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Barros, João de. Grammatica da lingua Portuguesa – T01

[Grammatica da lingva portvgvesa.]

Grammatica
da lingva portvgvesa.

Difinçám da Grãmatica e as pártes della.

Grammatica, e
uocabulo Grægo: quér dizer, çiençia
de leteras. E segundo a difinçám
que lhe os Grãmáticos dérã: é hũ módo
çérto e iusto de falár & escreuer,
colheito do uso, e autoridáde dos barões doutos.
Nós podemos lhe chamár artefíçio de paláuras, póstas
ẽ seus naturáes lugáres: pera que mediãte ellas, assy
na fála como na escritura, uenhamos em conhiçimento
das tenções alheas. Por que bem assy emtram as leteras
pela uista, como as paláuras pelos ouuidos: instrumento
comque o nósso intendimẽto reçébe as mais
das cousas. E como pera o .iogo do enxedrez se requérẽ
dous reyes, hũ de hũa cor e outro de outra, e que cada
hũ delles tenha suas péças póstas em cásas próprias
e ordenádas, com leyes do que cada hũa deue fazer
(segundo o oficio que lhe foy dádo:) assy todalas linguágẽes
tem dous reis, diferentes em género, & concordes
ẽ oficio: a hũ chamã. Nome, e ao outro, Vérbo.3

Cada hũ destes reyes tẽ sua dama, à do nome chamam
Pronome, & à do uérbo, Auérbio. Participio, Artigo,
Coniunçam, Interieçã, sam péças e capitães prinçipàes
que debaixo de sua iurdiçam tẽ muita pionágem
de dições, com que comũmẽte séruem a estes dous poderósos
reyes, Nome, & Vérbo. Assy que podemos daquy
entẽder, ser a nóssa linguágem cõpósta destas noue
pártes: Artigo, que é próprio dos Grægos e Hebreus,
Nome, Pronome, Vérbo, Aduérbio, Partiçipio,
Cõiunçam, Preposiçam, Interieçam, que tem os
latinos. Os quàes pártem a sua Grammatica em quárto
pártes, ẽ Ortografia, que tráta de letera, em Prosodia,
que tráta de syllaba, em Ethimologia, que tráta da
diçam e em Syntaxis, a que respõde a cõstruçã, á imitaçã
dos quáes, (por termos as suas pártes,) diuídímos
a nóssa Grãmatica: E por que a mais pequena destas pártes
é a letera, dõde se todalas dicões cõpõem: ueiamos primeiro
della, e desy das outras tres. Nam segũdo conuẽ
a órdẽ da Grãmatica especulatiua, mas como requére
a preçeitiua: usando dos termos da Grãmatica latina
cuios filhos nós somos, por nam degenerar della. E tãbem,
por que as çiençias requérẽ seus próprios termos
per onde se am de aprẽder, como as óbras mecanicas instrumentos
com que se fázem, sem os quáes, nenhũa destas
cousas se póde entender nem acabar.4

Difinçam das leteras e o
numero dellas.

Letera (segundo os grammàticos) é a mais pequena
párte de qualquér diçam que se póde escreuer: a que os latinos
chamáram nóta, e os grégos carater, per cuia
ualia e poder formamos as palàuras. E a esta formaçam
chamã elles primeiros elementos da linguágem: ca
bem como do aiuntamento dos quárto elementos se compõen
todalas cousas: assy do aiuntamento das leteras
hũas com as outras per órdem natural, se entende cada
hum em sua linguágem, pola ualia que pos no seu, A,
b, c. Donde as leteras ueéram ter estas tres cousas,
Nome, figura, poder. Nome, por que á primeira
chamam, A, a segunda, Be, a terçeira, Ce, figura,
por que se escréuem desta maneira. A, b, c. Poder,
pola ualia que cada hũa tem, por que quando achamos
esta letera A, ia sabemos que tem a sua ualia: e per
semelhante módo podemos iulgar das outras, que em
numero sam uinte & tres, como as dos latinos de quem
âs nós reçebemos. E dizem a mayór párte dos istoriadores,
que Nicostrata mádre de Euãdro rey dos Latinos
foy inuentor destas dezaséte. A, b, c, d, e, f, g,
i, l, m, n, o, p, r, s, t, u. Depois pelo tempo se acreçentáram
éstas seyes: h, k, q, x, y, z. das quáes. h, tem
os Latinos ser espiraçam e nam letera, e k, que sérue
5sómẽte em alguãs dições Grégas como Kyrie eleison.
Séruese tãbem a nóssa linguagem dalgũas leteras á maneira
dos Grégos, as quáes nós te óra temos ẽ uóz, mas
nam em figura: e sam estas á, é, ó de que trataremos
no capitolo da Ortografia. E assy temos algũas leteras
dobrádas a maneira dos Hebreos: hũas pera o
principio de qualquar diçam, outras pera o meo, &
outras pera o fim, E as nóssas sam estas. I, i, y, R, r,
S, s, V, u. Temos mais estas tres prolações. ch, lh, nh,
as quáes sam próprias da nóssa lingua: e usamos dellas
em soprimento de tres leteras de que nam temos figura.
E assy temos esta letra. ç, que pareçe ser inuentada pera
pronũçiaçám Hebraica ou Mourisca: E esta figura –
que é como arésta a que chamamos til: a qual os
latinos tẽ, e séruenos por estas tres leteras. m, ue, quando
se põem sobre esta letera. q, ou sobre letera uogal. Assy
que podemos dizer, termos uintatres leteras em poder,
& trinta e quátro em figura. E onde am de seruir, e
quãtos açidentes tẽ particularmẽte trataremos ao diãte
no titolo da Ortografia: Isto báste agóra em géral.

Da syllaba e
seus açidentes.

Syllaba, é hũa das quátro pártes da nóssa Grammática
que corresponde á Prosodia, que quér dizer
açento e canto: aqual Syllaba é aiũtamẽto de hũa uogal,
6cõ hũa e duas e as uezes tres cõsoantes, que iũtamente
fazẽ hũa só uóz. Digo hũa cõsoante, quãdo se
aiũtã desta maneira, li, & cõ duas, uro, & com tres,
uros, que iũtamẽte fazẽ este nome liuros. E por que ás uezes
hũa só letera uogál sérue de syllaba, própriamẽte a
esta tál nã chamaremos syllaba: mas àquella que for compósta
de uogal e cõsoãte. Os latinos fazẽ ás uezes hũa
só syllaba com çinquo consoantes: como nestas dições,
scrobs, stirps. A nóssa syllaba nam pássa de tres, como
uimos nesta diçã atras, liuros, as quáes ou séruem
no prĩçipio, como. Prĩçipe, ou no fim, como, Raínhas.
Toda syllaba tem tres açidentes, Numero de leteras,
Espaço de tempo, Açẽto álto ou báixo. O numero
de leteras, ia ô uimos pelos exemplos atras. Espaço
de tẽpo, por que hũas sam curtas e outras lõgas, como
nesta diçã. Bárbora, que a primeira é lõga. & as duas sã
breues. Por que tãto tẽpo se gásta na primeira, como
nas duas seguintes, à semelhança dos musicos, os quáes
tanto se detẽ no ponto desta primeira figura bár, como
nas duas derradeiras, bo, ra. E os Latinos e Grégos,
sentẽ milhor o tẽpo das syllabas, por causa do uérso,
do que ô nós sintimos nas trouas: por que casi mais espéra
a nóssa orelha o consoãte, que a cãtidade, dado que a tẽ.
O terçeíro açidente da Syllaba, é canto álto ou
baixo: por que como os musicos aleuantam & abaixã
7a uoz cantando, assy nos temos a mesma órdem, como
nesta diçã, le,mos, que na primeira Syllaba aleuãtamos,
e na segunda abaixamos. E dádo que em algũa maneira
nos podéramos estender cõ régras pera a cantidade
e açento das nóssas Syllabas: leixamos de ô fazer,
por que pera se bem exemplificar as suas régras ouuéra
de ser em tróuas, que tem medida de pées, e cantidade
de Syllabas. E por que o tẽpo em que se as tróuas faziã
e os hómẽes nam perdiã sua autoridáde por isso,
é degradádo destes nóssos reynos: ficará esta matéria
pera quando o uso ô requerer.

Da dicam.

Nesta terçeira párte da nóssa Grãmática
que é da diçam, a que os latinos
chamam, Ethimologia, que
quér dizer naçimẽto da diçã: se quiséssemos
buscar o fundamento e raiz donde ueéram os
nóssos uocábulos, seria ir buscar as fõtes do Nilo. E
pois Isidoro nas suas Ethimologias, â nã pode achar
a muitas cousas: menos â daremos aos nóssos uocábulos.
Básta saber que temos latinos, arauigos, e outros de
diuérsas nações que conquistamos e com quem tiuémos
comérçio: assy como elles tem outros de nós. Ao presente
leixádas todolas coriosidádes e questões sem fruto:
8digamos do Nome e das suas espéçias, sem tratarmos
da Ethimologia dos uocábulos.

Do Nome & das suas espécias.

Nome (segũdo a difinçã dos grammaticos): é aquelle
que se declina per cásos sem tẽpo sinificãdo sempre algũa
cousa que tẽha corpo, ou sem corpo. Que tẽha corpo: como,
hómẽ, páo, pédra. Sem corpo, Grãmatica, çiẽcia,
doutrina. E cáda hum dos Nomes tẽ estes açidẽtes, Calidáde,
Espécia, Figura, Género, Numero, Declinaçã
per cásos, dos quáes açidẽtes ueiamos particularmẽte.

Do nome próprio & comum.

Todolos nomes am de ter hũa de duas calidádes: própria,
ou, comũ, calidáde em o nome é hũa diferença pela
qual conheçemos. hũ do outro.

Nome próprio, é aquelle que se nam póde atribuir a
mais que a hũa só cousa: como este nome. Lisboa, por
ser próprio desta çidade, e nam conuem a Roma: nẽ ô
de César, a Çipiam, peró se dissérmos çidade, que é
géral nome a todas, emtam será comũ. E por este
nome, hómẽ, assy entendo César e Çipiam como todolos
outros hómẽes. Assy que com razam diremos
nome próprio ser aquelle per que entẽdemos' hũa só cousa,
e comũ, pelo quál entẽdemos muitas daquelle género.
E por nam ficar confusam ẽ este nome próprio,
pois hy á muitos hómẽes que tem huũ mesmo nome,
9direy a maneira que as gentes teuéram entre sy por se nã
confundirem seus nomes, tomando apellidos e alcunhas
por esta maneira. Os nóbres buscáram hũ termo
que fosse sinal de nobreza, que os apartásse dos plebeos,
como açerca de nós, Dõ, que uẽ deste nome. Dominus,
que quer dizer senhor. Os Francesces tomáram
Monseor, Os Italianos, Mißer, Os aragoeses, Mossem.
E assy outras muitas nações tomáram hũ termo
que denotásse honrra: a que os Latinos chamam. Prénome,
que quér dizer ante do nome, o qual termo elles
denotauam ás uezes per hũa só letera grãde, pósta antre
dous pontos, desta maneíra. P, por, Publius.
e se punham outra diante desta, entendiam per ella
o próprio nome, e per a terçeira denotáua a linhagem
ou familia dõde uinha, e per a quárta denotáuam o ofiçio
ou alcunha que lhe éra pósta acaso: como podemos
uer nestas quárto denotações. Pub. Scip. Corne.
Afric. pelas quáes entendemos, Publio, Scipiam,
Cornelio, Africano. Per semelhante módo quando
digo, Dom, entendo o Prénome, e por Vasco, o
nome, e por, Gama, o conhome a que nós chamamos
apelido, & por, Almirante anhome, per que
entendemos alcunha. A qual muitas uezes se põem por
razam do oficio, ou por alguũ grande feito: como,
Africano, que por razam de cõquistar Africa foy
10posto a Scipiam.

Do nome Sustantiuo
e Aietiuo.

Será tambem calidáde em o nome: a distinçam per que
apartamos o sustantiuo do aietiuo. Nome sustantiuo
chamamos áquelle que per sy póde estar: e nam reçébe
esta paláura, cousa. Nome aietiuo, ao que nam
tẽ ser per sy: mas está emcostádo ao sustantiuo, e póde
reçeber em sy esta paláura, cousa, como quando digo,
ó que fermoso cauálo, que bráuo touro. Este nome,
fermoso, e bráuo, sam aietiuos: por que nam podemos
dizer fermoso e bráuo sem lhe dármos nome sustantiuo
a que se emcostem. E diremos, cousa fermósa, cousa
bráua: e nam cauálo cousa, touro cousa, por serem sustantiuos
que nam reçébem em sy outros.

Do nome Relatiuo e
Anteçedente.

Pode ser tãbem calidáde em o nome, aquillo per que
o relatiuo se apárta do anteçedente. E chamamos
relatiuo aquella párte que faz lembraça de algum nome
que fica atrás: e este tal se chama anteçedente, per
semelhante exemplo, os hómẽes que amam a uerdáde,
fólgam de â tratár em seus negóçios. Os hómẽes estam
aquy por anteçedente deste, que, o qual é relatiuo dos
hómẽes por fazer delles lembrãça e relaçam. E assy
11a uerdáde tambem é anteçedete deste relatiuo, â,
que faz della relaçam: por que em dizer de â tratar, digo
de tratar a dita uerdáde. E chamamos anteçedente
por causa do relatiuo, e o relatiuo por causa do anteçedente:
como se chama pay por causa do filho, & filho
por causa do pay. Peró auemos de consirar que a hũus
relatiuos chamamos de sustançia, por fázerem lembrança
de nome sustantiuo: e a outros relatiuos de acidẽte
por relatárẽ nome aietiuo. Os de sustançia sam,
que, o qual, como quãdo digo: eu ly o liuro, que me tu mãdáste,
ô qual entẽdy muy bem. Aquy neste exemplo,
uemos estes dous relatiuos, que, e o qual, ambos fazerem
mençám do liuro, que é anteçedente sustantiuo.

Os relatiuos de açidente sam, tal, qual, tanto,
quanto, tammanho, quammanho: os quáes fázem relaçam
de nome aietiuo. E destes, a hũus chamam relatiuos
de calidáde, a outros de quantidáde apartáda, e a
outros de quantidáde continua. Os de calidáde, sam,
tal, qual. Os de quantidáde continua sam, tammanho,
quammanho, e por que se milhór entendam poeremos o
seguinte exemplo. Eu te mando o liuro tal, qual mô tu
mandáste. Que dou a entender neste relatiuo, qual,
que assy tórno enuiar o liuro limpo & sam, da maneira
que me foy enuiado: por que correspondeo,
qual, ao, tal, que é relatiuo do liuro: e nam responde
12ao ser e sustançia delle. Ca se fizéra relaçam da sustançia,
poséra lhe este Que, ou, o Qual, relatiuos da
sustançia como uimos. E quando disséres, Eu te mando
tanto dinheiro, quanto me tu mandaste, será este
quanto, relatiuo de quantidade apartada: por que a
moeda, & outras cousas que se contam & numéram,
pódesse apartar e aiuntar. E se dissera, Eu te
mãdo o liuro tãmanho, quãmanho mo' tu mãdáste: este
quãmanho é relatiuo de quantidáde continua, que tráta
da grandeza, e nã do numero da cousa. E a diãte poremos
as declinações destes relatiuos cõ as dos pronomes.

Da espeçia do nome.

Tem o nome outro açidente a que os Grammaticos
chamam especia: a qual é hũa diuisam per que apartamos
o nome diriuádo do primitiuo ou primeiro gérádo.
Primitiuo nome chamamos, aquelle que foy
primeiro, sem auer hy outro donde nacesse ou se deriuasse:
assy como, Cidáde, Corte, Casa. Nome diriuádo
se chama, Cidadã, Cortesam, Caseiro, os quaes se deriuam
dos tres açima. E destes nomes diriuádos temos
oito diferenças: Patronymicos, Possessiuos, Diminutiuos,
Aumentatiuos, Comparatiuos, Denominatiuos,
Vérbáes, Auérbiáes.

Do nome Patronymico.

Patronymico nome é aquelle que significa filho, néto,
13ou descendẽte daquelle que tem o nome donde ô nós
formámos & deriuámos: como Ioám Fernandez, filho
de Fernando, António Gonçáluez, filho de Gonçálo:
Diogo Nunez filho de Nuno. Outros muitos tem
a nóssa linguagem, a que nós chamamos sobre nome: os
quáes se pódem conheçer pelo exemplo destes.

Do nome Possessiuo.

Chamamos nome Possessiuo, aquelle que se nomea do
possedor da causa: como doutrina Christaã, de Christo:
Opíniam lutherana, de luthero: E destes nomes é
nóssa linguagem próue. E porem temos outros semelhantes
a estes a que ós Grãmáticos chamã, Gentilicos,
por serem da gẽte da prouincia ou lugar de que se
nomeã: dos quáes nomes temos gram cópia, como. Algarauio,
ao hómẽ do Algarue, Beirã, da Beira. Coimbram,
de Coimbra: Siuilhano de Siuilha, &c.

Do nome Diminutiuo.

Nome Diminutiuo, é aquelle que tem algũa diminuiçam
do nome principal donde se deriuou: como de hómẽ,
homenzinho, de molhér, molhérzinha, de moço, mocinho:
de criança, criancinha. E outros muitos que se
fórmam e acabam em diferentes terminações: mais per
uontade do pouo que por régra de bõa Grammática.

Do nome Aumentatiuo.

Esta maneira de nomes Aumentatiuos, é contraira
14â de çima: por que hũa diminuye a cousa, e outra acreçenta.
Destes nomes, Gregos, e Latinos nã tratã
em suas Grammáticas por ôs nam terem, e casy todos
se terminã em, am, e az, como, molheram, caualã, uelhacaz,
ladrabraz e outros que sempre sam ditos ẽ desprezo
e abatimento da pesoa ou cousa a que os atribuimos.

Do nome Comparatiuo.

Comparatiuo nome, é aquelle que significa tanto como
o seu positiuo, cõ este auerbio, Mais, E per o positiuo,
entendemos o outro nome donde elle náçe. E antre
nós e os Latinos á esta diferença, elles fázem comparatiuos
de todolos seus nomes aietiuos, que pódem reçeber
mayór ou menór sinificaçam: e nós nã temos mais
cõparatiuos que estes. Mayór, que quér dizer mais grãde,
Menór por mais pequeno, Milhór, por mais bom,
e Piór, por mais máo. Peró todolos outros comparatiuos
que elles fórmam, suprimos nós com este auerbio,
Mais: que acreçenta a cousa a que ô aiuntamos, per
semelhãte exẽplo. Eitor foy esforçádo caualeiro. Este
nome esforçádo, é aietiuo que se aiuntou ao nome sustãtiuo
Eitor: o qual aietiuo lhe dá algũa mais calidáde
da que tinha, ca per elle entendemos o esforço de Eitor.
E a este nome aietiuo, chamam os Latinos (como ia
dísse) positiuo: em respeito do Comparatiuo.

Quando uem ao segundo gráo Comparatiuo, dizemos,
15Eítor foy milhór caualeíro que Achiles: ou diremos,
foy mais esforçádo que Achiles: por que milhór
e mais, nesta órdẽ de cõparaçã é hũa mesma cousa.

E pera falármos pelo módo superlatiuo, que é o
mais álto gráo de priminençia e uentaiem que se póde
dár a algũa cousa: aiũtamos esta párte, muy, ou, muito,
ao comparatiuo, e dizemos, Eitor foy muito milhór caualeiro
que Achiles. E assy fica Eitor louuádo de caualeiro
em gráo superlatiuo. Verdáde é, que algũus nomes
que reçebemos do latim, Vay a sinificaçã superlatiua
ia formáda, assy como, doutissimo, sapientissimo, e
outros que o uso nos fez próprios.

Dos nomes Verbáes.

Chamamos nomes Verbáes todolos que se deriuã
de algũ uérbo: como, de amár, amor, de sospirár, sospiro,
e de chorár, choro. Podemos tambem dizer serem
nomes uerbáes todolos infinitiuos do presente tempo:
poendolhe seu artigo com que fica nome. E per este módo,
soprimos muitos nomes, que desfaleçem ẽ nóssa linguágem
e a latina tem: o qual módo tambem os latinos
usárã, como quando disse Persio, Depois que oulhey
o nósso triste uiuer, como se dissera, a nóssa triste uida.

Dos nomes Participiáes.

Partiçipial nome se chama, aquelle que uen de algũ
partiçipio: como de amádo amador, de douto, doutor,
16e outros que o uso nos insina; estes bástem pera exemplo
delles.

Dos nomes Auérbiáes.

Os nomes Auérbiáes se deriuam dos auérbios, dos
quáes a nóssa linguágem tẽ muy poucos, e sómente ponho
estes por exemplo. Soberáno, de sobre, Auantáie,
de auante, Forasteiro, de fóra, traseiro. de atrás.

Das Figuras do nome.

Duas figuras tem o nome, á hũa chamam simples e
á outra compósta. Nome simples é aquelle, as pártes
do quál estremádas hũa da outra nam sinificam cousa
algũa: como este nome, iusto o quál partido ẽ estas duas
pártes, ius, to, em nóssa lingua nam entendemos per
ellas cousa algũa. Nome cõposto tem o cõtrario deste,
por que partido ẽ duas pártes, sempre per hũa déllas
entendemos cousa algũa, como. Guárda pórta, que é cõposto
deste uérbo, guardár, e deste nome pórta. Em esta
maneira de cõpoer hũa párte cõ outra, tem os Grégos
gram façilidáde: e é a elles tam comũ e fáçil, que
ás uezes compõem hũa diçam de quátro sinificádos,
com que fázem a sua lingua muy elegante. Os Latinos
tãbem fázem suas composições: mas nam pássa de tres
pártes. Nós fázemos a nóssa cõposiçám de dũas: e cõpondo
hũ nome cõ outro dizemos, rede fóle, de rede e
fóle, arquibánco, de árca e bánco. Compõdo uérbo e
17nome dizemos: torçicólo, de torçer e cólo, Compoẽdo
hum uérbo cõ outro dizemos: mordefuge, de morder e
fugir. Compoẽdo uérbo cõ auérbio dizemos: puxauãte,
de puxár e auante, Compoendo nome cõ preposiçã,
dizemos: tráspé, de trás e pé. E per esta maneira fazemos
nóssas cõposições. Estas bástem por exemplo.

Do género do nome.

Genero em o nome, é hũa distinçã per que conheçemos
o mácho da femea e o neutro dambos. Os latinos
conheçem o género dos seus nomes, hũs pela sinificaçam,
outros pela terminaçã: dos quáes fazem estes séte
géneros, masculino, feminino, neutro, comũ a dous,
comũ a tres, duuidoso, e confuso. Os gregos dádo que
tenham estas diferenças de género, conheçẽnô per artigos.
Os hebreos per artigos e terminaçam. Nós nã
sómente conheçemos o nósso género per significaçam
como os latinos, mas per artigos, como os gregos, as
régras do qual sam as seguintes.

Todo nome que per sexo é conheçido, per elle será
mácho ou femea: como, hómem e molhér.

Todo nome que conuem a hómem e a molhér será
comũ a dous: como inuentor, taful. Estes aietiuos,
fórte, triste, alégre, e outros semelhantes serám comũs
a tres, por que dizemos, o hómem fórte, a molhér alégre,
o pecár triste.18

Todo nome dalgũa letera do nósso A, b, c, será
neutro: e os nomes uérbáes que se fázẽ do infinitiuo do
presente tempo: como, o querer, o amár, o ler, e este nome,
ál, que é relatiuo.

Todo nome que se nã cõheçe per significaçã e nã entra
ẽ algũa destas régras: per este artigo, o, será masculino,
e per este, á, será feminino, assy como: o céo é habitaçã
dos anios, e a térra moráda dos hómẽes.

Do numero que tem o nome.

Numero ẽ o nome, é aquélla distinçã per que apartamos
hum de muitos, E ao numero de hũ chamã os grãmáticos.
Singulár, e ao de muitos, Plurár, e fálando
pelo primeiro diremos, o hómẽ uerdadeiro tem pouco
de seu. E se disser, os hómẽes bulrrões tem pouca uergonha,
fálo pelo numero plurár, por que sam muitos.

Dos nomes irreguláres.

Desta régra açima ẽ que disse os nomes terẽ dous numeros
.s. singulár e plurár, se tirã os nomes irreguláres:
por que á hy hũus que tẽ sómente singular, e nã plurar, e outros
ao cõtrairo, dos quáes poemos estas régras.

Todo nome próprio tẽ singulár e nã plurár: assy
como, Cípiam, Lísboa. &c. Tiranse desta régra algũus
nomes próprios que se declinam pelo plurár e nã
tem singulár: como, Torres uédras, Torres nóuas. As
pias, Alhos uédros, alfarélos, e outros desta calidáde.19

Nã tẽ plurár os quátro elemẽtos. Verdáde é que bẽ
pósso dizer: eu andey muitas térras, e nũca uy tã bõa
fruta, como a do termo de Lisboa. Aqui neste módo e
ẽ outros nã tomamos as térras per o elemento da térra,
mas per a diuersidáde das prouincias délla. Dizemos
tambem per esta maneira: as ágoas dantre Douro
e Minho sam muy delgádas, e os áres de lá sam
muy sádios: e é térra tam pouoáda que dizem auer
nélla mais de setenta mil fógos. E neste exemplo tomamos
as ágoas e áres como pártes do todo: e os fógos
per os moradores.

Os uentos principáes com todolos rumos e partidas
em que os marinheiros os pártẽ: quando falámos
per cada hũ delles, tem singulár e nam plurár.

As cousas que tem medida & peso nam tem plurár:
como, azeite, uinho, uinágre, arrobe, mosto, mél,
leite, ouro, práta, estanho, chumbo: cóbre, férro, áço,
sál, salitre enxofre &c. E as sementes, trigo, çeuáda,
çenteo &c. nam tem plurár.

A mayór párte da espeçeria: como pimenta,
cráuo canéla, &c. nam tem plurár.

Destoutras espéçias e cheiros: como, açafram,
coentro, ortelãa, ençenço. beijoim &c. nã tem plurár.

Sól, lũa, glória, fama, memória, nam tem plurár.
E quem algũ nome destes leuár ao plurar que a orelha
20póssa sofrer, nam encorrerá em pecádo mortál: dádo
que em rigor de bõa linguágem sam mais próprios do
singulár que do plurár.

Os que tem pluràr e nam singulár sam estes e outros
semelhãtes, fáuas, grãos, lintilhas, tremoços, eruilhas,
cominhos, migas, pápas, semeas, farélos. E das que
usamos pera seruiço da pesoa e cása, andes, andilhas,
cálças, çiroulas, mantẽes, alforges, grelhas, tenázas, tisouras.
&c.

Das pártes do corpo humano estas nam tem singulár,
bófes, páreas de molher. E assy todolos numeros
que contamos sobre hũ: como, dous tres, quátro. &c.
Outros muitos nomes temos irreguláres os quáes leixo,
estes bástem pera exemplo.

Dos cásos do nome.

Casos, sam os termos per onde os nomes pronomes
e partiçipios pódem andár, os quáes termos dádo
que nã mudẽ a sustançia do nome: gouérnã a órdem da
oraçám mediante o uérbo. E por que (como ia disse)
por sermos filhos da lingua latina, temos tanta conformidáde
com élla, que conuẽ usármos dos seus termos:
principálmente em cousas que tem seus próprios nomes,
dos quáes nã deuemos fogir.Chamã os latinos ao
primeiro cáso, Nominatiuo, por ser o primeiro que nomea
a cousa: e nelle está a cousa que é ou a pesoa que
21fáz per semelhãte exẽplo, a cobiça é raíz de todolos máles.
Esta cobiça, ser raiz fica em o cáso nominatiuo. quem fáz,
a liberalidáde fáz os prinçipes amádos. E por esta liberalidáde
ser autor desta óbra, está em o cáso nominatiuo
pela segunda párte da régra.

Ao segundo cáso chamam, Genitiuo, e dizem algũus
latinos que lhe conuem este nome por gérár os outros
cásos. E outros lhe chamam cáso possessiuo e interrogatiuo,
por nelle estár o senhor da cousa, como
se preguntássem. De quem é esta árte de grammática?
pódesse responder, do principe nósso senhor.

Em o terçeiro cáso a que chamam, Datiuo, poemos
a pessoa em cuio proueito ou dano é dáda ou feita
a cousa, per este exemplo: Em aprẽder, fázes a ty bõa
óbra: e ao méstre dás contentamento.

Em o quárto cáso, a que chamã Acusatiuo, se põe a cou[sa]
feita ou amáda: exẽplo, os hómẽes bõos amã a uirtude.
Esta uirtude ẽ que óbrã os hómẽes, fica em accusatiuo.

Em o quinto cáso per nome, Vocatíuo, está a pessoa
que chamamos: o quál se rége destas interieições, ó,
ou, oula, a uós, e outras que se uerám em seu lugár. E
por este módo dizemos, ó piadoso deos, lẽbrate de my.

Do sexto cáso a que chamam, Ablatiuo, se usa,
tirãdo ou apartando a cousa dalgũ lugár per este exemplo,
eu tiro muita doutrina dos liuros. E se dissér, eu
22tiro muita doutrina dos liuros com meu trabálho, fica
este nome, trabálho, em outro cáso seitimo, a que
os Latinos chamam effectiuo. Este cáso se rége desta
proposiçam com, e nelle está o instrumento com
que obrámos algũa cousa per o exemplo deçima.

Dos artigos.

Artigo é hũa das pártes da oraçám, a quál como
ia dissémos nam tem os latinos: e uem este nome, artigo,
de articulus, diçam latina: deriuáda de Arthon
gréga, que quér dizer iuntura de neruos, a que nós propriamente
chamamos artelho. E bem como da liança e
ligadura dos neruos se sostem o corpo, assy do aiuntamento
do artigo aos cásos do nome, se compõem a
oraçám, per semelhante exemplo: dos hómẽes é obrár
uirtude, e das áues auoár. Peró tirándo aos hómẽes
este artígo, dos, e ás áues, das, diremos. hómẽes é obrár
uirtude, e áues auoár, que nam póde ser mais confusa
linguágem. Per onde claramente uemos, que pera o
intendimento ficár satisfeito é necessário artigo masculino
ao nome masculino, e artigo feminino ao feminino:
por que nam diremos, das hómẽes é obrár uirtude, e
dos áues auoár. E pois iá sabemos que cousa é artigo,
ueiamos as suas declinações, que sam duas: hũa dos
masculinos e neutros, e outra dos femininos.

Declinações dos artigos, os quáes tambem
23séruem de relatiuos.

tableau mascu. | femi. | sing. | plu. | p. | nominatiuo | genitiuo | datiuo | acusatiuo | vocatiuo | ablatiuo

Das declinações do nome.

Como ẽ o nome e uérbo está a força de toda a linguágẽ,
per o reál poderio que ambos nella tẽ (como ia dissémos,)
assy em declínár hũ, e cõiugár o outro, está o
mais sustãçiál e dificultoso de toda a grãmática. Esta
dificuldáde mais é entre os Latinos e Gregos pola uariaçã
dos cásos, que açerca de nós e dos Hebreos: por
que toda a sua e nóssa uariaçã é de singulár a plurár.
Os Latinos tem çinquo declinações, os Grégos tẽ outras
çinquo simples, que na quinta fórmã outras a que
chamã contrátas, Os Hebreos tem duas, hũa dos nomes
masculinos, e outra dos femininos. A nóssa linguágem
declinasse em outras duas, a hũa podemos chamár,
uogál, por ser dos nomes que acábã nas uogáes: e a outra
consoante, por acabárem os nomes que per ella declinamos
24nestas çinquo consoantes, l, m, r, s, z: Nam fálo
em nomes estrangeiros que se terminam en outras leteras
como Isac, Iacob. Declinaçám açerca da nóssa
linguágem quer dizer uariaçam, por que quando uariamos
o nome de hũ cáso ao outro em o seu artigo, ẽtã
ô declinamos, como se póde uer nestas duas declinações.

Primeira declinaçám.

a. e. i. o. u.

tableau numero | singulár | plurár. | nominatiuo | genitiuo | datiuo | accusatiuo | vocatiuo | ablatiuo

Segunda declinaçám.

l. m. r. s. z.

tableau numero | singulár | plurár. | nominatiuo | genitiuo | datiuo | accusatiuo | vocatiuo | ablatiuo25

Muitas uezes em o primeiro cáso, nã poemos artigo,
por que a órdẽ da cõstruiçã ô declára, quãdo a pesoa
é autor da cousa, do quál módo tãbẽ usã os Hebreos.
Temos mais estas régras pera os artigos. Todo
nome próprio se rége sem artigo: e o cáso genitiuo muitas
uezes se rége desta preposiçam. De, per semelhante
exemplo. Ioam de Bárros foy o primeiro que pos a
nóssa linguágem em arte: e a memeria de António
seu filho que â leuou ao principe nósso senhor, nam será
esquéçida. Aquy està o nome de Ioam de Bárros sem
artigo: e o de António régido da preposiçam, de.

Da formaçam dos nomes em
o plurár.

A formaçam dos nomes no plurár da primeira declinaçam,
é cousa muy facil: ca nam tem mais que acreçentar
lhe esta letera, s, como óra uimos em o nome
Rainha que declinamos. E per semelhãte módo, se póde
fazer ẽ os outros nomes desta primeira declinaçam.

Tiranse desta régra, os nomes que acábam ẽ. ay,
como páy, cõtráy, os quáes leuádos ao plurár dizemos
páyes, contráyes, acreçentandolhe esta syllaba, es.

Os nomes da segunda declinaçam sam mais dificultósos
de formár que os da primeira, por que leixam leteras
e tomam leteras per esta maneira. Os que se acábam
ẽ al, el, ol, ul, formanse perdendo a letera, l, e tomãdo
26esta syllaba, es, e dizemos cardeâl, cardeáes, papel,
papées, foról, foróes: taful, tafues.Em esta regra nam
entram os nomes de hũa só syllaba: como, sál, mél, sól,
sul, por que sam irregulares e nam tem plurár. Mal, e
cal de moinho, pareçe que os ouuemos de castéla: por
que os formamos acreçentandolhe, es, e dizemos máles:
cáles. Os nomes que se acabam em, il, em lugar do, l,
que lhe tiramos se acreçenta, ís: e dizemos çeitil, çeitijs,
fonil, fonijs.

Os mais dos nomes que se deuiam acabár ẽ, am,
se escreuem a este modo. Razão, razões. E se o uso
nam fosse ẽ contrairo que tem gram força açerca das
cousas, nam me pareçeria mal desterármos de nós
esta prolaçam e orthografia galega. Por que a meu
uer quando quisérem guardár a uerdadeira orthografia
destas dições, se deue dizer, Razam, e no plurar,
razões. Ca este, m, finál nósso tem aly o oficio do
mem çerrádo dos hebreos, que e hũa das leteras que
elles chamam dos beiços: a quál lhos fáz fechár quando
acábam nella, de maneira que se uay fazendo aquella
uariaçam ocandose a uóz. E este é hũ módo
de âfrautár como se fráutam os instrumentos da musica.
E entam os que pouco sentém quérem remediár o
seu desfaleçimento escreuendo agalegádamente: poẽdo
sempre, o, finál ẽ todalas dições que acábam ẽ, am.27

E se a régra delles fosse uerdadeira, em todolos uérbos
que na terçeira pessoa do numero plurár acábã nesta
syllaba, am, ô deuiam usár: e assi em outras muitas dições
como, pám, cám. Isto nam guardam elles pois uemos
que na formaçam do plurár dizem cães pães: por
que aqui uem elles muito ao olho seu erro: que nã pódẽ
dizer paões caões. Assi que a uerdadeira formaçam
destes nomes terminádos em, am, quando uiér ao plurár
diremos, formações: conuertendo o am finál em, õ,
escrito a este módo, e acreçentãdolhe, es, E quãdo escreuemos
estes nomes, maçã,a, aldeã,a, e ôs leuármos ao
plurár, diremos maçãas aldeãas: acreçentandolhe esta
syllaba, as, Porque estas terminações, ã, ẽ, ĩ, õ, ũ, a
que podemos dezer refléxas ẽ si: tem diferença destas
am, em, im, om, um, Ca tem diferentes officios, hũ, séruem
por sy em semelhãtes dições, como pus emxemplo,
e outro séruem por estoutras, am, em, im, om, um,

Os nomes que se acábam nestas terminações,
am, em, im, om, um, se formam acreçentandolhe,
es, ís, os, us, e o m, finál poemos em cima da uogál preçedente
e fica refléxa: e dizemos bem, bẽes, pentem,
pentẽes beliguim, beliguĩis, çetim, cetĩis, bom,
bõos, tom, tõos, atum, atuũs, ipretum ipretuũs.

E por que em todalas grammáticas nam póde auer
régras tam geráes, que nam aia hy algũas eceições:
28quando se achárem algũas destas régras das formações,
a nouidáde da óbra o póde desculpar, e no titolo
da Orthografia diremos algũa cousa do que a éllas tóca.
Os nomes que se acábam em, r, s, z, se formam
acreçentandolhe esta diçam, es, como Pomár, pomáres,
dèos, dèoses: páz, pázes. &c.

Do pronome e
seus acidentes.

Pronome, é hũa párte da óraçám que se
põem em lugár do próprio nome: e por isso
dissémos que era cõiũta a elle per matrimónio,
e da quy tomou o nome. Exemplo,
Eu escréuo esta Grãmática pera ty, Esta párte, eu,
se chama, Pronome: a quál básta pera se entender o que
disse, sem acreçẽtár o meu próprio nome Ioam de Bárros,
em cuio lugár sérue. Esta, tambem é Pronome da
Grãmática: Ty, está em lugár de António. como se
dissése: Eu Ioam de Bárros escréuo esta Grammática
pera ty António. E tirando cada nome destes o
seu Pronome: dizendo Ioam de Bárros escréuo Grãmática
pera António, fica esta linguágem imperfeita.
Assy que podemos dizer, ser inuentada esta párte
da óraçám pera boa órdem e perfeito intendimento
29da linguágẽ, a qual tem estes seis açidẽtes: Espéçia, Género,
Numero, Figura, Pesoa e Declinaçã per cásos.

Da espéçia.

Como ẽ o nome uimos que tinha duas espéçias, Primitiua,
e Deriuáda, assy temos pronomes primitiuos
e deriuádos. Os primitiuos ou primeiros sam estes seis
eu, tu, sy, este, esse, elle. Os diriuádos sam cinquo: meu,
teu, seu, nósso, uósso. Chamanse deriuádos por que se deriuã
dos primeiros em o cáso genitiuo: onde diz de my, se deriua,
meu, e de ty, teu, e de sy, seu, E no plurar nôsso uósso.
Eu, nós, tu, uós, este, estes, sam demõstratiuos: por que
cásy demóstrã a cousa, per semelhante exẽplo. Este liuro
é do principe nósso senhor. Elle, esse cõ seus pluráles
chamã relatiuos: por fázerẽ relaçã e lẽbrança da cousa
dita, posto que o seu prĩcipal ofiçio seia demõstratiuo.

Da figura.

Duas figuras tem o pronome, Simplex, e Compósta.
Figura simplex é, eu, tu, este, esse. Compósta chamamos,
eu mesmo, tu mesmo, aqueste, aquesse. &c. Esta
cõposiçam destas duas pártes, eu mesmo, nã faz mais,
que acreçentár hũa eficaçia e uehémençia ao pronome,
a que os gregos chamã, Emphasím: por que mayór eficáçia
tem dizer, eu mesmo escreuy esta árte, que eu escreuy
esta árte. E per esta mesma figura, dizemos,
nós outros, e outras composições a este módo.30

Do género pesoa e numero.

Quátro géneros tem o pronome .s. este, que é masculino,
esta, feminino, isto, que é neutro. Eu, tu, de sy,
comũ de dous.

As pesoas sam tres: eu, primeira, que fála de sy
mesmo, tu, a segunda, à quál fála a primeira, elle, a terçeira,
da quál a primeira fála, como se dissésse, Eu trabálho
pera aproueitár os moços, e tu fólgas com isto,
e os pecos zombarám.

Dous numeros tem o pronome, Singulár e Plurár.
Singulár, como quando digo, Eu confésso a Christo,
e per plurár, e nós que ô conféssámos guardamos
mál sua doctrina por nóssas culpas.

Dos cásos da primeira declinaçam.

Primeira pessoa. Segũda pessoa. Terçeira pessoa.

tableau singu. plu. sing. p. | ntõ - eu - nos | n. - tu - uós | no. - careçe | gtõ - de my - de nós | g. de ty - de uós | ge. - de sy | dtõ - a my - a nós | d. a ty - a uós | dtõ - a sy | actã - me - nós | a. - te - uós | actõ - se | vctõ - ó eu - ó nós | v. - ó tu - ó uós | vctõ - careçe | abl. - de my - de nós | a. - de ty - de uós | ab. - de sy.

Os cásos destas declinações, uariã sua senificaçã pelas
préposições, de, e à, as quáes séruem en lugar de artigo.31

Declinaçã dos pronomes possessiuos.

Da primeira declinaçám dos pronomes, se deriua
esta a baixo a que os latinos chamam possessiua: ca per
ella se declinã os pronomes possessiuos, os quáes sam aietiuos,
e fórmanse dos seus genitiuos como uimos atrás.
E a primeira terminaçám, é pera os masculinos e neutros,
e a segunda pera os femininos.

Primeira pessoa.

tableau singular. | plurar. | ntõ - meu - minha | ntõ - nósso - nóssa | gtõ - de meu - de minha | gtõ - de nósso - de nóssa | dtõ - à meu - á minha | dtõ - à nósso - á nóssa | actõ - meu - minha | actõ - nósso - nóssa | vctõ - ó meu - ó minha | vctõ - ó nósso - ó nóssa | abltõ - de meu - de minha | abltõ - de nósso - de nóssa

Segunda pessoa

tableau singular. | plurar. | ntõ - teu - tua | ntõ - uósso - uóssa | gtõ - de teu - de tua | gtõ - de uósso - de uóssa | dtõ - à teu - á tua | dtõ - à uósso - á uóssa | actõ - teu - tua | actõ - uósso - uóssa | vctõ - ó teu - ó tua | vctõ - ó uósso - ó uóssa | abltõ - de teu - de tua | abltõ - de uósso - de uóssa

Terçeira pessoa.32

tableau singular. | plurar. | ntõ - seu - sua | ntõ - seus - suas | gtõ - de seu - de sua | gtõ - de seus - de suas | dtõ - á seu - á sua | dtõ - á seus - ás suas | actõ - seu - sua | actõ - seus - suas | vctõ - careçe | abltõ - de seu - de sua | ab. - de seus - de suas

E por que na párte que tráta de construiçã, auemos
de dizer da maneira que séruem estes pronomes, e
como podemos usár delles, acabaremos esta párte dos
pronomes, com as duas declinações dos nomes relatiuos
que se séguem.

Declinaçam dos nomes Relatiuos

Interrogatiuos

tableau singulár. | plurár. | nominatiuo quem, quál | nominatiuo quáes | genitiuo de quẽ, de quál | genitiuo de quáes | datiuo a quem, a quál | datiuo a quáes | accusatiuo quẽ, quál | accusatiuo quáes | ablatiuo de quẽ, de quál | ablatiuo de quáes

Relatiuos.33

tableau singulár. plurár. | No. - que o quál a quál - que os quáes as quáes | Ge. - de que de quál da quál - de que dos quáes das quáes | Da. - á que áo quál á quál - a que aos quáes as quáes | Ac. - que o quál a quál - que os quáes as quáes | A. - de que do quál da quál - de que dos quáes das quáes

Do verbo.

Como o Rey per razã de alteza de seu
ofiçio, se póde chamár cásy diuino, em
cõparaçám de seu pouo (posto que todos
seiam da mássa dos quátro elementos:)
assy estes nóssos dous reyes, nome e uérbo, dàdo
que seiã cõpóstos de letera e syllaba, primeiros elementos
da linguágẽ: per razã da eçelẽcia e alto oficio que tẽ
gouérnã e régẽ todalas linguágẽes da térra, em tanta
páz e amor antre sy, que nam se uio républica assy gouernáda
per hũ, como estes sendo dous gouérnã a sua.
Té quy tratamos do nome e prónome cõiunto a elle por
matrimónio, e uimos todolos acidentes de sua natureza:
fica agóra tratármos do poder deste nósso rey, uérbo.
Nam segundo conuem á sua maiestáde: mas como
ô quérem os grammáticos, a quem nam é dádo tratár
mais que de sua humanidáde.34

Difinçám e diuisám do uérbo.

Uerbo (segundo difinçám de todolos grãmáticos)
é hũa uóz ou palaura que demóstra obrár algũa cousa:
o quál nam se declina como o nome e prónome per
casos, mas coniugase per módos e tempos, como ueremos
per suas coniugações. Os latinos partem os seus
uérbos, em sustantiuos e aietiuos. Dos primeiros temos
este só uérbo, sou, ao quâl chamámos sustantiuo
por que demóstra o ser pessoál da cousa, como quãdo
digo, Eu sou criatura racionál. Vérbo aietiuo podemos
chamar todolos outros.

Repârtem mais os latinos os seus uérbos, ém pessoáes
e impessoáes. Vérbo pessoàl é aquelle que tem numeros
e pessoas. E todos elles trázem consigo estes
oito açidentes. Género, espéçia, figura, tempo, módo,
pessoa, numero, coniugaçám.

Do género do uérbo pessoál.

Genero ẽ o uerbo, é hũa natureza espeçiál que tem
hũs e nam tem outros: péla quál conheçemos serem hũs
autiuos, outros passiuos, e outros neutros, nos quáes
géneros repártém os latinos os seus: e em outros dous,
a que chámã comũs e depoentes. Nós destes cinquo
géneros temos sómente dous, autiuos e neutros.

Dos uérbos autiuos.

Verbo autiuo, é aquelle que se póde cũuerter ao mòdo
35passiuo, e pelo quál denotamos fazer algũa óbra que pásse
ẽ outra cousa, a qual poemos em o cáso accusatiuo
per semelhãte exemplo. Eu amo a uerdáde, Esta parte,
Eu, que é prónome denóta a minha pessoa, e o uérbo
amo, que é autiuo denóta esta óbra de amár a uerdáde:
a quál está ẽ o caso accusatiuo, segundo móstra este
artígo, a, que é do numero singulár é do genero feminino.
E por que nã temos uérbos da uóz passiua soprimos
este defeito per rodeo (como os latinos fazẽ nos
tẽpos que lhes faleçe a uóz passiua), cõ este uérbo sou e
hũ participio do tẽpo passádo, dizẽdo. Eu sou amádo
dos hómẽes e deos é glorificádo de my. Este módo
passiuo nã é mais, que hum conuerter o auto do uérbo
ás uéssas do que fáz o módo autiuo: porque tanto é em
sinificádo, eu amo a uerdáde, como, a uerdáde é amáda
de my. Sómente ao primeiro módo chamáram autiuo
e o segundo passiuo, por que hum fáz em obrar,
e o outro padeçe em reçeber.

Dos uérbos neutros.

Vérbo neutro (ẽ nossa linguágẽ) será aquelle que
se nã póde cõuerter ao módo passiuo, e cuia auçam nã
pássa em outra cousa, assi como, estou, ando, uenho,
uou, fico: e outros que podemos cõheçer per este exẽplo,
Os hómeẽs que uã a París, e estã no estudo pouco tẽpo,
e fólgã de leuar bõa uida, nã ficã cõ muita doutrina.36

Dos uérbos impesoáes.

Chamam os latinos uérbo Impesoál, todo aquelle que
se coniuga pelas terçeiras pessoas do numero do singulár,
e nam tem primeira nẽ segunda pessoa. Estes uérbos
impesoáes, sam em duas maneiras, a hũus chamam
da uóz autiua, e outros da uóz passiua. Os da uóz autiua
acerca de nós sam, reléua, compre, cõuem, aconteçe,
e outros semelhantes que quérem antes de sy o cáso
datiuo e depois de sy hum uérbo do módo infinitiuo, per
semelhante exẽplo: A ty reléua aprender ciencia, e a my
conuem dár doutrina. Estes uérbos coniuganse per todolos
tempos e módos com este cáso datiuo por soposto,
dizẽdo: A my, a ty, a elle, a nós, a uós, e a todolos hómẽes
reléua, compre, cõuem, falár uerdáde.

Os uérbos impesoáes da uóz passiua, açerca dos latinos
sempre denótam auçam cõ generalidáde de obrar:
e própriamente uem de todolos uérbos neutros. ausolutos.
Nós nam temos estes uérbos, mas quando falámos
per este módo, tomámos o uérbo ẽ a terçeira pessoa do
nũero singulár, e este pronome da terçeira pessoa, se, e reciprocãdo,
dizemos, No páço se pragueia fórtemẽte.

Temos mais este uérbo, ey, ás, que é de género diuerso
polo oficio que tem: o quál, óra se aiũta cõ nome,
óra com uérbo, Quando se aiunta com nome soprimos
muitos uérbos da linga latina que a nóssa nam tem
37como: Ey uergonha, ey medo, ey sede, ey fóme, ey
frio: e outros muitos sinificádos que tem quando o aiuntamos
a nomes sustantiuos desta calidáde. E quando
sérue desta maneira, podemos lhe chamár uérbo neutro.
E quando se aiunta a uérbo sempre é do módo infinito,
e denóta algũ auto por fazer: e per elle soprimos
o participio futuro na uóz autiua que os latinos tẽ
de que careçemos, como. Eu ey de ler os liuros, de que
spéro alcançár doutrina.

Da espécia do Vérbo.

Duas espécias tem o uérbo, como uimos que tinha
o nome, primitiua e diriuatiua. primitiua é ámo, diriuatiua,
desámo. E destes uérbos diriuádos, temos
quátro diferenças .s. aumentatiuos, diminutiuos, denominatiuos,
auérbiáes.

Aumentatiuos sam aquelles què sinificam aumento
e continuo acreçentamento daquillo que os seus primitiuos
sinificam: como, de branqueiár, embranqueçer,
de negreiár, emnegreçer, de uerdeiár, enuerdeçer, de doer
adoeçer, e de tremer, estremeçer.

Diminutiuos seram aquelles que significam algũa
mais diminuiçám que os seus primitiuos: como, de chorár,
choromigàr, de bater, batocár.

Denominatiuos sam aquelles que se deriuam de nome:
como, de armas, ármár, de séla, selár, de pentem, penteár,
38e de ladrilho, ladrilhár.

Os auerbiáes sam aquelles que se compõe de auerbios:
como de remáte, arematár, de auánte, auánteiar.

Das figuras do uérbo.

Duas figuras tem o uérbo .s. simples e compósta.
Simples será o que nam for compósto dalgũa párte
sinificatiua: e composto, o que se compoẽ de duas. Exemplo,
conheço, e simples, desconheço, composto: que se
compos desta diçám, des, e conheço. E per esta maneira
se fázem muitas outras composições.

Dos tempos do uérbo.

Temos em nóssa linguágem çinquo tempos como os
latinos: presente, passádo por acabár, passádo acabádo,
passádo mais que acabádo, e uindouro, ou futuro.
Presente chamamos aquelle em o quál fazemos
algũa óbra presente. Exemplo, Eu amo, per onde
demóstro que neste tempo presente fáço esta óbra
de amár. Passádo por acabár é aquelle per que móstro
em outro tẽpo fazer algũa cousa: como quando
digo. Eu amáua. Passádo acabádo: como quando
dissér: Eu amey. Passádo mais que acabádo: como,
Eu amára, ou soprindo per rodeo: dizendo. Eu tinha
amádo, per o qual tempo demostramos ter dádo fim á
óbra. Tempo uindoiro é aquelle em o qual se á de fazer
algũa óbra: como se disser. Eu amarey.39

Dos módos de Vérbo.

Modo em o uérbo, nam é mais que hũa denotaçám
da uontáde em falándo. Sam os módos açerca de nós
çinquo, como tem os latinos, por tãto seguiremos a sua
órdem e termos. Ao primeiro chamã indicatiuo, quér
dizer demostrador, por que per elle demostramos a
óbra que fazemos: como quando digo: Eu leo. Ao
segundo chamam imperatiuo, que quér dizer mandador,
ca per elle mandámos, exemplo, António le. Ao
terçeiro Outatiuo, quér dizer deseiador: como quando
dizemos, prouuésse a deos que lesses. Ao quárto chamã
suiũtiuo, que quér dizer aiũtador: por que per elle aiũtamos
hũa diçã cõ outra, pera dár perfeito intẽdimẽto no
animo do ouuinte, per semelhãte exẽplo: Eu leria bem,
se ô continuásse. Esta párte, se ô continuásse, fez inteira
esta óraçám, Eu leria bem: e hũa sem outra nam satisfáz
o intendimento. Ao derradeiro e quinto módo
chamam infinitiuo, que quér dizer nam acabádo, por que
álem de careçer de numeros e pessoas, nã determina nẽ
per sy acába cousa algũa, como se uerá neste exẽplo,
Conçederuos isto, que pedis: se mais nam dissér fica esta
óraçám imperfeita, que lhe faléçe? hũ uérbo do módo finito.
E aiuntando hũa párte com outra, diremos: Nam
pósso, conçederuos isto que pedis.

Das pessoás e numeros do uérbo.40

Se o uérbo nam tiuesse esta distinçã de pessoas, seria
a nòssa linguágẽ cõfusa: podemos lógo dizer que esta
distinçám é como a diuisam do pronome que tem tres
pessoas: a primeira, eu leo, a segunda, tu ouues, a terçeira,
aquelle ama. E este uérbo tem numero singulár, como
óra uimos nestes exẽplos: e plurár, quãdo falámos per
este nuero de muítos, nós lemos, uós ouuis, aquelles amã.

Da coniugaçám do uérbo.

O derradeiro açidente do uérbo nesta nóssa órdẽ,
é a cõiugaçã: a quál se póde chamár, discurso, ou iornáda
que o uérbo fáz per todolas pessoas, numeros, tẽpos,
e módos: assy como uimos que o nome discurria per todolos
cásos e numeros. Peró uáy o uérbo mudando as
terminações e as leteras fináes, assy per as pessoas como
pelos módos quando ò coniugamos, o que nam fáz
o nome açerca de nós: por que sómente a sua uariaçám
é de singulár a plurár, como uimos. Os latinos tẽ quátro
cõiugações, nòs, tres: as quáes conheçemos no módo
infinitiuo onde elles conhéçem as suas.

A primeira nóssa é dos uérbos que no ĩfinitiuo acábã
ẽ, ár, como. Amár, namorár, adorár, rogár. &c.

A segunda, é dos uérbos que acábam em, er, como,
ler, escreuer, comer, beber. &c.

Os que acábam em, ir, sam da terçeira: como, ouuir,
ir, dormir.41

Os latinos cõiugam os seus uérbos per cinquo discursos
.s. presente do indicatiuo, pretérito, infinitiuo, gerundios,
supinos, e participios, assy da uóz autiua como
da passiua dizendo, Amo, amas, amaui, amare, amandi,
amando, amandum, amatum, amatu, amans, amaturus.
amor amaris, amatus, amandus. Nós coniugamos
os nóssos uérbos per estes discursos, pelo primeiro,
presente, preterito, infinitiuo, gerundio. do ablatiuo,
e per o párticipio do pretérito. tudo na uóz autiua,
por nam termos uóz passiua, tirando o participio
que é formádo na passiua: e dizemos. Amo, amas,
amey, amár, amãdo, amádo. Todolas outras mais pártes
que os latinos tẽ, soprimos, ou pelo infinitiuo á imitaçã
dos gregos, ou per circũlóquio, a que podemos chamár
rodeo: como ueremos no fim das coniugações.

As coniugações.

Módo pera demostrár.

Tempo presente.

tableau singulár. plurár. | amo amas ama | amamos amáyes amam | leo les le | lemos ledes lem | ouço ouues ouue | ouuimos ouuis ouuem | sou és é | somos soes sam42

Tempo Passádo nam acabádo.

tableau Singulár. | amáua amáuas amáua | lia lias lia | ouuia ouuias ouuia | era éras éra | Plurár. | amáuamos amáueyes amáuam | liamos lieyes liam | ouuiamos ouuieyes ouuiam | eramos éreyes éram

Tempo passádo acabádo

tableau Singulár. | amey amáste amou | ly leste leo | ouuy ouuiste ouuio | fuy foste foy | Plurár. | amámos amástes amáram | lemos lestes leram43

tableau ouuimos ouuistes ouuíram | fomos fostes foram

Tempo Passádo mais que acabádo.

tableau Singulár. | amára amáras amára | léra lèras leèra | ouuira ouuiras ouuira | fora foras foraplurár. | Plurár. | amáramos amáreyes amáram | lèramos lèreyes lèram | ouuiramos ouuireyes ouuiram | foramos foreyes foram

Tempo vindoiro.

tableau Singulár. | amarey amarás amará | lerey lerás lerá | ouuirey ouuirás ouuirá | serey serás será | Plurár. | amaremos amareyes amarám44

tableau leremos lereyes lerám | ouuiremos ouuireis ouuirám | seremos sereis serám

Módo pera mandár.

Tempo presente.

tableau Singulár. Plurár. | ama ame amemos amáy amem | le lea leámos lede leam | ouue ouça ouçámos oui ouçã | se seia seiamos sede seiam

Módo pera deseiár.

Tempo presente.

tableau Singulár. | amásse amásses amásse | lesse lesses lesse | ouuisse ouuisses ouuisse | fosse fosses fosse | Plurár. | amássemos amásseyes amássem | lessemos lesseyes lessem | ouuissemos ouuisseyes ouuissem45

tableau fossemos fosseyes fossem

Tempo passádo nam acabádo.

tableau Singulár. | amára amáras amára | lera leras lera | ouuira ouuiras ouuira | fora foras fora | Plurár. | amáramos amáreyes amáram | leramos lereyes leram | ouuiramos ouuireyes ouuiram | foramos foreyes foram

Tempo passádo mais que acabádo soprimos per rodeo dizendo.

tableau Singulár. | tiuéra amádo tiuéras amádo tiuéra amádo | tiuéra lido tiuéras lido tiuéra lido | tiuéra ouuido tiuéras ouuido tiuéra ouuido | tiuéra sido tiuéras sido tiuéra sido | Plurár. | tiuéramos tiuéreyes tiuéram | tiuéramos tiuereyes tiueram

Tempo vindoiro.46

tableau Singulár. Pluràr. | ame ames ame amemos ameyes amem | lea leas lea leámos leyáes leam | ouça ouças ouça ouçámos ouçáyes ouçam | seia seias seia seiámos seiáyes seiam

Módo daiuntár.

Tempo presente.

tableau Singulár. | ame ames ame | lea leas lea | ouça ouças ouça | seia seias seia | Plurár. | amemos ameyes ame | leamos leáyes leam | ouçamos ouçáyes ouçam | seiamos seiáyes seiam

Tempo Passádo nam acabádo.

tableau Singulár. | amaría amarías amaría | lería lerías lería | ouuiría ouuirías ouiría | sería serías sería47

tableau Plurár. | amaríamos amaríeyes amaríam | leríamos leríeyes leríam | ouuiríamos ouuiríeyes ouuiríam | seriamos seríeyes seríam

Tempo Passádo acabádo.

tableau Singulár | amára amáras amára | lèra lèras lèra | ouuira ouuiras ouuira | fora foras fora | Plurár. | amáramos amáreyes amáram | lèramos lèreyes lèram | ouuiramos ouuireyes ouuiram | foramos foreyes foram

Tempo vindoiro.

tableau Singulár. | amár amáres amár | ler leres ler | ouuir ouuires 'ouuir | for fores for | Plurár. | amármos amárdes amárem | lermos lerdes lerem48

tableau ouuirmos ouuirdes ouuirem | formos fordes forem

Módo infiníto.

Tempo presente.

tableau amár ler ouuir ser

Tempo passádo per rodeo.

tableau ter amádo ter lido ter ouuído ter sído

Tempo Vindoiro per rodeo.

tableau auér de amár auer de ler, auer douuir auer de ser

Gerundio.

tableau amando lendo ouuindo sendo

Parteçipio do tempo passádo.

tableau amádo lido ouuido sido

Dalgũus suprimentos que temos dos tempos
per maneira de rodeo.

Temos ainda em as nóssas coniugações algũus tempos
que dizemos per rodeo: assy por uso de nóssa linguágem:
como pera significár algũus que os Latinos
tem, de que nós careçemos, os quáes poderám bẽ sentir
os seus grammáticos: prinçipalmente no módo optatiuo
49e suiuntiuo. Chamamos tempo per rodeo, quando
simplesmente nam podemos usár dalgũ, entã pera ô sinificár
tomamos este uérbo, tenho, naquelle tẽpo que é
mais confórme ao uérbo que queremos cõiugár, e cõ o
seu participio passádo dizemos, tiuéra amádo: como se
póde uer no tẽpo passádo e mais que acabádo no módo
pera deseiár, o quál suprimos per este rodeo, por nam
termos simples com que ô sinificár. E no módo infinitiuo
nam acabádo por nã termos tẽpo passádo e uindoiro
ambos simples, sinificámos per rodeo: o passádo, dizendo,
ter amádo, lido, ouuido, sido, e o uindoiro, auer
damár, ler, ouuir, ser.

Temos mais algũus tẽpos simples, os quáes por cópia
da nóssa linguágem mais que por defeito della, os podemos
dizer tãbẽ per rodeo: como o tẽpo passádo mais
que acabádo do módo pera demostrár, o quál simples dizemos
amára, e per rodeo na mesma sinificaçã, tinha amádo.
Ainda que pareçe no sentido, que estes tẽpos simples
cõ o partiçipio dã á óbra algũa mais perfeiçã ẽ tẽpo.
O módo pera deseiár no tempo passádo nam acabádo,
dizemos tambem per rodeo, ó se tiuéra amádo, lido, ouuido,
sido, Ainda que este partiçipio: sido, mais comũ é
aos castelhanos que a nós.

O tempo passádo nam acabádo do módo pera aiuntár
tambem ô suprimos per rodeo, dizendo: como teria
50eu amádo, lido, ouuido, sido.

Suprimos tãbem o tempo uindoiro deste módo,
quãdo dizemos, Amará, lerá, ouuirá, será: cõ o açento
no, á, finál, a diferença de Amára, lera, ouuira que
sam do tempo passádo nã acabádo do módo pera deseiár,
que sómente o açento fáz a uariaçám dos tempos
e módos. Algũus outros módos temos de uariar e suprir
os tempos de nóssas coniugações: os quáes por acõteçerem
poucas uezes leixo, e tambem por dár matéria
aos coriósos que nisso quisérem entender. Estes me pareçem
asáz pera esta nóssa intruduçám: e que ao uso
da nóssa linguágem sam mais comũus.

Da formaçam dos uérbos per seus
tempos e módos.

Atrás, na formaçám dos nomes, uimos, que todo o
trabálho estáua de singulár a plurár. Aqui nesta
formaçã dos uérbos nã sómẽte está ẽ os numeros, mas
ẽ as pessoas, tẽpos, e módos: por que acreçẽtamos, diminuimos,
e trastrocamos leteras, segũdo o que cada hũa
destas cousas quér. E dádo que nas régras da formaçã
nos podéssemos estender, como fázẽ os grãmáticos
gregos e latinos. (por ser o mais dificultoso de toda a
grãmática) leixaremos toda curiosidáde, tomãdo o neçessario:
dõde se pódẽ tomar régras pera o mais que cada
hũ quisér acreçentár a estes nóssos prinçipios.51

Dos pretéritos e participios.

Os uérbos da priméira coniugaçam, fázem no pretérito
perfeito do módo demostrador em, ey, e no participio
em, ádo, como, Amo, amey amádo.

Todo uérbo da segunda coniugaçam, fáz no pretérito
em, y, e no participio em, ido: como Leo, ly, lido.
Tiranse desta régra, apráz, trágo, iáço, cubro: que fazem
no pretérito em e, e dizemos, aprouue, trouue,
iouue, coube. E apráz, iáco, careçem de participio em
bõa linguágẽ: por que os rusticos o fórmã muitas uezes.

Todo uérbo da terçeira coniugaçam, tambẽ fáz
no preterito em, y, e no participio ẽ, ido. Tiranse desta
régra algũus que fázem no participio em, érto, como
ábro, cubro, com seus compostos, ca dizemos abérto
cubérto, descubérto, e emcubérto. Outros uérbos temos
os quáes totálmẽte nã séguẽ estas régras a que podemos
chamár irreguláres: como algũus que os latinos
tẽ. Estes sómẽte seiam por exẽplo, uenho, e ponho, cõ
seus compostos, ca hũus fázẽ no pretérito ẽ, im, e us.
e no participio em, ĩdo: e osto: como, uenho uim uindo,
Ponho, pus, posto. Isto báste pera conhecímento dos
pretéritos e participios ẽ gérál: uenhamos ás suas formações
e dos outros tempos e módos.

Das formações.

Assy como o infinitiuo é hũ módo que nos fàz
52conheçer de que cõiugaçã é quálquér uérbo: assy delle
mais que de outro algũ módo, podemos tomár régra pera
a formaçã dos outros. E tambem lhe deuemos esta
preeminẽçia, como a termo dos uérbos mais usádo è cõheçido:
por que os mininos quando coméçã formár nóssas
paláuras, primeiro conheçem a elle, que algũ outro
módo, e por elle os insinam suas mádres, Os bárbaros
que uem a nósso seruiço delle coméçam, como em primeiro
elemento da formaçám uerbál: e por elle suprimos
algũus defeitos da nóssa linguágẽ, en que a latina é mais
copiósa. Assy que iusta cousa será tomármos a elle por
primeira posiçam do uérbo: pera delle formármos os
outros módos. E a segunda posiçám, póde ser o primeiro
presente do numero singulár do módo demostrador,
se della quisérmos formár algũas pessoas.

Os uérbos da primeira coniugaçám que fázẽ no infinitiuo
em, ár, fórmam o primeiro presente do módo demostrador
perdendo esta syllaba finál, ár, e em seu lugár
poemos, o, e fica de Amár, formádo, amo, de cantár,
canto, de louuár, louuo.

Tiranse desta régra, dár, estár, a que poemos, ou, e dizemos,
dou, estou, ditongádo. E tambem se tira este uérbo,
ey, ás, que é de todo irrigulár, assy na cõiugaçám como
na formaçã: por que sendo da primeira cõiugaçã, acába
no ĩfinitiuo ẽ, er, que pareçe da segũda. E quãdo uẽ á
53primeira posiçã da primeira pessoa do módo demostrador,
dizemos, Ey, que nã tẽ cõueniẽnçia cõ auer, seu infinitiuo.
Os uérbos da segunda coniugaçám fázem no infinitiuo
ẽ, er, e fórmã o primeiro presente acreçentandolhe
tambẽ, o, em lugar de, er: como, cometer, cometo,
cõbater, cõbáto, adoeçer, adoeço, acolher: acolho. &c.
Tiranse desta régra muitos que séguẽ diferẽtes formações,
como: poer, cõ seus cõpostos, ca dizémos, põho,
cõponho, anteponho, posponho. E dizer, cõ seus cõpostos,
e arder, atraher, caber, ter, cõ seus cõpostos, E iazer,
reger, uer, fazer, cõ seus cõpostos, ca dizemos, digo,
bendigo, máldigo, arço, atráyo, caibo, tẽho, retẽho,
mãtenho, iáço, reio, ueio, fáço, desfáço, cõtrafáço, e refáço,
os quáes cásy cada um per sy faz sua formaçã.
Os uérbos da terçeira cõiugaçã, terminã o infinitiuo
ẽ, ir, e formám o seu presẽte pela maneira das outras
cõiugações poẽdo ẽ lugar de, ir, esta letera, o, e fica formádo,
firo, de, firir, durmo de durmir, sento, de sẽtir, cubro,
de cubrir. Tiranse desta régra, ouuir, afligir, uir,
ir, caír, concluir, seguir, medir, com os seus compostos
que algũus déstes tem, ca dizemos, ouço, afligo, auenho,
uou, cayo, concluyo, sigo, meço. E o uérbo sustantiuo
sou, tambem careçe da régra géral dos uérbos,
por que fáz no infinitiuo em, er, e quando o trazemos
ao primeiro presente dízemos, sou. E por
54ser muy irregulár em suas formações nam falaremos
mais delle: nem menos daremos régras dos outros tẽpos
e módos, por que básta pera os saber formár as cõiugações
que a olho nos móstrã as leteras fináes, em que
os uérbos que pódem ter régra gérál se terminam. Por
que dos irreguláres á hy tanto numero, que seria (como
diz o prouerbio) mayór o capelo que a cápa: e por nã
cairmos nelle ante seiamos bréue que prolixo.

Do averbio e suas pártes.

Auérbío é hũa das nóue pártes da óraçã
que sẽpre anda cõiũta e coseita cõ o
uérbo, e daquy tomou o nome: por que,
ad, quér dizer cerca, e cõpósto cõ, uerbũ,
fica aduerbiũ que quér dizer, açerca do uérbo. Foy esta
párte muy neçesária, cá per ella se denòta a eficácia
ou remissã do uérbo, por que quãdo digo, eu amo a uerdáde,
demóstro que simplemẽte fáço esta óbra de amár, mas
dizẽdo: eu amo muito a uerdáde, per este auérbio, muito,
denóto a cãtidáde do amor que tenho á cousa. E se dissér
amo pouco a uerdáde, cõ este pouco se diminuye o muito
de çima, e nã amo a uerdáde, desfáço toda a óbra de
amár. Assy que tem o auérbio este poder, acrecenta, deminuye,
e totálmẽte destruye a óbra do uérbo a que se
aiunta, e elle é o que dá aos uérbos cãtidáde,
ou calidáde açidẽtál, como o aietiuo ao sustãtiuo. E a cada hũ dos
55auérbios acõteçe estes acidẽtes espécia, figura sinificaçã.

Da espécia e figura.

As espécias do auérbio sam duas, primitiua, como,
muito e pouco, diriuada como, de bõ se deriua, bem, e de
máo, mál.

Figuras tém duas, simples, como ontém, compósta
antõtem: que quér dizer ante de ontém.

Da sinificaçám.

Como os auérbios sam muitos, assy tém diuérsas sinificações:
as quáes nam podemos comprẽder todas pera
as reduzir em régras geráes, sómente porey algũas
conformandome com a órdem dos latinos.

De lugár: Aquy, ahy, aly, cá, lá, acolá, algures,
De tempo: Antóntẽ, ontem, oie, agóra, depois, çedo,
tárde, nunca.
De cantidáde: Muito, pouco, mayór, menór.
De calidáde: Bém, mál.
De afirmár: Certo, sy.
De negár: Nam, nem.
De duuidár: Quiçá, peruentura.
De demostrár, ex, eillo, eilla.
De chamár: Ou, oulá.
De deseiár: Ose, oxalá.
De ordenár: Item, depois.
De preguntár: Como, por que.
56De aiuntár: iuntamente, em soma.
De apartár: Apárte, afóra.
De iurár: Cérto, em uerdáde.
De despertár: Eya, sus, asinha.
De comparár: Assy, assy como, bem como.
De acabár: Em conclusám, finálmente.

Per outra maneira soprimos gram diuersidáde de auérbios,
aiuntãdo a hum nome aietiuo feminino esta paláura,
mente: e dizemos. Boamente, mámente, escásamente,
grandemente. &c. que quér dizer boa, má, escása, grande,
uontáde.

Da preposicam.

Preposiçã, é hũa párte das nóue que tẽ a
nóssa grãmática: a quál se põem antre as
outras pártes per aiũtamẽto ou per cõposiçã.
Quãdo é per aiũtamẽto, ordenase
per este módo: eu uou á escola. Esta letera, á, pósta ante
da escóla, se chama preposiçã: a quál rége o cáso accusatiuo,
e neste está o nome escóla. E se dissér, eu apróuo
tua doutrina, é per composiçám: ca se compõem esta letera,
a, com próuo e dizemos, apróuo.

Da figura.

A preposiçã nã tẽ espeçia como o auérbio, mas tém
figura Singéla e dobráda: Singéla, como quãdo dizemos,
cerca, e cõpósta, acreçẽtandolhe, esta preposiçã, a,
57diz açerca, que iá tém mais eficáçia. E muitas uezes,
quãdo as aiũtamos per cõposiçã ao uérbo mudã a sinificaçam
delle: e as que se aiuntã sam estas, a, cõ, des, re:
como acodár, do quál nã temos o simples, cõcordár, desacordár,
recordár, Aprazer, cõprazer, desaprazer,
e outros muitos a que se estas preposições aiuntam.
E tambẽ se cõpõem hũás com outras, como, cerca, açerca,
E com os auérbios, fóra, de fóra, dentro de dentro.
Estas preposições hũas régem genitiuo, outras datiuo,
outras acusatiuo, e outras ablatiuo.

As do genitiuo, sam, de, do.
As do datiuo. á, ao, pera.
As do acusatiuo á, ante, diánte, antre, cõtra, per, por.
As do ablatiuo, Com, em, no, na, sem.

Da interieicam.

Os gregos contáram esta párte da interieiçam
cõ o auérbio. Os latinos (a quem
nós seguimos) distintamẽte falárã della:
e segũdo elles, nã é mais que hũa denotaçã
do que a álma padeçe. E antre muitas que temos estas
sam as mais comũus.

Ay, oy, ex: sam de quem sente dor.
Há, há, he: de quem ry.
Iesu: de quem se espanta.
Ay ay, de quem sinte prazer achando.
58A deos: de quem exclama.
A há, de quẽ cõprende alguẽ em malefiçio.
Huy: de quem zomba.
Chis, st, pera fazer silençio.

Outras muitas interieições temos, que mais se demostrã
nos autos e meneos de quem os fáz, do que a letera os póde
exprimir: que casy sam tantas. em espeçia, como temos
de paixões naturáes.

Da constrviçam
das pártes.

Te quy, tratamos das primeiras tres pártes
da grãmática .s. letera, syllaba, diçã:
fica agóra uermos a quàrta que é da cõstruiçã,
Esta (segundo difincã dos grãmáticos)
é hũa cõueniẽçia antre pártes, póstas ẽ seus naturáes
lugáres: per as quáes uimos ẽ cõhiçimẽto dos nóssos
cõçeitos. E bẽ como, ao hómẽ é naturál a fála, assy
lhe é naturál a cõueniẽcia destas pártes: nome sustantiuo
cõ aietiuo, nominatiuo cõ uérbo, relatiuo com antecedente.
Quanto ao regimento das outras pártes, cada naçám
tem sua órdem: e por nam serem uniuersáes a todos, lhe
podemos chamár açidentáes. Nós tomaremos da nóssa
construiçám o mais necesário, immitando sempre a órdem
dos latinos, como temos de custume.

Diuisám da construiçám.59

Duas cousas aquéçem á construiçam: concordánçia,
e regimento. Concordánçia é hũa cõueniencia
de duas dições correspõdentes hũa á outra, em numero,
em género: em cáso, pessoa, ou em algũa destas cousas.
Em numero, género, e cáso: como o aietiuo cõ seu sustãtiuo.
Em género, numero, e pessoa: como, o relatiuo
e anteçedẽte. Em numero e pessoa: como, o nominatiuo
e uérbo. Da cõcordãçia daremos régras e exẽplos.
Regimento é quando hũa diçám se construe com
outra diuérsa a ella, per género ou per numero cáso ou
pessoa: sómente per hũa espeçiál natureza, cõ que obriga
e sogeita a seguinte a ser pósta em algum dos cásos
que temos, como se uerá ao diante.

Da concordançia do nome sustantiuo
com o aietiuo.

As dições que cõuẽ em numero género e cáso sam os
nomes sustantiuos com os seus aietiuos, per semelhante
exẽplo: Os hómẽes bõos. Aqui estam os hómẽes por
nome sustãtiuo ẽ numero plurár: e sam do género masculino,
e estám no caso noĩatiuo, como se póde uer per
suas régras. A todas estas cousas correspõde o nome
aietiuo, bõos, cõ que perfeitamẽte reçebemos aquella notiçia,
os hómẽes bõos. E nã diremos, hómẽ boa, ca desfaleçe
a naturál órdẽ da cõstruiçã per que nos auemos de entẽder
e pareçerá mais fála de negros que de bõ portugues.
60Per semelhante módo os pronomes e partiçipios
que temos se aiuntam cõ os nomes sustantiuos: ainda que
na órdem de preçederem açerca de nós tem deferença,
ca o nome aietiuo óra se antepõem, como, os bõos hómẽes,
óra se pospõem, como, os hómẽes bõos. E nã temos
nisto mais régra que o cõsintimento da orelha: peró
o pronome sempre se põem de tras do nome: ca dizemos,
eu Ioane, tu António, esse Ierónimo, e nã ao cõtrairo,
uerdáde é que na segunda pessoa no módo imperatiuo,
podemos dizer, Antonio tu irás ler a líçám.

Tem mais o nome hũa concordançia, quando está em
o cáso nominatiuo: que á de cõuir com o uérbo em numero
e pessoa, como quando digo, eu amo.

Quando o nome é relatiuo, á de conuir cõ o seu
anteçedente, em género, numero, e pessoa: como eu amo
os moços os quáes fólgam de aprender, Este nome, moços,
é do género masculino, e do numero plurár, e da terçeira
pessoa. A todas estas cousas corresponde o seu
relatiuo, os quáes, por serem masculinos mediante o seu
artigo, os, e do numero plurár. E nam responde em cáso:
por que os moços estám em accusatiuo onde o uérbo
fáz operaçám: e os quáes, estám no cáso nominatiuo,
por serem autores daquella óbra aprender. Estas
sam as régras géráes da nóssa construiçã, agóra ueiamos
das particuláres e acidentáes.61

Do regimento dos uérbos.

Como uimos atràs, os uérbos ou sam pessoáes, ou impessoáes.
Pessoáes sam os que tẽ nũeros e pessoás: como
Amo, amas, ama, amamos, amáyes, amam, Onde
cláramẽte uemos dous numeros, singulár e plurár, e cada
hũ delles tem tres pessoas, amo, a prímeira, amas, a segunda,
ama, a terçeira, &c.

Estes uérbos pessoáes, ou pássa a sua auçám em outra
cousa, ou nam. Os que pássam chamãlhe os latinos trãsitiuos.
Que quér dizer pasadores: como, eu amo a ciençia,
a auçám do quál uérbo, amo, pássa na ciẽçia. Estes
trãsitiuos tẽ diuérso regimẽto, por que hũus régẽ genitiuo,
outros datiuo, outros acusatiuo, outros dativo e acusatiuo.

Os que régem genitiuo, sam estes e outros semelhãtes,
marauilhome da grãdeza de deos, lembrome dos
seus benifiçios, esquécesse dos meus pecádos, por que eu
uso das uirtudes, e careço dos uiçios.

Todo uérbo que sinifica comprazer, obedeçer, ou
cuio auto dá proueito ou dano a algũa cousa, quér depois
de sy datiuo: como, siruo a deos, obedeço a elrey,
aproueito a meus amigos, empéço aos seus contrairos.

Os uérbos que régem acusatiuo, própriamẽte sam
os trãsitiuos: como, Amo a uirtude, auorreço o uiçio,
leo os liuros, aprendo ciençia, ouço grammàtica, e gãho
honrra.62

Os que régem genitiuo ou ablatiuo depois do acusatiuo,
sam todolos que sinificam encher ou uazár algũa
cousa: como, eu enchy a cása de trigo, e uazey a bolsa de
dinheiro. E assy outros uérbos ao exẽplo destes: Ey piedáde
de ty, tẽho uergonha da mentira, e tristeza do pecádo.
&c.

Outros depois do accusatiuo quérẽ datiuo: como,
Eu dou gráças a deos, fáço bẽ aos próues, ẽprésto dĩheiro
a meus amigos, e nã dou logro aos onzeneiros. &c.

Os uérbos pessoáes cuia auçã nã pássa ẽ outra cousa,
sam os que própriamente se pódem chamár neutros,
e que depois de sy nam quérem cáso senam mediãte preposiçã:
como, Estou na igreia, uou á escóla, uigio de dia,
durmo de noite, acórdo a boas óras, nauégo no uerám,
fólgo no inuérno por amor do estudo. &c.

Dos uérbos impesoáes.

Os uérbos impesoáes, sam os que nam tem numeros
e pessoas, e se coniugam pelas terçeiras: como uimos na
difinçã delles. Estes açerca de nós tem natureza que ante
de sy quérẽ datiuo, e depois de sy hũ uérbo do módo infinito:
o quál rége o cáso do seu uérbo per semelháte exẽplo.
A my cõuẽ dár doutrina, a ty reléua aprẽder ciencia,
aos hómẽes apráz ter dĩheiro, ás molheres cõpre onestidáde,
e a todos obedeçer aos preçeitos da igreia. &c.

Do regimento dos nomes.63

Como os uérbos tem natureza pera depois de sy regerẽ
algũus cásos, muitos nomes tẽ preminẽçia de regerẽ
outros, quando se aiuntam a elles: dos quáes hũs régẽ
genitiuo, outros datiuo, e outros genitiuo e datiuo.

Todo nome sustantiuo apellatiuo em quálquér cáso
que estiuér, póde reger genitiuo cuío subdito fica: como,
quando dizemos: A ley de deos, na ordenaçã delrey,
ao filho do conde, amo a uerdáde dos hómẽes, ó uergonha
de moço, no páço delrey: dizemos mais: cauálo
de çem cruzados, e trigo de quorẽta reáes.

Temos tambem algũus nomes aietiuos que tẽ força
de reger nomes sustantiuos, que é ao contrairo destes
atrás. Hũus régẽ genitiuo: como, cobiçoso de honrra,
pródigo de dinheiro, auáro de priuança, limpo de maliçia,
zeloso de iustiça. Outros régem datiuo: como, mánso
aos humildes, cruél aos soberbos, brándo aos seus, doçe
aos amigos, fránco aos estrangeiros, semelhãte a seu
páy. Outros régem genitiuo e datiuo: como, chegádo
do conde ou ao conde.

Do regimento do Auérbio.

O auérbio (ainda que nã tém tanta força como o uérbo
e nome em seu regimento, muitas dições se régẽ delle:
e algũus tem estes tres açidentes. Muitas uezes se aiuntam
dous em algũa cõiunçã: como, muito ben se fez isto.
E com coniunçã se aiuntam dous e tres: como, bem prudente64

e sagázmente se ouuéram os Romanos contra os
Cartaginenses. O segundo acidente é que deseia de se
aiuntár ao uérbo a que dá mais ou menos sinificaçám:
como, muy mál compriste comigo. Terceiro acidente
é que algũus tem força de regerem cásos: como, asáz de
dinheiro, muito disto, pouco de proueito.

Da preposiçam.

Atrás uimos quando falamos das preposicões, que
hũas éram do cáso genitiuo, outras do acusatiuo, outras
do ablatiuo: por que cada hũa rége o cáso, de que
tomou o nome. As que régem genitiuo sám: Debaixo
do çéo, fóra do reino, dentro de cása, defronte de my,
açerca de nos. &c.

As que régẽ acusatiuo sam estas e outras semelhantes,
sobre perfia, ante elrey, á praça, contra Luthero,
antre os bõos, per bõ caminho. &c.

As que régem ablatiuo sám as dos seguintes exemplos:
com deos, no çeo, sem pecádo &c.

Da coniunçam.

Se ouuesémos de tratár de quantas espéçias hy á de
coníunçám, seria curiosidáde enoiósa aos ouuintes: básta
saber que temos duas coniuções mais comũus, A hũa
chamam copulatiua, que quér dizer aiuntador, por que
aiunta as pártes antre sy, e a outra, disiuntiua, a quál
mais propriamente se deue chamár disiunçám que coniunçám,
65por que diuide as pártes.

A copulatiua aiũta as pártes per semelhãte exemplo:
Alexãdre e César e Hanibál e Põpéo e Pirro,
forã grandes capitães. E por causa de elegançia, e nam
repitirmos tãtas uezes a coniunçám, e, com hũa só pósta
ante a derradeira párte, aiuntamos todalas outras
preçedentes, antre as quáes ella fica entendida: como,
Alexandre, César, Hanibal, Põpeo, e Pirro foram
grandes capitães. A outra que chamamos disiuntiua
sérue nos exemplos semelhantes: dos filósofos Sócrates
ou Platám, ou Aristóteles, nã sey quál, diz que a uerdáde
açerca dos hómẽes tem dous rostros, cõ hũ os alégra,
e com outro os entristeçe.

Da interieiçám.

Interieicã (como uimos atrás) tem tãtos sinificádos,
como sam os efeitos da álma. E de todas estas interieições,
açerca de nós, á hy algũas que régem cásos, hũas
uocatiuo, que sam pera chamár, ou espantár de algũa
cousa doendose della: como, ó deos, auos, ó hómem perdido,
ó malauenturado de pecador. Outras régem genitiuo,
que sam aquellas que denótã tristeza: como, ay de
aquelles que tém pouca fazenda, e guay dos que â ganhã
com máo titolo.

Das figvras.66

Nam sómẽte temos ẽ a cõstruiçã das
pártes na nóssa grammática, as régras
que atras uimos: mas ainda algũas
figuras e uiçios, que assy na fála como na escritura
cometemos. Figura (segũdo difinçã
de Quintiliano) é hũa fórma de dizer per algũa árte
nóua, Estas figuras se diuidẽ ẽ dous géneros, de que
depẽdẽ muitas espéçias, Ao primeiro uiço chamamos
Bárbarismo, e ao segũdo Solaeçismo.

Bárbarismo, é uicio que se cométe na escritura de
cada hũa das pártes, ou na pronũciaçã. E ẽ nenhũa párte
da térra se cométe mais esta figura da pronũçiaçam, que
nestes reinos: por causa das muitas nações que trouxémos
ao iugo de nósso seruiço. Por que bem como os gregos e
Roma auiã por bárbaras todalas outras nações estranhas
a elles, por nam poderẽ formár sua linguágẽ: assy
nós podemos dizer que as nações de Africa, Guine,

Asia Brasil, bárbarizam quando quérẽ imitár a nóssa.
E leixãdo as figuras e uiçios poeticos, trataremos sómẽte
daquelles per que mais comũmente falámos ẽ óraçám
soluta: por que como iá disse quando tratey do açẽto,
as cousas que cõpétem aos poetas, ficarã pera quando
for restituido a este reino o uso das tróuas. Ao presente
ueiamos as espeçias do nósso bárbarismo: os uocábulos
das quáes ainda que seiam gregos, tomáremos como
67tomáram os latinos, e leuãdo a sua órdem.

Prosthesis, que é a primeira espécia, quér dizer, acreçẽ
tamẽto: cométese este uiçío quando se acreçẽta algũa letera
ou syllaba ao prĩçipio de quálquér diçã: como, quãdo
dizemos, até qui por, té qui, acreçẽtando a letera, a.

Apheresis, quér dizer, cortamẽto, por que do prinçipio
dalgũa diçã cortamos e tiramos algũa letera ou syllaba:
que é o cõtráiro do de cima: como desta diçã, determinár,
tiramos, de, e dizemos, terminár. que é o simples.

Epenthesis, quér dizer interposiçám, por que quando
â cometemos se enterpõe letera ou syllaba na diçám: como
a esta paláura, todolos, que em lugár de, s, que lhe tiramos,
lhe põe, l, que arrebáta a syllaba finál, os, E dizemos,
todolos, cõ hũ só, l, e nam com dous, como fázẽ
os que nam sentem que esta párte, todolos, é compósta
destas duas, todos, os,

Sincopa, quér dizer, cortamento, ca se córta do meo
da diçã letera ou syllaba que é o contrairo da de cima:
como quando dizemos, consirár, por considerár, uiço,
por uiçio, letra por letera.

Paragoge, quér dizer, acreçentamento: cométese: este
uiçio quando em fim dalgũa paláura se acreçenta letera
ou syllaba: como se fáz nos rimãçes antigos, que por fazerẽ
cõsoante diziã, os que me soẽ guardáre, por guardár.

Apocopa, quér dizer, cortamẽto do fim: que é o cõtrairo
68de estoutra que acreçẽta: como quãdo dizemos. fidálgo,
por filho de algo, a mó de falár, por a módo de falár.

Dieresis, quér dizer, apartamento: ca per ella apartamos
hũa syllaba em duas pártes: como quando dizemos,
poemos, por, pomos.

Sineresis, quér dizer, aiũtamẽto: que é cõtrario destoutra,
pois per ella aiuntamos duas leteras uogáes em hũa:
como, souuér doulhár ás cousas desse hómẽ, por, se
ouuér de oulhár ás causas de esse hómẽ.

Sinalepha, quér dizer, apartamẽto: que casy é como a
deçima, o quál uiçio cometemos quando algũa diçã acába
em letera uogál, e se coméça outra em outra uogál:
por que entam lançamos hũa das uogáes fóra neste módo:
Tempo é dandár daquy por de andár daquy.

Ectlisis, quér dizer, escoamento, e fázse quando algũa
diçã acába ẽ letera cõsoante e coméça outra que pronũciando
ambas fázẽ fealdáde, e pela euitár lãçamos hũa
fóra: per semelhante exẽplo sól luzente, sotil ladrám.

Antithesís, quér dizer postura de letera hũa por outra:
como quando dizemos, dixe, por, disse. A quál figura
é açerca de nós muy usáda: prinçipalmente nesta
letera, x, que tomamos da pronunçiaçám mourisca, ainda
que algũus digam que deuemos dizer, dixe, por que
no preteríto latino este uérbo, dico, fáz, dixi.

Metatesis é a derradeira espéçia das que açerca de nós
69se cométem em letera ou syllaba, quér dizer, trãsposiçã,
por que per ella trastrocamos as leteras: como nestas dições
tarstorcár, por, trastrocár: apretár, por, apertár.
E como os que fálam uasconço, que trócam hũas leteras
por outras.

Solaecismo, é o segũdo género dos uiçios que podemos
cometer, este se cométe na construiçã e órdem das pártes,
quando dellas usamos per algũ módo apartádo do
comũ uso de falár. Vem este uocábulo, Solaecismo, de
hũa çidáde de Çelíçia que se chamáua, Solos: a quál dizem
que pouoou Solon. E por que a esta pouoaçã cõcorreram
pouos de diuérsas nações, que corrõperam a
uerdadeira e pura lingua dos gregos, chamaram elles
á esta corruçám Solaecismo, donde os Romanos tomáram
este uocábulo que nós óra usamos. E por que
elles tém muitas espeçias destes uiçios, tomaremos sómente
aquellas que nos conuẽ, e as outras fiquem com
seu dono.

Prolepsis, quér dizer, antiçipaçám, Cometese quando
partimos ẽ diuérsas pártes algũa generalidáde, como.
Dos hómẽes, hum é leterádo, outro caualeiro, outro sacerdote,
e outro oucioso: e todos cuidam que açértam.

Zeuma, que é o contrario desta deçima, quér dizer,
coniunçám: por que per esta figura damos muitas pártes
a hum uérbo, como. O mercádor no trato, o laurador
70no cãpo, e o bom fráde na religiám se deleita.

Hipozensis, quér dizer aiuntamento debaixo. E sendo
espéçia de Zeuma, é contraira a ella, ca correspondẽ
muitos uérbos a hum soposto, per semelhante exemplo.
Elrey dom Ioam o primeiro, uẽçeo a batálha reál,
e pasou em África e tomou ceita, aos mouros, e tornouse
a este reino uitorioso, onde faleceo ía de muita
idáde.

Sylepsis, quér dizer, conçebimento, por que debáixo de
nomes sustantiuos e aietiuos de diuersos numeros, e pronomes
de diuersas pesoas, colhemos com hum uérbo hũa
clausula, como esta, Tu e António e os bõos hómẽes
com as molhéres deuótas folgayes de ouuir as uidas dos
santos.

Appositio, quér dizer, apostura, a quál se fáz quando
aiuntamos dous nomes sustantiuos sem coniunçám, que
hum espõe e decrára o outro: como, o Téio, rio prinçipál
de Európia: entra no már em Lixboa, cidáde das
mais nóbres do mundo.

Antíptosis, quér dizer, cáso por cáso, ca per esta figura
a cousa que á de estár em hum cáso. poemos em outro
per semelhante exemplo, do hómẽ de que faláuamos
uém agóra, por dizer o hómẽ de que faláuamos:
uém agóra.

Synecdoche, quér dizer, intendimẽto, por que pela párte
71entendemos o todo: como, se me preguntássem quantas
uélas traz elrey nósso senhor na india, polas náos:
e eu respondesse, trezentas.

Cacophaton, quér dizer, máo som, e é uiçio que a orelha
reçébe mal: e cométese quando do fim de hũa paláura e
do prinçipio doutra se fáz algũa fealdáde, ou significa
algũa torpeza: como, colhões tam manhos tém aquella
lébre: por, que olhoẽs tammanhos tém aquella lébre.

Pleonasmo, quér dizir, sobegidã de paláuras, por que
entam ô cometemos quando se dizem algũas que se podiam
escusár, como, Oulhoume com os seus ólhos, e faloume
com a sua boca: por que ninguem póde oulhár e
falár senam pér ólhos e boca propria.

Periossologia, quér dizer, sobegidám de razões: a quál
cometemos quando per paláuras dobrádas que nam tẽ
mais força dizemos o que se pode dizer per poucas: como,
arder e ser ardido, por que tanto quér dizer, arder,
como, ser ardido.

Macrologia, quér dizer, longo rodeo de paláuras, e dições,
e entam se cométe quando contamos algũa cousa,
rodeando muitas razões, pera concluir hũa sentença: como
se alguẽ dessesse. Elrey dom Ioam nósso senhor o terçeiro
deste nome, que óra reina nestes reinos de Portugál,
per mãos de muitos e bõos offiçiaes de pedraria,
que mandou buscár per todo o seu reyno: mandou fázer
72muy fórtes arcos de pedraria com que ueo agua da
fõte da práta á çidáde de Euora. O quâl redeo de palauras
se concluye nesta sentença. Elrey dom Ioam
o terçeiro mandou trazer a Euora água da fonte
da práta.

Tantalogia, quér dizer repetiçám de hũa paláura muitas
uézes: A quál figura cometemos per semelhante
exemplo: Eu mesmo me ando folgando, por, Ando
folgando.

Eclypsis, quér dizer, desfaleçimento:Esta é hũa figura
muy comum a nós, e de que nos muito seruimos, prinçipálmente
nos sobrescritos das cártas: como quando dizemos,
A elrey nósso senhor, ao muito manifico senhor
foam, faleçe aqui seia dáda.

Cacosyntheton, quér dizer, má composiçam: a quál cometemos,
quando per maneíra de elegançia, alguem ordena
a linguágem segundo o latim iáz: como hũa óraçám
a quál eu uy tiráda em linguágem per hum leterádo
que se prezáua de eloquente e disse. Dános senhor
aquella, a quál o mũdo nam póde dár páz. auendo
de dizer, Danos senhor aquella paz que o mundo nam
póde dár. E outro que escreuia, dizẽdo no fim da carta,
desta de Lixboa cadea onde á meses séte que sou
abitante.

Amphibologia, quér dizer, duuida de paláuras pelas
73quáes uimos a duuidár a sentença dellas: das quáes muitas
uezes se séguẽ grandes demandas, Como se cõta de
hum hómem que tinha hũa filha bastárda, quando ueo
a óra da mórte fez hum testamento e disse, Leixo a
foám por meu herdeiro, e mando que de a minha filha
pera seu casamẽto tudo aquilo que elle quisér de minha
fazẽda. Creçida a moça dáualhe o herdeiro çẽ mil reáes
pera casamẽto, que éra muy pouco: e sobre isso ueérã
a iuizo. Perguntando o iuiz ao herdeiro quanto ualia
a fazenda e quanto dáua á moça: respondeo que
ualia hum conto, e que lhe dáua çem mil reáes. Disse
o iuiz lógo uós quereis desta fazenda noueçentos
mil reáes? Responde o herdeiro, Sy. Pois segundo
a uérba do testamento (disse o iuiz) uós auereis
cem mil reáes, e a moça noueçentos: por que ella
á de auer aquillo que uós quereis da fazenda do testador,
e esta foy a sua uontáde, mas leixou a uérba amfibológica,
por oulhárdes milhor pola fazenda de sua
filha, te ella ser em idáde pera casar. E destes exẽplos
á hy muitos, de que os oráculos dos gentios usáuã pera
enganár os seus deuótos.

Epizeuxis, quér dizer, coniunçám: a qual cometemos
quando se repéte hũa cousa duas e tres uezes sem entreposiçám
de párte: como, Vem uem, pois te chamo,
nam me négues teu fauor.74

Schesionomaton, quér dizer, confusám de nomes: como
quãdo por encher a óraçám aiuntamos muitos sustantiuos
e aietiuos, per semelhante exemplo, Glorioso
caualeiro, honésto religioso, molhér mudáuél, morte
incérta.

Paromeon, quer dizer, semelhante prinçipio. Esta figura
se cométe quando muitas dições se coméçam em hũa
mesma letera: como, começando com cousas contráiras
à conciençia.

Polypteton, quér dizer, multidám de cásos como
quando os aiuntamos e sam distintos, per semelhãte exẽplo,
senhor dos senhores, hómẽ de hómẽes, amigo dos
amigos, parente de parentes.

Hirmos, quér dizer, estendimento: a quál figura se cométe
quando leuamos hũa sentença suspensa com grande
arezoamento de paláuras, e no fim dellas arematamos
per tál exemplo. A ty senhor que este mundo
de nenhũa cousa criáste: e ô conseruas gouernando em
seu ser, com prouidençia eternál péço que te lembres
de my.

Polysyntheton, quér dizer, cõposiçám de muitos, cométese
esta figura quando muitas paláuras e clausulas se
aiuntam per coniunçám a este modo: César e Pompéo
e Hanibál foram os prinçipaes capitães do mundo,
e delles, o primeiro morreo ás punhaladas, e o segundo
75degoládo, e o terçeiro com poçónha.

Dyaleton, quér dizer, disoluçã ou desatamẽto, o quál
se fáz quando muitas pártes e clausulas se aiuntã sem
coniunçám: como, Teu coraçám iusto fáz tuas paláuras
seguras dos enganos, que tem aquellas que os máos
fálam.

Metaphora quér dizer transformaçám, Desta usamos
quando per algũa cõueniencia ou especialidáde que
hũa cousa tem atribuimos a outra: como per hum homem
sabedor dizemos, é hum Salamám, e por hum liberál,
é hum Alexandre: e por hum esforçádo, é hum
Eitor.

Metonimia, quér dizer, transnominaçám: e cométese
quando poemos o instrumento pola cousa que com elle
se fáz, ou a matéria polo que se fáz della: como, diz bẽ
per pena: por escreue bém: César morreo a férro, por
punhál ou espáda com que o mataram.

Antonomasia, quér dizer, postura de nome por nome:
quãdo poemos algum nome comum por outro próprio.
e isto por algũa excelençia que o próprio tẽ: como
se entẽde per filósofo, Aristoteles, per poéta açerca
dos latinos Vergilio e açerca dos gregos Homéro.

Epytheton, quér dizer, postura debaixo de nome. E
cometemos esta figura quando com hum nome aietiuo
queremos louuár ou abater algũa pessoa ou cousa:
76como, O liberál Alexandre, o gráue Catám, o trédor
Iudas, o amor sospeitoso, o ganho doçe, o már perigoso,
a uida inçérta.

Onomatopeia, quér dizer, fingimento de nome: Desta
figura usáram os antigos quando pera denotár a bombárda
lhe chamáram, trom, do que fáz quando tira. e
nós dizemos, retinir das cousas que tinem. Como Virgilio,
que pera exprimir o som da trombeta, Taratanra
dixit.

Parenthesis, quér dizer, entreposiçám. Desta figura
usamos quando em meyo de algũa sentença se entrepõem
outras pauláuras fóra do seu propósito, como, a ley de
Christo (segundo nóssa fé) é a que á de saluár a todos.

Hyperbole, quér dizer transcendimento. Esta figura
se cométe, quãdo por louuár ou abater algũa cousa,
dizemos outra que trespássa a uerdáde: como, Dá
brádos que o ouuirám em todo mundo, e é tam grande
que chega té o çeo.

Alegoria, quér dizer, sinificaçám alhea, a quál tém
aqui seyes espéçias de que esta é a primeira, quãdo per
hũa cousa entendemos outra: como, per o cordeiro pascoál
dos iudeos entendemos Christo nósso redemtor
immoládo por nóssa redemçam.

Ironia, quér dizer, dissimulaçam: Desta usamos
quando per o contrário se diz o que queremos, aiudando
77a tençam com os meneos do corpo e ár da fála, como,
quando se diz ao moço que féz algum erro, tendelo
senhor muy bém feito, tenhouolo em merçe.

Antyphrasis, quér dizer, fála contraira: quando
per hum nome entẽdemos outro contrairo a elle: como
ao negro, chamamos Ioam Branco.

Enigma, quér dizer, escura pergunta: da quál usamos
quando se diz algũa cousa per escuras paláuras
e semelhãça: como as adeuinhações qué iógam os mininos.
Ainda o páy nã é nádo, iá o filho anda pelo telhádo
que se entende per o fumo primeiro que se o fogo
açenda.

Charientismos, quér dizer, graciosidáde. Desta figura
posto que seia derradeira nesta órdem, ẽ nóssos autos
deue ser a primeira: por que é responder com gráça
e beniuolençia quando nos perguntam, como uos uáy, e
nós respondemos, a uósso seruiço, em lugár de, Bem.
Muitas outras figuras tem os latinos as quáes nam exemplificamos
em nóssa linguágem dádo que ás
uezes usamos dellas, por euitár prólixidáde:
estas que pusémos pódem ser
exemplo a quem quisér entender
as outras.78

Da orthografia.

Esta paláura, Orthografia, é grega: quér
dizer ciençia de escreuer dereitamente. E
dádo que no prinçipio onde se tráta da letera
ouueramos de proseguir na Orthografia,
quisémos leuár a órdem dos artistas, e nam dos
grammáticos especulatiuos: por que nóssa tençám é fazer
algũ proueito aos mininos que per esta árte aprenderem,
leuando ôs de léue a gráue, e de pouco a mais.
Aquy por causa delles trabalharey ser o mais bréue
e cláro que podér: ca se ouuésse de tratár da Orthografia
da nóssa linguágem, como fez Tortélio da latina:
mais éra fazer uocabulário que árte. Nem menos farey
a cada letera do A, b, c. hum liuro, como fez Messála:
nem tantos exames se temos mais ou menos leteras,
e quáes sã ociósas, e quáes nos faleçẽ, como fez Quintiliano.
Nem alegarey o que disse della Géllio, Viturino,
Seruio, ou Prisciáno: ca seria mais mostrarme que
aproueitár. Quem curiosidádes quisér, nestes achará
tantas que póde gastár hum pár de uidas. Assy que
leixádas muitas particularidádes da grammática latina,
e outras muitas da nóssa, tratarey sómente do neçessario
aos principiantes.79

Das leteras que temos e da sua diuisám.

Como uimos no prínçipio, séruesse a nóssa linguágẽ
destas leteras ẽ a sua orthografia, á a b c ç d é e f
g h I i y l m n ó o p q R r ʃ s t V u x z.
ch, lh, nh: que sam ẽ figura trinta e tres, e ẽ poder uinte
e seis. E onde cada hũa sérue diremos ao diante.

Estas uinte e seis leteras se pártem em uogáes e cõsoantes:
as uogáes sam, á a é e i ó o u. Chamanse
estas leteras uogáes por que cada hũa per sy sem aiũtamẽto
de outra fáz perfeita uóz, e, trocádamẽte hũas cõ
as outras fázem estes séte ditongos. ay, au, ei, eu, ou, oi,
ui, Chamanse ditongos destas duas dições gregas, dis,
que quér dizer dous, e pthongos, som, cásy dobrádo sõ,
por que ambas as leteras retem o seu sóm, e fázem hũa
syllaba.

Das leteras consoantes.

Todalas outras leteras que nam sam uogáes chamamos
cõsoantes: por que com ellas, sam soantes. ca esta letera,
b, per sy só nam soa, e com esta letera uogál, e, dizemos,
be, E, c, com, e, ce, e assy de todalas outras. E
repártem os latinos estas consoantes ẽ tres pártes: em
mudas, e meas uogáes, e liquidas. As mudas sam, b, c,
d, f, g, p, q, t. Chamanse mudas, por que tirando as leteras
uogáes cõ que âs nomeamos ficã sem nome: ca se tirármos
ao, b, esta letera, e, com que se nomea e soa, be,
80fica muda. l, m, n, r, s, x, z. chamanse meas uogáes por terem
ante e depois de sy uogál que âs nomea. E a esta
letera, l, o seu uerdádeiro nome é, éle. E que, x, z, nam
móstrẽ em suas prolações, ambas as uogáes que digo,
sempre serám meas uogáes, por razam do offiçío que
tem doutras duas leteras em cuio lugár ellas séruem: ca
esta letera, x, é breuiatura destas, c s, e, z, de, s d.

E estas meas uogáes, l, m, r, se chamam liquidas.
E ouuéram este nome açerca dos latinos, por que todalas
cousas que se desfázem e córrem, chamam elles liquidas,
cásy dilidas e derretidas. Por que em pronunçiando
algũa diçám onde ellas séruem, nós âs dilimos na
prolaçám de maneira que cásy se nam sentém, como nestas
dições, clamor, cráuo. E, m, podemos dizer que açerca
de nós liquésçe, quando em lugár delle se póde poer
til, como nesta diçám pães.

Das leteras dobrádas que usamos.

Seruese tambẽ a nóssa escritura dalgũas leteras dobrádas
que tém diferentes figuras, ao módo dos Hebreos:
os quáes tem uinte e duas leteras em poder, e uinte
séte em figura. Por que as çinco sam dobrádas, e
usam dellas em diferentes lugáres: hũas lhe seruem em o
prinçipio de algũa diçám, outras em meo e outras no
fim. Assy nós temos trinta e tres leteras em figura, e
seis em poder: das quáes nos seruimos ao módo dos Hebreos
81e sam estas, I, i, y, R, r, s, V, u, E os exẽplos
onde cada hũa sérue trataremos, quando falármos particulármente
dellas.

Das leteras numeráes.

Os Hebreos e gregos séruense das leteras do seu.
A, b, c, pera numeros de conta a este módo. Por, hum,
põem a primeira letera, a, e por dous, b, e por tres, c, e
assy proseguindo quando chegam a onze tomam a dezena
e a primeira. Nós e os latinos dádo que pera numerár,
tomemos algũas leteras do A, b, c, nam guárdamos
a órdem como hũas precédẽ as outras em lugár:
sómente está em costume que por esta letera, j, longo
denotamos hum, e pera dous aiuntamos o pequeno ao
grande per esta maneira. ij. Tres, quátro assy o escreuemos.
iij. iiij. Quãdo uém a çinco poemos esta letera, b,
que é segunda na órdem do nósso A, b, c, e isto em a letera
tiráda, que na redonda poemos. v. que é a quinta
das uogáes. Seis, séte, oito, escreuemos a este módo: vi,
vij, viij. O numero nóue, detrás da letera, x, que denóta
déz poemos hum ponto a esta maneira, ix, que fáz
diminuiçã ẽ o nũero déz. E quãdo a elle queremos acreçentár
outros nũeros te chegár a dezanóue poemos todos
diante a este módo. xi. xij. xiij. xiiij. xv. xvi. xvij.
xviij. xix. Quãdo queremos escreuer, quorẽta ẽ letera
redõd per estes quátro. xxxx. o sinificamos e na tirada
82hum, R, e por cinquoenta. L, e por cento, C, e por
mil, M. A maneira de numerár per çifras, dádo que
também seiã algũas dellas do nósso A, b, c, mais pertence
a arisméticos que a grammaticos, o que disse báste
pera exemplificár os nóssos numeros.

Régras da orthografia.

A primeira e principál régra na nóssa orthografia,
é escreuer todalas dições com tantas leteras com
quantas as pronunçiamos, sem poér consoantes oçiósas:
como uemos na escritura italiana e françesa. E dádo
que a diçam seia latina, como â deríuamos a nós, e pérde
sua pureza, lógo á deuemos escreuer ao nósso
módo, per semelhante exemplo, Orthographia é uocábulo
grego, e os latinos o escréuem desta maneira
atras, e nós o deuemos escreuer com éstas leteras, orthografia,
por que com ellas ô pronunciamos.

Segunda régra nenhũa diçám ou syllaba podemos
escreuer acabáda em muda, ainda que seiam hebreas
ou bárbaras: como Iacob. Ioseph, por que todas
as nóssas dições e syllabas se terminam nestas semiuogáes,
l, m, n, r, s, z, e assi se pódem terminár
em todalas uogáes: e com ellas formamos todalas peregrinas
dições em a nóssa linguágem.

Terceira regra, nenhũa diçã podemos escreuer cõ
letera dobráda: senã cõ estas semiuogáes, l. m, n, r, s, Por
83que nos auemos de conformár cõ as syllabas que temos: como
se póde uer na introduçám, per onde os mininos pódẽ
aprendér a ler. E estas táes leteras dobrádas seruirã
em meo da diçã e nã em o principio ou fim della: como
agóra fázẽ muitos que quérẽ fazer letera a seu uer fermósa,
sem curár da orthographia. como quẽ â nã sente.

Quárta régra, toda diçám que se escreuer com letera
dobráda, a primeira das leteras será da preçedẽte syllaba,
e a segunda da seguinte, como nesta diçám, nósso
que a primeira syllaba é, nós, e a segunda, so: E assy, amásse,
elle, guérra.

Quinta régra, todo nome que no singulár acába
em algũa syllaba destas, am, em, im, om, um, no plurár
(como uímos nas formações delles) em lugár de, m, se porá
til: o quál liquesçe na prolaçám do nome: como nestas
dições. Pães, homẽes, çeitĩis, bõos, atũus.

Régras particuláres
de cada letera.

Prepóstas estas régras geráes, trataremos em particulár
de cada hũa das leteras, e dos açidẽtes que tém, e primeiramente
das uogáes por serem princesas das outras.
Os latinos de quem âs nós reçebemos, tém sómente estas
cinquo, a, e, i, o, u. Nós (como ia uimos) temos oito. s, á
grande, a, pequeno. é. grãde, e, pequeno. i. comũ, ó, grãde,
84o, pequeno, u, comũ. E a este módo, os gregos e os caldeos
tém leteras uogáes grandes e pequenas: de que usam
em sua escritura. Nós té óra em a nóssa nã usamos desta
deferença de figuras, que chamamos grandes. E dádo
que â sintamos na prolaçam da uóz, com as latinas
dobrádas a este modo, aa, ee, oo, soprimos o lugar onde
ellas séruẽ: como nestas dições. Maas, pees, poos, as quáes
deuemos escreuer a este módo. Más, pés, pós. E esta
maneira de dobrár duas leteras fázẽ ás uezes os latinos
como nestas dições, Virgilij, inchoo, cooperio, suus,
Aneé, mas cada uogál fáz hũa syllaba açerca delles, e
nós queremos que ambas as uogáes fáçam hũa só syllaba
o que nam póde ser pois nam sam dithongos. E bém
sey que por ser nouidáde e o uso estár ẽ contráiro, será
cousa trabalhósa serẽ lógo estas nóuas figuras reçebidas
em nóssa orthografia: mas o tempo âs fará tã próprias
como sam as outras de que usamos. E parece cousa: muy
iusta tratármos dellas, pois a perfeiçam da nóssa grammática
cõsiste em conheçermos e usarmos das leteras que
temos: e quáes sam grãdes e pequenas, pois de todas usamos
senã ẽ figura, ao menos em prolaçã, como podemos
uer nos exẽplos que particularmẽte daremos a cada hũa.

A

A, que é a nóssa primeira letera do, a, b, c, tẽ duas figuras,
85hũa deste, á, que chamamos grande, e outra do
pequeno. Ambos séruem em composiçám de dições, e
cada hum tem seu officio em que o outro nam entende:
por que nam escreuendo as dições onde cada hum sérue,
ficariam amfibológicas e duuidósas, dádo que o módo
da construiçám as mais uezes nos ensine tirár esta
amfibologia, como nestas e outras dições, más, e mas.
O primeiro tém quátro offiçios, sérue por sy só
de preposiçám, per semelhante exemplo, quando uou á
escóla, uou de boa uontáde. E sérue de uérbo na terçeira
pessoa do singulár deste uérbo Ey, ás:
como quando dizemos, á tanto tempo que uos nam uy,
que iá uos estranháua. E sérue de interieiçám per este
exemplo, á má cousa, por que fázes isso. E quando sérue
no quárto offiçio em composiçám com as outras
leteras, é per os exemplos açima ditos, e quér a sua
prolaçám com hiáto da boca.

A, pequeno tém tres offiçios, sérue per sy só de
artigo féminino: e de relatiuo do mesmo genero, e em
cõposiçám de outras leteras. De Artigo como, a
matéria bẽ feita apráz ao méstre. Sérue de relatiuo,
per semelhante exemplo, essa tua palmatória se â eu tomár
farteey lẽbrár esta régra, e emtã tem necessidáde
daquelle espirito que lhe ues encima pera diferença dos
outros officios, Em composiçám o temor de deos fáz
86bõa conçiencia.

É

É, grande, tem dous ofiçios, sérue per sy de uérbo
na terçeira pessoa do nuumero singulár do uérbo. Sou,
es, é, e dizemos: Esta árte é emprimida em Lixboa.
E sérue em composiçám de dições, a nóssa fé nos á de
saluár.

E

E, pequeno tem outros dous ofiçios: sérue per sy
só de coniunçám em uóz, per semelhante exemplo, tu e
eu e os amigos da pátria louuamos a nóssa linguágem.
E quando sérue em composiçám das dições dizemos
António le.

Segundo uimos, temos tres ijs destas figuras, j, lõgo,
i, comũ, y, grego: e todos tem hũa uóz, dádo que cada
hum tenha seu logár na escritura.

I

I, longo, seruirá em todalas dições que começárem
nelle: ao quál se segue uogál, como: Iáço, Iantár, Ieiũár,
Ioane, Iustiça, &c. E a uogál onde elle fére se póde
chamár ferida: e entã sérue de consoante.

i. pequeno sérue ẽ todalas dições amparádo de hũa
87párte e doutra com letera consoante: tirando algũas
syllabas que se quérem remissas, nam feridas, onde sérue,
y, grego, como ueremos em seus exemplos. Tem máis
este, i, outro ofiçio, serue de uérbo no módo imperatiuo,
como quando dizemos, i, uós lá, i, uós diante, o que
tambem os latinos usáram.

Y

Y, grego tem dous ofiçios: sérue no meo das dições
ás uezes como, máyor, ueyo. E sérue no fim das dições
sempre: como, páy, áy, tomáy. &c.

Ó

Este, ó, grande tem dous ofiçios: sérue per sy de interieiçã
pera chamár: como ó piadoso deos lembraiuos
de nós. E sérue em composiçám das outras leteras: como,
em estes nomes. Mó, enxó, sóla, móstra. &c. E
ẽ pronomes: nós, uós, nósso, uósso, E uérbos fólgo, pósso,
e isto em algũus tẽpos: ca dizemos póde que é presente e
pode que é preterito.

O

O, pequeno ainda que perdeo a pósse de dous ofiçios
88que sérue o, ó, grande, ficáranlhe tres. Sérue per sy
só de artigo masculino, como: o artigo é denotaçám da
força do nome. E sérue de relatiuo masculino per semelhante
exẽplo: este liuro sempre andará limpo se ô guardárem
bém. e sérue em composiçám das dições. E pera
sabermos quál é o artigo, e quál é o relatiuo, dado que a
órdem da construiçám ô demostre, sempre acharemos o
artigo detras do nome que elle rége, e o relatiuo antre
todalas pártes por que nam tem çerto lugár, e tambẽ
ô podemos denotár, cõ esté espirito em çima a este módo,
ô, que nam tem o artigo.

V

Como uimos, temos dous, uus, hũ desta figura, v,
e outro assy, u, Peró o primeiro nã sérue de uogál mas
de consoante, em todalas dições que coméçam nelle, por
ser hũa das leteras dobrádas que temos que séruem no
prinçipio: como nestas dições, vẽtaie, veio, vimos, vontáde,
vulto. E assy sérue per dẽtro das dições, ao módo
do, i, pequeno: mas por causa da bõa composiçám das leteras
o, u, pequeno lhe toma ás uezes o ofiçio de ferir
nas outras uogáes.

U89

O segundo, u, sérue na composiçám das dições, e
antigamente seruia per sy de auérbio locál, como quando
se dizia, u uás, u móras: do quál iá nam usamos.

Das leteras consoantes.

Pois uimos das prinçipáes leteras do nósso A, b, c.
que sam as uogáes ueiamos das consoantes.

B

Esta segunda letera, B, açerca de nós e dos latinos
nam tem mais açidente que quérer antes de sy, m,
como nestas dições, ambos, embólas, embigo, tombo.

C

Tem duas figuras, a primeira de çima: e esta seguinte,
ç. Quintiliano por que os latinos nam tem este
em figura tratou do primeiro dizendo que com elle podiamos
soprir o ofiçio de, k, e q. Nós por fogir nouidádes
conformemonôs com o uso: e no mais me remeto
a elle onde fála das leteras. Quanto ao uso que temos
delles em a nóssa orthografia, este primeiro. C.
aiuntase sómente a estas tres uogáes, ca, co, cu, E o segundo
90a todas a este módo, ça, çe, çi, çó, çu: com que
as syllabas ficam çeçeádas da maneira dos çiganos.
Nós, pareçe que ouuémos estas leteras dos mouriscos
que uẽçemos.

D. F. P. T. X. Z.

Estas seis leteras, nam tem tantos trabálhos
ném mudãças em seruir seus ofiçios, como uemos que
tem as outras. Séruẽnôs comũmente em todalas dições,
como pouo nos trabálhos da republica: ao quál
âs podemos comparár: e por isso âs atamos em mólho,
sém guardár a órdem que tem, nem fazermos dellas
muita mençám.

G

G, tem diferenças em seu seruiço quando se aiunta
ás uogáes: por que nam pronũciamos ga, go, gu: como,
ge, gi: ca estes tem a prolaçám de ie, ij. E pera aiuntarmos
á letera, g, estas duas uogáes, e, i, com que fáça
a prolacám de ga, go, gu, é necessária esta letera,
u, a este módo, guérra, Guilhélme. Por que como os
latinos nam pódẽ dizer che, chi, senam mediante esta
letera, h, assy nós nam podemos dizer, que, qui, senam
91mediante, u, E por que muitos confundem a orthografia
nestas duas syllabas ge, gi, escreuendo ie, ij,
e tomam hũas por outras: deuemonôs conformár pera
boa orthografia com as dições latinas: por que cásy
todolos nomes proprios se escréuem com, I. e as outras
pártes com, g, Ierusalem, Ierimias, Ierónimo, Ieroboã.
E cõ, g, gente, geáda, genrro, ginete. &c.

H

Esta figura, h, os latinos nam lhe chamam letera, mas
aspiraçám: por seruir em todalas syllabas aspiradas.
o quál ofiçio tem açerca de nós: como nestas dições, há,
que é interieiçám de rir. e á há, que é de comprender em
algũ erro, e de conçeder que está hũa cousa bem feita.
E assy nestes e em outros nomes, herdáde, hómem,
humanidáde. Tem mais outro ofiçio açerca de nós: que
cõ cada hũa das tres leteras uogáes fáz tres syllabas, que
sã próprias da nóssa linguágẽ, a este módo cha, lha, nha.

L

L. tẽ hũa só deferẽça, que ás uezes se quér dobrádo
quãdo está posto antre duas uogáes: como nesta párte,
elle, e outras dições que tomamos dos latinos. Esta diçã,
92todolos, muitos presentes a escréuem com, ll, dobrádo:
como quém nam sente a composiçám das pártes de que
se cõpõe: ca é compósta destas duas, todos, os. E por
tirár aquelle comcurso de syllabas, per hũa figura que
os latinos chamam Epenthesis tiramos o, s, de todos, e
em seu lugár poemos, l, singélo: com o quál arebatamos
aquelle artigo, os, e dizemos todolos. E esta régra deuemos
ter em todalas pártes onde o, l, arrebata algũ artigo:
a quál figura é muy usáda de nós nas dições, que se
acabam em alguã destas duas leteras, r, s, por que fazemos
a linguágem mais corrente.

M

M. tem menos trabálho que as outras leteras,
por que todalas syllabas cuia letera elle é final, sérue
em seu lugár til, a que podemos chamár soprimẽto delle
e do, n, como nestas dições, mandár, razám, E da
maneira que fica liquido quando leuamos ao plurár as
dições que acabã nelle, nas formações do nome ô uimos.
E em algũas dições onde elle é finál, e que diante de sy tem
letera uogál, nũca ô poremos, senam til, por nam fazer
a párte amfibológica, como, cõ estas, e nam, com estas,
ca pareçe que diz comestas. Em algũas dições se quér
dobrádo: como, grammática, immortál: por que tém
esta natureza, ante de sy nam consente, n, como, p, e, b,
93que é régra dos latinos.

N

Esta letera. N. açerca de nós sérue no principio
e fim da syllaba, e nunca em fim de diçám, por
que nam temos párte que se acábe nelle: como pelo contráiro,
os castelhanos em, m, no que somos mais confórmes
aos latinos. E muitas uezes o til ô escusa do seu trabálho,
quando é finál de syllaba: como fáz ao, m, Tem
mais, que ás uezes se quér dobrádo ẽ algũas dições que
reçebemos dos latinos, como anno.

Q

Esta letera. Q. pelo nome que tém, e assy pela pouca
neçesidáde que á della (como uimos atrás na letera.
c.) a nós conuinha mais que a outra naçám desterrála
da nóssa orthografia, e em seu logár empossár esta letera,
c, Mas ia disse quam reçeoso sou de nouidádes: dádo
que as proueitósas tenham muita força pera serem
recebidas. Como creo que se faria a esta letera, c, se fezésse
profissám dano e dia: pois esta. Q. tém tam peruérsa
natureza alem do máo nome, que se nam aiunta ás
leteras uogáes senam mediante esta, u, que lhe é semelháuel.
94Ou sam ellas tam limpas que se nam quérem aiũtár
a elle, ca nam dizemos qa, qe, qi, e dizemos qua, que,
qui, E assy fica aquella letera, u, sempre liquida sém força,
prinçipálmente açerca de nós, nestas dições que, qui:
cá assy âs sintimos como os latinos: e dizemos, quál, quã,
quanto, e nam, cál, cam, canto, por terẽ outros sinificádos.
Estoutras syllabas, quo, quu, nam âs á em nóssa linguágem:
ca dizemos, como, cume, e nam, quomo, qume.
Estas duas syllabas, que, qui, sam acerca de nós mui célebrádas.
Por que nesta párte desfaleçeo o uso do, c, Assy
que podemos daqui tirár esta régra: Qua, usaremos
ás uezes: que, qui, sempre: quo, quu, nunca.

R

Segundo uimos na diuisám das leteras, R, é hũa das
que tém duas figuras na letera redonda. s. hum singélo
que tém a uóz léue e branda a que chamamos, ére, e outro
dobrádo que rompe a uóz com impeto que se chama
érre. O primeiro sérue no meo das dições, ás uezes,
em figura e em uóz: e no fim sempre. No prinçipio sérue
em figura, mas nam em uóz, por ser brando, como
nestas dições, razám, recádo, &c.

O segundo sérue sempre no meo quando a syllaba é rispida
e fórte: como carreta que é diferẽte de careta. E no
95prinçipio sérue sempre sua uóz: por que todalas primeiras
syllabas das dições cuia prímeira letera é, r, esta
tál será fórte e nam brãda.

S

S, tem duas figuras, esta.s.que sérue sempre no prinçipio,
e no meo muitas uezes: e estoutro, s, sempre no fim,
e assy outros pequenos que nam tém háste comprida. O
primeiro em algũas dições ô dobramos ao módo dos latínos,
principalmente ẽ o presénte de todolos uérbos do
módo pera deseiar, como Amásse, lesse, ouuisse, fosse.
E pola mayór párte os que ante sy e depois de sy tém letera
uogál será dobrado: quãdo for toda hũa diçam, como
assi, esse, nóssa.

Te quy tratamos particulármẽte de cada hũa das
nóssas leteras, fica agóra uermos do til, a que podemos
chamár soprimento ou abreuiatura de quátro leteras,
m, n, pela maneira que ia uimos, quando tratamos dãmbos,
e abreuiatura de, ue, a este módo, que, que tanto sinifica
como este, que. E assy este – til como outras uergas
e pontos que tém a nóssa escrítura, prinçipálmẽte
os da letera tiráda, que mais se pódem chamár, atálhos
dos escriuães por nã gastárẽ tẽpo e papél, que outra
algũa neçesidáde. E por que nam guárdam ley nem
96régras nam trataremos dellas, e isto báste quãto á orthografia
particulár de cada hũa das leteras. E em gérál
ueiamos dalgũas régras que deuemos ter nas clausulas
e periodos da óraçám, e do apontár della.

Dos pontos e distinções
da óraçám.

Hũa das cousas prinçipáes da orthografia, pela
quál entendemos a escritura: é o apontár das pártes e
cláusulas, e em que os latinos mostráram muita diligẽçia.
Esta nam temos nós, principálmente na letera tiráda,
sendo cousa que impórta muito: por que ás uezes
fica a óraçám amfibológica sem elles, donde náçem duuidas.
E por a nóssa grammática, nesta párte nam ficár
escássa: diremos dos põtos que podemos usár, se quisérmos
doutamente escreuer.

Os latinos, tem estes pontos e sináes, com que destinguẽ
as pártes e cláusulas da óraçám: cõma, cólo, uerga,
parentesis, interrogaçám.

Cõma, é uocábulo grego, a que podemos chamár
cortadura: por que aly se córta a clausula ẽ duas pártes.
Estas duas pártes, se córtam em uirgulas: que sam
hũas distinções das pártes da clausula.

Colo, é o termo ou márco em que se acába a cláusula.
As figuras de cada ponto destes: sam as seguintes.
Dous a este módo: se chamam cõma. Este só se chama
97cólo. As uergas sam estas zeburas, ao módo dos
gregos. Na cõma pareçe que descansa a uóz, mas nam
fica o intendimẽto satisfeito: por que deseia a outra párte,
com que a óraçám fica perfeita e rematáda com este
ponto cólo. Estam antre as cortaduras que sam estes
dous pontos: hũas zeburas assy, a que chamámos
distinções das pártes da clausula. Este só põto (como iá disse)
se chama cólo. As paláuras que iázem antre dous
cólos, se chamam, clausula, ao nósso módo: e segundo
os gregos, periodo a que os latinos chamam termo. Os
dous árcos que fázem estas palauras (como ia disse):
usam os latinos quando cométem hũa figura a que chamam
Entreposiçam, e os gregos, parẽtesis, da quál tratamos
na construíçam.

Quãdo pergũtamos álgũa cousa dizendo. Quém
foy o primeiro que achou o uso das leteras? Estes dous
pontos assy escritos onde a pregunta acába, podemos
chamár interrogatiuos: por serem sinál que interrogamos
e preguntamos algũa cousa. E dádo que o intendimento
pela mayór párte quando imos lendo qualquér
escritura, elle uáy fazendo os pontos que se requérẽ sem
ôs ter: muitas uezes os mesmos pontos lhe fázem sentir
a uerdáde della, como se póde uer nesta diçám amfibológica.
Ler as óbras de Luthero: nũca obedeçer ao pápa,
é o mais seguro pera a sáluaçám. Como iulgaremos
98estas paláuras nam serem héreticas? com os pontos:
por que a párte, nũca, tem força neste entendimento, e
onde se acósta, aly cáy. Aquy destruye a precedente,
e nam a sequente: ca dizemos. Ler as óbras de luthero
nunca: obedeçer ao pápa, é o mais seguro pera a
sáluaçám. Estas orações amfibológicas usáuam
muito os oráculos dos gentios: ca per ellas os enganáuã.
Como se conta da repósta que ouue
Pirro do oráculo de Apóllo, que os grãmáticos
trázem muy comũ: Aio te
AEacida Romanos uincere posse.
Da quál repósta Pyrro ficou
enganádo: por que entendeo
que auia de uençer os Romanos,
e elle ficou uençido
delles, por a repósta
ser amfibológica.99

Dialogo em
lovvor da nossa
lingvagem.

Senhor, sábe iá esta nóua? (Páy) Quál?
(Filho) Que o principe nósso senhor começou
ontem daprender a ler. (P) E quém ô
ensina? (F) O pregador delrey frey Ioam
Soáres. E lógo perguntey per que o principiáua: por
cáusa do trabálho que leuou em a composiçám da grãmática
da nóssa linguágem que lhe tem derigida. (P)
Que impórta o meu trabálho ao principe nósso senhor
coméçar daprender, pois tem preçeitor de uida e leteras
que lhe ordenará os principios, confórmes á sua idáde
e magestáde do seu sangue. Nem por eu ter dirigido
a sualteza o trabálho que dizes, deuo esperár, mais que
por me fazer mercê ô mandár examinár: e sendo táes
que póssam aproueitár aos mininos, mandará que se
leam em as eschólas. E a estes preceitos grammaticáes
e diálogo da uiçiósa uergonha, que tu e eu o outro dia
composémos: quiséra aiuntár outros dous, hũ da uiciósa
uerdáde, e outro destas duas paláuras, Sy. Nam,
100por serẽ matérias cõueniẽtes a tres idádes do hómẽ. Peró
pois a órdem da uida que tenho me nam deu mais
tempo que pera o primeiro: em quanto os outros nam
uém, seiam recompensádos com louuármos a nóssa linguágem
que temos pósta em árte, com que léue mais
ornáto que as régras grammaticáes. E por que açerca
de quál foy a primeira linguágem do mundo em
as eschólas anda grande questam: & adhuc sub iudice
lis est [*]1, primeiro que tratemos da nóssa, quéro repetir
esta questam do fundamento pois nella está todo
nósso edificio. Antre os filósofos ouue grandes
e diuérsas opiniões açerca da criaçám do hómẽ:
por que hũus quiséram que nam teuésse principio e
fosse ab etérno como o mundo, e outros que assi o mundo
como elle teuéra principio. Peró em o módo de
prouár esta criaçám confundiram e destruiram a
uerdáde: donde déram materia aos poétas pera fabulárem
quantas composturas e fições uemos como conta
Ouídio [*]2 que Promotheu formou o hómem da térra.
Filho, O outro dia, nos leo nósso méstre essa fábula
do Methamorphoseos. E mais adiante está outra
transformaçám quando depois do diluuio Deucalion
e Pyrra reparáram a perda do género humano: Deucalion,
lançando as pédras por detrás das cóstas, de
que se géruam os hómẽes, e das que Pyrra lançáua se
101géráuam molhéres: mas nam diz aly Ouidio a linguágem
que entam os hómẽes faláuam. (Páy,) Se ella fora
a latina como tu presumias, bém se gloriára Ouidio
disso, e fizéra transformaçám de linguágẽes de
hũas em outras, como fez dos córpos em diuersas fórmas.
Assy conta Iustino [*]3 que os Egiçios tiuérã gram
contenda com os Cythas sobre a antiguidáde de seu
naçimento: dando cada naçám destas razões por párte
da térra que habitáuam, ser muy confórme pera a
criaçám e multiplicaçám dos hómẽes. E uém a concluir,
que os Cythas foram tidos por mais antigos no mundo:
mas nam diz que linguágem foy a que primeiro
tiuéram. Vitruuio [*]4 na sua architeichtura quér
dár prinçipio donde os hómẽes tomáram o uso da fála.
Dizendo que do consórçio que tinham hũus com
outros, quando se aquentáuam ao fogo que nouamente
se achára (segundo elle conta:), uiéram ter neçesidáde
da fála, pera se entenderem antre sy, e que esta neçesidáde
ôs moueo a isso, e porem nam diz que linguágem
foy esta. Herodoto [*]5 quis afirmár quál fora esta
linguágem, contando aquella esperiençia que Persammietico
rey de Egito fez em dous meninos que mandou
criár ás tetas de duas cábras: emcomendando ao pastor
a que deu este cuidádo, que em nenhũa maneira falásse
ante elles, pera uer a que linguágem os inclináua
102a natureza. Os quáes passádos dous annos de sua idáde
disséram contra o pastor com as mãos leuantádas
a maneira de quém róga, esta paláura, Becus, que em
lingua frigea quér dizer pam: donde tiuéram opiniam
que a lingua frigea fora a primeira do mundo. Tu leixádas
todas estas opiniões da gentilidáde, chegate á
uerdáde da nóssa fé que estes nam tiuérã: donde se causou
esta, e outras cõtendas de mayóres errores: dos quáes
nos deos liure, e leixe seguir o uerdadeiro caminho ẽ
que estamos. Filho, Eu esse queria tomár se ô soubér.
Páy. Aias tu a bençã de deos e a minha, e quanto em
my for trabalharey nisso: e ao presente te poerey neste
que nos demostrou a escritura. Os Hebreos por serẽ os
primeiros a quém deos quis communicár a criaçám do
mundo, afirmam que a lingua do nósso primeiro pádre
Adam foy Hebréa: aquella em que Mousés escreueo
os liuros da ley. Os gregos, quérem que seia a
Caldea, por que nesta linguágem confessou Habram
a deos: e dizem que a lingua Hebrea, nam é mais que
Caldeu corrumpido. Quál destas seia a uerdáde: ẽ cõtenda
de tam gráues barões, a nós nam é licito afirmár.
Filho. Quál será logo o uerdádeiro caminho que deuemos
seguir? Páy, Eu té quy reçitey o que os escritores
antigos sentiram, agóra direy o que nos móstra
o espirito: por que nam auemos de negár ao intẽdimẽto
103a especulaçã da uerdáde, pois nisto consiste toda a deleitaçám
delle, prinçipálmente nas cousas que mais
estam em opiniam, que em fé. E disto tomarás o
que mais quadrár em teu intendimento: leuando por
guia as autoridádes da sagráda escritura [*]6. (Segundo
nos ella demóstra) depois que deos criou Adam,
que foy o primeiro hómẽ, e ô pos naquelle lugár deleitoso:
apresentoulhe todalas cousas que pera elle criára,
as quáes Adam conheçeo e âs chamou per seu nome
que lhe emtam nóuamente pos. Filho, E âs que nós agóra
temos, e Adam nam uio, como lhe podia elle poer
nome? Páy, Eu nam digo que pos o nome áquellas,
que os hómẽes inuentáram pera suas neçesidádes e deleitações:
mas ás que foram criádas no prinçipio do mundo,
e ficáram entrégues á natureza, pera que âs multiplicásse
em suas espeçias, pera o uso e seruiço dos hómẽes.
E se Adam uio essoutras que dizes, seria quando
mereçeo uer ẽ espirito a ẽcarnaçã do filho de deos,
em cuia fé e esperança se elle saluou. Estas táés cousas,
posto que as Adam uisse em reuelaçám (como digo):
nam lhe pos elle o nome que agóra tem. Filho, Pois quẽ
senhor? Páy, Aquelles que âs primeiro inuẽtáram:
por que mál poeria Adam nome á náo, pois nũca nauegára,
nem á bombárda, senam auia de quém se defender,
nem ao libéllo, se nam tinha quém demandár. E
104todas estas e outras muitas cousas, pódes crer que a neçesidáde,
cobiça, e malicia dos hómẽes trouxéram consigo.
Porem de crer é, que ao tempo da edificaçã de Babilónia [*]7,
em que a linguágem éra toda hũa: aueria muitas
cousas inuentádas pera o uso daquelle edifiçio, e doutras
neçesidádes, ás quáes posséram elles nome, e ás naturáes
pos Adam (F) Das setenta e duas linguágẽes em que
dizem toda aquella gente se repartir polo pecádo daquelle
edifiçio: a que pouo ficou a que Adã faláua? (P)
Algũus autores católicos tẽ que ficou a Heber: donde
dizem que os hebreos tomáram o nome. E per autoridade
destes, fica cláro, que a lingua hebréa, foy a que
Adam teue: mas o que o espirito nos insina, pareçe que
ficou a todos aquelles setenta e dous pouos. Por que cousa
razoáda e de crer é, que como todos éram filhos de
Adam segundo a carne, que assy herdássem a linguágem:
mas foy desta maneira, herdáram as uózes, e o seu
pecádo lhe trocou os sinificádos. Quéro dizer, que
quando deos naquella soberba óbra confundio a linguágem,
nam foy inuentarense em hũ instante setenta e hũ
uocábulos diferentes em uóz, que todos sinificássem esta
cousa, pédra: mas confundio o intendimento a todos pera
por este nome, hómem, hũus entẽderem pédra, outros
as diferentes cousas que se naquella edificaçám tratáuam.
E este termo, confusam, nenhũa outra cousa quér
105dizer, senam tomár hũa cousa por outra. E assy
ficáram todos com toda a linguágem em uocábulos,
e com párte dos sinificádos próprios. E a este módo
trastrocou deos o intendimento de tantas nações como
foram presentes ao sermám de Pedro [*]8 no dia de Penthecoste:
que em hum uocábulo Hebreu, que éra sua
naturál linguágem, os ouuintes de diuersas nações,
entendessem hum significádo, e estas éram as desuairádas
linguas de que se elles espantáuam. Donde pódes
entender, que a linguágem primeira de Adam oie
está no mundo, em esta naçám dez uocábulos, nestoutra
uinte, e assy está repartida, que todos â tem em
uóz mas nam em hum só sinificado. E ainda se póde
crer, que estas uózes com antiguidáde ia deuem ser corrompidas:
como uemos em muitos uocábulos gregos,
hebráicos, e latinos, que foram as tres linguágẽes,
a que podemos chamár prinçesas do mundo, por que
esta autoridáde lhe deu o titolo da cruz onde foram
póstas. Estas por que perderam ia a uez do uso, e tem
sómente a párte da escritura, leixalasemos por outras
tres que fázem ao propósito da nóssa: as quáes, ao
presente todalas outras preçédem, por tomárem destas
primeiras párte de seus uocábulos, principálmente
da latina, que foy a derradeira que teue a monarchia,
cuios filhos nós somos. Hũa destas é a Italiana
106outra a françesa, e outra a espanhól. (F) Quál destas
á por melhór, e mais elegante (P) A que se mais
confórma com a latina, assi em uocábulos como na orthografia.
E nesta párte muita uantaiem tem a italiana
e espanhól, á francesa: e destas duas a que se escréue
como se fála, e que menos cõsoãtes léua perdidas. E nesta
orthografia a espanhól uençe a italiana: e mais tem
antre sy os genoeses que nam é térra da tramontãna
nẽ trãsalpina (como elles dizem) mas hũa párte da frol
de itália, os quáes de bárbora nã pódem escreuer sua linguágẽ,
e o que escréuem é em toscano, ou em latim corruto.
(F) Pois muitos dizẽ que a lingua espãhól é desfaleçida
de uocábulos: e que quanta uantáge tem a italiana
á castelhana, tãto exçede esta a portuguesa, e que
ẽ seu respeito se póde chamár elegãte. (P) Certo é que
a limpa castelhana muito melhór é que o uasconso de
Biscáya, é o çeçeár cigano de Seuilha: as quáes nam se
pódem escreuer. Mas quem ouuér de iulgár estas linguágẽes:
á de saber dambas tanto, que entenda os defeitos
e perfeições de cada hũa. Que se póde deseiár na
lingua portuguesa que ella tenha? conformidáde com
a latina? nestes uérsos feitos em louuor da nóssa pátria,
se póde uer quanta tem, por que assi sam portugueses
que os entende o portugues, e tam latinos que os nam
estranhara quẽ soubér a lingua latina.107

O quam diuinos acquiris terra triumphos:
Tam fortes animos alta de sorte creando.
De numero sancto gentes tu firma reseruas.
Per longos annos, uiuas tu terra beata.
Contra non sanctos te armas furiosa paganos.
Viuas perpetuo, gentes mactando feróces:
Qué AEthiopas, Turcos, fortes Indos das saluos:
De Iesu Christo sanctos monstrando prophetas.

F) Pareçe que uay essa linguágem hum pouco retorçida,
e fóra do comũ uso que falámos? (P) O autor que
fez estes uérsos, por guardár a cantidáde das syllabas
e a órdem dos pées, nã falou como em óraçám soluta: e
ia deues ser auisádo per doutrina de teu méstre, que de
hũa maneira fálam os poétas, e doutra os oradores. (F)
Hum dos primeiros latĩjs que me elle mandou fazer,
foy este, O fermósa maria nóua ára com tua uáca nóua.
E eu cuidáua que em isto ser linguágem nam podia
ser latim: té que palmatoreádas mo fezérã entender.

(P) Ahi começarás tu de sentir o louuor da nóssa linguágẽ:
que sendo nóssa a entẽderá o latino por que é sua.
Esta perrogatiua tẽ sobre todalas linguágẽes presentes:
magestáde pera cousas gráues, e hũa eficácia baroil
que representa grandes feitos. E o sinál onde se isto
mais cláro ue, é, musica, que naturálmente açerca de
cada naçám, ségue o módo da fála: linguágem gráue,
108musica gráue e sentida, F. Dahy uiria lógo o prouérbio
que dizem, Espanhoes chóram, Italianos huyuã,
Franceses cãtam. P, Bém adecáste o prouérbio: e ainda
que nam seia pera a linguágem, uerdadeiramẽte assy
ô pódes ter na musica. Por que a prolaçám e ár que temos
da linguágẽ diferente das outras nações, temos no módo
do cantár, ca muy estranha compostura é a Frãçesa
e Italiana á Espanhól, e as guinádas e deminuiçã
que fázẽ ao cantár fázem na prolaçám e açento da fála.
E pera hum Françes formár hum seu próprio ditõgo,
fáz nos beiços esguáres que póde amedrontár mininos:
cousa de que hum naturál orador fóge, e por nam
cair neste perigo, rodea setenta uocábulos. Cérto assy
a Françesa, como a Italiana, mais pareçem fála pera
molhéres, que gráue pera hómẽes: em tãto que se Catã
fora uiuo, me parece se peiára de â pronunciár. Nesta
grauidáde (como ia disse) a Portuguesa léua a todas, e
tem ẽ sy hũa pureza e sequidam pera cousas baixas, que
se lhe póde poer a tácha que Pérseo [*]9 punha aos uérsos
de Vergilio: os quáes dizia serem tam de souero & cubértos
de cásca, que se nam podiam abrandár. Peró cõ
aquella maiestáde e alteza, fálou no quárto de sua
AEneida tam álta e mimósamente do amor, que lhe
nam chegárã as guarrediçes de Ouidio, e as doçuras de
Petrárcha, que nestes brincos muito se esmarárã. Foy
109o Vergilio naquelle seu liuro, como nestes nóssos tempos
o Queguem em a cõpostura da musica: todalas exçellentes
consonançías achou, despois Iusquim e outros
compoedores que uiéram, sobre ellas fizéram sua diminuíçám
e contraponto. A linguágem Portuguesa,
que tenha esta grauidáde, nã pérde a força pera declarár,
mouer, deleitár, e exortár a párte â que se enclina:
seia em quál género de escritura. Verdáde é ser em
sy tam honésta e cásta: que pareçe nam consintir em sy
hũa tál óbra como celestina. E gil uiçente cómico que
a mais tratou em composturas que algũa pessoa destes
reynos, nunca se atreueo a íntroduzir hum Centurio
Portugues: por que como ô nam cõsente a naçám, assy
ô nam sófre a linguágem. Certo, a quém nam faleçer matéria
e engenho pera demostrár sua tençám, em nóssa
linguágem nam lhe faleçerám uocábulos. Por que de
crer é que se Aristoteles fora nósso naturál, nam fora
buscár linguágem emprestáda pera escreuer na filosofia,
e em todolas outras matérias de que tratou. E se
lhe faleçera algũ termo soçinto, fizéra o que uemos em
muitas pártes aos presentes. Os quáes quando careçem
de termos theologáes, os theólogos pera intendimento
reál da cousa ôs compusérã, e assy os filósofos, mathemáticos,
iuristas, médicos: todos antre sy trázem termos
que nã sam latinos nẽ gregos, mas cásy hũ uascõço
110de ártes em que os hómẽes gástam tãtos annos. (F) A
lingua Portuguesa, onde desfaleçer com uérbo ou nome
que cõprẽda em bréue algũa cousa, poderá formár
algũ uérbo apraziuel á orelha, sem falár per rodeo como
essoutros fázem? (P) Sy. por que a liçẽca que Horáçio
em a sua árte poética [*]10 dá aos latinos, pera compoerem
uocábulos nóuos, comtanto que saáyam da fonte
grega: essa poderemos tomár, se ôs deriuármos da latina.
(F) Lógo per essa maneira nos faremos copiósos de
uocábulos, e reçebidos em uso, ficárnos ãtam próprios
como sam os latinos que óra temos, que se tomáram per
esse módo. (P) Eu nã fálo em latinos de que Espanha
tem tomádo pósse antiguamente: mas agóra em nóssos
tẽpos cõ aiuda da empressám, deuse tanto a gẽte castelhana
e Italiana e frãçesa às treladações latinas usurpãdo
uocábulos, que ôs fez mais elegantes do que foram
óra á çinquoenta annos. Este exerciçio se ô nós usáramos,
ia tiuéramos conquistáda a lingua latina como temos
Africa e Asia: á conquista das quáes nos máis
démos que às treladações latinas. E o sinál desta uerdáde,
é que nam sómente temos uitória destas pártes,
mas ainda tomamos muitos uocábulos: como podemos
uer em todolos que coméçam em, ál, e em, xá, e os que
acábam ẽ, z, os quáes sam mouriscos. E agóra da conquista
de Asia, tomamos, chatinár, por mercadeiár,
111Beniága, por mercadoria, Lascarim, por hómem de
guérra; çumbáya, por mesura e cortesia: e outros uocábulos
que sam ia tã naturáes na boca dos hómẽes, que
naquellas pártes andáram, como o seu próprio portugues.
Assy que podemos usár dalgũus termos latinos
que a orelha bém receba, por que ella iulga a linguágem
e musica e é çensor dambas: e como os cõsintir hũ dia
ficarám perpetuamẽte. F, Poderám todos os que sábẽ
latim tomár esta liçença, pera diriuár uocábulos delle
a nós? P, Nã sam todos para isso liçençiádos: e os que
ô forẽ, será em algũus uocábulos, que a natureza da nóssa
linguágem açeite. Por que (a meu iuizo) tam mál pareçe
hũ uocábulo latino mál deriuado a nós: como algũas
paláuras que achamos per escrituras antigas, as
quáes o tempo leixou esqueçer. A my muito me contentam
os termos que se confórmam com o latim, dádo que
seiam antigos: ca destes nos deuemos muito prezár, quãdo
nam achármos serem tam corrutos, que este labéo lhe
fáça perder sua autoridáde. Nã sómẽte os que achamos
per escrituras antigas, mas muitos que se usam antre Douro
e Minho, conseruador da semente portuguesa: os
quáes algũus indoutos desprezam, por nam saberem a
raiz donde náçẽ. F, O outro dia em hũa liçám que nos
leo nósso méstre, trouxe esta autoridáde de Tullio, Nas
paláuras nam á cousa tam áspera que o uso nam fáça
112brãdo e suaue (P) Casy a este propósito ô tráz Tullio.
E uerdadeiramente á primeira uista, nã á cousa mais
gráue antre os bõos Iuizos, que a uariaçám de tantos
tráios como os que óra usamos: os quáes se preguntares
donde uiéram, ou cuios foram, nã lhe acharás mais çérta
natureza que a opiniam. Pois as cãtigas cõpóstas
do pouo, sem cabeça, sem pées, sem nome, ou uérbo que se
entẽda, quẽ cuidas que âs tráz e léua da térra? quem âs
fáz serem tratádas e reçebidas do comũ cõsintimento?
O tempo. Pois este fáz as cousas tã naturáes como a
própria natureza. Este nos deu a elegançia latina: este
nos trouxe a barbaria do godos, este nos deu, xa, e cha,
dos mouriscos, e este nos póde fazer ricos e póbres de
uocábulos, segũdo o uso e prática que tiuérmos das cousas.
E nã te pareça trabálho sobeio entender tanto na
própria linguágem, por que se fores bém doutrinádo
nélla, léuemente ô serás em as alheas. Este é o módo que
tiuérã todolos gregos e latinos, tomárã por fundamento
saber primeiro o seu que o alheo. Quéro dizer, que
Tulio, César, Liuio, e todolos outros a que chamamos
fonte da eloquẽçia, nunca aprẽderã lingua latina, como
a grega: por que éra sua naturál linguágem, tam comũ
ao pouo Romano, como uemos que a nóssa é ao pouo
de Lisboa, mas soubérã a grãmática della. Esta lhe insinou
que cousa éra nome, e quantas calidádes e figuras
113tínha, os tẽpos, e módos do uérbo, e todalas pártes que
régem e sam regidas: com os mais açidentes e régras que
a lingua latina tem. Destas cousas foram os latinos
tam curiósos, por apurár a sua lingua, e â iguárẽ á grega
(donde elles tomáram párte da sua eloquençia): que
se escréue compoer César hum tratádo da analogia da
lingua latina, e Messála a cada letera do A, b, c, fez
hum liuro que tráta della, e Várro outro da Ethimologia,
de que ao presente temos algũa párte. E Cárlo mãno
á imitaçám destes, também compos a lingua alemãa
ẽ árte e lhe deu nome nouo aos meses e aos uentos. Estes
e outros tam gráues e doutos barões, em cuia mã e arbitrio
estáua o estádo e regímento do mundo, assy ouuérã
este exerçiçio por glorioso, que na força de suas
conquistas e ármas aly ô exercitáuã. E açerca delles,
mais se estimáua a uitoria que a sua lingua tinha, ẽ ser
reçibida de todalas bárbaras nações, que de âs someter
ao iugo do seu império. E neste cuidádo forã tam sollicitos,
que andando antre os Pártos e outros tam bárbaros
pouos: nã consentiam que falássem, senam a sua
lingua latina, por demostrár o império que tinhã sobre
todalas outras nações. E o mais çerto sinál que o Romano
póde dár ser Espãha sudita ao seu império, nã serã
suas corónicas e escrituras, cá estas, muitas uezes sã
fauoráuees ao senhor de quẽ fálã: mas a sua linguágẽ que
114nos ficou em testimunho de sua uitória. E quanto antre
as cousas materiáes, é de mayór exçelençia aquella que
máis dura: tanto açerca das cousas da honrra sam de
mayór glória as que a memória mais retẽ. Exẽplo temos
em todalas monarchias, cá se perderã cõ a uariedáde
do tẽpo, e fortuna das cousas humanas: peró leixou
a lingua latina este sinál de seu império, que durará eternálmẽte.
As ármas e padrões portugueses póstos em
Africa, e em Asia, e em tantas mil ilhas fóra da repartiçám
das tres pártes da térra, materiáes sam, e podeâs
o tempo gastár: peró nã gastará doutrina, costumes,
linguágem, que os portugueses nestas térras leixárem.
(F) Nam sey lógo quál será o portugues de tã errádo
iuizo, pois é çérto que mais póde durár hum bom
costume e uocábulo, que hũ padrã: por que se nã preza
mais leixár na India este nome, mercadoria, que trazer
de lá, beniága, cá é sinál de ser uençedor e nam uençido.
(P) Cérto é que nã á hy glória que se póssa comparár,
a quãdo os mininos Ethiopas, Persianos, indos daquẽ
e dalẽ do Gange, em suas próprias térras, na força
de seus tẽplos e pagódes, onde nunca se ouuio o nome
romano: per esta nóssa árte aprenderem a nóssa
linguágem, com que póssam ser doutrinádos em os preçeitos
da nóssa fé, que nella uám escritos. (F) Pois
quanto ao proueito dos próprios portugueses, eu
115e o que for espermentádo ô póde iulgár: cá se nam soubéra
da grammática portuguesa, o que me uóssa merçe
insinou, pareçeme que ẽ quátro annos soubéra da latina
pouco, e della muito menos: mas cõ saber a portuguesa
fiquey alumiádo em ambas, o que nã fará quẽ soubér a
latina. (P) Eu quéro confirmár essa tua uerdáde: com
testimunho do que iá uy em algũas escólas da grammática
latina. Por os méstres nam saberém as régras
da nóssa lhe éra tam dificultoso achár as matérias da
latina, que tinham cartipáçios de latĩis em linguágem,
por onde ôs dauã aos moços: como frácos prégadores
sermonários pera todo o anno. (F) Nã se poderia insinár
esta grammática portuguesa aos meninos na escóla
de ler e escreuer, pois é tam léue de tomár, e dahy
iriam ia grammáticos pêra a latina (P) Nem todolos
que insinam ler e escreuer, nã sam pêra o ofiçio que
tem quãto mais entẽdella, por crára que seia. E ainda
que isto nã seia pera ty, dillôey pera quẽ me ouuir, como
hómẽ zeloso do bẽ comũ. Hũa das cousas menos
oulháda que á nestes reinos, é cõsintir ẽ todalas nóbres
uillas e çidádes, quálquér idióta e nã aprouádo em costumes
de bõ uiuer, poer escóla de insinár mininos. E hũ
çapateiro que é o mais baixo ofiçio dos macanicos: nam
põem tẽda sem ser examinádo. E este, todo o mál que fáz,
é danár a sua pélle, e nã o cabedál alheo, e máos méstres
116leixã os discipulos danádos: pera toda sua uida. Nam
sómente com uicios dálma, de que podéramos dar exemplos:
mas ainda no modo de ôs ensinár. Por que auendo
de ser per hũa cartinha que ahy á de letra redonda, per que
os mininos léuemẽte saberám ler, e assy os preçeitos da
nossa fé que nella estam escritos: conuertẽ ôs a estas doutrinas
moráes de bõos costumes: sáibam quãtos esta cárta
de uenda, E despois desto aos tãtos dias de tál mes,
E preguntádo pelo costume disse, nichil, De maneira que
quãdo hũ moço say da eschóla, nã fica cõ nichil, mas póde
fazer milhór hũa demãda, que hũ solliçitador dellas,
por que mãma estas doutrinas cathólicas no leite da primeira
idáde. E o que piór é, que per letera tiráda andã hũ
anno aprẽdendo por hũ feito: por que a cada folha. coméça
nóuamẽte conheçer a diferença da letera que causou
o apáro da pena com que o escriuám fez outro termo
iudiciál. (F) Pois os méstres de ler e escreuer dizem
que a letera tirada ensina a redonda, e a redonda nam
a tiráda: e que os moços se fázem mais desenuoltos per
ella. (Páy) Quem ouuér de iulgár o que lhe é mais
proueitoso ueia primeiro o que ensina Quintiliano e
sam Ierónimo em hũa epistola a leta sobre a instituiçám
de sua filha, e o pápa Pio em hum tratádo
que fez a Ladisláo rey de Boémia, e assi outros tam
gráues barões que teuéram ciencia e esperiencia.117

Por que achará que os preceitos que dérã á religiã escolástica,
nã sam tã ásperos como os da régra dos frádes
menóres: os quáes ẽ o primeiro anno do nouiciádo
trátã os nouiços cõ toda aspereza, pera os esperimẽtár
de paciẽcia. As plãtas nóuas pera prender com uiua
raiz, nã quérẽ lógo o férro ao pé: depois que sam duras
e bẽ ẽramádas, emtã lhe cõuém o podã, pera âs desafogár.
Nã se amãsam e trázẽ ao iugo, os nouilhos como
os touros: nẽ assi recébe o freo o podtro como o cauálo,
hũus quérẽ mimmo e outros estimolo, mais póde
o artificio que a força, a cõtinuaçã branda e mimósa que
o impeto áspero. E quando pera as cousas iracionáes
isto se requére: que tál deue ser o arteficio, pera plantár
doutrina áspera em naturezas tenrras, como é o intẽdimento
dos mininos. (António) Parece que nã póde
ser melhór arteficio do que se usa ẽ as eschólas cõ elles:
cá ôs principiam per, a, b, c, .que é conhecimẽto das leteras,
e dhi os métem ẽ as aiuntár hũas cõ as outras de que
se compõe as syllabas ba be. &c. depois ôs léuã aos nomes
que se compõe dellas, e per derradeiro á uariaçã de
todalas outras pártes, por que assy de gráo em gráo, de
pouco a máis, aprẽdem a ler (Páy) Como em o módo
de proceder de letera a syllaba e de syllaba a nome, tem
essa órdem: assi queria que â teuéssem em o género da escritura
e carateres della. Por que como o intendimẽto
118se deleita em as pártes confórmes que guárdam proporcám
semimmetria e figura, e nesta tál térra a memória
prẽde cõ mais uiua raiz: nesta doçura deleite que tẽ a letera
redõda os queria primeiro mamẽtár, e dhy fossẽ leuádos
á côdea da tirada que requére força de dente e paciençia
de negócios, estes sam os seus preçeitores. As audiẽçias
e nã as eschólas fizéram todolos iuristas déstros em
o ler dos feitos: e os oficiáes publicos (cuia profisám é papél
e tinta) por que â nam téueram de letera redonda,
nam sábem rezár hũa óraçã per ella, e pela tiráda sam
mais corrẽtes que hũ cégo na óraçã da ẽparedáda. Assy
que desta esperiencia pódes enferir, ler, a eschóla ô ensina,
desenuoltura os negócios â dam, letera redonda se
aprende, e a tiráda sem méstre se alcança. Quẽ quisér
filhos, que lhe nam sáyam das eschólas desesperádos de poder
ir auante, per os barrancos que tem o caminho da
letera tiráda, per a redonda ôs mande primeiro caminhár,
ca esta cõ pouco trabálho, e muito proueito, e em
menos tẽpo se alcança, e ficã per ella abiles pera mayóres
doutrinas. (F) Nã aueria remédio pera os méstres
seguirẽ com os dicipulos esse caminho? (Páy) Nã está
em mais o remédio que uir a notiçia delrey nósso senhor:
por que como é zelador dos bõos costumes, e fauorece
as leteras tam liberál e manificamente, mandará prouer
nisso como ô tem feito em os estudos de Coimbra,
119A quál óbra será pósta no cathálogo das merçes que
estes reinos delle tem reçebidas: muy celebráda dos presentes
e louuáda dos que uiérem depois de nós.

Fim.120