão Romãos. Italião Italiãos. Valençião Valençiãos.
E tambem Jorge da Silueira no cançioneyro
que ajũtou Garçia de resende: diz castelão: do qual singu
lar se o ouuesse no mundo / diriamos no plural castelãos
Alem destes tambem guardão o seu ditongo assi como
o tinhão estoutros. cortesão que faz cortesãos. e çidadão
67cidadãos. aldeão. aldeãos. vilão: vilãos. rabão/rabãos. or
gão/orgãos. zimbão/zimbãos. zãgão/zangãos. tauão/tauãos.
grão/grãos. couão/couãos. pintão/pintãos. mão/
mãos. chão/chãos: ouregão/ouregãos. orfão orfãos. ruão
ruãos. frãgão. frãgãos. e tambẽ nuno pereira no cãçionei
ro Portugues que dissemos disse de serão/serãos. Mas
porque dixemos que os nomes de nações fazião no plural em
ãos alemão não faz assi: mas faz alemães: e bretão bretões
e assi auera outros muitos. A parte desta regra que mais cõ
prende e dos nomes que mudão todo o ditõgo: como lição
lições. podão. podões. melão. melões: estes nomes posto
que pareçẽ mudar mais que nenhũs dessoutros que ja dissemos
todauia se olharemos ao singular ãtigo que ja teuerão não
mudão tanto como agora nos pareçe porque estes nomes
todos os que se acabão em .ão. ditongo acabauãose em .om.
como liçõ. podom. melõ. e acreçẽtando .e. e .s. formauão o
plural .lições. podões: e melões: como ainda agora fazẽ: e
outro tanto podemos afirmar dos que fazẽ o plural em .ães
como pães. cães. dos quaes antigamẽte era o seu singular.
pã. cã. cujo testemunho aindagora da antredouraminho.

Os outros nomes que fazem o plural em ãos como cida
dãos. cortesãos assi teuerão sempre o seu singular acabado ẽ
ão. como agora tẽ çidadão. cortesão. estes guardão sua an
tiguidade em tudo: e aquelloutros so no plural: cuja mudãça
assi como doutras muitas cousas não estrañemos porque
tambẽ o falar tem seu mouimẽto diz marco varrão: e mu
dasse quando e como quer o costume.

Os nomes acabados em letra consoante tẽ suas forma
ções no plural de duas maneiras: os acabados em .l. mu
dão essa letra l. ẽ .i. e acreçẽtão .s. que e proprio do plural como
cabeçal. cabeçays. real. reais. assi quãdo he sustantiuo como
agetiuo. E não digamos dous reeis. tres reeis. os no
68mes que tem seu singular em .el. esses fazẽ o plural em .eis.
como pichel. picheis. burel. bureys. pella regra que ja demos
e os nomes acabados em .ol. a mesma regra seguẽ:
como caracol caracoys. rouxinol. rouxinoys. ourinol. Ou
rinois. E em .ul. tambem como taful. tafuys. azul. azuys.
mas em .il. não acreçentão .i. se não somente mudão .l. em
.s. como çeitil. çeytis. couil. couis. Dos nomes acabados
em .ol. pareçe que deuiamos tirar algũa eyçeyção: porque alghũs
nomes temos cuja rezão e bõa voz requere que se
não acabem no plural em ois posto que o costume não seja
por hũa parte mais que por outra como são portacol por
tacolos: e nam portacoys: nem portacoles. este porque soa
assi milhor. e sol. fara soles e não soys. e rol. roles. e não
rois. por diferença das segundas pessoas destes verbos.
soyo. soes. por. acostumar. e royo. roes. por roer. Dey a
estes nomes no plural estes ditongos. ay. e oy. cõ .i. e não
com .e. porque as minhas orelhas assi o julgão: e não e mui
to enganarme pois .i. e .e pequeno são muy vezinhos: mas
com tudo os verbos se escreuerão com .e. assi soes. roes.
tomae. tomaes. andaes.¶Os nomes acabados em .r. ou .s. ou
.z. acreçentão sobre seu singular .es. no plural: como
lagar. lagares: altar. altares / alçacer. alcaçeres. amor. Amo
res: e entras. entrases. reues. reueses. arnes. arneses. Ca
baz. cabazes. e juyz. juyzes. alcabuz. alcabuzes. destes não
me lẽbra eiçeição alghũa.¶Visto como varião os nomes
seus plurays podemos dizer que temos quatro declinações
como vem a saber a premeira que somẽte acreçẽta letra: como
moço. moços. e a segũda que acreçẽta syllaba: como paues pa
ueses. a terçeira muda letra como animal. animais
e a quarta tambẽ muda syllaba como. almeirão. almeyrões.
Alghũs nomes não tem plural: como prol: retros. isto.
isso. aquilo. quem alguem. ninguem. E outros não tẽ singular:
69como dous. tres. seys. ambos. e ambas. e outros
não tem .s. que e a propria letra do plural como dissemos /
e todauia sinificão muitos: e não somente no genero de
sua letra: mas tambem em qualquer outro: como quatro
çinco. dez. onze. doze.¶Qualquer forma ou genero que os
nossos nomes tẽ no singular esse guardão tambẽ no plural
porque nisto assi como em outras cousas guarda a nossa
lingua as regras da proporção mais que a latina e grega.
as quaes tem em suas dições muitas irregularidades e
seguẽ mais o sabor das orelhas que as regras da rezão: assi
como nos tambẽ as vezes deixamos as regras geraes:
porque o bo costume e sentido nos mandão tomar alghũas
particularidades.

Capitulo .xlvj.

Diz marco varrão que nenhũa outra lingua tem
declinação de casos se não a grega e latina: e es
ses casos mostrão antrelles o estado das cousas
o qual e diuerso segundo os diuersos ofiçios des
sas cousas: porque hum estado tem este nome homẽ quãdo
faz: dizendo o homẽ senhoreya o mundo. E outro estado
muy diuerso do premeiro tem quando padeçe: dizendo
deos castiga o homẽ: e para estas diuersidades e outras
muitas de estados ou offiçios que tem as cousas tem tam
bem os nomes antre os latinos e gregos diuersidade d'
letras diuidindo cada estado da cousa com sua diferença
de letras no cabo do nome assi como nos dissemos que fa
zia a nossa lingua nos generos e numeros e posto que este
seja hũ grande primor e perfeição dessas linguas. declarar
na voz as meudezas das cousas cõ a diuersidade da
letra ou voz que dissemos: todauia a nossa lingua nem
por isso ficou sem outro tam bo conçerto e de menos
trabalho. Este he o ajuntamento dos artigos os quaes
juntos com os nomes declarão nelles tudo o que os
70casos Latinos e antros Gregos os casos e artigos jun
tamente: e assi como a nossa lingua faz tudo quãto essou
tras cõ mais breuidade e façilidade e clareza: assi tampẽ
e mais de louuar sua perfeição: e cõ tudo nos tambẽ temos
casos em tres pronomes: os quaes são. eu. me. mi. tu. te. ti
se. si. no premeiro destes o d'rradeiro caso que e mi. alghũs o
acabão co esta letra. til. assi mĩ: porque estes nomes teuerão
casos: mais que outros em outro tempo e obra o diremos .

Capitolo .xlvij.

Avendo de falar da analo
gia dos verbos não dizemos que cousa e verbo nẽ
quantos generos de verbos temos: porque não e
desta parte a tal accupação: mas so mostraremos
como são diuersas as vozes desses verbos em generos:
cõjugações. modos. tẽpos. numeros. e pessoas. e tampẽ
como em cada genero. cõjugaçã. modo. e tẽpo. numero e
pessoa. desses verbos se proporcionão essas vozes e medẽ
hũas por outras. não dando porẽ cõprida e particularmẽ
te as inteiras formações e as eiçeições de suas faltas se
não so amoestando em breue o que ha nellas: para que despois
a seu tẽpo quando as trataremos sejão milhor e cõ mais
facilidade entendidas.¶Nos generos dos verbos não
temos mais que hũa so voz acabada em .o. pequeno: como ensino.
amo. e ando: a qual serue como digo em todos os ver
bos tirando algũs poucos como são estes. sei. de saber. e
vou. e dou. e estou. e mais o verbo sustãtiuo o qual hũs pro
nũçiã em .om. como som. e outros em ou. como. sou. e ou
tros em .ão. como são. e tãbẽ outros que eu mais fauoreço
em .o. pequeno como .so. no pareçer da premeira pronũçiação
cõ .o. e .m. que diz som. he o mui nobre johã d' barros e a
rezão que da por si e esta: que de som. mais perto vẽ a formaçã
do seu plural o qual diz. somos. com tudo sendo eu moço
pequeno fui criado em são domingos Deuora onde fazião
71zõbaria de mỹos da terra porque o eu assi pronũciaua segũ
do que o aprendera na beira.¶Isto dixe da premeira pessoa
do presente do indicatiuo: porque esse tẽpo e o infinitiuo
são principio da cõjugação: o qual infinitiuo ou acaba em
ar. como amar. ou em .er. como fazer. ou em .ir. como dor
mir. mas cõ tudo tambẽ ahi tem suas eiçeições os verbos
por que este verbo ponho pões. faz o seu infinitiuo ẽ .or. di
zẽdo .por. o qual todauia ja fez poer e ainda o assi ouuimos
a alghũs velhos: destes dous lugares formamos toda a
outra conjugação a qual he diuersa como logo diremos
ensinãdo quãtas são as conjugações e amoestãdo que ha hi
dellas eiçeições.

Capitolo .xlviij.

Porque não e mui disforme do que aqui fazemos
direy como de caminho que cousa he cõjugação e
em outra parte o repetirei ou declararei mais
por inteiro. Cõjugação e ajuntamẽto de diuersas vozes
que segundo boa ordẽ se ordenão seguindose hũas tras ou
tras ẽ os verbos: e porque dissemos que estas vozes erão
diuersas: vejamos agora como tẽ as vozes dos verbos
premeiro diuersidade em cõjugação: por que dhũa maneira
proporcionamos hũs por outros: os verbos que fazem
o infinitiuo em .ar. e a segũda pessoa em .as. como falo.
falas. falar. e doutra maneira. os que tẽ a segunda pessoa
em .es. e o infinitiuo em .er. como faço. fazes. fazer. e dou
tra maneira proporcionamos os verbos que tẽ o infinitiuo
acabado em .ir. como durmo durmir. ouço ouuir. porque
esta he a diferẽça que tem as conjugações antre nos mays
clara e em que milhor se conheçẽ. as quaes cõjugações nos
sas ou dos nossos verbos são tres: e cada hũa dellas tem
seus modos: como falamos. falemos: falae. e falar. e cada
modo tẽ seus tempos como falo: falaua. falei. e falarei. e cada
tempo seus numeros: como falo e falamos. falas e falaes
72fala e falão. e cada numero tẽ suas pessoas: como falo. Fa
las. fala: falamos. falaes. falão. e tãbẽ tẽ os nossos verbos
gerũdios como sendo: amãdo: fazendo. e partecipios como
lido. amado: regido: lẽte: regente: perseuerãte. e nomes
verbaes como.lição. e regedor. e porem algũs verbos
não tẽ todos os modos: e outros faltão em tẽpos e assi ẽ
cadahũa das outras cousas tambẽ as vezes alghũs verbos
tem alghũa falta: ao menos em não seguir as regras
geraes da formação das suas conjugações: por que assi na
analogia dos verbos como das outras partes não temos
regras que possão cõprender todos se não os mais do que
nos não auemos despantar por que os gregos cuja
lingua e bem conçertada tem hũ bo caderno de verbos irregula
res: e alghũs nomes. e os latinos tẽ outro tã grande de
nomes cõ seus verbos de cõpanhia: e nos dos nossos faremos
memorea a seu tẽpo: mas não nesta obra na qual não
fazemos mais que apontar os principios da grammatica que
temos na nossa lingua.

Capitolo .xlix.

Agora vejamos da cõposição ou conçerto que
as partes ou dições da nossa lingua tẽ. antre si
como em qualquer outra lingua: e esta he a der
radeira parte desta obra: a qual os grãmaticos
chamão cõstruição: e nella mais que em alghũa outra guar
damos nos çertas leis e regras: posto que tambem nas ou
tras partes da grãmatica temos menos eiçeições que os la
tinos e gregos: cujas linguas mui gabadas: muitas vezes
faltã na cõueniẽçia dos nomes ajetiuo / e sustantiuo / rela
tiuo / e anteçedẽte. e isso mesmo do nome cõ o verbo: e os
casos dos nomes as vezes se trocão hũs por outros: e nos
verbos a mesma troca fazem os tempos e modos: pois
auerbios e preposições ou quaesquer outras partes são
muitas vezes mudadas antre os latinos e gregos. e poẽ
73se hũas por outras o que se não faz na nossa lingua: ao menos
tão ameude nẽ em todas estas cousas: porque posto que
alghũora os verbos infinitiuos siruão por nomes como
o ler faz bẽ aos homẽs: ou se as preposições se poẽ em lu
gar de artigos. como esta preposição .de. quãdo serue a ge
netiuo: ou se seruẽ em dous officios como esta parte .por.
a qual as vezes e preposição: e as vezes auerbio e outrotãto
estas/ãtes/d'spois/ate/ e outras muitas que tẽ dous officios
E tambẽ se este verbo /nego/ seruia em lugar de cõjũção
e valia ãtros velhos tãto como senão. e aindagora assi val
na beira. E posto que os numeros e generos se mudẽ como
nesta oração e outras semelhantes marido e molher ambos
são bos homẽs: a fim posto que muitas desproporções
ou dessemelhãças se cometão na nossa lingua não são tãtas
como em outras linguas: acõteçe muitas mais vezes
e são essas linguas hauidas por boas: porque dizem que
qui nem sempre e virtude seguir as proporções da arte mas que
vsarẽ dalghũas suas propriedades em particular as afre
mosenta. tãbem a nossa tẽ o mesmo: por tãto não nos des
prezemos della a qual foi sempre: e agora e tratada por ho
mẽs que se entẽdẽ e sabẽ o que falão: cuja imitaçã nos fara
galantes e primos a nos e a nosso falar se a quiseremos
seguir: nesta derradeira parte que e da cõstruiçã ou cõposição.
da lingua não dizemos mais por que temos começada
hũa obra em que particularmẽte e cõ mais comprimento
falamos della.

Capitolo .l.

Alghũs que escreuẽ liuros acostumão fazer nos
principios prologos de sua defensão o que eu não
fiz: e tenho esta razão que me não quero queixar
ãtes de ser ofendido. e mais quẽ pode dizer
mal d' mi que bo seja pois aos maos não posso fugir: mas
por qualquer parte sempre me hão de mal tratar: e cõ tu
74do eu não dou liçença que alguẽ possa ser meu juiz se não
quem ler os liuros que eu li: e com tanto trabalho e tam
bẽ ou milhor entẽdidos. E ainda assi a sentença ha de ser
que pera emendar meus erros escreuam da mesma materea
outras obras milhores: nas quaes mostrẽ saber mais
queu disto de que falamos. E se não tudo o que mais fezerẽ
he murmurar que não cabe antre homẽs sabedores:
pois quanta dos inorãtes não faço conta: e bem sei que
não deixão de reprender se não ho que não entendem. e
mais por que alghũ tanto me fiz nestes principios breue
reprenderão mui asinha o que dixe: e não saberão louuãdo
manifestar o que calei (como diz çicero no segundo liuro
a seu irmão) e não cõuido eu aos que mais sabẽ cuidando
que os não ha hi no mundo: mas seria eu ditoso que
minhas faltas fossem causa do proueito que sua doutrina
pode fazer. Ser eu curto em meu escreuer: e não ser
muy ornado com bos exemplos: e a falta dalghũas cousas
que deuera escreuer e não fiz: e a dissonançia dalghũs
termos nouos nesta arte que pus: vsando de vozes proprias
da nossa lingua tudo ante quem não folga de dizer
mal tera escusa com olhar a nouidade da obra: e como escreui
sem ter outro exemplo antes de mi. e isto muito
mais escusara o defeito da ordem que tiue em meu proçe
der se foy errada.E com tudo o que com rezão pode ser
reprendido: eu confesso que o não escreui com malicia: e
podese emendar: antes peço a quem conheçer meus erros
que os emende: e todauia não murmurando em sua
casa porque desfaz em si.

Fim.75

Acabouse dempremir esta premeira anotação
da lingua Portuguesa. por mandado do muy
manifico senhor dom Fernando Dalmada.
em Lixbõa. ẽ casa d' Germão galhar
de a .xxvij. dias do mes de Janeyro
de mjl e quinhẽtos e trinta e seis
annos de nossa saluaçam.
Deo gratias.

Todas cousas tẽ seu tẽpo: e os oçiosos o perdẽ.76