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Sousa, Manuel Dias de. Gramatica portugueza – T01

Gramatica
portugueza

Proemio gramatical

A Palavra Gramatica deriva-se do termo Grego
Grama, o qual significa pintura ; e assim entre os
Gregos como entre os Latinos dezigna a Arte de pintar.

Por tanto chama-se Gramatica a Arte que ensina a
pintar, e exprimir de hum modo claro, energico, e rapido
as nossas ideas, por meio das palavras que as reprezentão,
ou pronunciadas, ou escritas, e pelas quaes
os nossos semilhantes comprehendem as mesmas ideas,
e do modo que elas existem em nosso espirito.

A fim de que a pintura das nossas ideas produza os
efeitos para que he destinada, he indispensavelmente
necessario em primeiro lugar, que a pintura seja conforme,
o mais que for possivel, á mesma idea ; em segundo
lugar he necessario que seja exprimida de hum
modo inteligivel áqueles a quem se pertende comunicar.
D'aqui rezultão duas sortes de Gramatica, huma
Universal que ensina a qualidade das palavras que devem
entrar na expressão das nossas ideas ; e a outra Particular
que ensina a diversa fórma que devemos dar ás
palavras, a fim de nos acomodar á capacidade d'aquelles
de quem pertendemos ser entendidos. A Gramatica
Universal he immutavel assim como a Natureza, da
qual ela he huma copia comum a todos os seculos, e a
1todos os Povos ; porque a Natureza, e o modo de proceder
do espirito humano são immutaveis : sem esta uniformidade
e immutabilidade absoluta não poderia haver
communicação alguma entre os homẽs de diferentes seculos,
ou de diferentes lugares, ainda mesmo entre dois
individuos ; porque não haveria huma regra comum
para comparar os seus respectivos procedimentos. A
Gramatica Particular he pelo contrario infinitamente
variavel, prestando-se ao genio inconstante de cada Povo,
e de cada seculo ; e d'aqui provêm a possibilidade e
origem de todas as Linguas provêm a possibilidade e
origem de todas as Linguas que tem sido, são, e serão
faladas sobre a terra.

Mas as Gramaticas Particulares de todas as Linguas
tem hum fundo comum, pelo qual elas se assemêlhão ;
e quando se tem sabido huma, custa muito menos
aprender ás outras. Este fundo comum he o que forma
a Gramatica, Universal, e que a constitue : anterior a
todas as Gramaticas Particulares ela as anima todas, as
dirige, e he o fundamento necessario de todas. Por isso,
a pezar desta distinção de Gramatica Universal, e Gramatica
Particular, não se deve, nem pode separar o
estudo de ambas ; porque sendo todas as Gramaticas
Particulares efeito da Universal, nada devem ter
de contrario a esta ; e entr'ellas não deve haver prodecimento
algum, do qual se não perceba a cauza, desde
que se combina com as regras da Gramatica Universal.

A Gramatica ou seja Universal ou Particular, considera
a palavra em dois estados ; ou como pronunciada,
ou como escrita : a palavra escrita he imagem da palavra
pronunciada, e esta he imagem do pensamento. A
estes dois pontos se referem todas as observações Gramaticaes ;
e assim toda a Gramatica se divide em duas
partes geraes ; a primeira das quaes que trata da palavra
pronunciada pode chamar-se Ortologia, palavra de origem
Grega que significa modo de bem falar ; e a segunda
que trata da palavra escrita, chama-se Ortografia que significa
modo de bem escrever.2

Parte primeira.
Da ortologia.

Proemio

Para fazer o pensamento sensivel por meio da palavra,
he precizo empregar muitas palavras, ás quaes se
unem os sentidos parciaes, que se distinguem em hum
pensamento total. Huma palavra he composta de diferentes
sõs, e estes sõs se reprezentão com diversos
caracteres, que combinados por diferentes modos figurão
as palavras que exprimem os nossos pensamentos.
O oficio pois da Ortologia he explicar o que respeita
ao conhecimento das palavras, ou consideradas cada huma
de per si, ou juntas na expressão de algum pensamento ;
e para nisto proceder com metodo deve tratar 1.° Do
material ou elementos, de que se compõem as palavras,
como são as letras, e as silabas que que rezultão das
diferentes combinações das mesmas letras. 2.° Do valor
e etimologia das mesmas palavras. 3.° Da sua Prozodia
que fixa as decizões do uzo a respeito da pronuncia 4.°
Da Syntaxe, ou da união das mesmas palavras na elocução.
E esta he a materia dos seguintes Artigos.3

Artigo primeiro
Dos elementos da palavra.

Capitulo I.

§. 1. Das Letras em geral

A Palavra comprehende duas sortes de elementos,
a saber : a vós, e as articulações. A vós he hum som
que rezulta da simples emissão do ár, e cujas diferenças
essenciaes dependem da fórma da passagem que o orgão
da boca presta a este ár, no tempo da sua emissão. A articulação
he o gráo de explozão, que recebem as vozes,
pelo movimento subito e instantaneo das diferentes partes
do orgão.

Estas duas especies de elementos se reprezentão com
certos caracteres ou sinaes que se chamão letras. A lista
das letras autorizadas pelo uzo de huma lingua chama se
Alfabeto, e Alfabetica a ordem em que elas se costumão
arranjar. Distinguem-se as letras humas das outras
pela sua diversa figura, nome, e valor. A figura das letras
he de duas sortes a saber, de grandes e de pequenas ;
e humas e outras se uzão de duas fórmas, huma redonda
e outra bastarda. O nome ou som que se dá a cada huma
das letras, ou sejão grandes ou pequenas, redondas ou
bastardas exprime comũmente o seu valor. A diferente
figura, nome, e valor, e juntamente a ordem alfabetica
de todas as letras que tem uzo na lingua Portugueza, e
em quazi todas as da Europa, mostrão-se no seguinte4

Esquema

Ordẽ | Figura | Nome | Exemplos da pronuncia
Redonda | Bastarda | valor

Anárda, Marmeláda.
Bala, beco, bico, bota, bulha.
Cana, –, –, cobre, cura.
Çafra, çera, çidra, çoco, çumo.
Dama, dedo, dito, dote, duro.
Elemento, eleger.
Fava, ferro, fita, fogo, fumo.
Gado, guerra, guita, goma, gume.
– gelo, giga, –, –.
Habil, hera, hidra, hora, hum.
Ilegitimo, inimigo.
Jarro, jejum, jinja, jogo, juro.
Kalendas, kyrios.
Laço, lenha, linho, lobo, lume.
Magro, menor, milho, moço, mudo.
Nabo, negro, ninho, nobre, nuvem.
Ociozo, oratório.
Pato, pedra, pipa, pote, pulo.
Quadra, quebra, quina, quotidiano.
Rama, regra, rico, roda, rumo.
Saco, selha, sino, sono, sumo.
Taça, telha, tiro, tocha, tudo.
Unido, unha, uzura.
Vaca, velho, vidro, voto, vulto.
Xarope, xeringa, cochim, caixoto, queixume.
Sylaba, mysterio. *1
Zafira, zelo, zizania, zona, zurro.5

Temos mais tres figuras proprias da nossa lingua,
com as quaes suprimos tres letras que nos faltão, e que
deverião ter hum caracter particular. Estas figuras são
Ch, Lh, Nh, as quaes não tem nome algum proprio,
porém podemos dar-lho segundo o seu valor, na fórma
seguinte.

Figura | Nome | Exemplos

Chapa, chefe, chicote, choco, chuva.
Talha, galheta, filho.
Manha, conhecer, ninho.

Ha tambem outra figura a qual não he propria da
nossa lingua ; mas uza-se em algumas palavras de origem
Grega ; e vem a ser Ph com o valor de F, assim
como em Philosophia.

Ha dois sinaes que se uzão em lugar de letras que
se não escrevem, a saber o Til desta figura (~), e o
Apostrofo desta ('), e deles se tratará abaixo.

Todas as letras do Alfabeto dividem-se em duas especies
correspondentes ás duas sortes de elementos de
que se compõe as palavras. As letras que reprezentão
as vozes chamão-se vogaes ; e as que reprezentão
as articulações chamão-se consoantes.6

§. 2°. Das letras vogaes.

As letras vogaes são sinco a saber : A, E, I, O, U,
e, considerando bem a ordem natural delas, A he a
mais aberta de todas ; as outras vão sempre diminuindo
até U, a qual tem hum som mais fechado, e necessita
de maior movimento dos beiços para se pronunciar.
Com estas sinco vogaes se formão todas as vozes que
tem uzo na lingua Portugueza ; mas para completar todos
os sõs de que temos necessidade, variamos o som
destas mesmas vogaes : humas vezes pronunciando-as
com vós alta e aguda ; outras com vós baixa e grave ; e
outras com vós media entre aguda e grave ; e ha tres
acentos que se costumão pôr sobre as mesmas vogaes para
indicar estas tres variações. O som agudo indica-se desta
sorte : á é í ó ú ; o som medio desta : â ê î ô û ; o som
grave desta : à è ì ò ù, ainda que deste se não uza porque
sempre se supõe em todas as vogaes que não são
agudas, nem medias. Nas seguintes palavras se mostrão
as mesmas letras empregadas com sõs diferentes
indicados pelos acentos.

a | marmeládà, brágà, fàmà, fâdígà.
e | léque, fébre, sêde, rêde, lébre.
i | înimígo, buríl, facîl, fertîl, panìco.
o | ôfertóriò, trôcò, môçò, rógò, rôgò.
u | perú, tu, nú, pûrpùra, ocùlo, acùmúlo.

Tambem temos a letra y a qual se reputa por huma
sexta vogal, e se lhe dá o valor de i, uzando dela em
muitas palavras derivadas da lingua Grega, como em
Lyra, Sylaba, Mysterio.

§. 3°. Das vozes.

Não nos sendo ainda bastantes as sinco vogaes referidas
com as suas variações, formamos outros sõs
compostos das mesmas letras vogaes e das sete consoantes
7l m n r s z x, de cuja união se formão diferentes
sõs a que podemos chamar vozes, e são as seguintes
com os seus exemplos.

Vozes | Exemplos

al el il ol ul | alto, elmo, mil, sol, ultimo.
am em im om um | ambos, embora, imperio, ombro, um.
an en in on un | andar, entanto, inchar, onda, ungir.
à ẽ ĩ õ ũ | ãbos, ẽcanto, ĩperio, õda,
ans ens ins ons uns | cans, bens, instar, constar.
ar er ir or ur | arte, ermo, irmão, ordem, urna.
as es is os us | asma, este, isto, osculo, susto.
az ez iz oz uz | faz, fez, fiz, voz, cruz.
ex | – expor – –

O som que formão as vogaes compostas com a letra
m, he o mesmo que formão com a letra n, e tambem
quando estão carregadas com til ; e devem-se considerar
os mesmos sõs reprezentados por diferentes figuras.
Assim para a pronuncia tanto vale Am como An, como
ã, e o mesmo das outras vogaes. Da mesma sorte são
as vozes compostas com as vogaes e com a letra s, ou
com z : a pronuncia de as he a mesma que a de az. A
vogal e composta com x faz hum som semilhante a eis,
e assim Expor, deve ler-se como se estivesse escrita
desta sorte Eispor. A' Ortografia he que pertence dar
regras para quando se deve uzar das vogaes compostas
com m, ou com n, ou com til ; como tambem com s
ou com z ; visto que de qualquer das sortes exprimem o
mesmo som : o oficio da Ortologia he somente de as
ensinar a ler.

§. 4. Dos Diptongos.

A'lem das vozes sobreditas ha outras que se chamão
diptongos, e são de duas especies : a primeira he de
duas vogaes reunidas em huma só vós que as comprehende
a ambas ; a segunda especie he de huma vós com
huma vogal da mesma sorte reunidas em hum só som,
8que igualmente as comprehende. Os diptongos da primeira
especie são os seguintes com os seus exemplos.

Dipt. | Exemplos

ae taes, mortaes, sinaes
ai baixo, raiva, taipa
áo gráo, páo, calháo
au cauza, pauza, auto
ei feiro, geito, peito
eó céo, véo, chapéo

êo chovêo, lêo, comêo.
eu meu, teu, seu, breu, &c.
io abrío, acudío, fugío.
óe dóe, heróe, róe.
ôi bôi, fôi, nôite, foice.
ou dou, sou, vou, estou.

Ui – Muito, Ruivo, Cuido.

Os Diptongos da segunda especie são os seguintes

Dipt. | Exemplos

ãe Alemães, capitães.
ãi mãi, mãis.
ão tostão, não, Sebastião.

õe põe, dispõe, compõe.
ũa hũa, algũa.
ũi rũi, rũis.

Estes diptongos da segunda especie devem-se considerar
como se estivessem escritos desta sorte : Am-e,
Am-i, Am-o, Om-e, Um-a, Um-i
. O til sobre a primeira
vogal supre a letra m, e se omite na escrita para
evitar se não ajunte com a segunda vogal como consoante
desta sorte A-me, A-mi, A-mo, O-me, U-ma, U-ma, U-mi ;
pois que he da essencia das consoantes o ferirem sempre
a vogal que se lhes segue immediatamente.

Os nossos antigos uzavão de mais dois diptongos
desta segunda especie, a saber ẽe, õo escrevendo Bẽe,
Desdẽe, Vintẽe, Bõo, Sõo, Dõo
, o que parece mais
conforme á pronuncia ; porém hoje se uza escrever as
mesmas e outras semilhantes palavras com m desta sorte
Bem, Desdem, Vintem ; Bom, Som, Dom.

Alguns Gramaticos contão maior numero de diptongos
em a nossa lingua, porém os que acima ficão expostos
são os que tem mais uzo, e que rigorozamente
se podem chamar diptongos. Algũas vezes se encontrão
juntas as mesmas vogaes dos diptongos, e se devem
pronunciar cada huã sobre si, sem formar delas hum só
som, como por exemplo Pais, Meúdo, Conteúdo. Todas
9as vezes que as duas vogaes se não transformão em hum
só som não ha diptongo ; nem tambem quando a letra
u se líquida depois de G e Q, como em Guia, Quinta.

§. 5.° Das Letras Consoantes.

As outras letras do Alfabeto, álem das sinco vogaes
de que fica tratado, todas se chamão consoantes,
porque não formão som perfeito senão juntas, com as vogaes,
e sôão sempre com hum e surdo depois de si, á
excepção de Q, como acima fica mostrado ; e quando
são seguidas de alguma vogal, que se lhes ajunta, formão
hum só som que as comprehende a ambas, assim como
Ba be bi, bo bu ; Da de di do du, e assim dos mais.

Estas letras consoantes dividem-se em sete classes denominadas
pelo nome do orgão que mais contribue para
a sua pronuncia ; e em cada classe se distinguem duas diferenças
de brandas e fortes relativamente ao gráo de
força com que se pronuncião com a mesma dispozição
dos orgãos, e algumas destas diferenças admitem tambem
diversas modificações no mesmo orgão.

A quelas cuja pronuncia depende da maior ou menor
pressão dos labios chamão-se labiaes, e são duas a
saber : com a pressão branda pronuncia-se B, e com a
mesma pressão dos labios porém mais forte pronuncia-se
P. Aquelas que se pronuncião com a pressão dos beiços
contra os dentes superiores chamão-se Labio-dentaes, e
são V branda, e F forte. Aquelas que se pronuncião
com a pressão da lingua com os dentes superiores, chamão-se
Dentaes, se a pressão he branda pronuncia-se D,
e se he forte pronuncia-se T. Aquelas cuja pronuncia
quazi que respira pelo narís, chamão-se Nazaes, e são
M branda e N forte, e tambem o nosso Nh. As que se
pronuncião da garganta chamão-se Guturaes, e são G e
H brandas e C e Q fortes. As que se pronuncião ferindo
o céo da boca com a lingua, chamão-se Linguaes, e
10são L e R brandas, e tambem o nosso Lh, e R forte. A
pronuncia desta lingual R depende de hum movimento
tremulo da ponta da lingua, e admite duas diferenças
huma branda como em Caro, e outra forte como em
Carro. Aquelas que formão hum som como de assobio
chamão-se Sibilantes, e são Z branda e S e Ç fortes.
Aquelas cuja pronuncia fás huma especie de chio, chamão-se
Chiantes, e são X e J brandas e Ch forte.

Ainda que as letras F, V, e M se pronuncião
tambem com a pressão dos labios, como esta pressão
he acompanhada do movimento de outros orgãos por
isso ficão reduzidas a outra classe ; e para de hum ponto
de vista se distinguirem estas classes com as suas
diferenças e modificações e se reprezentão aqui pela forma
seguinte.

Classes | Brandas | Fortes

1.ª | Labiaes | B | P
2.ª | Labio dentaes | V | F
3.ª | Dentaes | T | T
4.ª | Nazaes | M | N, Nh.
5.ª | Guturaes | Ḡ, H | C, Q.
6.ª | Linguaes | L, Lh, R : | R̅
7.ª | Sibilantes | Z | S, Ç.
8.ª | Chiantes | X I G | Ch.

A risca sobre a Gutural G denota o valor que ela tem
antes das vogaes a, o, u, para a distinguir do valor
improprio que costuma ter antes de e, i. A mesma
risca sobre a lingual R denota o valor forte que costuma
11ter no principio das palavras, e quando está dobrada
entre vogaes.

De todas as letras consoantes ha sinco a saber : L,
M, N, R, S, as quaes quando são seguidas de outras
consoantes, ou finaes de alguma palavra perdem o e
surdo na pronuncia, como se vê nas palavras Almada,
Ambrozio, Antonio, Arte, Asno
 ; e por isso estas sinco
letras se chamão liquidas, porque neste cazo perdem
parte do seu valor. A letra S sofre não ser seguida, ou
precedida immediatamente de vogal, como se vê nas
palavras Transgressão, Abstensão, Adstringente. As outras
letras consoantes são fixas e constantes, e ou sejão
seguidas de outras consoantes, ou sejão finaes de alguma
palavra sempre se pronuncião como se tivessem o e surdo
depois de si, como se vê nos seguintes exemplos.

B. | Biblia, Braço, Abdicação, Jacob.
C. | Claro, Criança, Alec.
D. | Droga, Adverso, David.
F. | Franco, Flamengo.
G. | Glacial, Graça, Magno.
P. | Plebe, Preço, Assumpção, Assumpto.
V. | Palavra, Livro.

O mecanismo das sinco letras chamadas liquidas
he tão facil e corrente, que permite não só que elas
se ajuntem humas com outras, mas tambem que elas
possão preceder, ou seguir immediatamente a qualquer
outra consoante branda ou forte, e fazer com elas quazi
hum mesmo som. As consoantes brandas podem tambem
ajuntar-se humas com outras, e todas as fortes são
igualmente sociaveis entre si. Porém as brandas são
incompativeis com as fortes : isto se deve entender quanto
á pronuncia, e não quanto á escrita que nem sempre
he imagem fiel da pronuncia. Esta sociabilidade,
e incompatibilidade das consoantes humas com
12outras he fundada principalmente sobre a compatibilidade
natural dos movimentos dos orgãos, que se
devem suceder para produzir as articulações que elas
reprezentão ; mas poucas combinações poderá haver
que o e surdo escrito, ou suposto não possa justificar.

§. 6. Das Articulações.

Com as letras consoantes se reprezentão todas as
articulações que se uzão na lingua Portugueza ; como
os caracteres do Alfabeto não são suficientes para este
fim, tem o uzo acrescentado mais dois caracteres a saber :
J e V, com as tres combinações Ch, Lh, Nh, e
com estes sinco se completa o numero das articulações
de que precizamos ; e álem destes tambem está o Ç
em uzo, suposto que não seja de rigoroza necessidade.
E assim a lista exacta de todas as nossas articulações as
reduz ao numero de vinte, as quaes postas na ordem
que parece mais natural da sua geração, pelo mecanismo
dos orgãos que as pronuncião, são na fórma seguinte.

Ordem | Articulações | Exemplos

1 | B | Ba be bi bo bu
2 | P | Pa pe pi po pu
3 | V | Va ve vi vo vu
4 | F | Fa fe fi fo fu
5 | M | Ma me mi mo mu
6 | Na | Na ne ni no nu
7 | Nh | Nha nhe nhi nho nhu
8 | G | Ga gue gui go gu
9 | C | Ca – – co cu
Q | Qua que qui quo qu
10 | D | Da de di do du
11 | Ta | Ta te ti to tu
12 | L | La le li lo lu13

13 | Lh | Lha lhe lhi lho lhu
14 | R | Ra re ri ro ru
15 | R | R̃a r̃e r̃i r̃o r̃u
16 | Z | Za ze zi zo zu
17 | S | Sa se si so su
Ç | Ça çe çi ço çu
18 | X | Xa xe xi xo xu
19 | J | Já je ji jo ju
G | – ge gi – –
20 | Ch | Cha che chi cho chu

Temos tambem certas combinações das consoantes
fixas e consoantes com as duas liquidas L R, e
tambem com F, Ç ou S, M, N, e D ; porém estas
combinações não se devem considerar como rigorozas
articulações, porque nelas cada huma das letras combinadas
conserva o seu valor primitivo, como se ve nas
seguintes e seus exemplos.

Combinações com L

Bl | Bla ble bli blo blu
Pl | Pla ple pli plo plu
Fl | Fla fle fli flo flu
Gl | Gla gle gli glo glu
Cl | Cla cle cli clo clu

Combinações com R

Br | Bra bre bri bro bru
Pr | Pra pre pri pro pru
Vr | Vra vre vri vro vru
Fr | Fra fre fri fro fru
Dr | Dra dre dri dro dru
Tr | Tra tre tri tro tru
Gr | Gra gre gri gro gru
Cr | Cra cre cri cro cru14

Combinações com T

Pt | Pta pte pti pro ptu
Ct | Cta cte cti cto ctu

Combinações com S ou Ç

Ps | Psa pse psi pso psu
Pç | Pça pçe pçi pço pçu
Bs | Bsa bse bsi bso bsu

Combinações com M, N, e D

Gm | Gma gme gmi gmo gmu
Gn | Gna gne gni gno gnu
Gd | Gda gde gdi gdo gdu
Mn | Mna mne mni mno mnu
Bd | Bda bde bdi bdo bdu

As letras consoantes dobradas na lingua Portugueza
não valem mais do que huma só letra ; e assim
Abbade, Peccado, Aggravo, Affecto lem-se como se estivessem
escritas desta sorte : Abade, Pecado, Agravo,
Afecto. Porém as letras R e S entre vogaes costumão
ter a pronuncia branda como se vê em Caro, e Mesa ;
e por isso se costumão dobrar quando a pronuncia deve
ser forte, como em Carro, Missa.

§. 7.° Particularidades de algumas letras consoantes.

Alem do que fica exposto sobre as letras consoantes,
convem notar algumas particularidades a respeito
do valor que algumas tem na leitura.

Da letra C.

A letra C costuma ter dois sõs diferentes com a
mesma figura. Antes das vogaes a, o, u, costuma ter
o som forte á semelhança do que se costuma dar a Q
15ou a K, como se vê nas palavras Cavalo, Comedia, Cutelo ;
o mesmo som forte tem quando he seguida de alguma
consoante ou final de alguma palavra, como se
vè nas seguintes : Clemente, Alcmena, Halec, as quaes
se pronuncião como se estivessem escritas desta sorte :
Quelemente, Alquemena Haleque.

Quando a letra C se acha dobrada, ou antes de F,
muitos pronuncião a primeira com som forte, pronunciando
as palavras Acção e Afecto como se estivessem
escritas Aqueção, Afequeto, cuja pronuncia he afetada :
aqueles que pronuncião como se estivessem escritas
Ação, Afecto pronuncião melhor.

Antes das vogaes e, i, tem a letra C hum som
brando, como se vê nas palavras Cera, Cidra. E quando
se acha aplicada desta sorte Ç antes das vogaes a,
o, u
tem tambem o valor brando, assim no principio
como no meio das palavras, como se vê nas seguintes :
çarça, çorda, çujo, açude.

Da letra G

A letra H costuma tambem ter dois valores, como
a letra C. Antes de a, o, u tem o som gutural, como
se vê nas palavras Gama, Goma, Gume ; e o mesmo
valor tem estando antes de consoante, ou sendo final de
alguma palavra estrangeira, como se vê nas seguintes :
Agnação, Anglicano, Glicerio, Agog ; as quaes se lêm,
como se estivessem escritas Aguenação, Anguelicano,
Guelicerio, Agogue
. Quando está antes de D, e N,
humas vezes não se pronuncia, como em Magdalena,
Ignacio
 ; outras se pronuncia, como em Magno, Magnifico
e outras. Só o uzo he que pode ensinar quando
se devem ou não pronunciar.

Antes de e, i tem a letra G diferente valor, como
se vê nas palavras Gemido, Giesta, cuja pronunciação he
impropria, porém antiga na nossa lingua. E para pronunciarmos
16G ante de e, i com o seu valor proprio e
natural, se lhe costuma ajuntar hum u liquido, como
se vê nas palavras Guerra, Guia.

Da letra H

A letra H junta com as vogaes não tem algum som
proprio, mas quando muito só serve de huma branda
aspiração, assim no principio como no meio das palavras ;
e ainda que se costuma escrever em muitas,
como em Homem, Hora, Hoje, Haver, Comprehender,
Vehemente
, estas tanto se lêm com H, como
sem ele desta sorte : Omem, Ora, Oje, Aver, Compreender,
Veemente
. Tambem não tem valor algum proprio
quando vem depois das consoantes R, e T, como
se vê nas palavras Rhetorica, Theologia, as quaes se
lêm como se estivessem escritas sem h.

Porém quando esta letra H vem depois de C, L,
e N, fás dar a estas letras diversa pronuncia, formando
as articulações Ch, Lh, Nh, deque uzamos por não
termos letras proprias com este valor, como já fica dito.
Vindo H depois de P lhe fás dar o valor de F, como
vemos na palavra Philozofia e outras que tem origem
Grega.

A articulação Ch sendo seguida da letra R tem então
o valor de Q, como se vê nas palavras Christovão,
Christão, Chrizologo
, e outras. Alguns Escritores tambem
querem que esta combinação de Ch tenha antes
das vogaes na nossa lingua, assim como na Latina, o
valor de Q, e escrevem : Charidade, Choro, Archanjo,
Monarcha, Cherubim, Chimica, Monarchia
 ; porém
outros com mais acerto uzão de C sem h dando-lhe o
valor proprio de Q antes de a, o, u, e escrevem Caridade,
Coro, Arcanjo, Monarca
. E antes de e, i, uzão
de Q escrevendo Querubim, Quimica, Monarquia.17

Da letra J

A letra J tem com todas as vogaes o valor que a
letra G costuma ter antes de e, i. Os nossos Ortografos
chamão lhe J consoante para o distinguir do i vogal ;
mas dando a G o seu nome proprio e gutural de
gue, parece acertado dar a J o nome de Je que exprime
o seu valor.

Da letra K

A letra K he Grega, e tem o mesmo valor que entre
nós tem o C antes de a, o, u, e Q antes de e, i, e por
tanto he desnecessaria em a nossa Lingua : só se uza
nas palavras Gregas de origem, como Kalendas, Kyrios.

Da letra M

A letra M nem sempre he consoante e articulação :
quando se ajunta com a vogal antecedente, pronuncia-se
junta com ela em hum só som, no qual se não deve perceber
o e surdo que ela costuma ter depois de si quando
he consoante, como se vê nas palavras Amparo, Campo.
Muitos erradamente costumão confundir esta vós Am
com o diptongo ão, distinguindo-se muito bem a verdadeira
pronuncia de huma e outra combinando as sobreditas
palavras com as seguintes : Tostão, Sebastião.

Da letra P

Quando a letra O he principio de palavra, e se lhe
segue S comumente não se pronuncia, como em Psalmo,
Psalterio
que se pronuncião, Salmo, Salterio ; e muitos
já escrevem semelhantes palavras sem P : mas quando se
queira pronunciar, se entenderá o seu e surdo antes de s,
como a todas as letras constantes chamadas mudas se deve
fazer. Sendo a letra P seguida de T ou Ç, como em
18Apto, Escripto, Assumpção, Corrupção, &c. humas vezes
se pronuncia, outras não, e se lêm as sobreditas palavras
como se estivessem escritas sem P, o que o uzo ensinará.

Da letra Q

A letra Q costuma ser sempre seguida da vogal u ;
mas nem sempre este u se deve ferir na pronuncia, porque
muitas vezes se liquída, isto he, perde o som e força
de vogal : só se deve ferir a vogal que se seguir depois
do u. Em Qua sempre o u he ferido como se vê em Qual,
Quão, Quadro, Quando, Quanto, Quatro
, &c. Em
Que, Qui, Quo quazi sempre o u he liquido e se suprime
de todo, como se vê em Quebrar, Quéda, Questão, Quintal,
Quinze, Inquieto, Quotidiano
. Porém ainda ha algumas
palavras que tem Que, Qui, Quo, com u ferido,
como são as seguintes : Extorquir, Freqùente, Freqùencia,
Freqùentar, Propinqùo, Propinqúidade, Tranqùilo, Tranquilidade,
Seqùestrar, Seqùestro, Qùinqùagezimo, Qùinqùagenario
.
Os Escritores deverião deverião indicar sempre com
hum acento sobre o u aquelas palavras em que ele deve
ser ferido segundo a boa pronuncia.

Da letra R

A letra R tem huma pronuncia forte e aspera, e outra
doce e branda. Tem a pronuncia forte no principio
das palavras como em Roma, Regra, Rizo, Roza, Ruço ;
e tambem no meio das palavras quando he precedida
das letras L, N, S, como se vê nas seguintes : Palrar,
Melro, Enredar, Genro, Honra, Israel, Israelita
.
Tambem tem a pronuncia forte quando está dobrada entre
vogaes como em Carro, Perra, Mirra, Corro,
Murro
.

Tem a pronuncia branda quando está simples entre
vogaes, como nas palavras Coro, Pera, Mira, Muro.
19Tambem tem a pronuncia branda quando vem depois
das letras B, C, D, T, G, P, T, V, e que alguma
destas letras juntamente com ela ferem a vogal seguinte,
ou seja no principio ou no meio das palavras, como
se vê nas seguintes : Abre, Branco, Cravo, Centro,
Preto, Livro
.

Esta letra R antes das consoantes, e no fim das palavras
tem hum som que he medio entre os dois forte e
brando que ficão declarados, como se vê nestas palavras :
Arca, Cêrca, Circulo, Corte, Curto.

Da letra S

A letra S álem do som que tem quando fere as vogaes,
tem outro sibilante que se pronuncía como assobiando,
quando não he seguida de vogal. O som que tem
antes das vogaes confunde se vulgarmente com o de Ç ;
e apezar do nosso Ortografo Madureira dizer que ha huma
bem sensivel diferença entre a verdadeira pronuncia
destas duas letras, nenhum dos modernos a reconhece,
mas antes reputão que he hum mesmo som reprezentado
por duas figuras.

Sendo a letra S principio de palavra e seguindo-se-lhe
consoante, pronuncia-se como se tivesse hum e breve
antes de si, como Spirito, Sparto, Statua lêm-se
como se estivessem escritas Espirito, Esparto, Estatua,
como já hoje escrevem quazi todos os Escritores.

Entre vogais tem a letra S a pronuncia branda
como a de Z, como em Visivel, Casa, Uso, as quais
se lem como se estivessem escritas Vizivel, Caza, Uzo.
Vindo porém depois de alguma consoante ou dobrada
entre vogaes pronuncia-se com o seu valor natural, como
em Falso, Manso, Persuadir, Missa, Passo, Nosso,
e outras semelhantes. Porém he necessario advertir que
alguns Autores como Vernei, o P. Theodoro d'Almeida
na sua Recreação Filozofica, e outros a exemplo destes
20nunca uzão de S com o som de Z, e por tanto nunca o
dobrão entre vogaes, querendo que ele tenha sempre o
seu valor natural forte ; o que quem lê deve saber para
lêr as ditas obras, e as dos que seguem esta Ortografia.
Eu aindaque não uzo de S com som de Z, sempre dobro
S entre vogaes para evitar algum erro de pronuncia
aquem ainda não estiver advertido.

Da letra V

O vulgo, e principalmente o da Provinia do Minho
ignora a verdadeira pronuncia desta letra V, e a
pronuncião como B dizendo Benda, Binho, Berde em
lugar de Venda, Vinho, Verde. Devem por tanto os
Mestres fazer reflexão que a letra B se pronuncia com
ambos os beiços brandamente abertos no meio ; e que a
letra V se pronuncia quazi como F como o beiço inferior
e dentes superiores, só com a diferença de ser com
menos força do que na pronuncia de F, como se vê nas
seguintes palavras : Valor, Velhice, Vida, Voto, Vulto.

Da letra X

A letra X alem do seu valor natural como vemos nas
palavras Caixa, Coxear, Coxim, Caixote, Queixume,
tem tambem o valor de es, de is, e de s final, como se
vê nas seguintes palavras.

Vale x de cs em Fluxo, Refluxo, Reflexão, e outras
que se pronuncião como se estivessem escritas Flucso,
Reflucso, Reflecsão
, dando a C o valor forte como de Q
por estar antes de consoante.

Vale x de is sendo precedida da vogal e como se
vê em Explicar, Exceder, Excelencia, cujas palavras se
lêm como se estivessem escritas desta sorte : Eisplicar,
Eisceder, Eiscelencia
. Mas seguindo-se vogal a X, dá-se
a S o valor de Z por estar entre vogaes ; e assim Exordio,
21Exação, Exequias
devem ler-se como se estivessem
escritas desta sorte : Eizordio, Eizacção, Eizequias.

Alguns Ortografos tambem querem que a letra X
valha de S final sendo-o de alguma palavra e precedida
de vogal, como Simplex, Index, as quaes se devem ler
como se estivessem escritas Simples, Indes.

Da letra Z

A letra Z tambem álem do seu valor proprio e natural
costuma valer de S final em algumas palavras, como
Juiz, Cruz, Perdiz, Diz, Faz, &c.

§. 8. Das Silabas.

Das letras vogaes ou simples ou compostas, e das
diferentes combinações das articulações com as mesmas
vogaes ou diptongos, he que se formão os diversos sõs
que compõe as palavras com que nos explicamos.

Estes sõs chamão-se silabas, e silaba he huma vós
sensivel composta de hum som ou de muitos poucos ou
menos sensiveis e pronunciada em huma só emissão. Cada
huma das vogaes, como tambem cada hum dos diptongos
valem por huma silaba e quantas são as vogaes
ou diptongos em huma palavra, tantas são as silabas
que comumente nela se contão, e não ha silaba alguma
sem vogal ou diptongo ; porém rigorozamente falando
o nome de silaba só convém á união de huma
ou muitas articulações com alguma vogal ou diptongo.
As silabas uzuaes dividem-se pois por ordem ás vozes,
e por ordem ás articulações de que cada huma se compõe.
A respeito da vóz ou são simples ou compostas :
simples são aquelas que tem huma só vogal assim como
la ; compostas são aquelas que tem duas vogaes
unidas em diptongo assim como Pai, Meu ; ou huma
vós composta de alguma vogal com alguma consoante,
assim como Lam, Lans.22

A respeito das articulações são as silabas ou complexas,
ou incomplexas. Chamão-se incomplexas aquelas
que constão de huma vogal simples ou composta modificada
só por huma articulação, assim como Ba, Bal,
Bans
 ; as complexas são as que constão de vozes modificadas
por muitas articulações, assim como Bra, Gral,
Tram
.

He da essencia das consoantes que elas precedão
immediatamente á vogal ou diptongo que modificão, ou
a que se ajuntão ; mas vindo duas ou tres consoantes
seguidas, só a ultima he que pode ferir a vogal seguinte
porque ela he a unica que lhe precede immediatamente :
as outras suposto se devem olhar como cauzas que concorrem
para a explozão do mesmo som, e se devem referir
á mesma vogal seguinte ; em rigor não se podem considerar
senão como explozões de outros tantos e e mudos,
inuteis para a escrita, porque he impossivel deixar
de os exprimir, mas tão reáes como se estivessem
escritos. As sinco letras liquidas L M N R S quando
não tem vogal diante de si pertencem á vogal antecedente,
e com ela compõe huma vós ou seja no principio
ou no meio ou no fim de qualquer palavra.

Ha palavras que não constão de mais do que d'huma
silaba, assim como Pai, Meu, Bom ; e outras as
quaes se chamão monosilabas : ha outras que são compostas
de duas, como Caza, Corpo, &c. e se chamão
dissilabas ; outras ao compostas de tres silabas
assim como Virtude, Coração, Fazenda, &c. e se chamão
trissilabas : as que tem mais de tres todas se chamão
polissilabas, isto he, palavras de muitas silabas.

Pelas articulações he que ordinariamente se distinguem
as silabas em huma palavra ; cada articulação
forma huma silaba com a vós seguinte a que se ajunta ;
porém toda a vóz simples ou composta tambem
por si mesma e sem articulação se deve considerar
23como silaba, e tantas serão as silabas de huma palavra
quantas forem as vozes de que ela se compuzer.
Assim a palavra Curiozidade tem seis silabas
que se distinguem pelas articulações á excepção da terceira
que he a vogal o desta sorte : Cu-ri-o-zi-da-de ; a
palavra Guardai tem tres silabas que se distinguem
deste modo Gu-ar-dai. Nas palavras Constrangimento,
Transporte
, separão-se as silabas desta sorte : Cons-tran-gi-men-to,
Trans-por-te
.

A boa pronuncia das palavras pede se articulem
com distinção todas as silabas de que he composta cada
palavra, e que se pronunciem sucessivamente juntas
e subordinadas todas a huma que se chama predominante,
por ter o som mais agudo, a qual os Escritores
devêrão indicar com hum accento agudo ou circumflexo
principalmente nas palavras desconhecidas, e de muitas
silabas.

§. 9. De outros sinaes da escrita.

Alem das letras vogaes e consoantes de que temos
tratado, tem o uzo estabelecido certos caracteres para
regular a pronuncia das palavras escritas, e para distinguir
os diferentes sentidos que a união delas forma
no discurso. Estes caracteres ou sinaes podem-se distinguir
de tres sortes : huns que regulão a mesma expressão
das palavras ou dos seus elementos, taes como o
Til, o Apostrofo, e a risca de união ; outros indicão a diferente
elevação da vós com que se devem pronunciar
as vogaes de que se compõem as palavras, e são os
acentos agudo, grave, e circumflexo ; outros em fim servem
de indicar as diferentes pauzas que se devem fazer
quando se lê ou fala para clareza do discurso, taes são
as virgulas, e os pontos.

O Til he desta figura (~) e posto por cima de huma
vogal denota a letra M e outras que se suprimem na escrita
por necessidade ou brevidade, mas a que se dá valor
24na pronuncia, unindo-a á vogal sobre que estiver
o dito til, como por exemplo no diptongo ão supre o
til a letra M que se deve unir com a primeira vogal a,
e por necessidade se omite na escrita, para evitar que
escrevendo-a se ajunte com a segunda o, dizendo a-mo
em lugar de am-o. Pela mesma razão escrevemos Mãi
em lugar de Mami, e todas as mais palavras em que
entrão os diptongos da segunda especie, o que só
he proprio da nossa Lingua. Tambem o til supre outras
letras que se omitem em muitas abreviaturas que estão
em uzo, como . por que ; Frz̃. por Fernandes ; Glz̃.
por Gonçalves ; Roiz̃ em lugar de Rodrigues &c.

O Apostrofo he desta figura ('), e põe-se no alto
de huma consoante, e algumas vezes de huma vogal
para denotar vogal ou consoante suprimida na palavra
sobre que ele estiver, da qual se não deve fazer
cazo na pronuncia, como por exemplo : Co'altura,
Co'esta, Co'andar
, devem ser Com a altura, Com
esta, Com o andar ; Sant'Antonio, Reliqui'antiga
, devem
ser Santo Antonio, Reliquia antiga, e assim outras.

A Risca de união he desta sorte (-), e se uza dela
para unir as silabas de huma palavra, quando esta
se divide no fim de huma regra por não caber nela
toda, e se continúa na regra seguinte. Tambem tem
uzo quando se escrevem duas palavras de tal sorte juntas
que se pronuncião quazi como huma, assim como ;
Vio-me, Retirou-se, Ouvindo-o.

Os Acentos que se uzão para regular a pronuncia
das vogaes em cada palavra são os tres a saber :
agudo, grave, e circumflexo. O Acento agudo he desta
sorte (´), e denota que a vogal sobre que estiver, deve
pronunciar-se com hum som elevado, e muito claro ;
o grave he desta sorte (`), e denota que a vogal sobre
que estiver, deve pronunciar-se com rapidês, dando-lhe
hum som surdo : o acento circumflexo denota hum som
25medio entre o agudo e o grave, e se assina desta sorte
(^). Nesta palavra Abrándâà se exprimem todos os
tres acentos. Servem tambem os acentos para distinguir
algumas palavras que tendo diverso sentido de
outras, se escrevem com as mesmas letras, assim
como Ficára, ou Ficará, em que só pelo acento se
distingue o tempo da sua significação. O acento grave
sempre se entende em todas as vogaes que não são
agudas ou medias, e por isso tem pouco uzo na Lingua
Portugueza : só se uza dele para tirar o equivoco
de alguma palavra, e para distinguir o u iliquido
depois de G e Q, como se vê em Pingùe, Seqùestro,
Delinqùir
, onde o u senão liquída como em Sangue,
Quinto, Quero
.

A cadencia, ou ouvido, e a mesma respiração pedem
diferentes pauzas, que fazem a leitura agradavel,
e facil, e dão clareza ao discurso. Os sinaes que
ha estabelecidos para este fim, são a virgula desta figura
( , ), e denota huma pauza quazi insensivel, e a menor
de todas as pauzas ; o ponto e virgula desta sorte
( ; ), denota huma pauza algum tanto maior que a
virgula ; dois pontos desta sorte ( : ) dezignão huma
pauza ainda mais consideravel ; o ponto indica a
maior de todas as pauzas ; e ha tres sortes de pontos,
a saber ponto simples desta figura ( . ) ; o ponto interrogativo
desta sorte ( ? ) que indica pergunta, como
por exemplo : Donde vens ? Que fazes aqui ? ; e ponto
admirativo desta figura ( ! ), que denota admiração,
exclamação, terror, espanto, ternura e piedade, como
por exemplo ; Quão pequeno he o numero dos sabios !
Quanto custa achal-os ! Ai de nós ! Grande infelicidade !

Ainda ha outros sinaes em uzo para clareza da escrita,
como são ; pontos de continuação, parentezis,
asterisco, paragrafo, e de todos convêm ter conhecimento,
para lhes saber dar o valor na leitura.

Os Pontos de continuação são desta sorte (…) e
26denotão imperfeição de sentido ; e deve-se neles fazer
huma pauza como suspensa, e dependente do resto das
palavras que faltão para a sua inteligencia, como por
exemplo : A vossa benevolencia faz com que eu… Bem
quizera… porém
… &c. Os ponstos que estão depois
das palavras eu, quizera, porém denotão que ao sentido
faltão palavras para a sua inteligencia, e que o discurso
se deve acabar deste ou semelhante modo : A vossa
benevolencia faz com que eu
apertasse mais a cadeia da
minha obrigação. Bem quizera exagerar as vossas virtudes,
porém a falta de eloquencia, &c.

Parentezis he desta sorte (), e denota interrupção
do discurso com algumas palavras que se julgão necessarias
para maior clareza, mas de tal sorte que sem
elas sempre o sentido fica perfeito, como por exemplo :
O justo certamente se hade salvar, e o pecador (senão
se arrepender) será condemnado
.

O Asterisco he desta figura (*), e serve para por
outro igual se ir procurar nas margens, ou no fim da
escrita alguma autoridade, ou declaração do que se
trata. Os livros oferecem exemplos a cada passo, e
por isso aqui senão apontão.

O Paragrafo he desta figura (§), são dois ss unidos
que querem dizer sinal de sessão ; e por isso este
sinal indica divizão na materia que se trata.

§. 10. Das Abreviaturas.

He antigo o uzo das abreviaturas na escrita, ou
seja pela pressa, ou por falta de tempo. Parece conveniente
mostrar aqui algumas que andão mais em uzo
no Português para os principiantes as saberem ler. Elas
se costumão escrever com parte das letras na regra,
e parte no espaço superior, como as seguintes.27

V. Mag.e | Vossa Magestade.
V. Emin.a | Vossa Eminencia.
V. Ex.a | Vossa Excelencia.
V. IL.ma | Vossa Ilustrissima
V. S.a | Vossa Senhoria.
V. R.ma | Vossa Reverendissima.
S. Mag.e | Sua Magestade.
S. Emin.a | Sua Eminencia.
S. Ex.a | Sua Excelencia.
S. Il.ma | Sua Ilustrissima.
S. S. a | Sua Senhoria.
S. R.ma | Sua Reverendissima.
Seren.mo | Serenissimo.
Ex.mo | Excelentissimo.
Il.mo | Ilustrissimo.
R.mo | Reverendissomo.
R. | Reverencia.
P.e | Padre.
M.e | Mestre.
Ab.e | Abade.
Snr.or | Senhor.
Snr.a | Senhora.
D.or | Doutor.
A. | Autor.
AA. | Autores.

R. | Reo.
RR. | Reos.
Ir. | Irmão.
Ord. | Ordenação.
Tom. | Tomo.
N.° | Numero.
D. | Dom, Dons.
DD. | Doutores.
Gov.or | Governador.
Cap.ão | Capitão.
S. | Santo, Santa.
S.mo | Santissimo.
SS. PP. | Santos Padres.
Sap.mo | Sapientissimo.
Liv. | Livro.
Tit. | Titulo.
M.to | Muito.
Am.o | Amigo.
Qd.o | Quando.
Q.to | Quanto.
Pr.° | Primo.
Pg. | Pagou.
Pag. | Pagina.
Fol. | Folhas.
Prov.or | Provedor.

E da mesma sorte outras muitas e diversas abreviaturas,
assim como no fim de huma carta : D.e
gd.e a V. S.ª m. ~ a. ~ Deos guarde a Vossa Senhoria
muitos anos.

Ihs. he huma abreviatura Grega que quer dizer
Jezus. Xpõ. tambem he outra abreviatura Grega, e
quer dizer Christo. Lx.ª quer dizer Lisboa.28

Artigo segundo.
Da etimologia das palavras, ou elementos
do discurso.

Capitulo I.
Das palavras em geral.

Assim como da diferente combinação das letras
se fórmão os sõs que se chamão silabas ; assim tambem
da diversa combinação das silabas se compõem
as palavras que servem de exprimir as nossas ideas.
Ha palavras de huma só silaba, outras de duas, outras
de tres, e outras de mais ; e assim as letras e as silabas
são os elementos da palavra como fica mostrado
no Artigo antecedente.

O que alem disto ha que observar em cada palavra
he a sua etimologia, isto he, a sua origem, as suas derivações
sucessivas e analogicas, e as diferentes alterações
que elas tem sofrido pelo decurso do tempo.
Em segundo lugar deve-se observar a sua figura, isto he,
se he simples ou composta ; e em terceiro lugar deve
observar-se o seu valor que consiste em conhecer as
ideas que elas exprimem segundo o seu primitivo destino.

Pelo que respeita á etimologia das palavras devemos
advertir que ha palavras primitivas, e palavras
derivadas. As primitivas são as que não tem origem
de outras ; tiverão principio na mesma Natureza, e
são os elementos de todas as Linguas. Estas palavras
primitivas são todas monosilabas, e pintão os objetos
naturaes, e por analogia a estes tambem os espirituaes ;
porém esta origem das palavras tem sido desconhecida
29a bõs Etimologistas, e requer grandes conhecimentos
para se indagar. *2 Todas as Linguas tem ainda muitas
palavras primitivas, e na Portugueza podemos considerar
como taes Ceo, Bom, Sal.

As palavras derivadas são aquelas que trazem a sua
origem de outras, e delas se derivão, ou augmentando,
ou diminuindo, ou mudando algumas letras, assim como :
Celeste, que he derivada de Ceo ; Bondade de Bom ;
Salada de Sal ; Gritar de Grito ; Verdura de Verde,
e outras.

As palavras em quanto á figura ou são simples,
como Justo, Justiça ; ou compostas, como Injusto, Injustiça,
que são compostas de Justo, Justiça com a
particula In, a qual lhes faz ter huma significação
oposta e contraria. As palavras primitivas chamão-se
raizes originaes a respeito das derivadas, e raizes elementares
a respeito das compostas.

Pelo que respeita ao valor das palavras he de notar,
que elas podem ter hum sentido proprio ou figurado :
tem sentido proprio quando exprimem os objetos
para que primitivamente forão estabelecidas, como
a palavra Leão que foi na Lingua Portugueza estabelecida
para significar hum animal a que se deo este nome
Leão ; mas se falando de hum homem furiozo dizemos
que ele he hum Leão, então damos a esta palavra
Leão hum sentido figurado.

Todas as palavras que tem uzo na Lingua Portugueza
se reduzem a dés especies : seis das quaes mudão
de fórma, segundo as diferentes relações que exprimem,
e por isso se chamão declianaveis ; estas são,
Nome, Artigo, Adjetivo, Pronome, Participio, Verbo.
Ha quatro que são constantemente as mesmas, sem
já mais mudarem de fórma, e por isso se chamão indeclinaveis
30e são : Prepozição, Adverbio, Conjunção,
Interjeição
. De todas trataremos por sua ordem.

Capitulo II.
Do Nome.

§. 1. Que coiza seja Nome e suas diferenças.

Chamão-se Nomes aquelas palavras comque se
nomeão as coizas que existem, ou que se supõem existir,
assim como : Pedra, Virtude, Ceo.

Os nomes dividem-se em Proprios, Apelativos, e Abstratos.
Chamão-se nomes Proprios, ou individuaes
aqueles que exprimem huma pessoa ou coiza certa e determinada
assim como : Pedro, Lisboa. Chamão-se Apelativos
ou cõmuns aqueles que exprimem pessoas ou
coizas incertas, por se poder aplicar a muitas semelhantes,
assim como : Rei, Bispo, Cidade, Homem,
Animal
.

Chamão-se Abstratos aqueles nomes que exprimem
coizas, cuja existencia he dependente de outra em que
elas existem, assim como : Virtude, Sabedoria, Valor.

Na classe dos nomes Apelativos se incluem os nomes
a que chamão Coletivos, Augmentativos, e Diminutivos :
são Coletivos aqueles que no numero singular
significão multidão, assim como : Exercito, Povo.

Chamão-se Augmentativos aqueles que significão
com augmento o mesmo que os nomes Primitivos
donde se derivão ; assim como Homemzarrão, que significa
com augmento o mesmo que o nome Homem de
que se deriva ; porque quer dizer homem de estatura
maior que a ordinaria. Uza-se pela maior parte em
discursos familiares.31

Chamão-se Diminutivos aqueles nomes que significão
com diminuição o mesmo que os Primitivos donde
cada hum dos Diminuitivos se derivão, como por
exemplo : o nome livrinho significa com diminuição
o mesmo que significa o nome livro, donde ele trás a
sua origem, porque quer dizer livro pequeno. A Lingua
Portugueza tem grande cópia de Diminuitivos que
lhe dão muita graça e delicadeza.
Os nomes na Lingua Portugueza varião as terminações
segundo o numero e genero que exprimem.

§. 2. Dos Numeros dos Nomes.

Numero a respeito dos Nomes na linguagem dos
Gramaticos, he a variedade das terminações do Nome,
com que se expriem as diferentes quantidades, assim
como : Cavalo, e Cavalos he a mesma palavra com diferente
terminação : Cavalo exprime hum só individuo,
e Cavalos exprime muitos individuos da mesma especie ;
e ha na Lingua Portugueza duas especies de numeros ;
o singular que exprime unidade, e o plural
que exprime pluralidade.
Todos os nomes Portuguezes acabão ou em hũa
das seis letras voages A, E, I, O, U, Y, ou em huma
das sinco letras consoantes L, M, R, S, Z, e qualquer
nome que acabar em letra diversa deve-se reputar
estranho.
Os nomes da sua mesma terminação que tem no
singular, formão a do plural com acrescentamento
ou mudança de letras como ensinão as regras seguintes.
Regra 1ª Os nomes que no singular acabão em
alguma das letras vogaes, formão o seu plural acrescentando-se-lhes
a letra s, assim como : Caza, Cazas ;
Fonte, Fontes ; Lei ou Ley, Leis ou Leys ; Livro, Livros ;
Perú, Perús.32

Nota. Os nomes acabados em ão seguem a regra geral
dos nomes acabados em o assim como
 : Christão, Christãos ;
Mão, Mãos ; Grão, Grãos e assim outros. Porém
alguns formão os pluraes irregulares de duas sortes
.
A primeira convertendo o o do singular em es no plural,
assim como
 : Capelão, Capelães ; Capitão, Capitáes,
Alemão, Alemães, &c. A segunda perdendo o a do singular
e acrescentando ao
õ a silaba es, assim como : Coração,
Corações ; Ação, Ações ; Perdão, Perdões ; &c.
Só o uso he que póde ensinar os que formão de huma ou
outra sorte, pois se não podem reduzir a regras
.

Regra 2ª. Os nomes que no singular acabão em
al, ol, ul formão o plural mudando a letra l em es, assim
como : Sal, Saes ; Caracol, Caracoes ; Azul, Azues.
Exceptuão-se Mal que fórma o seu plural Males ; e
Consul, Consules.

Os nomes acabados em il formão o plural mudando
o l em s, assim como : Buril, Burís ; Vil, Vís.
Exceptuão-se Facil, Dificil, Docil, que formão o
plural mudando o il em eis, porque fazem Faceis, Dificeis,
Doceis
.

Regra 3ª. Os nomes acabados em Am, em, im, om,
um
formão os seus pluraes mudando o m em ns, assim
como : Irmam, Irmans ; Parabem, Parabens ; Malsim,
Malsins ; Bom, Bons ; Jejum, Jejuns
.

Nota. Alguns Autores querem que os nomes Irmam,
Lam, Maçam e outros terminem em na no singular ; porém
eu sigo aqueles que dizem que nenhum nome Português
deve terminar em
N. Canon, que não he palavra Portugueza,
forma o seu plural
Canones. Veja-se a Nota sobre
a Regra 11.ª da Ortografia.

Regra 4ª. Os nomes acabados em ar, er, ir, or, ur,
fórmão o plural acrescentando-lhes hum es, assim como :
33Pezar, Pezares ; Mulher, Mulheres ; Martir, Martires ;
Flor, Flores ; Pandur, Mandures.

Regra 5ª Os nomes que no singular acabarem em as,
es, is, os, us
, formão-se os seus pluraes mudando a letra s
em zes, assim como : Pãs, Pazes ; Mês, Mezes ; Aprendis,
Aprendizes ; Nós, Nozes ; Cruz, Cruzes
.

Exceptuão-se dos nomes em es Ourives que no plural
conserva hoje a mesma terminação do singular, pois
antigamente se dizia Ourivezes. Os apelidos das pessoas
como Lopes, Antunes, Sanches não formão pluraes. Simples
e Indes conforme alguns Escriptores não mudão a
terminação no plural, e conforme outros fazem o plural
Simplices, Indeces.

Dos nomes em is exceptuão-se Calis, Apendis, que
no plural fazem Calices, Apendices.

Nota. Aqueles que na terminação do singular de alguns
nomes quizerem uzar Z em lugar de S acrescentaráõ es no
plural de taes nomes, assim como em
Rapaz, Rapazes ;
Mez, Mezes ; Perdiz, Perdizes ; Nóz, Nozes ; Cruz,
Cruzes.

Veja-se sobre isto a Regra 4.ª da Ortografia.

§. 3. Do genero dos Nomes.

Genero para com os Gramaticos he a diferença
com que os nomes se distinguem huns dos outros,
conforme o sexo que significão. Os nomes que significão
coiza macha chamão-se do genero masculino ; e
os que significão coiza femea chamão-se do genero
femenino. Os mesmos generos de masculino e feminino
se atribuem, aindaque impropriamente, aos nomes
que significão coiza que nem he macha nem femea.
Conhece se o genero dos nomes, ou pela sua signficação,
ou pela sua terminação segundo as regras seguintes :34

Regras da Significação.

Regra 1.ª São masculinos todos os Nomes que significão
coiza macha, ou sejão de homens ou de animaes,
ou que significão coiza que lhes convenha,
assim como : Pedro, Leão, Rei, Gordo.

Regra 2.ª São do genero masculino os nomes que
significão Ventos, assim como : Nordeste, Sul ; ou Mares,
assim como : Oceano, Mediterraneo ; ou Rios, assim
como : Tejo, Mondego ; ou Mezes, assim como : Janeiro,
Fevereiro, Outubro
.

Regra 3.ª São do genero femenino os nomes que
significão coiza femea, ou sejão proprios ou apelativos
de mulheres, ou animaes, assim como : Joana,
Rainha, Ovelha
.

Regra 4.ª Os nomes que eignificão igualmente macho,
e femea chamão-se do genero cõmum de dois,
assim como : Virgem, Martir, Artifice, Guarda, Vigia,
Taful, Interprete
, e conforme alguns Infante.

Regra 5.ª Ha outros nomes que debaixo de huma
só terminação significão macho e femea, e se chamão
Epicenos ou Promiscuos, assim como : Rato, Peixe,
os quaes para se distinguirem se lhes costuma ajuntar
macho e femea dizendo : Rato macho ou femea ; Peixe
macho
ou femea. Destes nomes Epicenos huns são masculinos,
outros femeninos. Masculinos são os seguintes :
Javali, Corvo, Lagarto, Roixinol, Golfinho. São
femeninos : Onça, Serpente, Aguia, Corvina, Dourada,
&c.

Regras da Terminação.

Regra 1.ª Os nomes acabados em a são do genero
femenino, assim como : Gloria, Caza, Roma.

Exceptuão-se Dia, Cometa, Planeta, Mapa, Emblema,
Sistema, Scisma, Poema, Estratagema, Clima,
Alvará, Tafetá, Chá, Maná
, e todos os que acabão
35em á agudo, Monarca, Patriarca, e outros que se aplicão
a homens todos são masculinos.

Regra 2.ª Os nomes acabados em e, i, ou is, são do
genero femenino, assim como : Arte, Neve, Sêde,
Saudade, Caridade, Lei
ou Leis, Grei, ou Greis.

Dos nomes em e exceptuão-se Bosque, Vale, Tapête,
Timbre
, e outros muitos que são do genero masculino.
Dos acabados em i exceptua-se Comboi que
tambem he do genero masculino.

Regra 3.ª Os nomes acabados em o e u são do genero
masculino, assim como : Livro, Somno, Choupo,
No, Rocló, Breu, Camafeu, Bambú
.

Exceptuão-se Náo, Enchó, Mó, Ilhó, que são do
genero femenino.

Regra 4.ª Os nomes acabados em l são do genero
masculino, assim como : Sal, Painel, Gomil, Girasól,
Paul
.

Exceptua-se cal que he do genero femenino.

Regra 5.ª Os nomes acabados em ão são do genero
femenino, assim como : Opinião, Mão, Lezão.

Exceptuão-se Pão, Melão, Feijão, Colxão, Trovão,
Ferráõ, Cabeção, Torção, Tostão
, que são do genero
masculino.

Regra 6.ª Os nomes acabados em Am, Em são do
genero femenino, assim como Lam, Maçam, Ordem,
Imagem, Ferrugem
.

Exceptuão-se Trem, Bem, Parabem, Armazem, Assêm,
Vintem
que são do genero masculino.

Regra 7.ª Os nomes acabados em im, om, um, são
do genero masculino, assim, como : Fim, Som, Jejum.

Regra 8.ª Os nomes acabados em ar, er, ir, or,
ur
, são do genero masculino, assim como : Pezar, Talher,
Nadir, Calor, Catur
.

Exceptuão-se dos nomes em er, Mulher, Colher ; e
dos nomes em or, Côr, Dôr, Flôr, que são do genero femenino.36

Regra 9.ª Os nomes acabados em s ou z são do genero
masculino, assim como Alferes, Erpes, Editos do
numero plural ; Antrás ou Antraz, Arnes ou Arnez,
Vernis
ou Verniz, Capús ou Capuz.

Exceptuão-se os nomes do plural acabados em as,
assim como Alvíçaras, Andas ; Atanás ou Atanaz ; Pás,
ou Paz ; Res ou Rez ; Fes ou Fez ; Torquês, Vês ; Matrís,
Raís, Sobrepelís ; Artrós, Fós, Nós, Vós ; Lus,
Crus
, que todos são do genero femenino.

Capitulo III.
Do Artigo.

O Artigo he huma vós que por si só não significa
coiza alguma completamente, mas posta antes do nome
apelativo ou abstrato lhes restringe e determina a sua
significação geral fazendo-a pertencer a huma só coiza
ou pessoa. Como por exemplo, se eu disser : Pedro da-me
os Livros
. O Artigo os anteposto ao nome apelativo,
Livros lhe determina a sua significação geral, por onde
ele convêm a todos os livros, e a fás competir determinadamente
áqueles certos livros, que Pedro sabe quaes
são. Pelo contrario, se eu disser : Pedro, dá-me livros ;
então o nome livros por não ter antes de si o Artigo os,
não determina os livros que Pedro me hade dar, por
competir a sua significação geralmente a todos os livros.

Os Artigos são palavras muito curtas, e ordinariamente
monosilabas as quaes sempre se antepõe aos
nome apelativos e abstratos, e sem eles não tem alguma
significação. Os nomes proprios não tem necessidade
de artigos, porque são suficientemente determinados
por si mesmos ; e assim dizemos : Alexandre,
Cezar
, e não o Alexandre, o Cezar.37

Na Lingua Portugueza ha tres especies de artigos,
a saber : Indicativos O, A ; Enunciativos Hum, Huma ;
e Determinativos Este, Esta ; Esse, Essa. E como
eles precedem sempre aos nomes, e se fazem como
huma coiza com eles, por isso varião tambem a
terminação segundo o genero e numero dos nomes
que acompanhão. E assim os Artigos

no singular, são no plural.

Indicativo | Masculino | O | Os
Femenino | A | As

Enunciativos | Masculino | Hum | Huns
Femenino | Huma | Humas

Demonstrativos | Masculino | Este | Estes
Femenino | Esta | Estas
Masculino | Esse | Esses
Femenino | Essa | Essas

Deve-se advertir que o Artigo Hum não se toma
no sentido relativo de Hum numerico, por opozição a
hum numero maior ; mas sim no sentido abstrato, reprezentando
o individuo considerado sómente em si
mesmo.

Tambem na Lingua Portugueza se uza ajuntar o
Artigo Castelhano El em lugar do Artigo O ao nome
apelativo Rei em o numero singular, dizendo : ElRei em
lugar de O Rei.38

Capitulo IV.
Do Adjetivo.

§. 1. Que coiza seja Adjetivo, e quantas as suas
especies.

Chamão-se Adjetivos aquelas palavras que exprimem
qualidades indeterminadas, que podem competir
a muitas coizas que existem, ou se supoem existir,
assim como : Verde, Branco, Azul, Duro, Amargo,
Doce, Bom, Máo
, &c. os quaes todos se podem aplicar
a muitas coizas indiferentes.

Todo o Adjetivo supõe hum nome no qual subsista
a qualidade que exprime, sem a qual não pode fazer
sentido completo ; como por exemplo o Adjetivo
Branco só exprime a qualidade de côr branca que alguma
coiza pode ter, mas não declara que coiza seja,
e supõe hum nome, assim como Cavallo, Carneiro ou
outros semelhantes que signifiquem a coiza, da qual
ele exprime a qualidade de ter a côr branca.

Os Adjetivos juntos aos nomes lhes augmentão, e
extendem a sua significação, como por exemplo,
quando dizemos : Homem virtuozo, Vazo redondo, exprimimos
mais do que se dissessemos simplesmente
Homem, Vazo.

Muitas vezes sucede que uzamos de hum Adjetivo
em lugar de hum nome, dizendo : Os sabios, os ricos,
os grandes
, em lugar de dizer : Os homens sabios ; os
homens ricos ; os homens grandes
 ; e assim de outros.

Dos Adjetivos huns tem duas fórmas ou terminações
em cada numero ; outros tem só huma. Os que
tem duas fórmas ou terminações, assim como : Justo,
Justa
serve a primeira para se ajuntar aos nomes masculinos,
39como por exemplo Principe justo ; e a segunda
para se ajuntar aos nomes femeninos, como por
exemplo : Princeza justa. Os Adjetivos que tem só
huma fórma, como o Adjetivo Prudente, serve esta para
se ajuntar tanto aos nomes femeninos, como aos masculinos,
e dizemos : Principe prudente, e Princeza
prudente
. E sendo os Adjetivos destinados para acompanhar
os nomes, com eles se conformão sempre em
genero e numero.

Os Adjetivos são formados dos nomes com acrescentamento
de algumas silabas, como por exemplo : do
nome Virtude se fórma Virtuozo, Virtuoza ; de Monstro,
Monstruozo, Monstruoza
 ; de Cubiça, Cubiçozo, Cubiçoza,
e assim outros. E não ha Adjetivo algum que se não
derive de hum nome, ou ainda uzado, ou que se deixou
perder.

Ha Adjetivos que significão parte de alguma multidão,
e se chamão Partitivos, assim como Hum, Algum.
Ha outros que significão numero, e se chamão
numeraes, e estes ou são Cardiaes ou Ordinaes. Os Cardeaes
são aqueles que significão algum numero absoluto,
assim como : Hum, Dois, Tres, &c. Os Ordinaes
são aqueles que significão algum numero por ordem,
assim como : Primeiro, Segundo, Terceiro, &c.

Os Adjetivos que significão patria donde alguem he
natural chamão-se Patronimicos, assim como : Lisbonense
que significa o natural de Lisboa ; Romano o natural
de Roma. Aqueles que significão e mostrão Gente
ou Nação donde alguem procede chamão-se Gentilicos,
assim como : Português, Castelhano.

§. 2. Dos Comparativos e Superlativos.

Os Adjetivos tem tres gráos de significação, a saber
de Pozitivo, de Comparativo, e de Superlativo.

O Pozitivo he aquele que exprime a qualidade de
40alguma coiza absoluta e simplesmente, assim como :
Bom, Máo, &c.

O Comparativo he aquele que significa o mesmo
que o seu Pozitivo junto com a palavra Mais, assim
como Melhor comparativo do Pozitivo Bom que significa
mais bom. temos tambem Peor Comparativo do
Pozitivo Máo, Má ; Maior Comparativo de Grande ;
Menor Comparativo de Pequeno, Pequena. Não temos na
Lingua Portugueza mais do que estes quatro Comparativos,
os quaes se não formão dos seus Pozitivos. Os outros
Pozitivos, que não tem Comparativo, suprem esta
falta, querendo comparar huma coiza com outra,
ajuntando-se-lhe a palavra Mais, como quando dizemos :
O estudo da Retorica he mais agradavel, que o da
Gramatica
. Onde o Pozitivo agradavel junto com a
palavra Mais supre a falta que tem de Comparativo.

O Adjetivo Superlativo he aquele que exprime o
mesmo que o seu Pozitivo junto com a palavra Muito,
assim como o Superlativo Doutissimo, que quer dizer,
Muito Douto.

O Superlativo, forma-se do seu mesmo Pozitivo ;
e quando este he de duas fórmas que acabão em o e a,
forma-se o Superlativo tambem de duas fórmas, mudando
o o em issimo, e o a em issima, assim como os
Pozitivos Alvo, Alva que o formão Alvissimo, Alvissima.

Exceptuão-se Sagrado, Sagrada, que formão Sacratissimo,
Sacratissima ; Amigo, Amiga
, que formão
Amicissimo, Amicissima ; Frio, Fria, Frigidissimo,
Frigidissima ; Máo, Má, Malissimo, Malissima
.

O Pozitivo de huma só fórma acabada em e fórma
o Superlativo mudando o e final em issimo, e issima,
como Prudente que fórma o Superlativo Prudentissimo,
Prudentissima
. Exceptua-se Nobre que fórma Nobilissimo,
Nobilissima
.

O Pozitivo de huma só forma acabado em l forma o
41Superlativo de duas fórmas acrescentando-se-lhes as silabas
issimo, issima, assim como Fertil, que fórma o
Superlativo Fertilissimo, Fertilissima. Exceptuão-se Fiel
que fórma Fidelissimo, Fidelissima ; Infiel, que fórma
Infidelissimo, Infidelissima.

O Pozitivo de duas fórmas acabadas em m e a formão
tambem o Superlativo de duas fórmas, mudando
o m em nissimo, e o a em nissima, assim como : Cõmum,
Cõmua
, que formão Cõmunissimo, Cõmunissima.

O Pozitivo de huma só fórma acabada em s ou z
fórma o Superlativo de duas fórmas mudando o s ou z
em cissimo, cissima, assim como Capás ou Capaz que
fórma Capacissimo, Capacissima.

Porém não he cõmum a todos os Pozitivos o formarem
de si Superlativo : pelo que aqueles que o não formão,
suprem essa falta, ajuntando-se-lhes a palavra Muito,
assim como Ferido, não fórma de si Superlativo,
porque não uzamos dizer Feridissimo, porém supre-se
essa falta antepondo-se-lhe a palavra Muito, e dizendo
Muito ferido.

Tambem temos outra fórma de suprir o Superlativo
antepondo ao Pozitivo a palavra Mais precedida de artigo,
como quando dizemos : Nero foi o mais tirano dos
Imperadores Romanos
. Onde o pozitivo tirano junto com
a palavra mais precedida do artigo o supre a falta de
Superlativo, que não fórma.

Este modo de suprir o Superlativo por circumloquio,
se uza tambem com os Pozitivos que de si formão
Superlativo ; pois tanto costumamos dizer : Este
campo he fertilissimo entre todos
, como por circumloquio :
Este campo he mui fertil entre todos, ou o mais fertil de
todos
.

Os Adjetivos a que se não pode augmentar, nem diminuir
a significação, não tem Comparativo nem Superlativo,
e tambem não suprem esta falta por circumloquio,
assim como os Adjetivos Partitivos, Numeraes, e
42Patronimicos, pois não costumamos dizer, Mais segundo
ou Muito segundo, e assim dos mais.

Capitulo V.
Dos Pronomes.

§. 1. Que coiza seja Pronome.

Os Pronomes são palavras que exprimem as pessoas
que figurão no discurso, e as coizas determinadas
por outras palavras, a que os Pronomes se referem quando
se fala, para evitar a repetição das mesmas palavras
antecedentes.

Ha varias especies de Pronomes, a saber : Pronomes
Pessoaes, Demonstrativos, Possessivos, Relativos, e
Interrogativos. Entre estes chamão-se primitivos aqueles
que se não derivão de outros, e derivados aqueles que
se derivão dos primitivos.

§. 2. Dos Pronomes Pessoaes.

Os Pronomes Pessoaes são as palavras que exprimem
as pessoas que falão, aquelas com quem se fala, e de
quem se trata.

As pessoas que falão, chamão-se primeiras, e se exprimem
por estas palavras : Eu, Me, Mim, Migo no
singular, e em ambos os generos ; Nòs, Nosco no Plural,
e tambem em ambos os generos.

As pessoas com quem se fala chamão-se segundas
pessoas, e se exprimem por estas palavras : Tu, Te,
Ti, Tigo
no Singular ; e Vós, Vosco no plural, e todos
servem para ambos os generos.

As pessoas de quem se trata, chamão-se terceiras pessoas,
43e lhe correspondem as seguintes palavras : Ele
masculino, e Ela femenino no singular ; Eles masculino
e Elas femenino no plural ; Lhe e Lhes ; se, e sigo
em ambos os generos e numeros.

Dos sobreditos Pronomes huns são Ativos, outros
Passivos, outros Reciprocos, e outros Terminativos.

Os Pronomes Ativos reprezentão as pessoas que
obrão alguma ação, como por exemplo :

No singular. | No plurar.

1.ª Pessoa | Eu escrevo | Nós escrevemos
2.ª Pessoa | Tu escreves | Vós escreveis
3.ª Pessoa | Ele Ela escreve | Eles Elas escrevem.

Os Pronomes Passivos e Reciprocos exprimem as
pessoas que em si recebem alguma ação, na fórma que
mostrão os exemplos seguintes.

Pessoas | No singular. | No plural.

1.ª | Eu me visto | Nós nos vestimos.
2.ª | Tu te vestes | Vós vos vestís
3.ª | Ele Ela se veste | Eles Elas se vestem

Quando se exprime ação que recahe sobre outra
pessoa, uza-se do Pronome Lhe, como por exemplo

No singular. | No plurar.

1.ª | Eu lhe visto | Nós lhe vestimos
2.ª | Tu lhe vestes | Vós lhe vestís
3.ª | Ele Ela lhe veste | Eles Elas lhe vestem

As ações que se referem ás pessoas que falão, exprimem-se
pelos Pronomes Mim, Ti, Si, como se vê
nas seguintes frazes.44

A mim fes este beneficio.
A ti escreveo esta carta.
A si deo o fatal golpe.

à terminação go no singular e co no plural em todos
os Pronomes sobreditos, só se uza quando lhe precede
a particula com, como por exemplo : Comigo, Comnosco
da primeira pessoa ; Comtigo, Comvosco na segunda ; Comsigo
na terceira.

§. 3. Dos Pronomes Demonstrativos.

Chamão-se Pronomes Demonstrativos aquelas palavras
com que se demonstra alguma coiza ou pessoa,
assim como : Este, Esta ; Esse, Essa ; Aquele, Aquela ;
Isto, Isso, Aquilo. Este, Esse são primitivos ; os outros
são derivados ; por quanto Aquele, Aquela derivão-se
de Ele, Ela ; Isto deriva-se d'Este ; Isso d'Esse ; Aquilo
d'Aquele
.

Aos pronomes Este, Esse, Aquele ; Isto, Isso, Aquilo
se ajunta algumas vezes a palavra mesmo, mesma,
porque dizemos. Estemesmo, Estamesma ; Aquelemesmo,
Aquelamesma ; Essemesmo, Essamesma ; Istomesmo, Issomesmo,
Aquilomesmo
.

Do mesmo modo se ajunta a palavra Outro, Outra,
aos Pronomes Este, Esse, Aquele, pois dizemos :
Estoutro, Estoutra ; Essoutro, Essoutra ; Aqueloutro,
Aqueloutra
, pronunciando ambas as palavras, como se
fosse huma só por se absorver na pronuncia o e final
dos ditos Pronomes.

§. 4. Dos Pronomes Possessivos.

Chamão-se Pronomes Possessivos aquelas palavras
que exprimem qual seja o senhor ou possuidor de alguma
coiza, assim como por exemplo, quando digo : Emprestrei
45o meu capóte a Pedro
, a palavra Meu he Pronome
Possessivo porque declara que sou o senhor do capóte.

São Pronomes Possessivos : Meu, Minha ; Teu,
Tua ; Seu, Sua ; Nosso, Nossa ; Vosso, Vossa
, e todos
são Derivados, porque Meu, Minha deriva-se de Me,
Mim ; Nosso, Nossa
deriva-se de Nós Pronomes da primeira
pessoa ; Teu, Tua deriva-se de Te, Tu ; Vosso,
Vossa
, deriva-se de Vós Pronomes da segunda pessoa ;
Seu, Sua derivão-se de Se, Si Pronomes da terceira
pessoa.

§. 5. Dos Pronomes Relativos.

Chamão-se Pronomes Relativos aquelas palavras que
referem e trazem á memoria hum nome ou coiza já ditos.
Exemplo : Quando se diz : O Senhor D. Jozé I.
instituio Escolas, as quaes são muito uteis aos povos, a
palavra quaes he Pronome Relativo porque refere, e trás
á memoria o nome antecedente Escolas, porque vale
o mesmo que dizer : O Senhor D. Jozé I instituio Escolas,
as quaes Escolas são muito uteis aos povos
.

São Pronomes Relativos Qual, Que, Quem. Do Pronome
Qual, e da palavra Quer se compõe o Pronome
Qualquer ; e do Pronome Quem, e da mesma palavra
Quer se compõe o Pronome Quemquer.

Os Pronomes Este Esta ; Esse, Essa ; Aquele, Aquela ;
Isto, Isso, Aquilo ; e as palavras Mesmo, Mesma
tambem fazem oficio de Relativos, quando trazem á
memoria hum nome antecedente.

§. 6. Dos Pronomes Interrogativos.

Chamão se Pronomes Interrogativos aquelas palavras
com que perguntamos alguma coiza, como quando
dizemos : Quem he o Mestre de Paulo ? a palavra
Quem, he Pronome Interrogativo, porque por meio
dela fazemos a pergunta.46

São Pronomes interrogativos Que, Qual, Quem.
Quando o Pronome Qual tem antes de si algum dos artigos,
he então Pronome Relativo.

Advertencia. M.r Bózée, e M.r Court de Gebelem
nas suas Gramaticas Geraes, só reconhecem por Pronomes
os Pessoaes, e sepárão da classe dos Pronomes os
Demonstrativos, Possessivos, e Interrogativos, os quaes
reputão como Adjetivos, assim como todos os Gramaticos.

Capitulo VI.
Dos Participios.

Os Participios são palavras que exprimem ações
que alguem obra, ou em si recebe a qualidade delas, e
juntamente a diferença do tempo em que elas se obrão,
mas sem determinar as pessoas que as obrão.

Chamão-se Participios, porque participão de muitas
ideas diferentes combinadas humas com outras ; pois
sendo Adjetivos em quanto á forma, participão ao mesmo
tempo da atividade e passibilidade das coizas a que
se ajuntão.

Pelo que respeita ás ações, são os Participios, ou
ativos ou passivos ; são ativos aqueles que exprimem
ação que alguem obra, assim como : Amante, que significa
o que ama. Os passivos exprimem ação que alguem
em si recebe, assim como : Amado que significa
que alguem em si recebe a ação de amar.

Os Participios, assim como os Adjetivos se ajuntão
aos objetos a que referem, ou aquem se atribuem as
ações que obrão ou recebem ; e assim podemos dizer :
Antonio he amante uzando do Participio ativo, porque
exprime a ação de amar que Antonio obra : e
tambem podemos dizer : Antonio he amado uzando do
47Participio Passivo que exprimem a ação de amar que
ele em si recebe.

Engtre os Participios Passivos ha alguns a que por abuzo
se costuma dar significação ativa, e são os seguintes.

Arrecadado | quem arrecada.
Atrevido | quem se atreve.
Agradecido | quem agradece.
Calado | quem cala.
Confiado | quem confia.
Considerado | quem considera.
Costumado | quem costuma.
Crescido | quem cresce.
Desatentado | quem não atende.
Desconfiado | quem desconfia.

Destemido | quem não teme.
Desenganado | quem desengana.
Determinado | quem se determina.
Entendido | quem entende.
Lido | quem lê.
Ouzado | quem se atreve.
Recatado | quem se acautela.
Sabido | quem sabe.
Sentido | quem sente.
Valido | quem vale.

He da essencia dos Participios o serem Adjetivos, e
por isso se chamão Adjetivos Verbaes ; e quando eles se
ajuntão a algum nome são declinaveis, isto he, varião
as suas terminações segundo o genero e numero do nome
a que se ajuntão, da mesma fórma que os Adjetivos.
Por tanto devemos dizer : O dinheiro he amado, A virtude
he amada
no singular ; e no plural : Os bens são amados ;
As sciencias são amadas.

Ha porém cazos em que os Participios se não referem
a algum nome, e por isso se não declinão, sem
que por tanto deixem de ser Participios.

Assim como as ações ou os seus efeitos podem ser
prezentes, passadas, ou futuras, assim tambem os Participios,
que as exprimem, ou sejão ativos ou passivos,
em relação ao tempo em que as ações são feitas,
ou são do prezente, ou do passado, ou do futuro ; e
com a mesma fórma do Participio podemos exprimir
todos os tempos possiveis ; e podemos chamar Amante
hum Participio ativo prezente, passado, e futuro ; e
48Amado hum Participio passivo prezente, passado, e
futuro, pois podemos dizer.

Com o activo | E com o Passivo.
Eu sou Amante | Eu sou Amado.
Eu fui Amante | Eu fui Amado.
Eu serei Amante | Eu serei Amado.

Tambem na Lingua Portugueza costumamos suprir
o tempo prezente com os Participios do tempo passado,
dizendo por exemplo : Este homem he atrevido,
isto he, atreve-se
. He calado, isto he, cala-se, &c.

Capitulo II.
Do Verbo.

§. 1. Que coiza seja Verbo.

Chamão-se Verbos aquelas palavras com que indicamos
a existencia de alguma coiza juntamente com as
qualidades que lhe convem.

O Verbo he como a alma do discurso, e com ele
he que unimos os nomes com os seus adjetivos para exprimir
completamente as nossas ideas ; como por exemplo
nestas frazes : A terra he redonda, o Sol he brilhante.
As palavras Terra e Sol são nomes ; Brilhante e
Redonda são adjetivos, e não haveria alguma relação
entre estes nomes e estes adjetivos, nem farião algum
sentido completo sem a palavra He, a qual he Verbo e
serve de unir cada hum dos adjetivos ao nome, que lhe
compete na respetiva fraze.

Não ha verdadeiramente mais do que o Verbo Ser :
ha outras palavras a que costumão chamar Verbos, porém
não o são senão em virtude da reunião, que tem
49com este, e em rigor devem considerar-se como expressões
abreviadas, as quaes equivalem a hum participio
junto com o Verbo Ser, assim como quando dizemos :
Antonio ama a virtude he o mesmo que dizer :
Antonio he amante da virtude.

§. 2. Dos Modos e Tempos do Verbo.

Tem o Verbo diversos modos de significar com varias
diferenças do tempo, de pessoas, e numeros em cada
modo, e em cada tempo.

Os Modos do Verbo são seis a saber : Infinito, Indicativo,
Imperativo, Condicional, Conjuntivo, e
Optativo.

Modo Infinito.

O Modo Infinito exprime indeterminadamente a
natureza das ações sem dezignar quem as fás, nem a
quem se fazem. Tem huma fórma propria, e esta não
he acompanhada de pessoas. Assim mesmo são os participios
que se costumão colocar neste modo. Porém na
Lingua Portugueza tambem o Infinito tem fórmas correspondentes
ás pessoas em ambos os numeros, e então
deixa de ser Infinito e Impessoal.

Prezente impessoal | Ser.
Pessoal | no singular | no plural
Ser eu | Sermos nós
Seres tu | Serdes vós
Ser ele | Serem eles
Participios activos. | Ente, sendo.
Participio passivo. | Sido.

Modo Indicativo.

O Modo Indicativo exprime simplesmente huma
50coiza segundo a diversidade dos tempos em que ela
póde ter lugar.

Os tempos são tres, a saber : prezente, passado e
futuro. Chama-se tempo prezente o actual em que se
fala, e para se exprimir tem no Indicativo as seguintes
fórmas correspondentes ás tres pessoas.

No singular | No plural

1.ª pessoa | Eu sou | Manso Mansa | Nos somos | Mansos Mansas.
2.ª pessoa | Tu es | Manso Mansa | Vos sois | Mansos Mansas.
3.ª pessoa | Ele Ela | he | Manso Mansa | Eles Elas | são | Mansos Mansas.

O tempo passado he o tempo que já passou, e póde
ser mais ou menos passado a respeito do tempo em
que se fala ; e por tanto tem o Verbo tres fórmas diferentes,
e cada huma exprime diferentes gradações de
tempo.

A primeira | no singular | No plural

1.ª Pessoa | Eu era | Manso Mansa | Nós eramos | Mansos Mansas.
2.ª Pessoa | Tu eras | Manso Mansa | Vós ereis | Mansos Mansas.
3.ª Pessoa | Ele Ela | era | Manso Mansa | Eles Elas | erão | Mansos Mansas.

As fórmas deste primeiro tempo afirmão ações
cuja epoca he determinada pela serie do discurso ou por
alguma circunstancia, e por isso esta epoca pode ser
prezente e passada, e por tanto esta 1.ª fórma de tempo
passado pode chamar-se de tempo indefinido.

As fórmas que o Verbo tem para exprimir a segunda
diferença do tempo passado são as seguintes.51

No singular | No plural

1.ª Pessoa | Eu fui | Manso Mansa | Nós fomos | Mansos Mansas.
2.ª Pessoa | Tu foste | Manso Mansa | Vós fostes | Mansos Mansas.
3.ª Pessoa | Ele Ela | foi | Manso Mansa | Eles Elas forão | Mansos Mansos.

As fórmas deste segundo tempo passado exprimem
huma epoca anterior ao acto em que se fala,
mas sem determinar precizamente quanto dista, e pode
chamar-se a esta diferença de tempo passado proximo.

Para exprimir a terceira diferença do tempo passado,
tem o verbo as seguintes fórmas.

No singular | No plural

1.ª Pes. | Eu fora | Manso Mansa | Nós foramos | Mansos Mansas
2.ª | Tu foras | Manso Mansa | Vós foreis | Mansos Mansas
3.ª | Ele Ela fora | Manso Mansa | Eles Elas forão | Mansos Mansas.

As fórmas deste terceiro tempo passado exprimem
hum tempo passado antes de outro tempo tambem já
passado, e por isso se pode chamar a esta terceira diferença
de tempo Passado remoto.

O tempo futuro he o tempo que hade vir depois
do actual em que se fala, e para o exprimir tem o
verbo as seguintes fórmas. *3

Pess. No singular | No plural

1.ª | Eu serei | Manso Mansa | Nós seremos | Mansos Mansas
2.ª | Tu serás | Manso Mansa | Vòs sereis | Mansos Mansas
3.ª | Ele Ela será | Manso Mansa | Eles Elas serão | Mansos Mansas.52

Este modo Indicativo, como afirma pozitivamente,
necessita de maior distinção de tempos, e por isso
he o que tem mais fórmas diferentes.

Modo imperativo.

O Modo Imperativo exprime a ação de mandar,
e tambem de rogar, e não tem na Lingua Portugueza
mais do que huma fórma no singular, e outra no plural
no tempo futuro.

Pess. | No singular | No plural

2.ª | tu manso | Sede vós mansos.

Modo condicional.

O Modo Condicional exprime huma coiza debaixo
de alguma condição, como por exemplo : Eu seria
manso, se fosse bem educado
. Este modo não tem fórmas
proprias mais do que para o tempo prezente ; porque
quando a afirmação he condicional não ha necessidade
de tantas distinções de tempo. tem as seguintes

Pess. No singular No plural

1.ª | Eu seria | Manso Mansa | Nós seriamos | Mansos Mansas
2.ª | Tu serias | Manso Mansa | Vós serieis | Mansos Mansas
3.ª | Ele Ela seria | Manso Mansa | Eles Elas serião | Mansos Mansas.

Modo conjuntivo.

O Modo Conjuntivo ou Subjuntivo he hum modo
de significar dependente de outras palavras, assim como :
Posto que eu seja, Ainda que eu seja e assim das
mais fórmas. Não tem fórmas competentes para o
tempo passado proximo, e passado remoto, porém
53podem suprir-se como em seu lugar se mostrará. As
que tem proprias são as seguintes.

Tempo prezente.

Pess. | No singular. | No plural.
1.ª | Eu seja | Manso Mansa | Nós sejamos | Mansos Mansas.
2.ª | Tu sejas | Manso Mansa | Vós sejais | Mansos Mansas.
3.ª | Ele Ela seja | Manso Mansa | Eles Elas sejão | Mansos Mansas.

1.° Tempo passado indefinido.

Pess. | No singular | No plural
1.ª | Eu fosse | Manso Mansa | ós fossemos | Mansos Mansas.
2.ª | Tu fosses | Manso Mansa | Vós fosseis | Mansos Mansas.
3.ª | Ele Ele fosse | Manso Mansa | Eles Elas fossem | Mansos Mansas.

Tempo Futuro.

Pess. | No singular | No plural
1.ª | Eu fôr | Manso Mansa | Nós fôrmos | Mansos Mansas.
2.ª | Tu fôres | Manso Mansa | Vós fôrdes | Mansos Mansas.
3.ª | Ele Ele fôr | Manso Mansa | Eles Elas fôrem | Mansos Mansas.

Modo optativo.

O Modo Optativo serve para exprimir os nossos dezejos,
mas não tem fórmas particulares na Lingua Portugueza :
ha nela comtudo o equivalente, que são as
palavras Oxalá, Praza a Deos, as quaes juntas com
outras fórmas do Verbo no modo Conjuntivo suprem a
falta deste modo que he natural, e tem fórmas proprias
em outras Linguas. Exemplos : Oxalá que o meu coração
fosse innocente, Praza a Deos que eu seja felis
.54

§. 3. De outros Verbos diferentes do Verbo, Ser.

Ainda que o Verbo Ser seja o único Verbo, poisque
ele sómente he parte do discurso que serve
de unir as palavras que exprimem os objetos, com
aquelas que dezignão as suas qualidades ; com tudo
ha tambem huma especie de palavras que em si reunem
o valor de muitas partes da oração, sem com tudo
formarem especie distinta : a esta nova ordem de
palavras dá tambem o cõmum dos Gramaticos o nome
de Verbos pela sua reunião com o Verbo Ser.

Nada seria mais insipido do que a frequente repetição
do Verbo Ser no discurso, principalmente junto
com os participios, como nestas frazes : he dormente ;
he amante, e outras semilhantes. Esta continua repetição
do Verbo em cada pensamento, e em cada fraze,
assim nas activas e passivas, como nas enunciativas produziria
muito máos efeitos, alongaria inutilmente o
discurso, e o faria ridiculo ou ao menos monotono.
Por tanto procurou-se hum meio proprio para fazer a
este respeito o discurso mais corrente, concizo, e
energico, fazendo desaparecer o Verbo na maior parte
destas ocaziões ; mas isto a propozito, e sem que a
sua supressão perturbasse o sentido do discurso e a
beleza da fraze.

Conseguio-se este fim por hum meio muito simples,
a respeito das frazes activas, e foi o de substituir
ao Verbo e ao Participio o mesmo nome da ação
que ele indica, e pondo este nome depois do Pronome ;
assim dizemos : Eu amo em lugar de dizer :
Eu sou amante : Tu dormes, em lugar de dizer : Tu
es dormente
 ; &c.

Esta união dos Participios com o Verbo Ser augmenta
a força a este Verbo, e lhe dá huma extensão
que ele não poderia já mais ter sem esta união, e
ao mesmo tempo a Lingua adquire com ela huma harmonia
55e huma variedade tão agradavel como energica,
e que fazem infinitamente mais lustroza e rapida a expressão
das nossas idéas.

Estes Verbos tem quatro diferenças de significação,
e estas diferenças se chamão fórmas, a saber : fórma
activa, fórma passiva, fórma neutra, e fórma reflexa.
A fórma activa exprime ação que alguem obra,
assim como : Amar, Lêr, Escrever, Aplaudir ; a fórma
passiva exprime ação que alguem em si recebe,
assim como : Ser amado, Ser dezejado, Ser aplaudido ;
a fórma neutra exprime pura e simplesmente alguma
qualidade que alguem possue, sem exprimir alguma idéa
de ação ou paixão, assim como : Demorar, Existir ; e por
isso se chamão neutros estes Verbos, porque não são
nem activos, nem passivos. Os Verbos reflexos exprimem
que alguem recebe em si a mesma ação que obra,
como por exemplo : Amar-se, Degolar-se, Declarar-se.

Os nomes são a origem de todas as palavras ; e
assim como deles se derivão os Adjeticos, e os Pronomes,
igualmente se derivão os Verbos que se chamão
Activos, e se costumão associar com os Pronomes.
Chamão-se Verbos porque reprezentão o Verbo
Ser, e chamão-se Activos porque exprimem ações que
alguem obra.

Tal he a origem dos Verbos Activos que tanto figurão
na reprezentação das nossas idéas, e que tanto
custão a reter na memoria, quando eles senão podem referir
a algum nome conhecido. Não ha algum destes
Verbos que se não derive de hum nome ; e talves não
haja tambem alguma raís primitiva que não tenha figurado
como hum Verbo, assim como primeiro figurou
como hum nome. Na Lingua Portugueza temos hum
grande numero de Verbos perfeitamente semilhantes
aos nomes de que se derivão, como por exemplo : Vôar
de Vôo ; Chover de Chuva ; Nevar de Neve, e assim
outros.56

E suposto que haja alguns Verbos a que não corresponde
nome algum dos conhecidos, he indubitavel
que estes Verbos trazem a sua origem de nomes que
existião na Lingua, quando os Verbos se formárão, mas
que se deixárão perder, ou que os Escriptores não tiverão
ocazião de os transmitir, e infalivelmente se
acharão nas Linguas analogas, e ainda subsistentes. Nomes
ha tambem sem nenhum Verbo que lhes corresponda.

Os Verbos Passivos, assim na Lingua Portugueza
como em outras muitas, não tem fórma propria, e
por isso se formão com o Verbo Ser, acompanhado
em todos os tempos e modos com o Participio passivo
do Verbo que pertendemos exprimir, e assim dizemos :
Eu sou amado ; Tu es amado ; Ele he amado, e
assim nos mais tempos e em todos os Verbos.

O Verbo Ser tambem se suprime muitas vezes nas
frazes enunciativas, quando elas fazem parte de outra
fraze mais consideravel, a fim de que se não perceba
mais do que huma só vês, e em hum lugar que
domine todo o periodo, e que se una ao objeto principal
do mesmo periodo. Na seguinte fraze he o Verbo
Ser suprimido tres vezes. Creado longe do trono, ignorais
o venenozo atrativo desta fatal honra
. Por inteiro seria
desta sorte : Tendo sido creado longe do trono, ignorais
que he venenozo o atrativo desta honra, que he tão fatal
.
Estas abreviações tambem favorecem a impaciencia
que temos de chegar ao fim do discurso, e o
dezejo de que se deixe alguma coiza á nossa inteligencia,
pois gostamos de entender com meia palavra.

§. 4. Conjugação dos Verbos.

O Nome de huma ação se ajunta a todos os Pronomes
do singular e plural, e assim tem o Verbo tres fórmas
em cada numero, e seis em cada tempo ; desta
57união rezulta o nome de Conjugação, o qual significa
o acto de unir e meter debaixo do jugo. Esta
porção da Gramatica offerece hum grande numero de
combinações.

Tem os Verbos Portuguezes tres conjugações regulares
que diferem no Infinito. A primeira acaba o Infinito
em ar, assim como : Amar ; a segunda tem o
Infinito em er, assim como Defender ; a terceira tem
o Infinito em ir, assim como : Aplaudir. Estas tres
Conjugações servem de regra para muitos Verbos de
igual terminação no Infinito, e não tendo eles diferença,
chamão-se regulares.

Ha porém muitos Verbos que se afastão destas
conjugações regulares, ou na mudança de algumas letras,
ou na dedução das fórmas em seus tempos ; e
por isso se chamão Irregulares, ou Anomalos, o que
abaixo se mostrará na Conjugação de huns, e outros.

Tem os Verbos certas letras radicaes, que são
invariaveis nos Verbos regulares, isto he, são as
mesmas em todos os tempos ; tem outras letras que
são da terminação, e estas varião em todos os tempos
do mesmo Verbo ; porém são as mesmas em todos
os Verbos regulares : como por exemplo : no Verbo
Amar as letras Am são radicaes e por isso não varião
em todos os tempos do mesmo Verbo ; as letras
ar são da terminação, e varião em todos os
tempos do mesmo Verbo, sendo no prezente do Indicativo
o, as, a no singular ; e no plural amos, ais,
ão
, e os mais tempos varião segundo melhor se observará
nas Conjugações.

No Infinito de cada Verbo he que se devem distinguir
quaes são as letras radicaes, e quaes as da
terminação. As da terminação são as mesmas em todos
os Verbos regulares ; e as radicaes são particulares,
e proprias de cada Verbo, porém invariaveis em
58todos os tempos do mesmo. Exemplo : no Verbo
comprar as sinco letras compr são as radicaes que se
conservão em todos os tempos com as suas diferentes
terminações, assim como : Compr-o, Compr-as, Compr-a,
&c
. Compr-ava, &c. Compr-ei, e assim em todos
os mais tempos tanto na primeira, como na segunda,
e terceira Conjugação. Na Lingua Portugueza
não tem os Verbos passivos fórma particular assim
como na Latina ; porém supre-se esta falta com as
vozes do Verbo Ser, combinadas com o participio passivo
do Verbo que se pertende conjugar. Toda esta
doutrina se comprehenderá melhor por meio das seguintes
Conjugações.

§. 5. Primeira Conjugação dos Verbos em ar.

[O Verbo Amar]

O Verbo Amar serve de modelo a todos os Verbos
desta Conjugação.

Modo infinito.

Prezente impessoal. | Amar.

As fórmas deste modo pessoal assim neste Verbo
como em todos os regulares são as mesmas dos
futuros do Conjuntivo respetivos.

Participios activos | Amante *4, Amando.

Participios passivos | Amado, Amada.

Modo indicativo.

Tempo Prezente.

Singular | Plural
Eu amo. | Nós amamos.
Tu amas. | Vós amais.
Ele ama. | Eles amão.59

1.° Passado indefinido.

Sing. | Eu amava. | Plur. | Nós amavamos.
Tu amavas. | Vós amaveis.
Ele amava. | Eles amavão.

2.° Passado proximo.

Sing. | Eu amei. | Plur. | Nós amámos.
Tu amaste. | Vós amastes.
Ele amou. | Eles amárão.

3.° Passado remoto.

Sing. | Eu amára. | Plur. | Nós amáramos.
Tu amáras. | Vós amáreis.
Ele amára. | Eles amárão.

Futuro.

Sing. | Eu amarei. | Plur. | Nós amaremos.
Tu amarás. | Vós amarêis.
Ele amará. | Eles amaráõ.

Modo imperativo.

Tempo futuro.

Sing. | Ama tu. | Plur. | Amai vós.

Modo condicional.

Tempo prezente.

Sing. | Eu amaria. | Plur. | Nós amariamos.
Tu amarias. | Vós amarieis.
Ele amaria. | Eles amarião.60

Modo conjuntivo.

Tempo prezente.

Sing. | Eu ame. | Plur. | Nós amemos.
Tu ames. | Vós ameis.
Ele ame. | Eles amem.

1.° Passado indefinido.

Sing. | Eu amasse. | Plur. | Nós amassemos.
Tu amasses. | Vós amasseis.
Ele amasse. | Eles amassem.

Futuro.

Sing. | Eu amar. | Plur. Nós amarmos.
Tu amares. | Vós amardes.
Ele amar. | Eles amarem.

[A Conjugação passiva do Verbo Amar]

A Conjugação passiva do Verbo Amar fórma-se do
Participio Amado posposto ás vozes do Verbo Ser na
fórma seguinte.

Modo infinito.

Prezente | Ser amado ou amada.

Participios | Sendo amado ou amada.

Modo indicativo.

Prezente.

Sing. | Eu sou amado. | Plur. | Nós somos amados.
Tu es amado. | Vós sois amados.
Ele he amado. | Eles são amados.

1.° Passado indefinido.

Sing. | Eu era amado. | Plur. | Nós eramos amados.
Tu eras amado. | Vós ereis amados.
Ele era amado. | Eles erão amados.61

2.° Passado proximo.

Sing. | Eu fui amado. | Plur. | Nós fomos amados.
Tu foste amado. | Vós fostes amados.
Ele foi amado. | Eles forão amados.

3.° Passado remoto.

Sing. | Eu fora amado. | Plur. | Nós foramos amados.
Tu foras amado. | Vós foreis amados.
Ele fora amado. | Eles forão amados.

Futuro.

Sing. | Eu serei amado. | Plur. | Nós seremos amados.
Tu serás amado. | Vós sereis amados.
Ele será amado. | Eles serão amados.

Modo imperativo.

Futuro.

Sing. | Sê tu amado. | Plur. | Sêde vós amados.

Modo condicional.

Prezente.

Sing. | Eu seria amado. | Plur. Nós seriamos amados.
Tu serias amado. | Vós serieis amados.
Ele seria amado. | Eles serião amados.

Modo conjuntivo.

Prezente.

Sing. | Eu seja amado. | Plur. | Nós sejamos amados.
Tu sejas amado. | Vós sejais amados.
Ele seja amado. | Eles sejão amados.62

1.° Passado indefinido.

Sing. | Eu fosse amado. | Plur. | Nós fossemos amados.
Tu fosses amado. | Vós fosseis amados.
Ele fosse amado. | Eles fossem amados.

Futuro.

Sing. | Eu fôr amado. | Plur. | Nós formos amados.
Tu fôres amado. | Vós fordes amados.
Ele fôr amado. | Eles forem amados.

§. 6. Segunda Conjugação dos Verbos em er.

[O Verbo Defender]

O Verbo Defender servirá de modelo a todos os
Verbos desta Conjugação.

Modo infinito.

Prezente impessoal | Defender.

Participios activos | Defendente, Defendendo.

Participios passivos | Defendido, Defendida.

Modo indicativo.

Prezente.

Sing. | Eu defendo. | Plur. | Nós defendemos.
Tu defendes. | Vós defendeis.
Ele defende. | Eles defendem.

1.° Passado indefinido.

Sing. | Eu defendia. | Plur. | Nós defendiamos.
Tu defendias. | Vós defendieis.
Ele defendia. | Eles defendião.63

2.° Passado proximo.

Sing. | Eu defendi | Plur. | Nós defendemos.
Tu defendeste | Vós defendestes.
Ele defendeo | Eles defendêrão.

3.° Passado remoto.

Sing. | Eu defendera. | Plur. | Nós defendêramos.
Tu defenderas. | Vós defendéreis.
Ele defendera. | Eles defendérão.

Futuro.

Sing. | Eu defenderei. | Plur. | Nós defenderemos.
Tu defenderás. | Vós defenderêis.
Ele defenderá. | Eles defenderão.

Modo imperativo.

Futuro.

Sing. | Defende tu. | Plur. | Defendei vós.

Modo condicional.

Prezente.

Sing. | Eu defenderia. | Plur. | Nós defenderiamos.
Tu defenderias. | Vós defenderieis.
Ele defenderia. | Eles defenderião.

Modo conjuntivo.

Prezente.

Sing. | Eu defenda. | Plur. | Nós defendamos.
Tu defendas. | Vós defendais.
Ele defenda. | Eles defendão.64

1.° Passado indefinido.

Sing. | Eu defendesse. | Plur. | Nós defendessemos.
Tu defendesses. | Vós defendesseis.
Ele defendesse. | Eles defendessem.

Futuro.

Sing. | Eu defender. | Plur. | Nós defendermos.
Tu defenderes. | Vós defenderdes.
Ele defender. | Eles defenderem.

[A Conjugação passiva do Verbo Defender]

A Conjugação passiva do Verbo Defender fórma-se
do Participio Defendido, Defendida, posposto ás vozes
do Verbo Ser, na fórma seguinte.

Modo infinito.

Prezente | Ser defendido, ou defendida.

Participios | Sendo defendido, ou defendida.

Modo indicativo.

Prezente.

Sing. | Eu sou defendido. | Plur. | Nós somos defendidos.
Tu es defendido. | Vós sois defendidos.
Ele he defendido. | Eles são defendidos.

1.° Passado indefinido.

Sing. | Eu era defendido. | Plur. | Nós eramos defendidos.
Tu eras defendido. | Vós ereis defendidos.
Ele era defendido. | Eles erão defendidos.

2.° Passado proximo.

Sing. | Eu fui defendido. | Plur. | Nós fomos defendidos
Tu foste defendido | Vós fostes defendidos
Ele foi defendido | Eles forão defendidos.65

3.° Passado remoto.

Sing. | Eu fora defendido. | Plur. | Nós foramos defendidos.
Tu foras defendido. | Vós foreis defendidos.
Ele fora defendido. | Eles forão defendidos.

Futuro.

Sing. | Eu serei defendido. | Plur. | Nós seremos defendidos.
Tu serás defendido. | Vós sereis defendidos.
Ele será defendifo. | Eles serão defendidos.

Modo imperativo.

Futuro.

Sing. | Sê tu defendido. | Pl. Sêde vós defendidos.

Modo condicional.

Prezente.

Sing. | Eu seria defendido. | Pl. Nós seriamos defendidos.
Tu serias defendido. | Vós serieis defendidos.
Ele seria defendido. | Eles serião defendidos.

Modo conjuntivo.

Prezente.

Sing. | Eu seja defendido. | Pl. Nós sejamos defendidos.
Tu sejas defendido. | Vós sejais defendidos.
Ele seja defendido. | Eles sejão defendidos.

1.° Passado indefinido.

Sing. | Eu fosse defendido. | Pl. Nós fossemos defendidos.
Tu fosses defendido. | Vós fosseis defendidos.
Ele fosse defendido. | Eles fossem defendidos.66

Futuro.

Sing. | Eu fôr defendido. | Pl. Nós fôrmos defendidos.
Tu fôres defendido. | Vós fordes defendidos.
Ele fôr defendido. | Eles forem defendidos.

§. 7. Terceira Conjugação dos Verbos em ir.

[O Verbo Repartir]

O Verbo Repartir servirá de modelo a todos os
Verbos desta Conjugação.

Modo Infinito.

Prezente impessoal | Repartir.

Participios activos | Repartindo.

Participios passivos | Repartido, Repartida.

Modo Indicativo.

Prezente.

Sing. | Eu reparto. | Plur. | Nós repartimos.
Tu repartes. | Vós repartis.
Ele reparte. | Eles repartem.

1. Passado indefinido.

Sing. | Eu repartia. | Plur. | Nós repartiamos.
Tu repartias. | Vós repartieis.
Ele repartia. | Eles repartião.

2. Passado proximo.

Sing. | Eu reparti. | Plur. | Nós repartimos.
Tu repartiste. | Vós repartistes.
Ele repartio. | Eles repartirão.67

3. Passado remoto.

Sing. | Eu repartira. | Plur. | Nós repartiramos.
Tu repartiras. | Vós repartireis.
Ele repartira. | Eles repartirão.

Futuro.

Sing. | Eu repartirei. | Plur. | Nós repartiremos.
Tu repartirás. | Vós repartireis.
Ele repartirá. | Eles repartirão.

Modo imperativo.

Futuro.

Sing. | Reparte tu. | Plur. | Reparti vós.

Modo Condicional.

Prezente.

Sing. | Eu repartiria. | Plur. | Nós repartiriamos.
Tu repartirias. | Vós repartirieis.
Ele repartiria. | Eles repartirião.

Modo Conjuntivo.

Prezente.

Sing. | Eu reparta. | Plur. | Nós repartamos.
Tu repartas. | Vós repartais.
Ele reparta. | Eles repartão.

1.° Passado indefinido.

Sing. | Eu repartisse. | Plur. | Nós repartissemos.
Tu repartisses. | Vós repartisseis.
Ele repartisse. | Eles repartissem.68

Futuro.

Sing. | Eu repartir. | Plur. | Nós repartirmos.
Tu repartires. | Vós repartirdes.
Ele repartir. | Eles repartirem.

[A Conjugação passiva do Verbo Repartir]

A Conjugação passiva do Verbo Repartir fórma-se
dos Participios Repartido, Repartida, pospostos ás
vozes do Verbo Ser na fórma seguinte.

Modo Infinito.

Prezente | Ser Repartido, ou repartida.

Participio Sendo Repartido, ou repartida.

Modo Indicativo.

Prezente.

Sing. | Eu sou repartido. | Plur. | Nós somos repartidos.
Tu es repartido. | Vós sois repartidos.
Ele he repartido. | Eles são repartidos.

1. Passado indefinido.

Sing. | Eu era repartido. | Plur. | Nós eramos repartidos.
Tu eras repartido. | Vós ereis repartidos.
Ele era repartido. | Eles erão repartidos.

2. Passado proximo.

Sing. | Eu fui repartido. | Plur. | Nós fomos repartidos.
Tu foste repartido. | Vós fostes repartidos.
Ele foi repartido. | Eles forão repartidos.

3. Passado remoto.

Sing. | Eu fora repartido. | Plur. | Nós foramos repartidos.
Tu foras repartido. | Vós foreis repartidos.
Ele fora repartido. | Eles forão repartidos.69

Futuro.

Sing. | Eu serei repartido. | Plur. | Nós seremos repartidos.
Tu serás repartido. | Vós sereis repartidos.
Ele será repartido. | Eles serão repartidos.

Modo Imperativo.

Futuro.

Sing. | Sê tu repartido. | Plur. | Sêde vós repartidos.

Modo Condicional.

Prezente.

Sing. | Eu seria repartido. | Plur. | Nós seriamos repartidos.
Tu serias repartido. | Vós serieis repartidos.
Ele seria repartido. | Eles serião repartidos.

Modo Conjuntivo.

Prezente.

Sing. | Eu seja repartido. | Plur. | Nós sejamos repartidos.
Tu sejas repartido. | Vós sejais repartidos.
Ele seja repartido. | Eles sejão repartidos.

1. Passado indefinido.

Sing. | Eu fosse repartido. | Plur. | Nós fossemos repartidos.
Tu fosses repartido. | Vós fosseis repartidos.
Ele fosse repartido. | Eles fossem repartidos.

Futuro.

Sing. | Eu fôr repartido. | Plur. | Nós fôrmos repartidos.
Tu fôres repartido. | Vós fôrdes repartidos.
Ele fôr repartido. | Eles fôrem repartidos.70

§. 8. Reprezentação das Letras radicaes e da terminação
nos Verbos regulares.

Para melhor radicar na memoria as diferentes Conjugações,
pareceo conveniente reprezentar aqui com
separação as Letras radicaes com as da terminação em
cada hum dos tempos, combinando as Conjugações
activas humas com outras no seguinte Mapa.

Mapa.

Primeira Conjug. | Segunda | Terceira.

Modo infinito.

Prezente.

Amar | Defender | Repartir

Participios activos.

Am-ante | Defend-ente | Ouv-inte
Am-ando | Defend-endo | Repar-tindo

Participios passivos.

Am-ado | Defend-ido | Repart-ido

Modo indicativo.

Prezente.

Sing. | Am-o | Defend-o | Repart-o
Am-as | Defend-es | Repart-es
Am-a | Defend-e | Repart-e

Plur. | Am-amos | Defend-emos | Repart-imos
Am-ais | Defend-eis | Repart-is
Am-ão | Defend-em | Repart-em71

1. Passado indefinido.

Sing. | Am-ava | Defend-ia | Repart-ia
Am-avas. | Defend-ias. | Repart-ias.
Am-ava. | Defend-ia. | Repart-ia.

Plur. | Am-avamos. | Defend-iamos. | Repart-iamos.
Am-aveis. | Defend-ieis. | Repart-ieis.
Am-avão. | Defend-ião. | Repart-ião.

2. Passado proximo.

Sing. | Am-ei. | Defend-i | Repart-i.
Am-aste. | Defend-este | Repartist-e.
Am-ou. | Defend-êo | Repart-io.

Plur. | Am-ámos. | Defend-êmos. | Repart-imos.
Am-astes. | Defend-êstes. | Repart-istes.
Am-árão. | Defend-êrão. | Repart-irão.

3. Passado remoto.

Sing. | Am-ára. | Defend-êra. | Repart-ira.
Am-áras. | Defend-êras. | Repart-iras.
Am-ára. | Defend-êra. | Repart-ira.

Plur. | Am-áramos. | Defend-êramos. | Repart-iramos.
Am-áreis. | Defend-êreis. | Repart-ireis.
Am-árão. | Defend-êrão. | Repart-irão.

Futuro.

Sing. | Am-arei. | Defend-erei. | Repart-irei.
Am-arás. | Defend-erás. | Repart-irás.
Am-ará. | Defend-erá. | Repart-irá.

Plur. | Am-aremos. | Defend-eremos. | Repart-iremos.
Am-arêis. | Defend-ereis. | Repart-irêis.
Am-aráõ. | Defend-erão | Repart-irão.72

Modo imperativo.

Futuro.

Sing. | Ama Defend-e. | Repart-e.
Plur. | Amai Defend-ei. | Repart-i.

Modo condicional.

Prezente.

Sing. | Am-aria. | Defend-eria. | Repart-iria.
Am-arias. | Defend-erias. | Repart-irias.
Am-aria. | Defend-eria. | Repart-iria.

Plur. | Am-ariamos. | Defend-eriamos. | Repart-irieis.
Am-arieis. | Defend-erieis. | Repart-irieis.
Am-arião. | Defend-erião. | Repart-irião.

Modo conjuntivo.

Prezente.

Sing. | Am-e. | Defend-a. | Repart-a.
Am-es. | Defend-as. | Repart-as.
Am-e. | Defend-a. | Repart-a.

Plur. | Am-emos. | Defend-amos. | Repart-amos.
Am-eis. | Defend-ais. | Repart-ais.
Am-em. | Defend-ão. | Repart-ão.

1. Passado indefinido.

Sing. | Am-asse. | Defend-esse. | Repart-isse.
Am-asses. | Defend-esses. | Repart-isses.
Am-asse. | Defend-esse. | Repart-isse.

Plur. | Am-assemos. | Defend-essemos. | Repart-issemos.
Am-asseis. | Defend-esseis. | Repart-isseis.
Am-assem. | Defend-essem. | Repart-issem.73

Futuro.

Sing. | Am-ar. | Defend-er. | Repart-ir.
Am-ares. | Defend-eres. | Repart-ires.
Am-ar. | Defend-er. | Repart-ir.

Plur. | Am-armos. | Defend-ermos. | Repart-irmos.
Am-ardes. | Defend-erdes. | Repart-irdes.
Am-arem. | Defend-erem. | Repart-irem.

§. 9. Formação das vozes nos Verbos regulares.

No antecedente mapa se póde muito bem notar a
diversidade da letra ou letras com que huns tempos se
derivão e fórmão huns dos outros dentro do mesmo
Verbo ; com tudo para fazer mais sensivel esta formação,
acrescentão-se as seguintes observações.

A fórma do Prezente do Infinito impessoal, he
donde se derivão as mais do Verbo regular ; e os tempos
derivados formão-se mudando sómente as letras
da terminação, e conservando as radicaes em todos
os tempos.

Dos prezentes.

O Prezente do Indicativo na primeira conjugação
fórma-se mudando o ar em o, assim como de Amar,
Amo
 ; na segunda mudando o er em o, assim como
de Defender, se fórma Defendo ; na terceira mudando
o ir em o, assim como de Repetir se fórma Reparto.

O Prezente do Condicional em todas as tres conjugações
fórma-se acrescentando ia, assim como Amaria,
Defenderia, Repartiria
.

O Prezente do Conjuntivo fórma-se na primeira
conjugação mudando o ar em e, assim como de Amar
fórma-se Ame ; na segunda mudando o er em a, assim
como de Defender fórma-se Defenda, na terceira mudando
o ir em a, assim como de Repartir, fórma-se
Reparta.74

Os tempos passados indefenidos.

O primeiro Passado indefinido do Indicativo fórma-se
na primeira conjugação mudando o ar em ava
assim como de Amar, fórma-se Amava ; na segunda
mudando o er em ia, assim como de Defender, Defendia ;
na terceira mudando o r em ia, assim como
de Repartir Repartia. O Passado indefinido do Conjuntivo
fórma-se na primeira mudando o ar em asse,
assim como de Amar, Amasse ; na segunda e terceira
mudando o r em sse, assim como de Defender, Defendesse ;
de Repartir, Repartisse.

Os Passados proximos.

O Passado proximo do Indicativo fórma-se na primeira
conjugação mudando o ar em ei, assim como
de Amar, Amei ; na segunda mudando o er em i, assim
como de Defender, Defendi ; na terceira perdendo o
r, assim como de Repartir, Reparti.

Os Passados remotos.

O Passado remoto do Indicativo nas tres conjugações
fórma-se acrescentando hum a, assim como de
Amar, Amára ; de Defender, Defendêra ; de Repartir,
Repartíra
. O Conjuntivo não o tem proprio.

Os Futuros.

O Futuro do Indicativo em todas as tres conjugações
fórma-se acrescentando hum ei, assim como de
Amar, Amarei ; de Defender, Defenderei ; de Repartir,
Repartirei
. O Futuro do Imperativo fórma-se na
primeira e segunda conjugação perdendo o r, assim
como de Amar, Ama ; de Defender, Defende ; na terceira
75muda o ir em e, assim como de Repartir, Reparte.

O Futuro do Conjuntivo em todas as tres conjugações
he semelhante ás suas raizes Amar, Defender,
Repartir
.

Os Participios activos.

Os Participios activos na primeira conjugação fórmão-se
mudando o ar em ante, e ando, assim como de
Amar, se formão Amante, Amando. Na segunda mudando
o er em ente, endo, assim como de Defender, Defendente,
Defendendo
. Na terceira mudando o ir em
inte, indo, assim como de Ouvir fórma-se Ouvinte,
Ouvindo
.

Os Participios passivos.

Os Participios passivos, na primeira conjugação
fórmão-se mudando o r em do, assim como de Amar
Amado, Amada
 ; na segunda mudando o er em ido, ida,
assim como de Defender, Defendido, Defendida ; na
terceira mudando o r em do, da, assim como de Repartir,
Repartido, Repartida
.

Tudo isto se reprezenta no seguinte

Mapa.

Prezentes.

Primeira | Segunda | Terceira
Infinitos. | Amar. | Defender. | Repartír.
Indicativos. | Amo. | Defendo. | Repárto.
Condicionaes. | Amaria. | Defenderia. | Repartiriá.
Conjuntivos. | Ame. | Defenda. | Reparta.76

Passados indefinidos.

Primeira | Segunda | Terceira
Indic. | Amava. | Defendia. | Repartia.
Conj. | Amasse. | Defendesse. | Repartisse.

Passados proximos.

Indic. | Amei. | Defendí. | Repartí.

Passados remotos.

Indic. | Amára. | Defendêra. | Repartíra.

Futuro.

Indic. | Amarei. | Defenderei. | Repartirei.
Imp. | Ama. | Defende. | Repárte.
Conj. | Amar. | Defender. | Repartir.

As outras fórmas em cada tempo se deduzem com
facilidade das primeiras que ficão apontadas.

§. 10. Dos Verbos irregulares.

Ha muitos Verbos que se afastão das conjugações
regulares, ou na mudança de algumas letras, ou
na dedução das fórmas em seus tempos, e por isso se
chamão Verbos irregulares, ou anomalos, como são
os seguintes que se vão conjugar. Por cauza da brevidade
se conjugão unicamente os tempos cujas fórmas
se não comformão em todo ou em parte com a regra
da conjugação a que pertencem ; e algumas fórmas
que neste se conformão com a dita regra se
põe em letra bastarda para maior clareza. As fórmas
de cada Verbo se arranjão em tres columnas debaixo
do numero do algarismo correspondente á pessoa que
compete a cada columna, e por tanto se subtrahem os
77pronomes. E adverte-se que tambem constitue irregularidadeo
diverso acento contrario ás mais conjugações
regulares na respectiva combinação das silabas.

Verbos Irregulares da primeira conjugação.
Conjugação do Verbo Dar

Modo Infinito pessoal.

Prez.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Dar eu, | dares tu, | dar ele,
Pl. | Darmos nós, | dardes vós, | darem eles.

Modo indicativo.

Prez.

Sing. | Dou, | dás, | .
Pl. | Damos, | Dais, | dão.

Pas. 2.

Sing. | Dei, | deste, | deo.
Pl. | Demos, | déstes, | derão.

Pas. 3.

Sing. | Déra, | déras, | déra.
Pl. | Déramos, | déreis, | dérão.

Imperativo.

Fut.

Sing. | Dá tu.
Pl. | Dai vós.

Conjuntivo.

Prez.

Sing. | Dê, | dês, | dê.
Pl. | Demos, | deis, | dêm.

Pas. 1.

Sing. | Désse, | désses, | désse.
Pl. | Déssemos, | Désseis, | déssem.

Fut.

Sing. | Dér eu, | déres tu, | dér ele.
Pl. | Dérmos nós, | derdes vós, | derem eles.78

Conjugação do Verbo Estar.

Modo Infinito pessoal.

Prez.

1.ª 2.ª 3.ª
Sing. | Estar eu, | estares tu, | estar ele.
Pl. | Estarmos nós, | estardes vós, | estarem eles.

Indicativo.

Prez.

Sing. | Estou, | estás, | está.
Pl. | Estamos, | estais, | estão.

Pas. 2.

Sing. | Estíve, | estivéste, | estêve.
Pl. | Estivemos, | estivéstes, | estivérão.

Pas. 3.

Sing. | Estivéra, | estivéras, | estivéra.
Pl. | Estivéramos, | estivéreis, | estivérão.

Imperativo.

Fut.

Sing. | Está tu.
Pl. | Estai vós.

Conjuntivo.

Prez.

Sing. | Esteja, | estejas, | esteja.
Pl. | Estejamos, | estejais, | estejão.

Pas. 1.

Sing. | Estivésse, | estivésses, | estivésse.
Pl. | Estivéssemos, | estivésseis, | estivéssem.

Fut.

Sing. | Estivér, | estivéres, | estivér.
Pl. | Estivérmos, | estivérdes, | estivérem.

Ao Verbo Estar em todos os seus modos e tempos
se pode ajuntar o Participio activo acabado em
ndo de qualquer Verbo, assim como : Estou lendo, Estou
escrevendo, Estive lendo, Estive escrevendo
, &c.79

Conjugação do Verbo Ficar.

Indicativo.

Pas. 2.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Fiquei, | ficaste, | ficou.
Pl. | Ficamos, | ficastes, | ficarão.

Conjuntivo.

Prez.

Sing. | Fique, | fiques, | fique.
Pl. | Fiquemos, | fiqueis, | fiquem.

Pela conjugação do Verbo Ficar se podem conjugar
todos os Verbos que no Prezente do Infinito acabão
em car, assim como : Pecar, Secar, Picar, Rubricar.
São irregulares, porque naquelas vozes em que
devião conservar o c antes do e, o mudão em q acrescentando
hum u entre o q e o e, por se dizer : Fique,
Pique, Peque, Seque, Rubrique
, em lugar de Fice,
Pice, Pece, Sece, Rubrice
.

Conjugação do Verbo Julgar.

Indicativo.

Pas. 2.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Julguei, | julgaste, | julgou.
Pl. | Julgamos, | julgastes, | julgarão.

Conjuntivo.

Prez.

Sing. | Julgue, | julgues, | julgue.
Pl. | Julguemos, | julgueis, | julguem.

Pela conjugação do Verbo Julgar se devem conjugar
todos os Verbos que acabão em gar, assim como :
Negar, Afagar, Afogar, Refogar. São irregulares
porque nas vozes em que depois do g se segue e
80acrescentão hum u entre o g, e o e, porque dizemos :
Julgue, Afague, Afogue, Negue, Refugue, em lugar
de Julge, Afage, Afoge, Nege, Refuge.

§. 11. Verbos Irregulares da segunda conjugação em er.

Conjugação do Verbo Ter.

O Verbo Ter tem a singularidade de formar com
as suas mesmas vozes tempos compostos, como se
mostra na sua conjugação, na fórma seguinte.

Infinito impessoal.

Prezente | Ter.

Participio activo indiclinavel | Tendo.

Participio passivo | Tido, Tida.

Compostos | Ter tido, Tendo tido.

Infinito pessoal.

Prez.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Ter eu, | teres tu, | ter ele.
Pl. | Termos nós, | terdes vós, | terem eles.

Indicativos.

Prez.

Sing. | Tenho, | tens, | tem.
Pl. | Temos, | tendes, | tem.

Pas. 1.

Sing. | Tinha, | tinhas, | tinha.
Pl. | Tinhamos, | tinheis, | tinhão.

Pas. 2.

Sing. | Tive, | tivéste, | têve.
Pl. | Tivemos, | tivéstes, | tivérão.

Comp.

Sing. | Tenho tido, | tens tido, | tem tido.
Pl. | Temos tido, | tendes tido, | tem tido.81

Pas. 3.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Tivera, | tiveras, | tivera.
Pl. | Tiveramos, | tivereis, | tiverão.

Comp.

Sing. | Tinha tido, | tinhas tido, | tinha tido.
Pl. | Tinhamos tido, | tinheis tido, | tinhão tido.

Fut.

Sing. | Terei, | terás, | terá.
Pl. | Teremos, | tereis, | terão.

Comp.

Sing. | Terei tido, | terás tido, | terá tido.
Pl. | Teremos tido, | tereis tido, | terão tido.

Imperativo.

Fut.

Sing. | Tem tu.
Pl. | Tende vos.

Condicional.

Prez.

Sing. | Teria, | terias, | teria.
Pl. | Teriamos, | terieis, | terião.

Comp.

Sing. | Teria tido, | terias tido, | teria tido.
Pl. | Teriamos tido, | terieis tido, | terião tido.

Conjuntivo.

Prez.

Sing. | Tenha, | tenhas, | tenha.
Pl. | Tenhamos, | tenhais, | tenhão.

Comp.

Sing. | Tenha tido, | tenhas tido, | tenha tido.
Pl. | Tenhamos tido, | tenhais tido, | tenhão tido.

Pas. 1.

Sing. | Tivesse, | tivesses, | tivesse.
Pl. | Tivessemos, | tivesseis, | tivessem.

Comp.

Sing. | Tivesse tido, | tivesses tido, | tivesse tido.
Pl. | Tivessemos tido, | tivesseis tido, | tivessem tido.

Fut.

Sing. | Tiver, | tiveres, | tiver.
Pl. | Tivermos, | tiverdes, | tiverem.82

Comp.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Tiver tido, | tiveres tido, | tiver tido.
Pl. | Tivermos tido, | tiverdes tido, | tiverem tido.

He o Verbo Ter activo, e não tem na vós passiva
mais do que os Participios passivos Tido, Tida ; fórma-se
a sua conjugação passiva com este Participio posposposto
ás vozes do Verbo Ser, em todos os tempos e
modos, assim como os Verbos regulares.

Conjugação do Verbo Haver.

Infinito pessoal.

Prez.

1.ª | 2.ª | 3.ª

Sing. | Haver eu, | haveres tu, | haver ele.
Pl. | Havermos nós, | haverdes vós, | haverem eles.

Indicativo.

Prez.

Sing. | Hei, | has, | ha.
Pl. | Havemos, | haveis, | hão ou ha. *5

Pas. 1.

Sing. | Havia, | havia, | havia.
Pl. | Haviamos, | havieis, | havião.

Pas. 2.

Sing. | Houve, | houveste, | houve.
Pl. | Houvemos, | houvestes, | houverão.

Pas. 3.

Sing. | Houvera, | houveras, | houvera.
Pl. | Houveramos, | houvereis, | houverão.

Fut.

Sing. | Haverei, | haverás, | haverá.
Pl. | Haveremos, | havereis, | haverão.83

Imperativo.

Fut.

Sing. | Ha tu.
Pl. | Havei vós.

Conjuntivo.

Prez.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Haja, | hajas, | haja.
Pl. | Hajamos, | hajais, | hajão.

Pas. 1.

Sing. | Houvesse, | houvesses, | houvesse.
Pl. | Houvessemos, | houvesseis, | houvessem.

Fut.

Sing. | Houver, | houveres, | houver.
Pl. | Houvermos, | houverdes, | houverem.

Conjugação do Verbo Fazer.

Infinito. | Fazer.

Participio passivo. | Feito, | Feita.

Prez.

Sing. | Fazer eu, | fazeres tu, | fazer ele.
Pl. | Fazermos nós, | fazerdes vós, | fazerem eles.

Indicativo.

Prez.

Sing. | Faço, | fazes, | fás.
Pl. | Fazemos, | fazeis, | fazem.

Pas. 2.

Sing. | Fis, | fizeste, | fês.
Pl. | Fizemos, | fizestes, | fizerão.

Pas. 3.

Sing. | Fizera, | fizeras, | fizera.
Pl. | Fizeramos, | fizereis, | fizerão.

Fut.

Sing. | Farei, | farás, | fará.
Pl. | Faremos, | fareis, | farão.

Condicional.

Prez.

Sing. | Faria, | farias, | faria.
Pl. | Fariamos, | farieis, | farião.84

Conjuntivo.

Prez.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Faça, | faças, | faça.
Pl. | Façamos, | façais, | fação.

Pas. 1.

Sing. | Fizesse, | fizesses, | fizesse.
Pl. | Fizessemos, | fizesseis, | fizessem.

Fut.

Sing. | Fizer, | fizeres, | fizer.
Pl. | Fizermos, | fizerdes, | fizerem.

Os compostos do Verbo Fazer, assim como : Satisfazer,
Desfazer, Contrafazer, Prefazer, Refazer
,
tem a mesma conjugação do seu simples.

Conjugação do Verbo Trazer.

Infinito pessoal.

Prez.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Trazer eu, | trazeres tu, | trazer ele.
Pl. | Trazermos nós, | trazerdes vós, | trazerem eles.

Prez.

Sing. | Trago, | trazes, | trás.
Pl. | Trazemos, | trazeis, | trazem.

Pas. 2.

Sing. | Truxe, | trouxeste, | trouxe.
Pl. | Trouxemos, | trouxestes, | trouxerão.

Pas. 3.

Sing. | Trouxera, | trouxeras, | trouxera.
Pl. | Trouxeramos, | trouxereis, | trouxerão.

Fut.

Sing. | Trarei, | trarás, | trará.
Pl. | Traremos, | trareis, | trarão.

Condicional.

Prez.

Sing. | Traria, | trarias, | traria.
Pl. | Trariamos, | trarieis, | trarião.85

Conjuntivo.

Prez.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Traga, | tragas, | traga.
Pl. | Tragamos, | tragais, | tragão.

Pas. 1.

Sing. | Trouxesse, | trouxesses, | trouxesse.
Pl. | Trouxessemos, | trouxesseis, | trouxessem.

Fut.

Sing. | Trouxer, | trouxeres, | trouxer.
Pl. | Trouxermos, | trouxerdes, | trouxerem.

Conjugação do Verbo Ver.

Infinito impessoal | Ver.

Participio activo | Vendo.

Participio passivo | Visto, Vista.

Pessoal.

Prez.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Ver eu, | veres tu, | ver ele.
Pl. | Vermos nós, | verdes vós, | verem eles.

Indicativo.

Prez.

Sing. | Vejo, | vês, | .
Pl. | Vemos, | vedes, | vêm.

Pas. 1.

Sing. | Via, | vias, | via.
Pl. | Viamos, | vieis, | vião.

Pas. 2.

Sing. | Vi, | viste, | vio.
Pl. | Vimos, | vistes, | virão.

Pas. 3.

Sing. | Vira, | viras, | vira.
Pl. | Viramos, | vireis, | virão.

Imperativo.

Fut.

Sing. | tu.
Pl. | Vêde vós.86

Conjuntivo.

Prez.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Veja, | vejas, | veja.
Pl. | Vejamos, | vejais, | vejão.

Pas. 1.

Sing. | Visse, | visses, | visse.
Pl. | Vissemos, | visseis, | vissem.

Fut.

Sing. | Vir, | vires, | vir.
Pl. | Virmos, | virdes, | virem.

A mesma irregularidade tem os seus compostos,
Antever, Precaver, Prever, Rever.

Conjugação do Verbo Querer.

Infinito pessoal.

Prez.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Querer eu, | quereres tu, | querer ele.
Pl. | Querermos nós, | quererdes vós, | quererem eles.

Indicativo.

Prez.

Sing. | Quero, | queres, | quer.
Pl. | Queremos, | quereis, | querem.

Pas. 2.

Sing. | Quis, | quizeste, | quis.
Pl. | Quizemos, | quizestes, | quizerão.

Carece de Imperativo.

Conjuntivo.

Prez.

Sing. | Queira, | queiras, | queira.
Pl. | Queiramos, | queirais, | queirão.87

Pas. 1.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Quizesse, | quizesses, | quizesse.
Pl. | Quizessemos, | quizesseis, | quizessem.

Fut.

Sing. | Quizer, | quizeres, | quizer.
Pl. | Quizermos, | quizerdes, | quizerem.

Conjugação do Verbo Requerer.

Infinito pessoal.

Prez.

Sing. | Requerer eu, | requereres tu, | requerer ele.
Pl. | Requerermos nós, | requererdes vós, | requererem eles.

Indicativo.

Prez.

Sing. | Requeiro, | requeres, | requer.
Pl. | Requeremos, | requereis, | requerem.

Conjuntivo.

Prez.

Sing. | Requeira, | requeiras, | requeira.
Pl. | Requeiramos, | requeirais, | requeirão.

Imperativo.

Fut.

Sing. | Requeira ele.
Pl. | Requeirão eles.

Conjugação do Verbo Saber.

Infinito pessoal.

Prez.

Sing. | Saber eu, | saberes tu, | saber ele.
Pl. | Sabermos nós, | saberdes vós, | saberem eles.

Indicativo.

Prez.

Sing. | Sei, | sabes, | sabe.
Pl. | Sabemos, | sabeis, | sabem.

Pas. 2.

Sing. | Soube, | soubeste, | soube.
Pl. | Soubemos, | soubestes, | souberão.88

Pas. 3.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Soubera, | souberas, | soubera.
Pl. | Souberamos, | soubereis, | souberão.

Conjuntivo.

Prez.

Sing. | Saiba, | saibas, | saiba.
Pl. | Saibamos, | saibais, | saibão.

Pas. 1.

Sing. | Soubesse, | soubesses, | soubesse.
Pl. | Soubessemos, | soubesseis, | soubessem.

Fut.

Sing. | Souber, | souberes, | souber.
Pl. | Soubermos, | souberdes, | souberem.

O Verbo Caber tem irregular a primeira pessoa do
Prezente do Indicativo Eu caibo, e alem desta tem as
mesmas irregularidades que o Verbo Saber.

Conjugação do Verbo Valer.

Indicativo.

Prez.

Sing. | Valho, | vales, | vale.
Pl. | Valemos, | valeis, | valem.

Conjuntivo.

Prez.

Sing. | Valha, | valhas, | valha.
Pl. | Valhamos, | valhais, | valhão.

Conjugação do Verbo Poder.

Infinito pessoal.

Prez.

Sing. | Poder eu, | poderes tu, | poder ele.
Pl. | Podermos nós, | poderdes vós, | poderem eles.89

Indicativo.

Prez.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Posso, | podes, | pode.
Pl. | Podemos, | podeis, | podem.

Pas. 2.

Sing. | Pude, | pudeste, | pôde.
Pl. | Pudémos, | pudestes, | puderão.

Pas. 3.

Sing. | Pudera, | puderas, | pudera.
Pl. | Puderamos, | pudereis, | puderão.

Carece de Imperativo.

Conjuntivo.

Prez.

Sing. | Possa, | possas, | possa.
Pl. | Possamos, | possais, | possão.

Pas. 2.

Sing. | Pudesse, | pudesses, | pudesse.
Pl. | Pudessemos, | pudesseis, | pudessem.

Fut.

Sing. | Puder, | puderes, | puder.
Pl. | Pudermos, | puderdes, | puderem.

Conjugação do Verbo Dizer.

Infinito pessoal.

Prez.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Dizer eu, | dizer tu, | dizer ele.
Pl. | Dizermos nós, | dizerdes vós, | dizerem eles.

Participio passivo | Dito, dita.

Indicativo.

Prez.

Sing. | Digo, | dizes, | dis.
Pl. | Dizemos, | dizeis, | dizem.

Pas. 2.

Sing. | Disse, | disseste, | disse.
Pl. | Dissemos, | dissestes, | disserão.90

Pas. 3.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Dissera, | disseras, | dissera.
Pl. | Disseramos, | dissereis, | disserão.

Fut.

Sing. | Direi, | dirás, | dirá.
Pl. | Diremos, | direis, | dirão.

Condicional.

Prez.

Sing. | Diria, | dirias, | diria.
Pl. | Diriamos, | dirieis, | dirião.

Conjuntivo.

Prez.

Sing. | Diga, | digas, | diga.
Pl. | Digamos, | digais, | digão.

Pas. 1.

Sing. | Dissesse, | dissesses, | dissesse.
Pl. | Dissessemos, | dissesseis, | dissessem.

Fut.

Sing. | Disser, | disseres, | disser.
Pl. | Dissermos, | disserdes, | disserem.

A mesma irregularidade tem os compostos Condizer,
Contradizer, Desdizer, Predizer
.

Conjugação do Verbo Perder.

Indicativo.

Prez.

Sing. | Perco, | perdes, | perde.
Pl. | Perdemos, | perdeis, | perdem.

Conjuntivo.

Prez.

Sing. | Perca, | percas, | perca.
Pl. | Percamos, | percais, | percão.91

Conjugação do Verbo Ler.

Infinito impessoal.

Participio activo | Lente.

Participio passivo | Lido, | Lida.

Indicativo.

Prez.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Leio, | lês, | .
Pl. | Lemos, | ledes, | lem.

Imperativo.

Fut.

Sing. | tu.
Pl. | Lêde vós.

Conjuntivo.

Prez.

Sing. | Leia, | leias, | leia.
Pl. | Leamos, | leais, | leião.

O Verbo Crer tem a mesma conjugação do Verbo
Ler, e tambem o seu composto Tresler.

Conjugação do Verbo Eleger.

Infinito impessoal.

Participio passivo | Eleito, | Eleita ou Elegido, Elegida.

Indicativo.

Prez.

Sing. | Elejo, | eleges, | elege.
Pl. | Elegemos, | elegeis, | elegem.

Conjuntivo.

Prez.

Sing. | Eleja, | elejas, | eleja.
Pl. | Elejamos, | elejais, | elejão.92

Pela conjugação do Verbo Eleger, se podem conjugar
todos os Verbos que acabão em ger, assim como
Reger, Proteger. São irregulares porque mudão o g
em j nas vozes em que ao g se segue o ou a, porque
dizemos Elejo, Eleja, em lugar de Elego, Elega. Porém
uzando nas sobreditas fórmas da articulação j,
está tirada a irregularidade destes Verbos, escrevendo :
Eleja, elejia, elejirei, elejiria, elejessem em lugar de
Eleger, elegia, elegera, elegerei, elegeria, elegesse, &c.

§. 12. Verbos Irregulares da terceira Conjugação.

Conjugação do Verbo Ir.

Infinito pessoal.

Prez.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Ir eu, | ires tu, | ir ele.
Pl. | Irmos nós, | irdes vós, | irem eles.

Indicativo.

Prez.

Sing. | Vou, | vás, | vai.
Pl. | Vamos ou himos, | hides, | vão.

Pas. 1.

Sing. | Ia, | ias, | ia.
Pl. | Iamos, | ieís, | ião.

O Passado 2.° Eu fui, &c. e o 3.° Eu fora, &c.
como no Verbo Ser.

Imperativo.

Fut.

Sing. | Vai tu.
Pl. | Ide vós.

Conjuntivo.

Prez.

Sing. | Vá, | vás, | vá.
Pl. | Vamos, | vades, | vão.93

O Passado 1.° Eu fosse, &c. e o Futuro Eu fôr, &c.
como no Verbo Ser.

Condicional.

Prez.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Iria, | irias, | iria.
Pl. | Iriamos, | irieis, | irião.

Conjugação do Verbo Vir.

Infinito impessoal.

Participio activo | Vindo, | Vinda.

Infinito pessoal.

Prez.

Sing. | Vir eu, | vires tu, | vir ele.
Pl. | Virmos nós, | virdes vós, | virem eles.

Indicativo.

Prez.

Sing. | Venho, | vens, | vem.
Pl. | Vimos, | vindes, | vem.

Pas. 1.

Sing. | Vinha, | vinhas, | vinha.
Pl. | Vinhamos, | vinheis, | vinhão.

Pas. 2.

Sing. | Vim, | vieste, | veio.
Pl. | Viemos, | viestes, | vierão.

Pas. 3.

Sing. | Viera, | vieras, | viera.
Pl. | Vieramos, | viereis, | vierão.

Imperativo.

Fut.

Sing. | Vem tu.
Pl. | Vinde vós.

Conjuntivo.

Prez.

Sing. | Venha, | venhas, | venha.
Pl. | Venhamos, | venhais, | venhão.94

Pas. 1.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Viesse, | viesses, | viesse.
Pl. | Viessemos, | viesseis, | viessem.

Fut.

Sing. | Vier, | vieres, | vier.
Pl. | Viermos, | vierdes, | vierem.

A mesma irregularidade tem os compostos Avir,
Convir, Desconvir, Reconvir
.

Conjugação do Verbo Pedir.

Indicativo.

Prez.

Sing. | Peço, | pedes, | pede.
Pl. | Pedimos, | pedis, | pedem.

Conjuntivo.

Prez.

Sing. | Peça, | peças, | peça.
Pl. | Peçamos, | peçais, | peção.

O Verbo Medir se conjuga da mesma sorte. São
irregulares, porque nas vozes em que ao d se segue o
ou a, o mudão em ç, porque dizemos Peço, Meço,
em lugar de Pêdo, Medo.

Conjugação do Verbo Ouvir.

Indicativo.

Prez.

Sing. | Ouço, | ouves, | ouve.
Pl. | Ouvimos, | ouvis, | ouvem.

Conjuntivo.

Prez.

Sing. | Ouça, | ouças, | ouça.
Pl. | Ouçamos, | ouçais, | oução.95

Conjugação do Verbo Induzir e seus compostos.

O Verbo Induzir só he irregular na terceira pessoa
do Prezente do Indicativo, em que se dis indús, em
lugar de induze. A mesma irregularidade tem os Verbos
Conduzir, Produzir, Reduzir, Luzir, e seo composto
Reluzir.

Conjugação do Verbo Servir.

Indicativo.

Prez.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Sirvo, | sérves, | sérve.
Pl. | Servímos, | servîs, | sérvém.

Conjuntivo.

Prez.

Sing. | Sirva, | sirvas, | sirva.
Pl. | Sirvamos, | sirvais, | sirvão.

Pela conjugação do Verbo Servir se podem conjugar
os Verbos Vestir, Despir, Repetir, Digerir, Frigir,
Advertir, Mentir, Ferir, Seguir
, e seus compostos
Conseguir, Perseguir, Proseguir, Sentir, e seus
compostos Consentir, Persentir, porque todos mudão
o e em i nas vozes em que o Verbo Servir o muda
tambem ; pois assim como dizemos Sirvo em lugar de
Servo, tambem uzamos dizer Visto, Dispo em lugar
de Vesto, Despo, e assim nos mais Verbos referidos,
e nas mais fórmas.

Conjugação do Verbo Subir.

Indicativo.

Prez.

Sing. | Subo, | sobes, | sobe.
Pl. | Subimos, | subis, | sobem.96

Imperativo.

Fut.

Sing. | Sóbe tu.
Pl. | Subi vós.

Pela conjugação do verbo Subir, se podem conjugar
os verbos Engulir, Tussir, Fugir, Bulir, Construir,
Destruir, Cuspir, Acudir, Sacudir, Sumir
, e
seu composto Consumir, Cubrir, e seus compostos Descubrir,
Encubrir
 ; porque nas vozes em que o verbo
Subir muda o u em o, o mudão tambem os sobreditos
verbos.

Conjugação do verbo Sahir.

Indicativo.

Prez.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Sáio, | sáes, | sáe.
Pl. | Sahimos, | sahis, | sáem.

Conjuntivo.

Prez.

Sing. | Sáia, | sáias, | sáia.
Pl. | Saiámos, | saiáis, | sáião.

A mesma irregularidade tem o composto Sobresahir,
Cahir
com os seus compostos, Descahir, Recahir,
Sobre-cahir
, e o verbo Contrahir.

Conjugação do verbo Afligir.

Indicativo.

Prez.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Aflijo, | afliges, | aflige.
Pl. | Afligimos, | afligis, | afligem.97

Conjuntivo.

Prez.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Aflija, | aflijas, | aflija.
Pl. | Aflijamos, | aflijais, | aflijão.

Pela conjugação do verbo Afligir se conjugão os
verbos acabados em gir, assim como Dirigir, Rugir,
Mugir, Cingir, Fugir, Tingir
, porque tambem mudão
o g em j, nas mesmas vozes em que o muda o
Verbo Afligir.

Conjugação do verbo Rir.

Indicativo.

Prez.

Sing. | Rio, | rís, | rí.
Pl. | Rimos, | rídes, | ríem.

Imperativo.

Fut.

Sing. | Ri tu.
Pl. | Ride vós.

Conjuntivo.

Prez.

Sing. | Ria, | rias, | ria.
Pl. | Riámos, | riáis, | rião.

Este verbo quazi sempre se fás reciproco, v. g.
Rio-me, Ris-te, Ri-se, Rimo-nos, Ride-vos, Riem-se.98

§. 13. Conjugação do Verbo Pôr, e seus compostos. [*]6

Infinito impessoal | Pôr.

Participio activo | Poente, Pondo.

Participio passivo | Pôsto, Posta.

Infinito pessoal.

Prez.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Pôr eu, | pores tu, | pôr ele.
Pl. | Pormos nós, | pordes vós, | porem eles.

Indicativo.

Prez.

Sing. | Ponho, | pões, | põe.
Pl. | Pomos, | pondes, | põem.

Pas. 1.

Sing. | Punha, | punhas, | punha.
Pl. | Punhamos, | punheis, | punhão.

Pas. 2.

Sing. | Pus, | puzeste, | pôs.
Pl. | Puzemos, | puzestes, | puzerão.

Pas. 3.

Sing. | Puzera, | puzeras, | puzera.
Pl. | Puzeramos, | puzereis, | puzerão.

Fut.

Sing. | Porei, | porás, | porá.
Pl. | Poremos, | poreis, | porão.

Imperativo.

Fut.

Sing. | Poem tu.
Pl. | Ponde vós.

Condicional.

Prez.

Sing. | Poria, | porias, | poria.
Pl. | Poriamos, | porieis, | porião.99

Conjuntivo.

Prez.

1.ª | 2.ª | 3.ª
Sing. | Ponha, | ponhas, | ponha.
Pl. | Ponhamos, | ponhais, | ponhão.

Pas. 1.

Sing. | Puzesse, | puzesses, | puzesse.
Pl. | Puzessemos, | puzesseis, | puzessem.

Fut.

Sing. | Puzer, | puzeres, | puzer.
Pl. | Puzermos, | puzerdes, | puzerem.

Os Verbos compostos do Verbo Pôr, que são :
Antepôr, Compôr, Descompôr, Depôr, Dispôr, Expôr,
Impôr, Interpôr, Opôr, Prepôr, Pospôr, Presupôr,
Repôr, Supôr, Subrepôr, Transpôr
, tem a mesma
conjugação do seu simples. Todos carecem de Participio
activo acabado em ente, tirando o Verbo Depôr,
que tem Depoente, e Opôr, Opoente.

§. 14. Dos Verbos Defectivos.

Chamão-se Verbos Defectivos aqueles aos quaes
faltão alguns tempos ou fórmas, por não estarem em
uzo.

Desta classe he o Verbo Prazer, porque no modo
Indicativo não tem mais do que Prás na terceira
fórma do singular do Prezente ; Prouve terceira fórma
do singular do Passado 1. No Condicional tem Prazeria
terceira fórma do singular. No Conjuntivo tem
Prouvesse terceira fórma do singular do Passado 1.
Prouver terceira fórma do Futuro. Carece de todos os
mais tempos e fórmas.

O Verbo Feder não tem as vozes em que depois do
d se seguir o ou a, porque não uzamos dizer Fedo,
feda
, &c. só dizemos Fedes, Fede, Fedia, Fedias, &c.

Ao Verbo Precaver falta a primeira fórma do Prezente
100do Indicativo, pois não costumamos dizer Precavejo.

Os Verbos Bannir, Brandir, Colorir, Compelir,
Carpir, Exinanir, Expelir, Repelir, Demolir, Discernir,
Monir, Munir, Propelir, Reflectir, Submergir
,
só tem uzo seguro quando ás suas letras terminativas
se seguir a vogal i v. g. Monia, Moni, Monirei, &c.
Tambem tem uzo seguindo-se-lhe e nos Verbos acabados
em lir, gir, tir, v. g. Expeles, Expele, Submerges,
Submerge, Reflectes, Reflecte
, &c. e tambem
Carpes, Carpe, &c.

Os Verbos Impedir, Despedir não tem uzada a primeira
fórma do singular do Indicativo, porque não
uzamos dizer Impido, Despido. Tambem não são uzadas
as vozes do Prezente do Conjuntivo destes Verbos,
suposto que os Antigos uzarão da vós Impida, e ainda
hoje alguns uzão. Ha outros defectivos que só o uzo
pode ensinar, porque são muitos os Verbos a que faltão
algumas vozes, por se não acharem uzadas.

§. 15. Irregularidade dos Participios passivos de alguns
Verbos, e dos tempos passados segundos.

Assim como os Verbos irregulares não seguem as
regras das conjugações, assim tambem em parte não
seguem a da formação das vozes ; e como os Participios
passivos dos Verbos servem de formár alguns tempos
dos mesmos Verbos que deles se derivão, tanto na
vós activa como na passiva ; e porque tambem do passado
2.° do Indicativo se formão o Passado 3.° do mesmo
Modo, acrescentando-lhe hum ra, a vós esse, do
Passado 1.° do Conjuntivo, e o Futuro do mesmo Modo
acrescentando hum r ; pois que, por exemplo, no
Verbo Trazer, do seu passado 2.° do Indicativo Trouxe
forma-se o Passado 3.° do mesmo Modo Trouxera,
acrescentando hum ra, e assim tambem a voz Trouxesse,
101e Trouxer do Conjuntivo ; por tanto fás-se precizo
saber as irregularidades, assim dos Participios,
como dos Passados 2.° dos Verbos, para o que serviráõ
as regras seguintes.

Regra 1. Sobre os Verbos da primeira conjugação.

Os Verbos da primeira conjugação fazem o Participio
em ado, ada ; e o passado 2.° do Indicativo em
ei, assim como Amar : que fás Amado, Amada, Amei,

Excepção. 1.

O Verbo Estar tem o Participio de huma só fórma
indeclinavel, e muda no Passado desta sorte.

Estar, | Participio Estado, | Passado Estive.

Excepção 2.

Os Verbos que tem o Participio indeclinavel de huma
só fórma ; assim como : Vazar, Vazado, Escapar,
Escapado, Enchugar, Enchugado
. Estes não tem Participio
femenino por não ser uzado.

Excepção 3.

Os Verbos que mudão no Participio, assim como :

Aceitar, | Aceito, | ou Aceitado.
Entregar, | Entregue, | ou Entregado.
Enchugar, | Enchuto, | ou Enchugado.
Exceptuar, | Excepto, | ou Exceptuado.
Expressar, | Expresso, | ou Expressado.
Expulsar, | Expulso, | ou Expulsado.
Gastar, | Gasto, | ou Gastado.
Exemptar, | Exempto, | ou Exemptado.
102Livrar, | Livre, | ou Livrado.
Manifestar, | Manifesto, | ou Manifestado.
Matar, | Morto, | ou Matado. *7
Pagar, | Pago, | ou Pagado. **8
Professar, | Professo, | ou Professado.
Soltar, | Solto, | ou Soltado.
Sojeitar, | Sujeito, | ou Sujeitado.

Os Participios em ado, tem uzo na vós activa
assim como : Tenho aceitado ; tinha entregado, &c.

Regra 2. Sobre os Verbos da segunda conjugação.

Os Verbos da segunda conjugação fazem o Participio
em ido, ida ; e o Passado 2. do Indicativo em
i, assim como Defender, Defendido, Defendida, Defendi.

Excepção 1.

Dos Verbos que mudão no Participio sendo regulares
no Passado 2. do Indicativo.

O Verbo Ver e seus compostos na fórma seguinte.

Vêr, | Visto, | Vista.
Antever, | Antevisto, | Antevista.
Prever, | Previsto, | Prevista.
Rever, | Revisto, | Revista.

E assim outros.103

Excepção 2.

Dos Verbos que tem dois Participios.

Absolver, | Absolto, | ou Absoluto, ou Absolvido.
Absorver, | Absorto, | ou Absorbido.
Acender, | Acezo, | ou Acendido.
Corromper, | Corrupto, | ou Corrompido.
Eleger, | Eleito, | ou Elegido.
Encher, | Cheio, | ou Enchido.
Escrever, | Escrito, | ou Escrevido.

Da mesma sorte os seus compostos, assim como
Prescrever, Proscrever, Sobrescrever, &c.

Incorrer, | Incurso, | ou Incorrido.
Morrer, | Morto, | ou Morrido.
Prender, | Prezo, | ou Prendido.
Romper, | Roto, | ou Rompido.
Suspender, | Suspenso, | ou Suspendido.
Torcer, | Torto, | ou Torcido.

Excepção 3.

Dos Verbos que mudão só no Passado do Indicativo
sendo regulares no Participio.

Caber, | Coube.
Haver, | Houve.
Poder, | Pude.
Prazer, | Prouve.
Querer, | Quis.

Saber, | Soube.
Ser, | Fui.
Ter, | Tive. Da mesma sorte os seus compostos Conter &c.
Trazer, | Trouxe.

Excepção 4.

Dos Verbos que mudão no Participio passado.

Dizer, Dito, Disse, e assim os seus compostos,
assim como Desdizer, Contradizer, &c.

Fazer, Feito, Fis, e assim os seus compostos
Contrafazer, Desfazer, &c.104

Regra 3. Dos Verbos da terceira conjugação.

Os Verbos da terceira conjugação fazem o Participio
em ido, ida, e o Passado em i, assim como
Repartir, fás Repartido, Repartida, Reparti.

Excepções.

O Verbo Ir, fás no Passado – Fui.

O Verbo Vir, fás no Participio – Vindo, Vinda. Da
mesma sorte os seus compostos Convir, Desconvir, &c.

Os Verbos seguintes fazem o Participio de duas
sortes.

Abrir, | Aberto, | ou Abrido.

Da mesma sorte os seus compostos Desabrir, &c.

Affligir, | Aflito, | ou Afligido.
Concluir, | Concluzo, | ou Concluido.
Contrahir, | Contracto, | ou Contrahido.
Cubrir, | Cuberto, | ou Cubrido.

Da mesma sorte os seus compostos Descubrir, &c.

Distinguir, | Distinto, | ou Distinguido.
Distrahir, | Distracto, | ou Distrahido.
Erigir, | Erecto, | ou Eregido.
Exaurir, | Exausto, | ou Exaurido.
Expelir, | Expulso, | ou Expelido.
Extinguir, | Extinto, | ou Extinguido.
Frigir, | Frito, | ou Fregido.
Imprimir, | Impresso, | ou Imprimido.
Possuir, | Possesso, | ou Possuido.
Reprimir, | Represso, | ou Reprimido.
Submergir, | Submerso, | ou Submergido.
Suprimir, | Supresso, | ou Suprimido.105

Advertencia.

Nos Verbos que tem dois Participios, o Participio
indeclinavel de huma só fórma acabado em o serve para
a vós activa ; e o declinavel de duas fórmas serve para
a vós passiva, como por exemplo : No Verbo Romper,
o Participio declinavel Rompido uza-se na vóz
activa, porque dizemos : Pedro tinha rompido o segredo ;
e o Participio declinavel Roto, Rota uza-se na vós
passiva ; porque costumamos dizer : O segredo foi roto
por Pedro
, e não rompido por Pedro.

§. 16. Formação dos tempos compostos.

Os Verbos assim na Lingua Portugueza, como em
todas as conhecidas, não tem fórmas proprias para exprimir
todas as diferenças do tempo em cada Modo,
e por tanto supre-se esta falta com a reunião dos Verbos
chamados auxiliares, e a esta reunião chamão os
Gramaticos tempos compostos, e por meio deles não
só se exprimem as diferenças do tempo mais importantes
e sensiveis, mas tambem se pode variar notavelmente
a mesma expressão, quando assim o pedir a
beleza do discurso.

E assim em todas as Linguas ha nos Verbos tempos
simples, e tempos compostos. Os tempos simples,
são aquelles que se exprimem sómente com huma palavra,
que se deriva da raís fundamental do Verbo, da
qual se derivão outras que se distinguem pelas inflexões
e terminações proprias de cada huma. *9 Os tempos
compostos são expressões que rezultão de muitas palavras,
huma das quaes he hum tempo simples do mesmo
106Verbo, e as outras são emprestadas de algum Verbo
auxiliar ; assim como Eu tenho amado, he huma expressão
composta da palavra tenho que pertence ao Verbo
Ter, e amado ao Verbo Amar ; e equivale a Eu amei,
que he tempo simples do sobredito Verbo Amar.

Chamão-se Verbos auxiliares, aquelles cujos tempos
servem para fórmar os tempos dos outros Verbos,
e podem-se contar na Lingua Portugueza dés, a saber
Ser, Ter, Haver, Estar, Ficar, Andar, Vir, Ir,
Dever, Entrar
, sendo que os tres primeiros são mais
uzados do que os outros.

Dos tempos compostos huns exprimem diferença
de tempo, a que não corresponde alguma fórma simples
do Verbo ; outros porém exprimem o mesmo ou
quazi o mesmo que algumas fórmas simples do Verbo.
Exemplo : Eu heide amar, he o mesmo que Eu amarei,
porém Eu terei amado já exprime notavel diferença de
tempo.

As diferenças do tempo mais notaveis são tres a
saber : Prezente, Passado, e Futuro. Estas tres são
tão distintas entre si, que he impossivel o confundil-as,
e tomar hum tempo por outro. As outras diferenças
que exprimem os Verbos não são mais do que
gradações pouco sensiveis destes tres tempos, por meio
das quaes o Prezente se vai confundir com o Passado ;
e o Futuro se aproxima ao Prezente, que he o termo
de comparação ou ponto fixo, em relação do qual se
divide o tempo em diferentes partes.

Do Tempo Prezente.

Chama-se Tempo prezente o tempo actual em que
se fala, e como não pode ser nem mais nem menos
prezente, não tem os Verbos mais do que huma fórma
simples para o exprimir, assim como Eu amo, Eu
defendo, Eu reparto
. Mas pode este mesmo tempo exprimir-se
107por fórmas compostas com os prezentes dos
Verbos auxiliares, e com o Infinito e Participios do
Verbo que se quizer exprimir, como por exemplo no
Verbo Escrever, podemos dizer que as seguintes fórmas

image eu | ando 1.2. | entro 1.2. | estou 1. 2. | fico 1.2. | venho 1.2. | vou 1.2. | 1. a escrever | 2. escrevendo | sou | estou sendo | escrevente | equivalem a eu | escrevo.

Estas fórmas não exprimem diferença sensivel no
tempo prezente, e equivalem com pouca diferença a
Eu escrevo, que he rezumo de todas elas.

Muitas vezes sucede uzar do Prezente em lugar do
Passado ou do Futuro extendendo-o arbitrariamente a
hum ou outro, e em tal cazo deve atender-se á serie
do discurso, ou ás circunstancias para conhecer com
mais certeza a relação do tempo.

Uzamos do Prezente quando exprimimos verdades
necessarias, que são prezentes em todos os tempos, e
em todas as epocas possiveis, assim como Deos he justo ;
O todo he maior que as suas partes.

Uzamos tambem do Prezente em lugar do Passado
quando contamos como prezente alguma coiza já sucedida,
a fim de por este meio interessarmos mais os ouvintes,
como por exemplo : Encontro Antonio no caminho,
pergunto-lhe para onde ele vai, e vejo que ele se
embaraça
. Todos estes tempos, encontro, pergunto-lhe,
vejo
, e se embaraça são prezentes e exprimem huma
ação anterior ao momento em que se fala, e correspondem
a encontrei, perguntei-lhe, vi, e se embaraçou.

Uzamos finalmente do Prezente em lugar do Futuro
108quando exprimimos como prezentes ações que se
hão-de executar depois do momento em que se fala,
como por exemplo : Parto á manhã ; Faço logo as minhas
despedidas
, em lugar de dizer : Partirei, ou heide
partir á manhã
, e fazer logo as minhas despedidas.

Do Tempo passado.

Chama-se Tempo passado todo aquele que he anterior
ao acto em que se fala, e como elle pode ser mais
ou menos passado, á proporção que a epoca a que se
refere he mais ou menos remota ; por isso ha diferentes
especies de tempos passados, e os Verbos tem diferentes
fórmas que os exprimem.

Primeira fórma do Passado.

A primeira fórma dos Verbos que o comum dos
Gramaticos reputa do tempo passado he por exemplo :
Eu amava, Eu defendia, Eu repartia, a qual por si não
exprime relação proxima nem remota ao tempo em
que se fala, mas determina-se esta relação pela serie do
discurso, ou por algumas circunstancias. Assim humas
vezes exprime Prezente, como por exemplo, quando
encontrando huma pessoa lhe difo : Eu hia para tua
caza
 ; exprime huma epoca actual. Se porém digo : Hia
para tua caza, quando me sobreveio hum negocio
, então
exprimo huma epoca anterior pela circunstancia do
negocio que me sobreveio. Desta sorte pode esta fórma
ser de tempo passado ou de prezente, e por tanto parece
se lhe pode dar o nome de Passado indefinido. Esta
fórma tem muitas expressões equivalentes, ou analogas
de que ela he rezumo, da mesma fórma que fica
mostrado no prezente. E assim109

image eu | andava 1.2. | estava 1.2. | entrava 1. 2. | ficava 1.2. | hia 1.2. | vinha 1.2. | 1. a escrever | 2. escrevendo | era | estava sendo | escrevente | equivalem a | eu escrevia.

Segunda forma do Passado.

A segunda fórma do Passado sempre exprime tempo
anterior ao acto em que se fala, mas sem determinar
a epoca, assim como : Amei, Defendi, Reparti ;
e posso por exemplo dizer : Escrevi esta Gramatica sem
determinar o tempo ; e tambem poso determinal-o dizendo :
Escrevi ha pouco, hoje, ou hontem, ou ha tantos
dias
, ou annos.

Este tempo pode chamar-se Passado proximo, e alem
da fórma simples, assim como : Escrevi, tem outra
composta com o Prezente do Verbo ter, Eu tenho, e
com o Participio passivo do Verbo conjugado, e sendo
ele Escrever he Eu tenho escrito ; e alem desta tem outras
analogas, ou equivalentes na fórma que se segue.

image eu | andei | entrei | estive | fiquei. | vim | a escrever | ou | escrevendo | fui | estive sendo | escrevente | equivalem | a | eu escrevi, | eu tenho escrito

Terceira fórma do Passado.

A terceira fórma do Passado exprime hum tempo
110anterior, a outro que tambem he anterior ao momento
em que se fala, assim como : Amára, Escrevéra, Repartira.
Exemplo : Eu escrevera se tivesse vagar. Alem
desta fórma simples tem outras compostas com as dos
Verbos Ter, Haver, e com o Participio passivo do mesmo
Verbo, que se conjuga assim como : Eu tinha
escrito ; Eu tivera escrito ; Eu houvera escrito
. Exemplos :
Eu tinha escrito, quando Antonio por aqui passou :
Eu tivera escrito, se Antonio me deixasse papel : Eu houvera
escrito, se tivesse vagar
. Pode chamar-se esta fórma
Passado remoto, porque exprime ações mais remotas do
Prezente do que a segunda fórma Eu escrevi. Tem
analogas ou equivalentes, as seguintes.

image eu | andara | estivera | ficara | fora | viera | entrara | a escrever | escrevendo | estivera sendo | escrevente | equivalem | a | escrevera. | tinha escrito. | tivera escrito. | houvera escrito.

Do Tempo Futuro.

Chama-se Tempo Futuro ao tempo que hade vir
depois do actual em que se fala ; e como pode ser
mais, ou menos distante desta epoca actual, exprime-se
em Português esta diferença por duas fórmas ; a primeira
simples, e a segunda composta.

Primeira forma simples.

A primeira fórma do tempo futuro exprime huma
epoca posterior á actual que pode ou não ser determinada,
e tem estas fórmas competentes simples : Eu
111amarei, Eu defenderei, Eu repartirei
 ; e pode dizer-se
por exemplo : Eu escreverei huma carta a Antonio, sem
determinar quando : ou dizer : Eu escreverei hoje, á manhã
ou depois determinando o tempo em que heide escrever.
A esta fórma podemos chamar proxima, porque
exprime a epoca posterior mais proxima ao tempo prezente.
Esta mesma epoca se exprime com as fórmas
seguintes.

image eu | andarei 2. 3. 5. | deverei 1. | entrarei 2. 5. | estarei 2. 3. 5. | haverei 4. | hei 4. | hirei 1. 5. | terei 4. | virei 1. 2. 3. 4. 5. | 1. escrever | 2. a escrever | 3. para escrever | 4. de escrever | 5. escrevendo | serei | estarei sendo | escrevente | equivalem | a eu escreverei

Segunda fórma do Futuro.

A segunda fórma do Futuro exprime huma epoca
posterior que deve ser determinada ; e como os Verbos
Portuguezes não tem fórma propria para exprimir esta
diferença de tempo, uza-se da composta deste modo :
Eu terei amado : Eu terei defendido : Eu terei repartido :
Exemplo : Eu terei repartido este dinheiro, quando voltares ;
estas ultimas palavras quando voltares determinão
a epoca em que heide repartir o dinheiro : e neste Futuro
ha duas epocas, huma he a em que heide repartir
o dinheiro, e a outra he quando voltares, a qual determina
a primeira, e tambem he posterior. Esta he
a diferença que este Futuro tem do antecedente que
não exprime mais do que huma epoca, e este segundo
112involve a mesma, e alem desta involve a relação a outra
epoca que tambem ainda hade vir ; por esta razão
se lhe pode chamar Futuro remoto. Ele se compõe
igualmente com o Verbo Ter, e com Haver, pois
tanto vale dizer : Eu terei escrito como Eu haverei
escrito
.

Advertencia.

Os nomes de Preterito perfeito, Preterito imperfeito,
Preterito mais que perfeito
, e assim mesmo de Futuro
imperfeito
, e Futuro perfeito com que os Gramaticos
tem costumado dezignar as diferenças mais sensiveis
do tempo passado e futuro, forão ultimamente
reprovados por Mr. Bózé e Court de Gebelem, e
pos outros Gramaticos de boa nota, pelas razões que
os mesmos Autores ponderão em suas obras, onde o
curiozo Leitor, querendo, as poderá examinar, pois
que os lemites e destino desta não permitem expol-as.
A' vista delas ninguem deixará de abandonar a antiga
nomenclatura dos tempos ; com tudo como a prova que
lhe substituio Bózé, e abonou Gebelem, suposto que
muito judicioza e sensata, ainda parece susceptivel de
algumas contradições, por isso se não adopta nesta
Gramatica ; e para evitar discussões chama-se ao Prezente
simplesmente Prezente pois que não tem mais
do que huma fórma reconhecida por todos os Gramaticos ;
e como tambem todos reconhecem tres diferenças
do passado, estas se distinguem pelos numeros 1°, 2.°
3.° passado. E da mesma sorte se distinguem as duas diferenças
do Futuro em 1. e 2.° Futuro. Quem quizer
adoptar o sistema de Bozé, ou ter o trabalho de fórmar
outra nomenclatura, póde fazel-o, ao que nenhum
embaraço cauzará o sistema que aqui se adopta.113

§. 17. Modos dos Verbos.

Os Modos do verbo são as diversas inflexões que
o Verbo tem para exprimir os diferentes modos de significar
com varias diferenças de tempo. Estes modos
são seis, a saber : Infinito, Indicativo, Imperativo,
Condicional
, e Conjuntivo.

Do modo infinito.

O Modo Infinito he hum modo de significar a natureza
ou a qualidade das ações, sem dezignar as pessoas
que as fazem ou recebem, assim como Amar,
Cantar
. Porém já fica mostrado que na Lingua Portugueza
pode conjugar se por numeros, e pessoas.

O Infinito não pode fazer por si só sentido algum,
e he sempre subordinado a outro modo do mesmo ou
de outro Verbo.

Neste Modo distinguem-se os tres tempos Prezente,
Passado
, e Futuro, porém em Português só tem
huma fórma propria para o Prezente impessoal, para
o Passado e Futuro tem tempos compostos com os Verbos
auxiliares na fórma seguinte.

Na fórma activa | Na fórma passiva.

Prezente | Amar. | Ser amado.
Passado. 1.° Ter amado. | Ter sido amado.
2.° Vir de amar. | Vir de ser amado.

Futuro.

1.° | Dever amar. | Dever ser amado.
2.° | Haver de amar. | Haver de ser amado.

Esta facilidade de cada hum se exprimir de hum
modo indefinido dá muita graça ao discurso, e o fas
114ser mais concizo, e muitas vezes hum Infinito prodús
hum efeito muito mais brilhante do que se se puzesse
hum nome em seu lugar. E assim he melhor dizer.
He tempo de me retirar, do que dizer : he tempo do
meu retiro
ou da minha partida. Uza-se tambem muitas
vezes nas expressões proverbiaes, e sentenciozas,
como por exemplo : Fugir do vicio he virtude.

Nas seguintes expressões está o Infinito em lugar
de hum nome. Mentir he hum crime, vale o mesmo que
dizer. A ação de mentir he hum crime. Tambem se
acompanha o Infinito com propozições, e com artigos,
como por exemplo. Gosta de fazer bem ; não cessa de
estudar ; nasceo para instruir a seus semilhantes ; o beberm
o comer, o querer
, &c.

Do Participio.

O Participio póde tambem considerar-se como
hum Modo do Verbo de significar as ações, com determinação
de numeros e de tempo, mas sem determinação
das pessoas assim como o Infinito. E combinando
as fórmas do Participio com os Verbos auxiliares podemos
exprimir todos os tempos possiveis, e em Português
podemos considerar neste modo os tempos seguintes.

Activos. | Passivos.

Prezentes.

Sou amante. | Sou amado.
Estou amando. | Estou sendo amado.

Passados.

1.° | Tendo amado. | Tendo sido amado.
2.° | Vindo de amar. | Vindo de ser amado.

Futuros.

1.° | Devendo amar. | Devendo ser amado.
2.° | Havendo de amar. | Havendo de ser amado.115

Do modo indicativo.

O Modo Indicativo exprime os diversos tempos
dos Verbos pura e simplesmente sem dependencia de
outro Verbo precedente, como por exemplo : Eu amo,
eu amava ; eu amei ; eu amava ; eu amarei
são diferentes
expressões do Verbo que não necessitão de outro
Verbo antecedente para se perceberem. Este Modo
existe necessariamente em todas as Linguas, e com todas
as divizões do tempo que elas tem adoptado. Na
Portugueza tem sinco tempos simples, e alem destes
os compostos na fórma seguinte.

Activa. | Passiva.

Prezentes.

Eu amo. | Eu sou amado.

Passados.

1.° | Eu amava. Eu era amado.
2.° | Eu amei. / Eu tenho amado. | Eu fui amado. / Eu tenho sido amado.
3.° | Eu amara. / Eu tinha amado. / Eu tivera amado. / Eu houvera amado. | Eu fora amado. / Eu tinha sido amado. / Eu tivera sido amado. / Eu houvera sido amado.

Futuro.

1.° | Eu amarei. | Eu serei amado.
2.° | Eu terei amado. | Eu terei sido amado.

Do modo imperativo.

O Modo Imperativo he hum modo de significar no
Verbo a ação de mandar, pedir, e exortar, como
quando digo a hum criado : Traze-me isso : o Verbo
Traze-me exprime ação de mandar. Quando digo a
116meu superior : Faça-me este favor : Faça-me exprime
ação de pedir ; Quando digo a hum mancebo : Teme a
Deos mais que a todos os homens
. O Verbo Teme exprime
exortação. Este Modo exprime a ação dezignada
pelo Verbo, como devendo executar-se, não voluntariamente,
o que he proprio do Indicativo, mas em
virtude da vontade de quem manda.

O Imperativo não tem na Lingua Portugueza fórma
propria mais do que para a segunda pessoa do singular
e plural, assim como Ama, Amai. No singular
não pode ter primeira pessoa, porque ninguem manda
a si proprio ; porém uzamos da primeira pessoa do
plural, e da terceira de ambos os numeros do Conjuntivo,
pois dizemos : Amemos a Deos ; Façamos isto ;
Faça ele ; Fação eles, e podemos considerar como imperativas
estas pesoas do Conjuntivo quando elas não
são precedidas de conjunção ou de pronome, como
quando dizemos : Faça o ceo que o meu voto se cumpra.

Tem o Imperativo só duas diferenças de tempo
futuro : huma simples, e outra composta na fórma
seguinte.

Activa. | Passiva.

Futuro simples.

Sing. | Ama tu. | Sê tu amado.
Ame ele. | Seja ele amado.

Plur. | Amemos nós. | Sejamos nós amados.
Amai vós. | Sêde vós amados.
Amem eles. | Sejão eles amados.

Futuro composto.

Sing. | Tem tu amado. | Tem tu sido amado.
Tenha ele amado. | Tenha ele sido amado.

Plur. | Tenhamos nós amado. | Tenhamos nós sido amados.
Tende vós amado. | Tende vós sido amados.
Tenhão eles amado. | Tenhão eles sido amados.117

Os Verbos Reflexos, assim como : Vestir-se, Alegrar-se,
fórmão o seu Imperativo pondo o pronome
depois do Verbo, por exemplo : Alegra-te tu, Veste-te,
tu
.

Modo condicional.

O Modo Condicional he o modo de significar no
Verbo como debaixo de alguma condição, como quando
digo : Eu leria, se tivesse livros. Serve este Modo ordinariamente
para responder a huma pergunta ; como
se alguem perguntasse a huma pessoa porque não lê :
ela respondesse : Eu leria, se tivesse livros.

Tem este Modo quatro tempos a saber hum Prezente,
dois Passados, e hum Futuro. Só o Prezente
tem fórma simples, assim como : Eu amaria. O primeiro
Passado he composto dos condicionaes teria,
seria
, assim como Eu seria amado, Eu teria amado ;
o segundo Passado he composto do condicional do Verbo
vir, e do Infinito, como por exemplo : Eu viria
de amar
. O Futuro he composto do Condicional do
Verbo dever, assim como : Eu deveria amar. Tambem
se pode compor outro Futuro com o Verbo haver,
deste modo : Eu haveria de amar.

Activa. | Passiva.

Prezente.

Eu amaria. | Eu seria amado.

Passados.

1.° | Eu teria amado. | Eu teria sido amado.
2.° | Eu viria de amar. | Eu viria de ser amado.

Futuros.

1.° | Eu deveria amar. | Eu deveria ser amado.
2.° | Eu haveria de amar. | Eu haveria de ser amado.118

A fórma do Prezente, como Eu amaria, segundo
as circunstancias póde exprimir huma epoca anterior
á actual, ou posterior ao momento em que se fala.
Exemplos. De anterior. Se para contar a desesperação
de hum homem dissessemos : Ele arrancava os seus cabelos,
lançava-se por terra e se levantava, e se mataria
mesmo se tivesse huma espada
 ; onde mataria exprime
huma epoca prezente ao tempo de que se fala, e este
he anterior ao actual da palavra.

De prezente actual. Se Clemente VII. tivesse tratado
com mais moderação a Henrique VIII, a Religião Catholica
seria ainda hoje dominante em Inglaterra
. He evidente
pela palavra hoje que seria he empregado nesta
fraze como prezente actual.

De posterior. Se o meu cavalo estivesse pronto, eu
partiria á manhã
. A palavra á manhã exprime claramente
huma epoca posterior, e não se póde duvidar
de que o verbo partiria he aqui empregado como
hum prezente posterior.

O mesmo acontece a respeito dos outros tempos
deste Modo condicional.

Modo conjuntivo.

O Modo Conjuntivo he hum modo de significar no
verbo com dependencia e subordinação a outro verbo
antecedente com o qual constitue hum só corpo,
como por exemplo nesta fraze : He precizo que venhais ;
o verbo venhais he subordinado ás palavras antecedentes
he precizo.

Tem este Modo na Lingua Portugueza fórmas simples
para o prezente, para o 1.° passado, e para o
primeiro futuro, e alem destes tem outros passados,
e futuros compostos como se mostra.119

Activa. | Passiva.

Prezente.

Eu ame. | Eu seja amado.

Passados.

1.° simp. | Eu amasse. | Eu fosse amado.
2.° comp. | Eu tenha amado. | Eu tenha sido amado.
Eu venha de amar. | Eu venha de ser amado.
Eu tivesse amado. | Eu tivesse sido amado.
Eu viesse de amar. | Eu viesse de ser amado.

Futuros.

1.° simp. | Eu amar. | Eu for amado.
2.° comp. | Eu deva amar. | Eu deva ser amado.
Eu devesse amar. | Eu devesse ser amado.
Eu va amar. | Eu va ser amado.
Eu fosse amar. | Eu fosse ser amado.

Os tempos do Conjuntivo são relativos aos do Indicativo
que lhes precede ; e a idea que exprimem he
sempre mais composta que a do Indicativo : eles sempre
exprimem huma relação de mais. Se os tempos do
Indicativo exprimem duas relações, os do Conjuntivo
exprimem três. Eu amei por exemplo exprime hum
tempo passado a respeito do tempo em que se fala,
e os tempos do Conjuntivo alem destas duas relações
exprimem outra relação com o momento determinado
pelo Indicativo que os precede. Assim nesta fraze : Eu
dezejava que tu cantasses na prezença destes Senhores
,
vê-se que as palavras no verbo que tu cantasses exprime
huma ação que devia ser prezente no tempo em
que se fala ; e este he anterior ao momento actual, e
subordinado ao tempo que dezigna o verbo Eu dezejava.

Os tempos do Conjuntivo nunca se encontrão por
120si sós no discurso, mas sempre se devem referir a outro
tempo que eles determinão, e sempre são precedidos
de huma conjunção expressa ou subentendida. Em
algumas frazes porém não leva o Conjuntivo a conjunção
Que quando as ditas frazes exprimem dezejo ou
imprecação, como por exemplo : Deos tenha dele mizericordia :
Má peste te arrebente.

Com os tempos do Conjuntivo se supre o Modo
optativo que não ha na Lingua Portugueza, porém
sendo as vozes do Conjuntivo precedidas de Queira Deos
que ; Praza a Deos que ; Prouvera a Deos que
&c. equivalem
ao Modo optativo.

Dos Modos em geral.

Os Modos são assim chamados, não pela diferença
das terminações, mas sim pela diferente maneira que
toma a significação fundamental do Verbo. O Infinito
he da classe dos nomes ; o Participio he da dos Adjetivos :
o Indicativo, o Imperativo, e o Condicional exprimem
o pensamento principal, com a diferença porém
que o Indicativo o exprime pura e simplesmente ;
o Imperativo o exprime com a idéa acessoria da vontade
daquele que fala ; e o Condicional com a idéa
acessoria de huma condição preliminar. O Conjuntivo
pode constituir huma propozição incidente : o modo
Infinito e o Participio impessoaes não podem servir
para constituir as propozições, pois não tem alguma
terminação correspondente á pessoa de hum sujeito que
exercite a sua significação, e por isso se chamão impessoaes.
Os modos Indicativo, Imperativo, Condicional,
e Conjuntivo tem terminações correspondentes
ás pessoas que exercitão a sua significação, e por isso
se chamão modos pessoaes.

Destes seis Modos ha tres que são puros, porque
não ajuntão alguma idéa acessoria e estranha á significação
121fundamental do Verbo ; e são o Indicativo, o
Infinito, e o Participio ; os outros tres são mistos pela
razão contraria, e são o Imperativo, o Condicional,
e o Conjuntivo, com tudo se reprezenta no seguinte

Esquema.

image pessoaes | directos | puros | indicativo | mistos | imperativo | condicional | conjuntivo | obliquo | misto | impessoaes | infinito | participio.

§. 18. Recapitulação dos Verbos Auxiliares.
Ser, Ter, Haver.

1.° Modo infinito.

Tempo prezente.

Ser | Ter | Haver

Passados.

1.° | Ter sido. | Ter tido. | Ter havido.
2.° | Vir de ser. | Vir de ter. | Vir de haver.

Futuros.

1.° | Dever ser. | Dever ter. | Dever haver.
2.° | Haver de ser. | Haver de ter. | Haver de haver.

2.° Modo participio.

Prezente.

Ente | – | –
Sendo | Tendo | Havendo122

Passados.

1.° | Sido. | Tido. | Havido.
2.° | Tendo sido. | Tendo tido. | Tendo havido.
3.° | Vindo de ser. | Vindo de ter. | Vindo de haver.

Futuros.

1.° | Devendo ser. | Devendo ter. | Devendo haver.
2.° | Havendo de ser. | Havendo de ter. | Havendo de haver.

3.° Modo indicativo.

Prezente.

Eu sou | Eu tenho | Eu hei.

Passados.

1.° | Eu era. | Eu tinha. | Eu havia.
2.° | Eu fui | Eu tive | Eu houve.
Eu tenho sido | Eu tenho tido | Eu tenho havido.
3.° | Eu fora | Eu tivera | Eu houvera.
Eu tinha sido | Eu tinha tido | Eu tinha havido.
Eu tivera sido | Eu tivera tido | Eu tivera havido.

Venho de ser | Venho de ter | Venho de haver.
Vinha de ser | Vinha de ter | Vinha de haver.
Vim de ser | Vim de ter | Vim de haver.
Viera de ser | Viera de ter | Viera de haver.

Futuros.

1.° | Eu serei | Eu terei | Eu haverei.
Eu heide ser | Eu heide ter | Eu heide haver.
2.° | Eu terei sido | Eu terei tido | Eu terei havido.

Vou ser | Vou ter | Vou haver.
Hia ser | Hia ter | Hia haver.123

4.° Modo imperativo.

Futuro simples.

Sê tu | Tem tu | Ha tu.
Seja ele | Tenha ele | Haja ele.

Composto.

Tem tu sido | Tem tu tido | Tem tu havido.
Tenha ele sido | Tenha ele tido | Tenha ele havido.

5.° Modo condicional.

Prezente simples.

Eu seria | Eu teria | Eu haveria.

Passados compostos.

1.° | Eu teria sido | Eu teria tido | Eu teria havido.
2.° | Eu viria de ser | Eu viria de ter | Eu viria de haver.

Futuros compostos.

1.° | Eu deveria ser | Eu deveria ter | Eu deveria haver.
2.° | Eu haveria de ser | Eu haveria de ter | Eu teria de haver.

6.° Modo conjuntivo.

Prezente simples.

Eu seja | Eu tenha | Eu haja.

Passados.

1.° | Eu fosse | Eu tivesse | Eu houvesse.
2.° | Eu tenha sido | Eu tenha tido | Eu tenha havido.
Eu venha de ser | Eu venha de ter | Eu venha de haver.
3.° | Eu tivesse sido | Eu tivesse tido | Eu tivesse havido.
Eu viesse de ser | Eu viesse de ter | Eu viesse de haver.124

Futuros.

1.° | Eu for | Eu tiver | Eu houver.
Eu deva ser Eu deva ter Eu deva haver.
Eu vá ser Eu vá ter Eu vá haver.
Eu for ser Eu for ter Eu for haver.

2.° | Eu devesse ser | Eu devesse ter | Eu devesse haver.
Eu fosse ser | Eu fosse ter | Eu fosse haver.

§. 19. Recapitulação das Conjugações.

Activa | Passiva | Reflexa

1.° Modo infinito.

Prezente.

Amar | Ser amado | Declarar-se.

Passados.

1.° | Ter amado | Ter sido amado | Ter-se declarado.
2.° | Vir de amar | Vir de ser amado | Vir de se declarar.

Futuros.

1.° | Dever amar | Dever ser amado | Dever-se declarar.
2.° | Haver de amar | Haver de ser amado | Haver de se declarar.

2.° Modo participio.

Prezente.

Amante | Amado
Amando | Sendo amado | Declarando-se.

Passados.

1.° | Tendo amado | Tendo sido amado | Tendo-se declarado.
2.° | Vindo de amar | Vindo de ser amado | Vindo de se declarar.125

Activa | Passiva | Reflexa

Futuros.

Devendo amar | Devendo ser amado | Devendo-se declarar.
Havendo de amar | Havendo de ser amado | Havendo de se declarar.

3.° Modo indicativo.

Prezente.

Eu amo | Eu sou amado | Eu me declaro.

Passados.

1.° | Eu amava | Eu era amado | Eu me declarava.
2.° | Eu amei | Eu fui amado | Eu me declarei.
Tenho amado | Tenho sido amado | Tenho-me declarado.
3.° | Eu amara | Eu fora amado | Eu me declarara.
Eu tinha amado | Eu tinha sido amado | Eu me tinha declarado.
Eu tivera amado | Eu tivera sido amado | Eu me tivera declarado.
Houvera amado | Houvera sido amado | Eu me houvera declarado.
Venho de amar | Venho de ser amado | Venho de me declarar.
Vinha de amar | Vinha de ser amado | Vinha de me declarar.
Vim de amar | Vim de ser amado | Vim de me declarar.126

Activa | Passiva | Reflexa

Futuros.

1.° | Eu amarei | Eu serei amado | Eu me declararei.
2.° | Eu terei amado | Eu terei sido amado | Eu me terei declarado.
Haverei de amar | Haverei de ser amado | Haverei de me declarar.
Devo amar | Devo ser amado | Devo declarar-me.
Deverei amar | Deverei ser amado | Deverei declarar-me.
Vou amar | Vou ser amado | Vou declarar-me.
Hia amar | Hia ser amado | Hia declarar-me.
Hirei amar | Hirei ser amado | Hirei declarar-me.

4.° Modo imperativo.

Futuro.

Ama tu | Sê tu amado | Declara-te tu.
Tem tu amado Tem tu sido amado Tem-te tu declarado.

5.° Modo condicional.

Prezente.

Eu amaria | Eu seria amado | Eu me declararia.

Passados.

1.° | Eu teria amado | Eu teria sido amado | Eu me teria declarado.
2.° | Eu viria de amar | Eu viria de ser amado | Eu viria de me declarar.127

Activa | Passiva | Reflexa.

Futuros.

Eu deveria amar | Eu deveria ser amado | Eu me deveria declarar.
Eu haveria de amar | Eu haveria de ser amado | Eu me haveria de declarar.

6.° Modo conjuntivo.

Prezente.

Eu ame | Eu seja amado | Eu me declare.

Passados.

1.° | Eu amasse | Eu fosse amado | Eu me declarasse.
2.° | Eu tenha amado | Eu tenha sido amado | Eu me tenha declarado.
Eu venha de amar | Eu venha de ser amado | Eu venha de me declarar.
3.° | Eu tivesse amado | Eu tivesse sido amado | Eu me tivesse declarado.
Eu viesse de amar | Eu viesse de ser amado | Eu viesse de me declarar.

Futuros.

Eu amar | Eu for amado | Eu me declarar.
Eu deva amar | Eu deva ser amado | Eu me deva declarar.
Eu vá amar | Eu vá ser amado | Eu vá declarar-me.
Eu devesse amar | Eu devesse ser amado | Eu devesse declarar-me.
Eu fosse amar | Eu fosse ser amado | Eu fosse declarar-me.

Advertencia.

Por cauza de brevidade se omitem as fórmas competentes
128á segunda e terceira pessoa do singular, e
todas as do plural, por serem faceis de suprir a quem
souber a conjugação simples dos Verbos.

Capitulo VIII.
Das Prepozições.

§. 1. Que couza sejão Prepozições.

As Prepozições são huma especie de palavras, as
quaes servem para dezignar as relações que algumas
partes do discurso tem humas com as outras na expressão
das nossas idêas. Como por exemplo quando
dizemos : Alexandre era filho de Filipe, a prepozição
de dezigna a relação de filho que Alexandre tem a respeito
de Filipe ; e se sem esta prepozição dissessemos :
Alexandre era filho Filipe, não teria esta fraze sentido
perfeito.

Tem as Prepozições huma significação vaga e não
fazem algum sentido completo, senão por meio de hum
complemento, que se lhes ajunta e lhes fixa o sentido,
assim como por exemplo, a prepozição de na sobredita
fraze, só fas sentido completo junto com o nome
Filipe, que lhe serve de complemento.

Com tudo a significação das Prepozições he independente
de outra qualquer palavra antecedente ou consequente,
e assim dizemos com a mesma Prepozição :
As obras de Deos ; a ira de Antonio ; o dezejo de Pedro.

As Prepozições de necessidade devem preceder os
nomes, ou Adjetivos, ou Verbos, que determinão a
sua significação, e lhes servem de complemento.

Dividem-se as Prepozições em duas classes segundo
a qualidade de expressões em que elas figurão.
129Aquelas que como Adjetivos exprimem relações de
qualidade das coizas chamão-se enunciativas ; aquelas
que como os Verbos exprimem relações de ação de
quem obra, chamão-se Prepozições de ações. Cada huma
destas classes se subdivide em outras segundo a natureza
das relações que exprime.

§. 2. Primeira classe das Prepozições enunciativas.

As Prepozições enunciativas dezignão as simples
relações de existencia, que rezulta da mesma natureza
das coizas. Ora, dois objetos podem ser comparados
entre si nas suas relações de situação, de tempo, de
lugar, de existencia, e de dependencia, o que dá sinco
especies de Prepozições.

Primeira especie de Prepozições relativas á situação.

Prepozições | Exemplos.
Sobre | Este livro está | sobre a meza.
Debaixo | debaixo da meza.
Diante | Esta meza está | diante do muro.
Detrás | detrás do muro.
Em (a)10 | Este homem está | em sua caza.
Fóra | fóra de sua caza.
Perto | perto de sua caza.
Longe | longe de sua caza.
Defronte | defronte de sua caza.
Contra | Esta caza está | contra o muro.
A´lem | álem do mar.
A'quem | áquem do mar.130

Prepozições | Exemplos.
Até | Adiantou-se até Coimbra.
Ante | Não se deve passear ante os Superiores.
Depois | Passou aqui depois do meio dia.
Entre | A Suissa está entre França e Italia.

Prepozições relativas ao lugar.

Em (a)11 | Está em Roma.
Para | Vai para Lisboa.
De (b)12 | Vem de Castela.
Por (c)13 | Passou por Coimbra.
Desde | Ha muitos rios desde Coimbra até Lisboa.
Junto | O Mondego passa junto a Coimbra.

Prepozições relativas ao tempo.

Desde | Desde hontem não tive socego.
Depois | Depois de amanhã farei jornada.
Durante | Durante a pás se preparão para a guerra.

Prepozições relativas á união.

Com | Estava com seus amigos.
Sem | Está sem amigos.
Excepto | A todos ama excepto aos ingratos.
Fóra | Todos dormirão fóra nós, e nossos amigos.131

Prepozições relativas á propriedade, dependencia,
e origem
.

De (b)14 | Esta carta he de meu Pai.
Este livro he de Pedro.
Este he o filho de meu amo.

A (d)15 | Mando isto a minha irmã.
Este livro pertence a Pedro.
A Deos se deve honra e louvor.

§. 3. Segunda classe das Prepozições circunstanciaes,
ou relativas ás ações.

A Prepozições que dezignão as relações das ações
são em muito mais pequeno numero, porque as ações
tem muito menos faces que os objetos fizicos, e são
menos susceptiveis de variações opostas, de sorte que
cada huma destas faces dá hum numero mais pequeno
de Prepozições.

Toda a ação póde ser considerada debaixo destas
diversas relações.

A sua origem, e o seu Autor.
A sua cauza, e o seu motivo.
O objeto a que ela se refere.
O meio pelo qual se obra.
O modelo segundo o qual se executa.132

1. Relação de origem.

Prepozições. | Exemplos.
Por | Os Austriacos forão vencidos por Bonaparte.
De | Esta ação não pode vir senão de hum bom espirito.

2. Relação de motivo.

Em attenção | Em attenção á sua sabedoria se recompensou.
Visto | Visto o seu modo de obrar não merece castigo.
Salvo | Salvo o melhor juizo.
Por | Faço isto por amor de Deos.

3. Relação do speeto.

A | Cuido no que convem a seus interesses.
Para | Faço isto para utilidade da mocidade.
Para com | Está cheio de doçura para com seus inimigos.
Tocante | Tocante a isto não te embaraces.
A respeito | A respeito disto tomou-se melhor rezolução.
A'cerca | Falou-se ácerca da guerra actual.
Após | Foi apôs seus amigos.

4. Relação do meio.

Com | Levantou-se com o socorro de seus amigos.
Por | Isto foi executado por hum Heróe.
Mediante | Mediante os auxilios de Deos se vencerão os inimigos.
A pezar | A pezar da sua má vontade fês huma boa obra.
Não obstante | Obrou mal não obstante ser advertido.

5. Relação de modelo e regra.

Segundo O Christão se condûs segundo as maximas do Evangelho.
133Prepozições Exemplos.
Conforme | Responderei conforme me perguntarem.
Contra | Obrou contra a Lei.
Decidio contra o bom senso.

Advertencia.

Algumas das sobreditas Prepozições devem antes
considerar-se como frazes prepozitivas, e não como
rigorozas Prepozições : Taes são por exemplo : A pezar.
Não obstante. Em attenção. A respeito, &c. Elas não são
mais doque frazes compostas de diferentes palavras, e
tem lugar de Prepozições que nos faltão ; e com effeito
poderião vir a ser semilhantes ás outras nossas Prepozições
se nelas se fizesse huma ilizão mais completa.
Desta classe são : A cima. Ao redor. A' roda. Debaixo.
Decima. Por baixo. Por cima.

§. 4. Das Preposições iniciaes.

Do uzo de empregar huma palavra abreviada para
dezignar as relações nasceo outro emprego das Prepozições,
o qual consiste em as pôr no principio dos
Verbos, para lhes diversificar o sentido e indicar todas
as suas relações. Como algumas destas Prepozições
não tem uzo senão nestas circunstancias, chamão-se
por isso iniciaes, porque elas se põe sempre no principio
das palavras.

Este uzo veio a ser huma origem perene de riquezas
para as Linguas, pela abundancia de palavras que
d'aqui nascem, e pela delicadeza e exactidão que cauzão
na expressão das idêas. Por este meio, huma mesma
palavra depois de ter sido sucessivamente Nome,
Adjetivo, Participio, Verbo, Prepozição
, vem a ser
porção de novas palavras associando-se como Propozição,
a palavras de todas as especies. Não ha povo algum
134que não tenha recorrido a este expediente engenhozo,
e muito proprio para multiplicar as palavras
sem multiplicar as raizes primitivas. Mas cada povo
se tem servido deste meio com mais ou menos sucesso,
segundo a sua maior ou menor intelligencia.

As Prepozições Portuguezas que servem para compor
as palavras são A, assim como em Acastellar ; Des,
assim como em Desarmar, Desfazer ; Em mudando o
m em n assim como em Encobrir, Enlaçar, &c. Mas
uzamos de algumas Prepozições latinas sem alguma
diferença. As Prepozições na compozição fazem que
as palavras compostas signifiquem mais ou menos, e
muitas vezes o contrario do que significa a palavra simples
de que se compõe, como se pode observar no seguinte
catalogo.

Prepozições iniciaes Portuguezas e Latinas.

Das Prepozições que significão | Se compõe.
A, Ab, Ad. | Varias relações. | Affirmar, Absolver, Admitir, Admirar.
An, Ante. | Proximidade. Estar defronte. | Anexar, Antepor.
Circum. | Ao redor, á roda. | Circumvallar.
Contra. | Opozição. | Contrafazer, Contradizer.
Com. | União, e ajuntamento. | Compor, Comparecer.
De, Des, Dis. | Opozição. | Depor, Desfazer, Distratar, Decompôr.
E, Ex, Extra. | Ação de tirar fóra. | Evaporar, Excomungar, Extrahir, Exhaurir.
Em. | Determinação eficás. | Encomendar, Engolfar.
In. | Privação. | Impacientar. Inquietar.
Inter. | Ação de meter entre dois. | Interpôr, Interceder.
135Ob. | Ação de pôr diante. | Offerecer, Oppôr.
Per. | A cauza e o modo de obrar. | Perseguir, Perturbar.
Post. | O que se fás depois. | Pospôr, Posterior.
Pre. | O que se fás primeiro. | Predizer, Preceder.
Pro. | Coiza feita em favor. | Prometer, Procurar.
Re. | Reiteração. | Refazer, Retomar.
Sob, ou Sub. | Ação de estar debaixo. | Subscrever, Subjeitar.
Sobre, ou Supra. | Ação de estar de cima. | Sobrepôr, Supranumerar.
Trans. | Ação de passar além. | Transportar, Transfundir.

Algumas destas Prepozições muitas vezes mudão
ou perdem as suas letras finaes, e tambem acrescentão
alguma letra na compozição das palavras, e he esta
huma das razões porque muitos dos nossos Ortografos
pertendem se escreva letra dobrada, quando a prepozição
muda a sua letra final em huma semilhante
áquela, porque principia o simples com que se compõe.
Esta compozição porém he muitas vezes dificultoza
de perceber, por vir já feita da Lingua Latina, ou de
outra nas palavras que dela derivamos.

A prepozição Ad, costuma mudar o d na consoante
similhante áquela porque principia o simples, como
por exemplo Affirmar, Approvar, Atterrar, &c.

An com os simples que principião por b, p, m,
muda o n em m assim como em Ambulante, Amparar.

Con com os simples que principião por vogal, ou
h perde o n, assim como em Coadjutor, Cohabitar,
Coherente
, &c. Com os simples que principião por b
ou m, muda o n em m, assim como em Comboiar,
Commover
 ; com os simples principiados por r, muda o
n em r, assim como em Corresponder.

Dis com os simples que principião por f, muda o
s em f, assim como em Diffundir, Diffamar, Differir.136

E com os simples que principião por f, acrescenta
outro assim como em Effeituar, Effervescencia.

In com os simples principiados por b, p, m, muda
o n em m assim como em Imbecilitar, Immortalizar,
Impacientar
, &c. Com os simples principiados por l,
muda o n em l, assim como em Illicito, Illegitimo.
Com os simples principiados por r, mudo o n em r,
assim como em Irreparavel, Irregular, Irracional, &c.

Ob com simples principiados por c, f, p, muda
o b na consoante porque principião os simples, assim
como em Occorrer, Offuscar, Opprimir, Oppôr, &c.
Com os simples principados por m perde o b, assim
como em Omissão.

Post perde o t na compozição, assim como em Pospor,
&c. Excepto Posthumio, Posthumo, Postmeridiano.

Re com os simples principiados por vogal accrescenta
algumas vezes d, assim como em Redempção,
Redintegrar
, &c.

Sub muda o b na consoante porque principia o simples,
com que se compõe, assim como em Succeder,
Sufficiente, Suggerir, Supplicar, Suppôr, Supprimir
, &c.
só conserva o b em Subrepção, Subrepticio. Com os
simples que principião por j perde o b, assim como
em Sujeitar, Sujeito, &c.

Trans perde algumas vezes o n, assim como em
Trasladar, Trasluzir, Trasnoitar, Traspassar.137

Capitulo VIIII.
Dos Adverbios.

§. 1. Que coiza sejão Adverbios.

Os Adverbios são huma especie de palavras que
servem de determinar a significação dos Verbos, ou
as diferentes qualidades e ações que eles exprimem,
assim como por exemplo : Bem, Perfeitamente. Quando
dizemos Antonio escreve bem, ou canta perfeitamente, as
palavras bem e perfeitamente são Adverbios que servem
de determinar bem a ação que Antonio fás de escrever,
e perfeitamente, determina a ação de cantar, pois tambem
podiamos dizer : escreve ou canta mal.

Os Adverbios são palavras feitas para os Verbos
pois que são unicamente destinadas para os acompanhar,
e para os qualificar, e daqui se lhe origina o
nome que he o mesmo que se dissesse Ad Verbos.

Exprimem os Adverbios em huma só palavra as
qualidades de huma ação que se não poderião dezignar
senão pelo meio de huma longa circumlocução de que
o Adverbio he hum rezumo.

Este rezumo fás-se de tres modos 1.° Quando a
fraze que he destinada a modificar o Verbo he composta
de hum nome ; este nome perde tudo o que o
acompanha como nome, e fica só ; como por exemplo
nesta fraze : Escrever mal, a palavra mal he hum nome
feito Adverbio, despojando se de tudo o que ordinariamente
acompanha os nomes, como são genero e
numero.

2.° Quando a fraze he composta de hum Adjetivo
junto a hum nome generico, então aparece só o Adjetivo
com huma terminação, que tem o lugar do nome
138suprimido, assim como nesta fraze cantar perfeitamente,
a palavra perfeitamente he hum Adverbio formado
do Adjetivo Perfeito com a terminação Mente,
em lugar de hum nome suprimido.

3.° Quando a fraze he composta do nome de hum
objeto particular acompanhado do seu Adjetivo ; neste
cazo unem-se o Nome e o Adjetivo para não formarem
mais do que huma palavra, assim como por exemplo :
Largo tempo, que he a reunião de hum nome
tempo e de hum Adjetivo largo.

As frazes que eles exprimem por extenso serião
desta sorte.

1.ª Antonio escreve da fórma que se chama mal.
2.ª Antonio escreve de hum modo que se chama perfeito.
3.ª Antonio escreve ha hum largo espaço de tempo.

§. 2. Diferentes qualidades de Adverbios.

Os Adverbios dividem-se em diferentes classes relativas
ao tempo, ao lugar, á quantidade, á qualidade,
ao modo, á affirmação, e á pergunta.

De tempo. Agora, Ainda, Hoje, Hontem, Antehontem,
A'manhã, Logo, Antes, Depois,
Nunca, Sempre, Então, Já, Jamais,
Quando.

De lugar. Ahi, Ali, Aqui, Cá, Onde, Donde, Lá,
Eisahi, Eisali, Eisaqui, D'ahi, D'ali,
D'aqui.

De quantidade. Mais, Menos, Muito, Pouco.

De qualidade. Bem, Mal, Sabiamente, Facilmente,
Felismente, Fortemente, Justamente.

De modo. Assim como, Assim tambem, Semelhantemente,
Do mesmo modo.

De affirmar. Assim, Pois não ! Sim, Certamente, Na
verdade, Sem duvida, Talves, Alias,
139Mas, Porem, Ora, Senão.

De negar. Não, Nada, De nenhuma sorte.

De perguntar. Porque, Como, Como assim, Porque
razão.

Advertencias sobre os Adverbios.

1. Os Adverbios de qualidade que tem a terminação
mente, fórmão se dos Adjetivos femeninos acrescentando-lhes
a particula mente, assim como de Justa, se
fórma Justamente, de Eloquente, Eloquentemente.

2. Algumas das sobreditas palavras são são Adverbios
por sua natureza, mas são tidas por taes pelo
officio que fazem, de declarar como os verdadeiros Adverbios,
o modo da significação das palavras a que se
ajuntão, como por exemplo : sem duvida não he na
realidade Adverbio, por se compor da prepozição sem,
e do nome duvida.

3. Quando huma prepozição e hum nome dezignão
a relação de hum objeto com outro, não podem reputar-se
por Adverbio, e ajuntar-se em huma só palavra ;
como nestas frazes : Dario foi vencido por Alexandre :
as aves se levantão nos ares, he necessario que os dois
objetos de comparação sejão expressos com distinção,
afim de que se perceba a idéa que eles exprimem ; e
assim por Alexandre e nos ares não se podem ajuntar
em huma só palavra. Mas quando se trata de modificar
a significação de hum Verbo pela expressão de alguma
qualidade que se percebe na ação que significa
este Verbo, já a comparação não versa entre dois objetos,
mas entre hum objeto e huma qualidade ; e então
não ha tão estreita necessidade de que esta qualidade
e a sua relação com o Verbo sejão expressos por
outras tantas palavras, e se podem reunir em huma só ;
assim como se reunem por meio dos Verbos o Participio
e o Verbo ser. E mesmo se deve recorrer a este
140rodeio para fazer o pensamento mais vivo rezumindo-o,
e para evitar no discurso a monotonia que nele haveria
por hum uzo muito frequente das prepozições, e
pela repetição das mesmas fórmulas.

4. Toda a palavra que na sua origem fosse uzada
como hum nome, e que actualmente só tem uzo para
modificar hum Verbo, deve considerar-se como hum
Adverbio. E todas as vezes que os nomes são empregados
como Adverbios, cessão de ser nomes, porque
o officio de hum nome he incompativel com o de hum
Adverbio. Se eles fossem nomes indicarião o objeto ou
o sujeito do Verbo ; mas eles não indicão mais do que
huma qualidade, e mesmo não são acompanhados de
alguns dos sinaes que caracterizão os nomes. E alem
disto hum principio que nunca já mais se deve perder
de vista, he que a diferença ou identidade das palavras
não depende da sua fórma, mas da sua significação.

Alem de que todas as palavras de qualquer especie
que sejão, derivão-se de hum nome ; e por tanto não ha
que admirar de que se reconheção os nomes na maior
parte das outras partes do discurso, principalmente
naquelas que não dezignão os objetos, e onde os nomes
são empregados sem mudança como nos Adverbios.

Capitulo X.
Das Conjunções.

§. Unico.

As Conjunções são palavras que servem de ajuntar
e unir as diferentes frazes de que se compõe o discurso,
ou seja para o rezumir, e fazel-o mais corrente, ou
seja para impedir se altere a sua unidade pelas palavras
141que modificão alguns dos objetos de que ele he
composto.

A Conjunção distingue-se do Verbo e da Prepozição
em que o Verbo liga as palavras que pintão as
qualidades com os nomes dos objetos ; a Prepozição liga
os nomes dos objetos que entre si tem alguma relação,
ao mesmo tempo que a conjunção liga as frazes,
e une a huma palavra os caracteres pelos quaes se
lhe determina a idéa : como por exemplo : Quando dizemos :
Pedro lè, e Paulo escreve a palavra e, he huma
conjunção, porque neste discurso que consta de duas
frazes huma Pedro lê, e outra Paulo escreve, e se unem
pela conjunção e para constituirem ambas hum só corpo.

Quando consideramos as idéas relativamente á ligação
que elas entre si podem ter, temos tres rezultados :
ou estas idéas se unem e se combinão perfeitamente
humas com outras, de sorte que o que se affirma
de huma pode affirmar-se de todas, ou as não unimos
em huma mesma expressão senão para as excluir
pela mesma operação, ou não excluimos mais do que
huma parte destas idéas, e conservamos as outras. Daqui
nascem tres especies differentes de conjunções. Huma
que une as frazes, e em rigor não temos mais doque
huma que he E, e se chama copulativa. A segunda
especie he das que separão as frazes, e se chamão disjuntivas,
e não temos mais doque duas a saber : Nem,
Ou
. A terceira especie he das que determinão o sentido
de alguma palavra, ou fraze antecedente, e se chamão
determinativas, e não temos mais do que huma a saber :
Que.

Conjunções. | Exemplos.

E | copulativa. | Tomai esta flor, e aquele livro.
Nem / Ou Disjuntivas. | Não tomeis isto, nem aquilo. / Tomai este livro, ou aquele.142

Ou dezigna opozição de dois objetos.
Que determinativa. O livro que me destes he interessante.

Alem destas Conjunções, que o são de sua natureza,
ha certas frazes conjuntivas, compostas de huma
de duas ou de mais palavras, e que fazem as mesmas
funções da Conjunção, e alem disto acrescentão outra
idéa da natureza das mesmas palavras de que são compostas
estas frazes. Taes são as seguintes.

Condicionaes. | Se, Aindaque, Senão, com tanto que.
Cauzaes. | Porque, Por quanto, Pois, Mais.
Copulativas. | Tambem, Mais, Outro sim.
Concluzivas. | Logo, Por consequencia, Pelo que, Por tanto, Por cauza, Ora.
Declarativas. | A saber, Assim como, Verbi gratia.

Capitulo XI.
Das Interjeições.

Pela palavra Interjeições se entendem estes sõs exclamativos
que exprimem os diversos sentimentos da
nossa alma. Estes sentimentos ou são de prazer, ou
de dor, de alegria ou de tristeza, de aprovação ou de
desprezo, &c. O numero das Interjeições he pouco
consideravel, e elas são mais multiplicadas pelo som
com que se pronuncião mais ou menos forte, com mais
ou menos rapidês, e pela mudança que ocazionão na
fizionomia do rosto, do que pelas palavras que elas formão,
as quaes ordinariamente são limitadas a simples
vogaes aspiradas, ou pronunciadas com força do fundo
do peito, como tendo origem no fundo da nossa alma,
assim como as seguintes, as quaes se pronuncião com
vagar e esforço.143

Interjeições. | Exemplos.

De dor e sentimento. | Ai ! | Jezus valeime !
Ai ! | Ai que me matarão !
De pedir socorro. | Ah ! | Que d'Elrei.
De terror e espanto. | Hui | Que coiza tão feia !
De alegria e admiração. | Oh ! | Oh que bello retrato !
De indignação. | Oh ! | Oh ! velhice infelis !
Oh ! Movidade imprudente !
Oh ! mãi disgraçada !
De dezejo. | Oh ! | Oh ! Deos se compadeça de nós.
De chamar. | Oh ! | Oh ! sô amigo, olhe que o chamão.
De louvar. | Olá ! | Olá ! isso está muito bem feito.
Olá ! d'alem : venha cá.
Sci, scio. | Scio ! Está surdo ? Venha cá deprassa.
De repugnar. | Apage. | Apage ! Que isto he caustico.
Fóra. | Fóra ! com a ladroeira.
De suspender. | Ta, ta, tá. | Ta, ta, tá, isso vai bem
feito : pára.
De saudar. | A Deos. | A Deos até outra vista.
De perguntar. | Him ! hom ! | Hom ! Que dizeis vós ?
De rir. | Ah, ah, ah ! | Bela coiza, ah, ah, ah !
Hi, hi, hi ! | Fazeis coizas que fazem
rir.
De espanto. | Ahi ! | Ahi ! Meu Deos que coiza tão feia.
De incitar. | Eia ! | Eia ! vamos adiante.

Todas estas especies de palavras de que acabamos
de tratar são necessarias e indispensaveis em qualquer
Lingua para a perfeita expressão das idéas. O Artigo
144fás conhecer entre todas as palavras de huma fraze
qual he a que reprezenta o sujeito da mesma ; o Nome
dezigna este mesmo sujeito de hum modo o mais
conveniente ; o Pronome trás á lembrança este mesmo
sujeito, quando não convem repeti-lo ; o Adjetivo exprime
as qualidades adherentes a este sujeito ; o Participio
exprime as qualidades deste mesmo sujeito segundo
a relação que elas tem com o tempo ; o Verbo
liga todas estas qualidades com o mesmo sujeito ; a
Prepozição fás conhecer a relação deste sujeito com
outro ; a Conjunção reune diversas frazes particulares
para não formarem todas mais do que hum todo ; a Interjeição
exprime as sensações exteriores que sentimos
a vista de hum objeto.

Artigo terceiro.
Da Prozodia.

Capitulo I.
Que coiza seja Prozodia e as suas regras.

O Povo de cada Nação, de cada Provincia, e ainda
mesmo de cada Cidade, difere na Linguagem não so

porque se serve de palavras diferentes, mas tambem
pelo diverso modo de articular as silabas de cada palavra
segundo a diversidade das Linguas ; e a Prozodia
he esta parte da Gramatica que ensina a pronunciar as
silabas de huma palavra com o devido tom de vós segundo
o uzo de cada Lingua.

As palavras, como já fica declarado no §. 8.° do
1.° Artigo, ou são de huma só silaba, assim como Pas,
ou de duas, assim como Meza, ou de tres assim como
145Banquete, ou de mais, assim como Curiozidade,
Constantino
, &c. Quando as palavras são de mais de huma
silaba chama-se ultima aquela em que acaba, penultima
aquela que está antes da ultima, e antepenultima
aquela que fica antes da penultima.

As silabas de cada palavra devem ser todas bem
articuladas, e com diversas inflexões de vós : a clareza
e beleza da pronuncia exige que humas se pronunciem
com som agudo e elevado, outras com som baixo
e grave, e outras com som medio entre o agudo e
o grave. Com esta variedade de sons se destinguem as
palavras, e se evita a monotonia hum dos mais consideraveis
defeitos que ha em materia de pronuncia ;
mas entre a elevação e abatimento da vós deve sempre
haver ordem e proporção, e guardar-se na pronuncia
hum som de vós facil, natural, e agradavel.

Nenhuma vogal he perpetuamente aguda, grave ou
media, todas o podem ser conforme a palavra em que
se acharem, mas em cada palavra só huma silaba se
deve distinguir das outras com hum som agudo ou
medio, esta silaba se chama a predominante, e todas
as outras de que se compuzer a palavra, ou precedão
ou se sigão a esta predominente devem-se pronunciar
subordinadas á mesma com som baixo e grave.

A silaba predominante de qualquer palavra nunca
já mais passa para tras da antepenultima, e ou se deve
pronunciar com som agudo como na palavra Capacidade
a silaba , ou com som medio como na palavra
Ventôso a silaba . Sómente o uzo he que pode
ensinar qual he a silaba predominante em cada palavra :
pois que não se pode dar regra certa para a conhecer,
e os Escriptores só costumão indicar as agudas
com acento agudo, e as medias com acento circumflexo,
nas palavras que tendo as mesmas silabas
tem diferente significação, assim como Gósto, e Gôsto,
Amára, Amará
, e outras, que se podem ver na regra
12. da Ortografia.146

Os nossos Gramaticos tem dado regras sómente para
as ultimas silabas por ser certa a terminação das
palavras ; e costumão chamar longas ás silabas agudas
e medias, e breves ás silsbas que se pronuncião em vós
baixa. Da mesma linguagem, aindaque impropria, se
uza tambem nas regras seguintes sobre as ultimas silabas.

Regra 1.ª Das palavras que acabão em vogal.

As palavras acabadas em a, e, o, tem a ultima
breve, assim como Fama, Fome, Livro.

Excepções.

1.ª Da letra a he longa a terminação a em Acolá, Tafetá,
Maná, Alvará, Pará, Oxalá
. tambem he longa
a terminação em a nas palavras monosilabas, assim
como Cá, Lá, Má, Pá, Já, e A' interjeição, e nos
Verbos Vá, Dá, Há. Tirão-se desta regra A, artigo,
e A prepozição quando não fazem som agudo, que
são breves. Tambem he longa a terminação em a na
terceira pessoa do singular do Futuro do Indicativo dos
Verbos, assim como em Amará, Defenderá, Repartirá,
e em Está terceira pessoa do singular do Prezente
do Indicativo do Verbo Estar.

2.ª Das palavras acabadas em e he longa a terminação
em Café, Fricacé, Galé, Polé, Maré, Pontapé.
Nos monosilabos como pé, sé, vê tirando os Pronomes
me, te, se, lhe ; a Propozição de, e a Conjunção
e que são breves.

3.ª Das palavras acabadas em o he longa a terminação
em Rocló, Teiró, Ventó, Filhó, Beilhó, Enxó,
Avó, Avô
, e as palavras monosilabas dó, mó, nó, ó
interjeição. O Artigo o he breve.147

Regra 2.ª Das palavras acabadas em i e u.

As palavras acabadas em i, e u tem a ultima longa,
assim como Ali, Aqui, Nú, Crú.

Das acabadas em u tira-se Tribu que he breve.

Regra 3.ª Das palavras acabadas no diptongo ão.

As palavras acabadas em ão tem a ultima longa,
assim como Lição, Tostão, e as terceiras pessoas do
Futuro do Indicativo nos Verbos, assim como Amarão,
Defenderão, Repartirão
.

Excepções.

He breve a terminação ão nos nomes Benção, Sotão,
Frangão, Orgão, Rabão
 ; e em todas as vozes dos
Verbos em ão á excepção das do Futuro, assim como
Amão, Amavão, Amarão, Defendão, Defendião, Defenderão,
Repartão, Repartião, Repartirão, tirando Dão,
Estão
que são longas.

Regra 4.ª Das palavras acabadas em al, el, il, ol, ul.

As palavras acabadas em al, el, il, ol, ul tem a ultima
longa, assim como Portugal, Painel, Abril, Anzol,
Baul
.

Excepções.

Das acabadas em al tirão-se Tentugal e Setuval,
que são breves. Das acabadas em el exceptuão-se os
Adjetivos acabados em vel, assim como Admiravel,
Infalivel, Possivel
, que são breves. Dos acabados em
il, he breve o il, final em Facil, Docil, Fertil. Das
acabadas em ul tirão-se Consul, e o seu composto Proconsul
que tem a terminação breve.148

Regra 5.ª Das palavras acabadas em em.

As palavras acabadas em em tem a ultima breve,
assim como Imagem, Ordem, e nos Verbos Amem,
Defenderem, Repartirem
.

Excepções.

He longa a terminação em em Desdem, Bem, Vintem ;
e no Verbo Vem, e seus compostos Convem, Desconvem,
e no Verbo Tem, e seus compostos Retem,
Detem, Mantem, Contem
.

Regra 1ª Das palavras acabadas em am, im, om, um.

As Apalavras acabadas em am, im, om, um tem a
ultima longa, assim como Irmam, Malsim, Som, Jejum.

Regra 7.ª Das palavras acabadas em r.

As palavras acabadas em ar, er, ir, or, ur tem
a ultima longa, assim como os nomes Altar, Prazer,
Vizir, Ardor, Algessur
 ; e os Verbos Amar, Defender,
Repartir, Pôr
.

Excepções.

Dos nomes em ar he este breve em Açucar, Nectar,
Aljofar, Ambar
 ; e dos acabados em ir, he este breve
em Martir.149

Regra 8.ª Das palavras acabadas em s ou z.

As palavras acabadas em s, ou z, sendo nomes
do plural tem a qualidade do singular ; e sendo nomes
do singular, como Thomas, e outras quaesquer
vozes indeclinaveis, assim como Mais são longas ; e
todas as vozes dos Verbos seguem a regra da primeira
pessoa do tempo em que estiverem.

As palavras acabadas em as, es, is, os, us, ou
em az, ez, iz, oz, uz, tem a ultima longa, assim
como Atanás, Convês, Vernís, Arrôs, Capús.

Excepções.

São breves nos nomes Patronimicos Domningues,
Gonçalves, Fernandes
 ; em Ourives ; em Calis, Lapis,
em Parentezis e Perifrazis.

He tambem breve a terminação em eis na segunda
pessoa do plural do 1.° e 3.° Passado do Indicativo ;
do Prezente do Condicional, e do 1.° Passado do Conjuntivo,
assim como Defendieis, Defendereis, Defenderieis,
e Defendesseis.

Capitulo II.
Das Figuras da Dição.

§. 1. Que coiza seja Figura, e sua divisão.

As palavras não conservão sempre a fórma material
que o uzo lhe tem assinado primitivamente ; muitas
fazem mudanças, ou nas partes elementares ou
nas integrantes que as compõe, ou se lhe acrescentão
letras, sem que estas licenças aprovadas pelo uzo lhe
150alterem a significação. As diversas mudanças que se
fazem á fórma material das palavras chamão-se Figuras
da dição. As Figuras que tem uzo na Lingua
Portugueza são as seguintes : Sinalefa, Afereze, Syncope,
Apocope, Antitheze, Protheze
. De todas trataremos
por sua ordem.

§. 27. Da Sinalefa.

Sinalefa he huma figura de que uzamos, quando
no fim de huma palavra se suprime a vogal final, por
se lhe seguir outra palavra que tambem começa por
vogal.

Uza-se na Prepozição de quando se lhe seguem os
artigos o, os, a, as, pois perde a vogal e, e se ajunta
com a vogal do Artigo seguinte, pronunciando ambas
as palavras, como se fossem huma só, pois dizemos :
do, dos, da, das, em lugar de de-o, de-os, de-a,
de-as
, como já dissemos.

Da mesma sorte a Prepozição de perde a vogal e, e
se ajunta com a primeira vogal dos pronomes Ele, Este,
Esse, Aquele, Isto, Aquilo
, quando se lhes antepõe,
porque dizemos Dele, Deste, Desse, Daquele, Disto,
Disso, Daquilo
, em lugar de De-ele, De-este, de-esse,
De aquele
, &c. A mesma Prepozição perde tambem a
vogal e antes de alguns adverbios que começão por vogal ;
porque dizemos : Dantes, Daqui, Dali, em lugar
de De-antes, De-aqui, De-ali.

Uza-se a figura Sinalefa nos Pronomes me, te, lhe,
quando se lhes seguem os artigos o, os, a, as ; porque
então perdem a vogal final e, e se ajuntão com
a vogal da palavra seguinte, pronunciando-se ambas
como se fossem huma só ; porque dizemos : Mo, Mos,
Ma, Mas, To, Tos, Ta, Tas, Lho, Lhos, Lha, Lhas
,
em lugar de Me-o, Me-os, Me-a, Me-as, Te-o, Te-os,
Te-a, Te-as, Lhe-o, Lhe-as
, como por
exemplo quando dizemos : Entregarão-mo, Derão-ta,
151Affirmarão-lho
, em lugar de Entregárão-me-o, Derão-te-a,
Affirmárão-lhe-o
.

Os Poetas uzão da figura Sinalefa na medição das
silabas do verso por diferente modo ; porque escrevem
e pronuncião a vogal final da palavra, e só na medição
do verso a absorvem na vogal do principio da palavra
que se segue, como se vê, no seguinte verso do
nosso Poeta André Nunes da Silva.

Pelo estudo se adquire immortal fama.

Onde se fazem tres sinalefas absorvendo-se a vogal
o do fim da palavra Pelo na vogal e do principio da
palavra Estudo ; a vogal e do fim da palavra se na vogal
a do principio da palavra Adquire, a vogal e do fim
da palavra Adquire na vogal i da palavra Immortal. O
que tudo claramente se mostra, escrevendo-se o sobredito
verso sem as ditas vogaes, e pondo-se no lugar
destas o sinal de apostrofe.

Pel'estudo d'adquir'immortal fama.

§. 3. Da Figura Afereze.

Afereze he huma figura pela qual no principio da
palavra se tira alguma letra.

Uza-se na Prepozição em quando se antepõe os artigos
o, os, a, as, porque então perde a vogal do principio
e e muda o m em n pela figura Antitheze, de que
se trata adiante, e se ajunta com o artigo, escrevendo-se,
e pronunciando-se ambas as palavras, como se
fossem huma só : porque dizemos : No, Nos, Na,
Nas
, em lugar de Em-o, Em-os, Em-a, Em-as, como
já se disse.

Da mesma sorte a Prepozição em perde a vogal
inicial e, e muda o m em n, quando se antepõe aos
Pronomes Ele, Este, Esse, Aquele, Isto, Isso, Aquilo :
152porque dizemos Nele, Neste, Nesse, naquele, Nisto,
Nisso, Naquilo
, em lugar de Em-ele, Em-este, Em-esse,
Em-aquele
, &c.

§. 4. Da Figura Sincope.

Sincope he huma figura pela qual se tira huma ou
mais letras do meio das palavras.

Uza-se quando dizemos mór em lugar de maior,
pois se contrahe esta palavra, tirando-se-lhe do meio
as letras a, i. A palavra Santo tambem se contrahe dizendo-se
São, quando se antepõe aos nomes proprios
de homem, que principião por letra consoante, tirando
o nome Thomás ; porque dizemos por exemplo :
São Domingos, São Francisco, em lugar de Santo Francisco,
de Santo Domingos. Fas-se a dita contração tirando-se-lhe
a ultima silaba to e convertendo an no
diptongo ão.

A palavra Grande tambem se contrahe, dizendo-se
Grão Cairo, Grão Mestre, Grão Prior, Grão Turco,
Grão Vizir, Grão Duque da Toscana
. Fas-se a dita contração
na palavra Grande suprimindo-se-lhe a ultima
silaba de, e mudando-se an em ão pela figura Antitheze.

Uza-se da figura Sincope em todas as pessoas assim
do singular como do plural do Passado Indefinido do
Indicativo do Verbo Haver, quando se propõe a vos
infinita do Prezente de qualquer Verbo dividindo-se
pela figura Tmezis alguma das seguintes palavras : Me,
Te, Se, Lhe, Nós, Vós, Lhes, O, Os, A, As
 ; porque
dizemos por exemplo : Amalo-hia, Amalo-hias, Amar-te-hião
em lugar de Ama-lo-ha-via, Ama-lo-havias, Amar-te-havião.
Tambem ha contração na primeira e
segunda pessoa do plurar do Prezente do Indicativo do
sobredito Verbo no futuro composto de qualquer Verbo,
quando dizemos por exemplo Nós hemos de amar,
153Vós heis de amar
, em lugar de Nós havemos de amar,
Vós haveis de amar
. E tambem quando entremediando
algum pronome na fórma sobredita dizemos por exemplo :
Amar-nos hemos, Amar-me-heis, em lugar de Amar-nos-havemos,
Amar- me-haveis
.

As vozes infinitas Dizer, Fazer, se contrahem no
futuro composto do Indicativo dos Verbos Dizer, Fazer,
quando se lhes pospõe as vozes do Verbo auxiliar
Haver, dividindo-os pela figura Tmezis algumas das
seguintes palavras : Me, Te, Se, Lhe, Nós, Vós, Lhes.
O, Os, A, As ; porque dizemos por exemplo : Dir-te-hei,
Dir-me-has, Dir-vos-há, Fa-lo-hemos, Far-lhe-heis,
Far-se-hão
em lugar de Dizer-te-hei, Dizer-me-has,
Dizer-vos-ha, Faze-lo-hemos, Fazer-lhe-heis, Fazer-se-hão
.

A figura Tmezis he quando huma palavra se divide
em duas metendo-se outra de permeio, como nas
sobreditas.

§. Da Figura Apocope.

Apocope he huma figura pela qual se tira huma ou
mais letras no fim de huma palavra.

Uza-se da figura Apocope quando concorrem juntos
dois ou mais Adverbios acabados em mente ; porque
então nos antecedentes ao ultimo se tirão as silabas
mente, pela razão de ser a sua repetição extensa e desagradavel,
como por exemplo quando dizemos : Pedro
orou breve, Sabia e elegantemente
, onde aos Adverbios
Brevemente, Sabiamente, se tirão as silabas mente,
pois vale o mesmo que dizer : Pedro orou brevemente,
sabiamente, e elegantemente
.

§. 6. Da Figura Antitheze.

Antitheze he huma figura pela qual se põe huma
letra por outra.154

Uza-se desta figura nas vozes dos Verbos acabados
em s, ou r, porque mudão estas letras em l seguindo-se-lhes
alguma das seguintes palavras o, os, a, as, como
por exemplo quando dizemos : Nós defendemo-lo :
He-nos conveniente defende-los, onde a vós verbal Defendemos
muda o s final em l, por se lhe seguir a palavra
o, pois vale o mesmo que dizer : Defendemos-o. Da
mesma sorte a vós Defender muda o r em l, por se lhe
seguir a palavra as, pois vale o mesmo que dizer : Defender-as.

§. 7. Da Figura Protheze.

Protheze he huma figura pela qual no principio da
palavra se acrescenta alguma letra.

Uza-se desta figura nas palavras o, a, porque se
lhes acrescenta no principio hum n, quando se seguem
ás vozes dos Verbos acabados em ão, ou em ; porque
quando dizemos por exemplo Disserão-no, Dissessem-no
acrescentamos á palavra o hum n, e vale o mesmo
que dizer : Disserão-o, Dissessem-o. A razão do uzo
desta figura, e de todas as sobreditas he a Eufonia,
isto he, a maior suavidade na pronunciação das palavras.

Artigo quarto.
Da Sintaxe.

Capitulo preliminar.

Depois de conhecer todas as especies de palavras
que servem de exprimir as nossas idéas, os nossos pensamentos
155e os nossos discursos, *16 deve saber-se o arranjamento
e ordem que elas devem ter na mesma expressão.
Isto he o que ensina a Sintaxe, porque Sintaxe
he huma palavra Grega, a qual significa o mesmo
que a Portugueza Compozição.

A união que em nosso espirito fazemos de certas
idéas que entre si tem alguma relação chama-se juizo
ou pensamento ; e a união de certas palavras que exprimem
hum juizo, ou hum pensamento chama-se
Propozição. O juizo he hum acto simples do espirito :
Propozição he a expressão deste mesmo acto por meio
das palavras. **17

Hum Juizo compõe-se de tres partes essenciaes, a
saber : de hum Sujeito de quem se affirme ou negue alguma
coiza ; de hum Atributo que qualifique o sujeito ;
hum nexo que os une. A Propozição consta tambem
de tres partes essenciaes correspondentes as que constituem
hum Juizo ou Pensamento, a saber : de hum
Nome e o seu artigo algumas vezes, que exprimem o
Sujeito do qual se affirma ou nega alguma coiza ; de
hum Adjetivo que exprime a qualidade que se atribue
ao Sujeito, e de hum Verbo que he o nexo que serve
de unir e ligar o atributo ao Sujeito.156

Exemplo.

Quando dizemos : Deos he justo temos huma Propozição
na qual Deos he o Sujeito do qual affirmamos
ser justo. Justo he a qualidade que se attribue a Deos,
e por tanto Justo he o atributo nesta Propozição. O
Verbo He he o nexo que une e liga o attributo ao sujeito.

O Nome o Verbo e o Adjetivo são pois as tres especies
de palavras que constituem a baze da Propozição,
e todos tres não fórmão mais do que hum todo, de
sorte que muitas vezes se exprimem por huma só palavra,
como por exemplo a palavra Ama corresponde
a estes tres Ele he amante.

Para estabelecer a ordem conveniente entre as palavras,
que reunidas formão a expressão de hum pensamento,
he necessario saber a fórma, que exige cada
palavra para se ligar com as outras que a acompanhão,
e o lugar que deve ocupar na expressão segundo o uzo
da Lingua que se fala ou escreve. E para tudo isto dá
a Sintaxe as regras competentes.

As regras da Sintaxe que ensinão a unir as palavras
que essencialmente concorrem á expressão de hum
pensamento, chamão-se regras de Concordancia ; as que
ensinão a unir a cada huma destas palavras essenciaes,
outras que servem de as determinar e esclarecer, chamão-se
regras de Dependencia ; as regras que ensinão o
lugar que cada palavra deve ocupar na expressão, chamão-se
regras de Construção, porque por meio delas se
constróe, edifica, e ordena o edificio da Expressão.

Muitas vezes a necessidade de dar á expressão energia,
ornato, e tambem clareza dá ocazião de derogar
em parte as regras da Sintaxe, e estas expressões irregulares
que o uzo autoriza chamão se Figuras da Syntaxe.
As Propozições são de diferentes especies segundo
a materia e fórma da sua compozição, e da união de
157muitas Propozições se compõe o discurso. Estes são os
objetos que abrange a Sintaxe, e a materia dos seguintes
Capitulos.

Capitulo I.
Da Concordancia.

§. 1. Que coiza seja Concordancia.

Os Gramaticos chamão Concordancia á uniformidade
dos acidentes, que são cõmuns a muitas palavras.

As palavras se dividem em duas classes geraes caracterizadas
por diferenças puramente materiaes. A primeira
classe comprehende todas as especies de palavras
declinaveis, isto he, os Nomes, os Adjetivos,
os Pronomes, os Participios, e os Verbos que recebem
em suas terminações mudanças que dezignão
idéas acessorias de relação juntas a idéa principal da
sua significação.

A segunda classe encerra as especies de palavras
indeclinaveis, isto he, os Adverbios, as Prepozições,
as Conjunções, e as Interjeições que guardão no discurso
sempre a mesma fórma ; porque exprimem constantemente
huma só e á mesma idea principal.

Entre as inflexões acidentaes das palavras da primeira
classe, humas são cõmuns a todas as especies
comprehendidas na mesma classe, e outras são proprias
a alguma destas especies. As inflexões cõmuns a todas
as palavras da primeira classe são os numeros do
singular e plural ; os Nomes, Pronomes, Participios,
e Adjetivos alem das inflexões proprias dos numeros
tem a dos generos, e a dos cazos nas Linguas que os
admitem. As fórmas, os tempos, e os modos são inflexões
158proprias do Verbo. entre as inflexões cõmuns
ás palavras que n'uma expressão tem entre si alguma
relação, he que ha, e que deve haver concordancia em
todas as Linguas que admitem estas inflexões.

Mas para estabelecer esta concordancia he precizo
primeiro determinar a inflexão de huma das palavras
da Propozição ; e são as necessidades reaes da expressão
que regulão esta primeira determinação conforme
os uzos de cada Lingua : as outras palavras são subordinadas
a esta, que he como a dominante da Propozição,
e se vestem das inflexões correspondentes áquela
que lhes serve como de original. Ordinariamente hum
Nome ou hum Pronome he a palavra que determina a
concordancia das palavras de huma Propozição : os Adjetivos
e os Verbos são as palavras subordinadas e que
se devem concordar. A concordancia das suas inflexões
com as do Nome ou do Pronome, he como huma
libré que atesta a sua dependencia. Esta dependencia
he fundada sobre huma relação, a que os Gramaticos
chamão relação de identidade.

O Nome o Adjetivo e o Verbo são especies de palavras
que constituem a baze da Propozição : o Nome
he a palavra que determina a concordancia das outras ;
e não ha mais do que duas sortes de concordancia : a
primeira he a concordancia do Adjetivo com o Nome,
e na Lingua Portugueza e em outras em que os Nomes
não tem cazos, esta primeira concordancia não se extende
a mais do que aos numeros e generos : naquelas
em que os Nomes tem cazos tambem esta concordancia
se extende aos cazos. A segunda concordancia he
a do Verbo com o Nome e com o Pronome, e não tem
relação se não aos numeros. Tudo isto se comprehenderá
melhor por meio das regras seguintes, e seus
exemplos.159

§. 2. Regras da concordancia do Adjetivo com
o Nome, ou Pronome.

Regra 1.ª Todo o Adjetivo deve concordar em numero
e genero com o Nome, ou Pronome a que se
ajunta.

Exemplos.

Masculinos. | Femininos.
Palacio formozo. | Cidade antiga.
Palacios formózos. | Cidades antigas.
Elle he manso. | Ela he mansa.
Elles são mansos. | Elas são mansas.

Nestes exemplos vemos o Adjetivo Formozo no singular
e masculino concordado com Palacio, Nome masculino
e tambem no singular, e não poderiamos dizer
Palacio formozos, nem Palacios formozo alterando o numero ;
nem tambem Palacio formoza alterando o genero.
Assim mesmo vemos o Adjetivo Antiga concordando
com o Nome Cidade feminino e no singular ;
e Antigas concordando com Cidades no plural e no genero
feminino. O mesmo se observa nos Adjetivos
Manso Mansa concordando com os Pronomes que lhes
correspondem em numero e genero.

Esta regra não muda, ainda que o Verbo he esteja
entre o Nome, ou Pronome e o Adjetivo ; pois que
o Verbo não serve de mais doque firmar esta união,
como se vê dizendo : Esta Cidade he antiga : Este Palacio
he formozo
, e assim nos outros exemplos.

O mesmo se observa a respeito dos Verbos que nada
alterão esta união, taes como os Verbos Nascer,
Crescer
, &c. e assim dizemos no mesmo numero e genero :
Esta flor nasceo branca, e cresceo torta ou direita.

Regra 2.ª Todo o Adjetivo que deve concordar com
muitos Nomes que o precedem, ainda que cada hum
160deles esteja no singular, põr-se o Adjetivo no plural ;
porque muitos nomes no singular, se todos concordão
com hum Adjetivo, valem por hum nome no
plural, e se o Adjetivo se pozesse no singular não
concordaria mais do que com hum dos nomes que o
precede.

Exemplo.

O Carvalho, | o Cedro, | e o Alamo são altos.

Neste exemplo se vê que o Adjetivo Altos está no
plural, e concorda com os tres nomes de Carvalho,
Cedro
, e Alamo, que estando cada hum no singular,
todos juntos fazem hum plural.

Regra 3.ª Muitas vezes o nome a que se refere
hum Adjetivo não está expresso ; mas o Adjetivo o
fás suficientemente conhecer pelo seu genero. E assim
quando dizemos : os ricos, os grandes subentendemos
sempre o nome homens.

Advertencias.

1.ª Temos huns Adjetivos que são : Isto, Isso,
Aquilo, Tudo, Ninguem, Outrem, Quem
a que na propozição
se não pode ajuntar nome expresso, com quem
concordem, porque não podemos dizer por exemplo.
Isto negocio, Isso sucesso, &c. Do que se colige serem
idiotismos da Lingua Portugueza, que o uzo introduzio
por brevidade do falar, pois Isto vale o mesmo
que dizer esta coiza ; isso, essa coiza ; aquilo, aquela
coiza
 ; pelo que podemos dizer, que os ditos Adjetivos,
quando deles uzamos na propozição, só concordão
com os nomes que temos na mente.

2.ª Alguns Gramaticos dizem que concorrendo dois
ou mais nomes de diverso genero, deve o Adjetivo
concordar no plural em genero com o nome masculino,
por ser o genero masculino mais nobre que o feminino,
161como v. g. neste exemplo : João e Maria são
dotados de virtude ; em que dizem que o Adjetivo dotados
concorda em genero com o nome João masculino
por ser mais nobre que o nome Maria feminino ;
porém falão assim por não reflectirem que nestas e semilhantes
propozições faltaõ palavras que se subentendem,
pois a sobredita propozição quer dizer : João e
Maria
estes dois sujeitos são dotados de virtude ; onde
claramente se vê que o Adjetivo dotados só concorda
em genero e numero com o nome sujeitos que se não
exprime. Estas advertencias são do nosso Douto Lobato
na sua Sintaxe
.

§. 3. Concordancia do Verbo com o Nome ou Pronome.

O Sujeito da Propozição pode ter tres relações geraes
na expressão ; porque ou ele mesmo pronuncia a
Propozição de que he sujeito, e chama-se então primeira
pessoa ; ou a expressão lhe he dirigida por outrem,
e então chamão-se segunda pessoa ; ou ele he
simplesmente sujeito sem pronunciar a Propozição, e
sem que ela seja dirigida, e então chama-se terceira
pessoa. Os Gramaticos dão a estas tres relações geraes
o nome de pessoas, porque com effeito são outros tantos
acidentes de que os sujeitos se revestem segundo a
sua ocurrencia na expressão. Os Verbos tem tambem
tres fórmas em cada numero com diferentes terminações
correspondentes ás tres relações que o sujeito pode
ter na Propozição ; e assim como os Adjetivos devem
concordar em genero e numero com os nomes
que exprimem os sujeitos da Propozição, tambem os
Verbos devem concordar com os mesmos nomes em
fórma correspondente á pessoa que eles figurão na expressão.
As regras seguintes com os seus exemplos farão
mais sensivel esta doutrina.162

Regra 1.ª Todo o Verbo que he precedido de hum
nome ao qual se refer, deve concordar com ele em
numero, *18 e fórma correspondente á pessoa.

Exemplos.

Os livros são mais uteis aos homens.
A sciencia he necessaria aos homens.

Nestes exemplos vê-se o Verbo são concordando
com livros no plural ; e he concordando com sciencia
no singular, e ambos na terceira fórma que he a que
corresponde a livros e sciencia.

Regra 2.ª Da mesma fórma, e pela mesma razão
que hum Adjetivo se põe no plural, quando muitos
nomes com que ele concorda estão no singular, assim
tambem o Verbo se põe no plural quando concorda
com muitos nomes no singular.

Exemplo.

A Fê, a Esperança, e a Caridade são virtudes Theologaes ;
onde se vê o Verbo são que está no plural, e
concorda com os tres nomes de Fé, Esperança, e Caridade
que estando cada hum no singular, todos juntos
fazem hum plural.

Regra 3.ª Se o Verbo se refere a hum pronome em
lugar de se referir a hum nome, deverá por-se na
primeira pessoa que dezigna o pronome.163

Exemplos.

Eu escrevo esta Gramatica.
Tu lerás este Livro.

Regra 4.ª Se hum Verbo se acha na terceira pessoa
sem nome e sem pronome, como sucede muitas vezes,
concorda-se o Verbo com hum pronome subentendido.

Exemplo.

Matou a seus inimigos, e destruio suas Cidades.
Matou e destruio valem por duas partes da propozição
pelo Verbo e pelo pronome da terceira pessoa ele, o
qual se suprimio porque as fórmas dos Verbos se conhecem
ser da terceira pessoa pela sua mesma terminação.

Regra 5.ª Se o Verbo he precedido dos pronomes
de muitas pessoas diferentes, concorda-se com o pronome
da primeira pessoa ; e não a havendo com o da
segunda.

Exemplos.

Eu e tu estamos servidos.
Tu e eles estais livres.

Capitulo II.
Da Dependencia.

§. 1. Da Dependencia em geral.

Como muitas vezes sucede não podermos exprimir
exactamente huma idéa com huma só palavra, temos
164necessidade de recorrer a outras cuja união exprima
com toda a possivel exactidão a idéa que pertendemos,
e estas palavras que concorrem á expressão
de huma idéa suprem a falta que ha na lingua de huma
palavra equivalente ás que se ajuntão ; como por exemplo
se não tivessemos a palavra Pedreiro, quando quizessemos
exprimir hum tal official haviamos de dizer :
Hum homem que fás obras de pedra. E não só a falta de
palavras na lingua, mas tambem a necessidade de variar
a expressão obriga a este recurso : pois por exemplo
nesta propozição A beneficencia he huma qualidade
que distingue huma alma grande
, podemos variar o
sujeito dizendo Gostar de fazer bem, palavras que exprimem
o mesmo que a palavra beneficencia.

Estas palavras que se ajuntão a outras ou he para
lhe augmentar e desenvolver a significação, ou para
lha restringir e modificar, e devem ser tantas, quantas
são as questões que huma palavra no seu modo de
significar dá lugar a fazer. Por exemplo : Quando dizemos :
O Rei deu, ha lugar de perguntar o que deu, se dizemos :
huma pensão determinamos a coiza dada ; mas
como pensão, he hum nome apelativo ou de especie
ainda se póde perguntar de quanto era a pensão ? Se dizemos
de cem moedas está determinadas a especie ; porém
ainda se pode perguntar a quem se deu esta pensão ?
em que tempo se deo, e em que lugar : e devemos
satisfazer a estas perguntas. E tudo isto se fás
precizo para desenvolver a palavra deu : a esta semilhança
se pode julgar das outras.

Huma palavra, por tanto deve ser seguida de huma
ou de muitas outras palavras determinantes, todas
as vezes que por si mesma não fás mais do que huma
parte da expressão ; e aindaque as partes essenciaes
da propozição são o Nome que exprime o sujeito, o
Adjetivo que o qualifica, e o Verbo que os une, com
tudo he muitas vezes necessario ajuntar a cada huma
165destas tres hum grande numero de outras para modificar
e determinar estas, e para fórmar com esta união
a perfeita expressão das nossas idéas.

Estas palavras porém, que se ajuntão as que são
essenciaes, e que compõe o fundo da propozição, são
de tal sorte subordinadas e dependentes daquelas a que
se referem, que com elas constituem hum só corpo,
servindo tão sómente de as ampliar e esclarecer ; e de
nenhuma sorte de exprimir novos objetos que alterem
a unidade e a harmonia da propozição.

Ha tres sortes de Dependencias : ha palavras dependentes
do Nome ; palavras dependentes do Verbo ; e palavras
dependentes do Adjetivo.

Para distinguir estas duas sortes de palavras, e para
não confundir as que são principaes na propozição
com aquelas que comente são acessorias, ha na Lingua
Portugueza dois sinaes proprios para fazer conhecer a
figura que elas fazem na expressão. 1.ª He o lugar
que elas ocupão. 2.° São as palavras a que se unem, e
pelas quaes se ligão com as outras. No Latim e Grego
ha tambem a mudança da terminação que algumas
palavras experimentão.

O Sujeito e Objeto da propozição se distinguem
na Lingua Portugueza, em que o Sujeito está cõmumente
antes do Verbo, ao mesmo tempo que o objeto
está depois. E a respeito dos Pronomes tambem uzamos
da diferença da terminação, pois dizemos : Eu
em lugar da primeira pessoa considerada como sujeito
da propozição ; e uzamos de Me e Mim em lugar
desta mesma pessoa considerada como Objeto.

A respeito do segundo meio que consiste em fazer
conhecer por palavras destinadas a este fim o valor
daquelas que se ajuntão ás que são essenciaes da propozição,
he cõmum a todos os povos e a todas as linguas,
pois nenhuma ha que não ligue estas palavras
por meio das prepozições. As prepozições tem as mesmas
166ventagens que as terminações, e lhes são muito
superiores por sua variedade, pela extensão do seu
prestimo, e pela graça e energia que cauzão na expressão.
Elas unem as palavras do modo mais interessante,
fazendo-nos vêr as relações que elas tem
humas com outras, e que tal palavra corresponde e
depende de tal outra, com a qual ninguem pensaria
comparal-a, e entre as quaes sem ela se não perceberia
alguma relação.

§. 2. Palavras em dependencia do Nome ou do Sujeito.

As palavras que companhão o Sujeito, ou hum
Nome, que o podem determinar, e que por tanto
podem estar em dependencia dele, são aquelas que
desenvolvem a natureza do mesmo Nome, que fazem
conhecer a sua origem, e que induzio as coizas a que
pertence o objeto dezignado pelo mesmo nome. Estas
se ligarão com o sujeito da propozição, ou por hum
Adjetivo, ou pelo Conjuntivo Que, ou pela prepozição
De.

Exemplo do Adjetivo

Scipião valerozo guerreiro venceo Cartago.

Estas palavras valerozo guerreiro, são hum acessorio
que depende do sujeito da propozição que he Scipião,
e dezignão huma sua qualidade particular ; e he
o mesmo que dizer : Scipião que foi hum valerozo guerreiro.

Exemplo da Conjunção Que

As Poezias que compôs Homero para instrução dos
homens, tem permanecido com gloria em todos os tempos
.
As palavras que compôs Homero &c. referem-se a Poezias
pela Conjunção que, e Poezias he o sujeito da
propozição.167

Exemplo da Prepozição De

A Cidade de Lisboa he a nossa Capital. As palavras
de Lisboa referem-se e determinão o sujeito desta propozição
que he o nome Cidade.

§. 3. Palavras em dependencia do Verbo.

O Verbo de qualquer natureza que seja neutro ou
enunciativo, activo ou passivo tem em sua dependencia
todas as palavras que dezignão as circunstancias de
que he acompanhada a propozição, de qualquer natureza
que elas sejão. Estas circunstancias são o objeto, o
fim, o lugar, o tempo, a cauza, o meio, e o estado,
ou modo de existir ; e ha poucos discursos que não
offereção a maior parte destas circunstancias. Vêm-se
muitas na Oração que Racine fes pronunciar por Agamenon
quando este foi obrigado a sacrificar sua filha.

“Grandes Deoses, se o vosso odio persevera em
a querer arrancar de minhas mãos, que podem diante
de Vós os fracos humanos. Eu o sei : mas Grandes
Deozes, huma tal victima vale bem, que confirmando
vossas rigorozas Leis, Vós ma peçais huma
segunda vês.”

Iphigen. Act. Iv. Sc. Ix.

Aqui arrancar dezigna o objeto do Verbo querer ;
em a querer he o fim deste odio que perservera ; de
minhas mãos
he huma circunstancia de lugar ; diante de
vós
he huma circunstancia de tempo ; longe de a socorrer
he huma circunstancia de meio ; a em a oprime he
o objeto desta opressão ; o em eu o sei he tambem o
objeto do Verbo Saber ; Bem he o modo de existir e
a qualificação do Verbo Valer ; vossas rigurozas leis,
são o objeto do Verbo confirmado ; assim como a he o
objeto do Verbo peçais ; me he termo deste mesmo
168Verbo ; huma segunda vês, he huma circunstancia de
tempo.

Eisaqui pois palavras de toda a espece em dependencia
do Verbo.

§. 4. Palavras em dependencia do Adjetivo.

O Adjetivo trás igualmente atrás de si as palavras
que o determinão, e estas tambem dezignão circunstancias
acessorias.

As palavras que determinão o Adjetivo são 1.° os
Adverbios de comparação.

Exemplos.

Não ha temor mais justo que o vosso.
Governa com bem equidade.

2.° As circunstancias ligadas com o Adjetivo por
prepozições, como por exemplo : Rico em meios ; Grande
sem ostentação.

Mas sucede muitas vezes que o Adjetivo desaparece,
e fica substituido por palavras que o devião determinar ;
e daqui rezultão propozições que parecem contrarias
a toda a Gramatica, e cuja explicação he sempre
embaraçada. Taes são as seguintes.

Alexandre era Rei de Macedonia.
Priamo foi o pai de Heitor.
Lisboa he a Capital de Portugal.

Nestas propozições vê-se hum sujeito em cada huma :
Alexandre na primeira ; Priamo na segunda ; e
Lisboa na terceira ; vê-se hum Verbo era na primeira,
foi na segunda, e he na terceira ; e em nenhuma delas
se vê Adjetivo, mas em seu lugar hum nome ; Rei na
primeira, Pai na segunda, e Capital na terceira ; e cada
hum destes nomes substitue e determina o verdadeiro
169Adjetivo, que se deve entender revestido, ou outro
semilhante ; e deveria dizer-se : Alexandre era revestido
da qualidade de Rei de Macedonia
. Da mesma sorte nas
outras propozições. Suprime-se o Adjetivo nestas e
outras semilhantes propozições, porque ele nelas nada
ajunta á clareza e energia da expressão, e por tanto
he inutil exprimi-los. Desta sorte as palavras que estavão
em dependencia tomão o lugar daquelas de que
dependião, e fazem as suas funções sem deixarem de
ser nomes.

§. 5.° Duas classes de palavras em dependencia.

Ha duas classes de palavras em dependencia ; huma
he a daquelas que são sós, e outras daquelas que tambem
são seguidas de palavras com que formão huma
propozição particular composta de hum Nome, de hum
Verbo, e de hum Adjetivo, assim como a propozição
principal. Daqui rezultão duas sortes de complementos
de huma propozição : hum simples que não consta
de mais do que huma palavra ; e outro composto que
abraça hum grande numero de outras.

O Complemento simples segue duas leis diferentes
relativamente á palavra porque começa, e áquelas
que a esta se seguem. A respeito destas ultimas segue
as mesmas regras da propozição principal, e que não
está em dependencia ; mas a respeito da palavra porque
começa, segue as regras das palavras em dependencia.
Por esta razão he que a primeira palavra se chama
complemento Gramatical, porque ele toma todas as
fórmas que exigem as regras da Gramatica, ou Complemento
inicial
quando ela não pode mudar de fórma,
porque consiste, por exemplo, em huma propozição.
As palavras que se seguem ao complemento Gramatical
chamão-se complemento Logico, porque elas concorrem
á complexa expressão da idéa que está em dependencia.
170A reunião do complemento Gramatical, com o complemento
Logico
, fórma o complemento total. Por exemplo
nesta fraze.

Ataca hum inimigo que te seja mais rebelde. As palavras
em dependencia são : hum inimigo que te seja
mais rebelde
que entrão em dependencia do Verbo ataca,
e lhe servem tambem de complemento total ; mas
neste complemento he necessario distinguir a primeira
palavra hum inimigo, palavra que oferece o objeto do
Verbo ataca na dependencia absoluta do Verbo : deve
seguir todas as regras que exige esta dependencia ; e
este he o complemento gramatical. As outras palavras
são hum complemento deste primeiro que elas determinão :
qual inimigo ? Hum que te seja mais rebelde.
Elas concordão com ele, e não dependem da palavra
de que ele mesmo depende ; este he o complemento logico ;
este complemento que fórma huma propozição
dentro de outra propozição.

A Gramatica só tem respeito ás relações reciprocas
que ha entre as palavras de huma propozição ; ao mesmo
tempo que a Logica só atende ao sentido total que
rezulta da união das palavras : de sorte que se pode
dizer que a propozição considerada gramaticalmente
he a propozição da elocução ; e considerada logicamente
he a propozição do entendimento, o qual nela não
distingue mais do que duas partes, e sómente considera
huma como sujeito, e outra como atributo, sem
ter respeito a que hum ou outro se exprima por huma
ou muitas palavras.

Exemplo.

Alexandre que era Rei de Macedonia venceo Dario.
Considerando esta propozição gramaticalmente achão-se
nela duas propozições. Alexandre venceo Dario he
a propozição principal de que Alexandre he o sujeito,
venceo Dario he o atributo. Que era Rei de Macedonia,
171he huma propozição incidente na qual que serve de
sujeito, e era Rei de Macedonia he o atributo. Mas logicamente
estas palavras Alexandre que era Rei de Macedonia
fórmão hum sentido total ; e este sentido total
he o sujeito da propozição.

§. 6.° Partes constitutivas de huma propozição.

Depois de ter mostrado que as propozições são
compostas de diversas partes, huma em concordancia,
e outras em dependencia ; e que as primeiras são tão
essenciaes que elas se encontrão necessariamente em todas,
e não ha alguma que as não suponha, ao mesmo
tempo que a prezença das outras depende da natureza
dos objetos que ha para exprimir ; depois de
ter mostrado tudo isto segue-se determinar o numero
delas, e indicar os nomes que se lhe devem dar relativos
ás suas funções.

As partes constitutivas de huma propozição por
mais extensa que ela seja reduzem-se a sete.

1.ª O Sujeito aquem se refere toda a propozição,
e he dezignado pelos nomes e pelos pronomes.

2.ª O Atributo sempre composto de hum Verbo e
hum Adjetivo expresso, ou incluido no Verbo.

3.ª O Objeto que exprime as coizas que recebem
a impressão das nossas ações, e he dezignado pelos
nomes e pronomes.

4.ª O Termo que reprezenta o fim em que terminão
as nossas ações, ou para o qual se dirige o atributo,
e he tambem dezignado pelos nomes e pronomes.

5.ª A Circunstancia que serve para determinar o
Atributo, para exprimir as qualidades particulares que
ele encerra relativamente a tal, ou tal objeto ; e he
dezignada pelas prepozições, e pelos adverbios.

6.ª A Conjunção que serve para unir dois objetos
que tem relação hum com outro, e he dezignada pela
espece de palavras que tem este nome.172

7.ª A Adjunção que não entra na propozição mais
do que por modo de acompanhar, e que se não liga
com alguma das suas porções, e he dezignada pelas
Interjeições.

Todas estas sete partes se incluem nos seguintes
Versos do nosso Camões..

Eu só com meus vassalos, e com esta
(E dizendo isto arranca meia espada)
Defenderei da força dura, e infesta
A terra nunca d'antes subjugada : &c.

Eu he o sujeito que hade defender ;
A terra &c. he o objeto que se defende ;
Defenderei he o atributo ;
Da força dura &c. he o termo da defensa e o fim em
que ela se termina.

Com meus vassalos &c.
Dizendo isto, &c.
Nunca d'antes subjugada.
são circunstancias ;

E, tres vezes repetido, he a conjunção que une as frazes.

A cada huma destas sete partes constitutivas da
propozição se dá hum nome relativo ás suas funções,
e segundo a sua natureza na fórma seguinte.

O Subjetivo.
O Atributivo.
O Objetivo.
O terminativo.

O Circunstancial.
O Conjuntivo.
O Adjuntivo.

A estas denominações correspondem os nomes dos
cazos Latinos

O Nominativo serve para exprimir o sujeito.
O Acuzativo serve para exprimir o objeto.
O Dativo serve para o Termo.
O Ablativo para a circunstancia.
O Vocativo serve para exprimir o Adjuntivo.

Ao mesmo tempo que o Verbo corresponde ao Atributo,
e a Conjunção ao Conjuntivo.173

Capitulo III.
Da Construção.

§. 1. Que coiza seja Construção, e sua
necessidade.

Depois de ter considerado os materiaes de que nos
servimos para exprimir os nossos pensamentos, segue-se
examinar a ordem que se deve dar a todas estas
partes, a fim de que elas reprezentem hum todo luminozo
e harmonico, onde cada objeto esteja no lugar
que lhe convem, e de que todas as porções de huma
fraze se sustenhão, ajudem, e se esclareção mutuamente.

Esta averiguação he tanto mais essencial quanto a
força e clareza do discurso depende absolutamente do
arranjamento que se dá a estas diversas porções que
o compõe, principalmente no discurso falado, e não
escrito ; porque he necessario que cada palavra sucessiva
se ligue com as que já tem sido pronunciadas,
e com as que se devem seguir, deforma que entrelas
não haja espaço nem mudança de lugar : sem isto
não seria o discurso seguido, e não se lhe poderia
comprehender o fio.

Este arranjamento e ordem que deve haver entre
as partes essenciaes de huma propozição, e entre as
que lhes são subordinadas, he o que os Gramaticos
chamão Construção, porque o seu objeto he de ensinar
a construir, edificar e ordenar o edificio da expressão
dos nossos pensamentos por meio das palavras.

Mas por mais interessante que seja esta porção da
Gramatica, ela tem sido desprezada em extremo, e
até se pode dizer desconhecida até estes ultimos tempos
174em que os Gramaticos Francezes principalmente
Mr. Bozeé, Condiclac e Curt de Gevelem estabelecerão
regras para a Lingua Franceza ; e como a Portugueza
he muito analoga a esta, aqui se transcrevem
as mesmas que entre nós podem ter aplicação e uzo.

Os mesmos Gramaticos considerão o objeto da
Construção diferente do da Sintaxe ; mas ha entre estes
dois objetos huma tão estreita conexão, que mal se
podem separar ; e por isso nesta Gramatica se tratão
ambos debaixo de hum mesmo Artigo.

A construção da Lingua Portugueza he fundada
na mesma natureza dos Nomes e dos Verbos ; destas
duas especies de palavras que servem de exprimir as
duas partes essenciaes da propozição, como são o
Sujeito e o Atributo. Pelo que respeita aos Nomes
como eles em Portugues são despidos de terminações,
e de cazos não tem algum caracter exterior que destinga
o Sujeito do objeto, e he por tanto indispensavel
saber o lugar que a cada hum compete na propozição,
sem o que se correria risco de os confundir,
e desordenar por este modo as idéas.

E pelo que respeita aos Verbos, ha na Lingua Portugueza
necessidade de acompanhar sem cessar com
pronomes as diferentes terminações dos mesmos, para
fazer conhecer as suas relações de pessoas, de numero,
e de genero ; e tambem somos obrigados a acompanhar
com conjunções, e adverbios diferentes fórmas dos
Verbos, para fazer conhecer as suas relações de modo.
Destes principios, ou, para melhor dizer, da
aplicação deles a todos os cazos que deles rezultão, he
que se deduzem as regras de construção da Lingua Portugueza,
cujas regras não são mais do que o uzo considerado
com atenção, e exposto com methodo. Mas
este uzo he fundado sobre motivos que o fazem necessario,
e que o devem justificar : eles devem rezultar
da mesma natureza da linguagem em geral acommodada
175ao genio particular da Lingua Portugueza, isto
he, aos meios de que ela pode dispor para a expressão
das idéas.

§. 2.° Construção das partes essenciaes da propozição.

As partes essenciaes de huma propozição como fica
dito, são o Sujeito, o Verbo, e o Objeto e o Termo.

O Sujeito he a palavra principal, e sobrela he que
rolão todas as relações das outras palavras que compõe
a propozição : he pois natural que nas Linguas em
que as relações só se conhecem pelo lugar, tenha
o Sujeito o primeiro lugar á frente da propozição,
afim de que se perceba á primeira vista, e com a
maior clareza qual he o vinculo e o fim a que se
dirigem todas as relações que se comprehendem n'uma
propozição. Com tudo como as frazes são de diferente
natureza ; porque humas afirmão ou negão alguma
coiza e se chamão narrativas, outras exprimem vontade
que alguma coiza se faça, e se chamão imperativas ;
outras exprimem alguma pergunta que se fás,
e se chamão interrogativas, outras exprimem algum
dezejo e se chamão optativas, segundo estas diferentes
frazes pode o sujeito variar de lugar, como se
mostra nas seguintes regras e seus exemplos.

Regra 1.ª Põe-se o Sujeito antes do Verbo na fraze
narrativa, na imperativa na terceira pessoa, e na interrogativa
quando he enunciado pelas palavras Quem,
Quanto
, ou por hum nome precedido das palavras Que,
ou Qual.176

Exemplos.

Narrativas.

Deos creou o Ceo e a Terra.
Deos não quer a morte do pecador.

Imperat.

Que tudo obedeça ás suas Leis.
Que Pedro seja sabio.

Interrogat.

Quem achará o verdadeiro sistema da Natureza ?
Quanto custou este livro ?
Que razão triunfa do prejuizo ?
Qual livro devo estudar ?

Regra 2.ª Põr-se o sujeito depois do Verbo em todas
as frazes interrogativas á excepção dos cazos mencionados
na primeira regra ; nas frazes optativas, e
naquelas que são postas como membros adjuntivos para
apoiar o que se dis.

Exemplos.

Interrogat.

Não tens tu obrado pessimamente ?
Posso eu fiarme no que dizes ?

Optativa.

Que não possa eu socorrer aos infelizes !
O Ceo, diz ele, me arranque huma innocente vida.

Regra 3.ª Na fraze narrativa póde o sujeito por-se
depois do Verbo, e algumas vezes com mais graça do
que dantes 1.° Quando o Verbo he precedido de huma
circunstancia de tempo ; 2.° Quando o sentido exclue
todo o objeto ; 3.° Quando o objeto he somente enunciado
pelas palavras O, Se, Que, Tal.177

Exemplos.

1.° Então apareceo o vosso amigo.

2.° Rompeo a guerra entre a França c a Austria.

3.° O favoreceo Deos com sua graça.
Hontem se abrio a Universidade.
Eisaqui o que fes hum grande Artista.
Tal pareceo a nossos olhos o esplendor da sua beleza.

Se o sujeito se acha só em huma fraze pouco importa
o lugar que ele nela ocupa, pois que não haverá
dificuldade em os distinguir das outras palavras : poder-se-ha
pôr assim antes como depois do Verbo, porque
he impossivel que ele lhe não sirva de sujeito. E
será melhor pô-lo depois do Verbo, porque este arranjamento
contrastará com o habito que ha de o vêr sempre
primeiro, e será mais agradavel pela variedade e
viveza da expressão sem obstar á sua clareza.

Regras relativas ao lugar que deve ocupar o Verbo.

1.a O Verbo nunca já mais se põe á frente da fraze
senão quando elas são imperativas, interrogativas, e
optativas. He huma consequencia de tudo o que se
acaba de dizer; pois que nestas ocaziões o sujeito se
põe depois do Verbo, he então necessariamente precizo
que o Verbo se ponha primeiro.

Regra 2.a Põe-se tambem o Verbo primeiro quando
o infinito tem lugar de hum nome.

Exemplo.

Ser estimado he o dezejo de todos os homens.

Regra 3.a Igualmente se põe primeiro no discurso
animado.178

Exemplo.

Morreo este homem tão estimavel.

Regras sobre o lugar do objeto e do termo.

Regra 1.a O objeto e o termo põe-se ordinariamente
depois do Sujeito e do Verbo ; porém em algumas
ocaziões os precedem.

Regra 2.a Põe-se o objeto e termo antes do Sujeito,
quando eles são enunciados pelos conjuntivos Que,
Quem, Donde, o qual
.

Exemplos.

O Plano Que vos propondes he impraticavel.
Este he Quem vós pertendeis honrrar.
O qual eles fizerão descorsoar.
Donde eles partirão cedo.

Regra 3.a Põe-se antes do Verbo quando são enunciados
pelos pronomes Me, Te, Se, Lhe, ou por seus
pluraes , ou pelas palavras elípticas lho, lha.

Exemplos.

Huma ves no anno me vem vêr.
Eu
lhe faço o mesmo obzequio.
Ele
se esforça para me obrigar.
Ele
te deo este livro ;
Eu
lho aceitei em teu nome.

Regra 4.a Põe-se depois do Verbo, quando são
enunciados pelo pronomes Mim, Ti, Si, Lhe.179

Exemplos.

He a mim que este discurso se dirige.
He a ti que foi feito este obzequio.
He a si que deo o fatal golpe.
Mereceo-lhe este favor.

Regra 5.ª O mesmo se pratica quando estes pronomes
dezignão circunstancias.

Exemplo.

Ele vos tem prometido e jurado diante de mim.

Regra 6.ª Nas frazes em que ha dois Verbos põr-se
os pronomes depois do Verbo de que eles são o objeto,
ou o termo.

Exemplos.

Não se pode contradizer-vos
Ela não pode consolar-se.

Regra 7.ª Tudo servindo de objetivo, põr-se depois
do Verbo.

Exemplos.

Comeo tudo ; Tem engulido tudo.

Sobre o lugar dos Adverbios, e Conjunções.

He dificil, ou assás inutil o traçar regras relativas
ao lugar que se deve assinar aos Adverbios, porque
estas palavras raras vezes tem hum lugar fixo, e dependem
a este respeito da harmonia e da clareza da
fraze, pondo-se antes ou depois do Verbo, segundo
os seus diversos effeitos a este respeito. Tudo o que se
180pode dizer de constante sobre este objeto, he de que
os Adverbios se põe ordinariamente depois do Verbo
que eles modificão.

Exemplo.

A victima marchará cedo sobre vossos passos.

Principalmente se eles denotão o tempo de hum modo
relativo.

Exemplo.

Nos estamos ainda sós.

As Conjunções devem necessariamente marchar á
frente das frazes que elas ligão.

Exemplo.

Ainda que seja habil, engana-se muitas vezes.

§. 3.° Observações geraes sobre a Construção.

Cada huma da spartes da propozição ocupa constantemente
o mesmo lugar, em quanto indica a mesma
relação ; e este lugar não mudará senão quando ela
enunciar huma relação diferente : porque por esta mudança,
mudão-se as relações, e a fraze não he já a
mesma.

De ordinario he o Sujeito sempre o primeiro nas
frazes narrativas ou exspozitivas, nestas frazes que formão
a porção propria da lingua ; deve seguir-se o Verbo,
e depois o seu objeto e o seu termo. Quanto aos
Pronomes que andão antes do verbo, ainda mesmo
que eles não exprimão os sujeitos, mas sómente os
objetos ou termos das nossas ações, e cuja construção
parece contraria á nossa Lingua e mais conforme
181ao genio da Latina, eles não são com tudo opostos,
primeiramente porque não sendo já mais semilhantes
aos pronomes que dezignão os sujeitos, pouco importa
o lugar que eles ocupão, pois que se não poderão
já mais confundir com o Sujeito. Em segundo lugar
eles entrão nos principios da Lingua Portugueza pois
que a fórma que eles tem convem essencialmente ao
seu lugar ; e que quando se lhes fás mudar pondo-os
depois do Verbo, eles mudão tambem logo a fórma ;
desorte que a sua significação, e as suas relações convem
sempre ao lugar que ocupão.

As palavras Que, Quem, Donde, O qual &c. são a
reunião da conjunção com as palavras que exprimem
hum objeto, ou hum termo, he necessariamente precizo
que este objeto, e este termo apareção antes do
Sujeito, e antes do Verbo, pois que a conjunção anda
á frente da fraze que ela une, e deve ir acompanhada
das suas dependencias necessarias. As circunstancias
pôr-se-hão aqui, ou ali segundo a relação mais, ou menos
directa, que elas tiverem com os diversos membros.

Quando a fraze mudar de natureza, e que vier a
ser imperativa, interrogativa, ou optativa não haverá
mais do que mudar o local destas diversas palavras, e
tudo ficará mudado ; haverá inteiramente outras frazes,
frazes imperativas, interrogativas, e optativas,
e frazes incizas noutras porque são suas dependencias
essenciaes. Assim com estas tres palavras Ceo, Vos, e
Dizer se formarão diferentes frazes diversidicando-lhe
a pozição.

Vós dizeis que o Ceo. | Fraze narrativa.
Dizeis vós que o Ceo ? | Fraze interrogativa.
O Ceo, dizeis vós. | Principio de huma fraze narrativa,
interrompida por huma fraze inciza.
Que o Ceo dizeis vós. | Fraze optativa com huma inciza.182

Com efeito depois de estar convencionado que o
lugar de huma palavra fixaria a sua relação em huma
fraze, ela não pode mudar de lugar, sem que seja mudada
esta relação, e sem que por esta mudança deixe
de rezultar huma idea diferente ; tanto mais que fazendo-lhes
mudar de lugar acompanhão-se de tudo o
que he necessario para que elas satisfação a esta nova
relação.

§. 4.° Arranjamento de que podem ser susceptiveis os
complementos de huma propozição.

Os complementos de huma propozição sendo em
grande numero, e formando huma parte consideravel
da expressão, devem colocar-se de modo que não alterem
a harmonia da fraze ; e que a sua destribuição
nela difunda tanta graça como clareza ; e para destribuir
na ordem mais conveniente os diversos complementos
que entrão em huma fraze devem seguir-se as
seguintes regras.

Regra 1.ª De muitos complementos que recahem
sobre a mesma palavra, deve por-se primeiro o mais
curto junto da palavra a que se refere ; depois o mais
curto dos que ficão, e assim dos que se seguem até
ao mais comprido de todos que deve ser o ultimo.

Exemplos.

Todo o homem que ama a verdade, e dezeja sinceramente
acertar, não deve dar ouvidos a lizongeiros
.

Cezar General Romano, o mais famozo do tempo antigo,
e que a historia mais tem celebrado, esperando augmentar
a sua gloria por novos trofeos, tomou a si o sujeitar os
Galos, e Hespanhoes
.183

Regra 2.ª Se por este meio se achasse algum destes
complementos muito afastado da palavra a que se
refere, e que se não pudesse perceber bem claramente
a sua relação com esta palavra, deve por-se antes ;
e tambem se deve fazer isto mesmo, para dar mais
elegancia á expressão.

Exemplo.

Este he hum dos Reis que destruio a famoza Troia,
depois de hum cerco de dés annos
.

Regra 3.ª Estas regras sobreditas não tem lugar
desde que do cumprimento e execução delas rezulta
algum sentido obscuro e equivoco. Assim em lugar
de dizer conforme a segunda regra : Ele se persuadio
que repararia a perda que vinha de fazer, atacando a Cidade
por diversas partes
 : deve dizer-se : Ele se persuadio
que atacando a Cidade por diversas partes, repararia
a perda que vinha de fazer
 ; pois que o ataque da Cidade
he que deve reparar a perda, longe de ter sido a
sua cauza.

Regra 4.ª Se os diversos complementos de huma
palavra tem sensivelmente a mesma extensão, ao gosto,
isto he, ao juizo esclarecido por huma boa logica,
e seguramente fundado sobre principios certos, he que
pertence fixar-lhe o lugar. E o mesmo se deve observar
a respeito das diferentes partes de hum mesmo
complemento. E he melhor dizer : Eu lhe mostrarei que
o seu modo de escrever he excelente, e que ele merece o
nome de Poeta
 ; do que dizer : Eu lhe mostrarei que ele
merece o nome de Poeta, e que o seu modo de escrever he
excelente
.

Regra 5.ª Se o sujeito da fraze fosse precedido de
hum complemento que o afastasse muito do seu Verbo,
184este sujeito deve ser posto depois do Verbo. Assim
não se deve dizer : Isto he o que Minos o mais sabio, e
o melhor de todos os Reis tinha comprehendido
 ; mas antes
se dirá : Isto he o que tinha comprehendido Minos o mais
sabio, e o melhor de todos os Reis
.

Regra 6.ª Não se devem já mais separar as porções
de hum complemento, por outro complemento :
assim não se dirá : Ha hum ar de vaidade e de afectação
em Plínio o moço que arruina as suas cartas
 ; mas antes
se dirá : Ha em Plinio o moço hum ar de vaidade e
de affectação que arruina as suas cartas
. Tambem se não
deve dizer : Eu gostava de delicias nestes principios que
eu não tinha imaginado
 ; mas sim se deve dizer : Eu gostava
nestes principios de delicias que eu não tinha imaginado
.

Quando se exprimem circunstancias cujo sentido
recahe sobre toda a propozição, podem-se por no
principio, ou no fim dela, por exemplo : No anno do
mundo 3674, antes da era Christã 330, onze dias depois
do Eclipse da Lua, Alexandre venceo Dario
 ; ou
tambem : Alexandre venceo Dario, no anno do mundo
3674
&c.

Capitulo IV.
Figuras da Sintaxe.

§. 1.° Que coiza sejão Figuras da Sintaxe.

Em todas as Linguas ha huma espece de construção
abreviada na qual se suprimem diversas palavras
que o sentido supõe, e que seria inutil exprimir, porque
o enunciado delas, não ajuntando nada á clareza
185da fraze, a farião froixa e insipida. Outras vezes ha
numa fraze abundancia de palavras, das quaes algumas
parecem superfluas porque reprezentão simplesmente
a mesma idea que outras já tem exprimido na mesma
fraze. E tambem sucede que na colocação das partes
de huma fraze se não guarda algumas vezes a ordem
gramatical de pôr primeiro o Sujeito, depois o Verbo,
e depois o Atributo.

A estes tres modos de construção chamão os Gramaticos
Figuras da Sintaxe, que não são outra coiza
mais do que expressões, em que se não guardão as regras
geraes e ordinarias da Gramatica, mas que são
autorizadas pelo uzo de cada Lingua.

Quando em huma fraze se suprime alguma palavra
chama-se esta Figura Elipse, porque esta palavra grega
significa falta ; quando sóbrão palavras chama-se Pleonasmo
palavra que significa redundancia ; e quando se
não guarda a ordem gramatical na colocação das palavras
chama-se Hipérbaton, que significa inversão. De
todas trataremos por sua ordem.

§. 2.° Da Elipse.

Elipse he huma figura pela qual se suprime huma
ou mais palavras na propozição cujo sentido as supõe.

Exemplo.

Estou tratando da Sintaxe figurada. Nesta fraze falta
a palavra Eu que se deve sobentender, pois quer
dizer : Eu estou tratando da sintaxe figurada.

Uza-se desta figura quando na propozição está o
nome ou o adjetivo oculto, ou tambem o Verbo ou
outra qualquer palavra que a Gramatica requer, mas
que já pelo continuo uzo de falar se sobentendem e
supõe sabidas.186

O numero das Elipses na Lingua Portugueza he
muito consideravel, pois que he muito ordinario reunir
muitas partes da propozição em huma só palavra,
afim de fazer a expressão mais rapida e menos complicada.
Assim Meu, Teu, Seu, &c. são palavras Elipticas
porque tem lugar de muitas da propozição, de
hum artigo, de huma prepozição, e de hum nome,
desorte que esta fraze O meu Livro, tem lugar desta
O Livro que he de mim. Os Verbos activos são outras
tantas fórmas elipticas : Eu lêio vale por Eu estou lendo ;
Chove he o mesmo que dizer : a chuva cahe.

Nas propozições interrogativas a palavra porque
principia a pergunta indica que ha Elipse antecedente,
e que este antecedente he o complemento de hum Verbo
tambem sobentendido, que exprimiria directamente
a pergunta se fosse expresso. Exemplo. Quanto custou
este Livro
 ? quer dizer : Dize-me quanto he o preço
que custou este Livro
. Quando saudamos alguem e lhe
dizemos : Bons dias, entendem-se demais estas palavras :
Te dê Deos, ou outras semilhantes, as quaes pelo uzo
de senão exprimirem, se alguem as disser falará conforme
as regras cõmuns da Gramatica, mas não segundo
o costume da Lingua.

Ha diferentes especes de Elipses a que os Gramaticos
tambem chamão figuras que distinguem por seus
nomes, a saber, Zeugma, Silepse, Sinteze, Enalage.

Zeugma he huma espece de Elipse que se uza,
quando muitas sentenças se referem a alguma palavra,
a qual pedirião, se cada huma delas se puzesse por si
só. Exemplo : A' lascivia vence a vergonha, ao atrevimento
o medo, á loucura a razão
. Ao Verbo vence da
primeira propozição se referem as outras duas, por se
sobentender em cada huma delas pois quer dizer. Ao
atrevimento vence o medo ; e á loucura vence a razão
.

Algumas vezes se torna a entender a palavra com
187mudança de algum acidente, como por exemplo : As
aguias voárão, huma da parte do Oriente, outra da parte
do Ocidente
, onde o Verbo voárão da primeira propozição
se torna a entender na segunda e terceira, mudando
o numero, pois passa do plural para o singular
voou, e quer dizer : As aguias voárão, huma voou da
parte do Oriente, outra voou da parte do Ocidente
.

Silepse he huma espece de Elipse, que se uza quando
n'uma propozição concorrendo muitos nomes do singular
de diverso genero, o adjetivo se põe no plural
por concordar sómente com o nome geral correspondente
aos mesmos nomes. Exemplo : Paulo e Maria
estão contratados para cazarem
. Nesta propozição o adjetivo
contratados no plural concorda com o nome geral
sujeitos que se sobentende e corresponde aos nomes Paulo
e Maria
 ; pois vale o mesmo que dizer Paulo e Maria
estes dois sujeitos estão contratados para cazarem
.

Tambem se uza desta figura Silepse quando concorrendo
muitos nomes do singular de diversas pessoas
se põe o Verbo no plural concordando com hum nome
geral que lhes corresponde. Exemplo : Eu e Pedro militámos
na India
. Nesta propozição o Verno militámos
concorda com o pronome nós que se entende oculto ;
pois quer dizer : Eu e Pedro nós ambos homens militámos
na India
.

Sintheze he huma espece de Elipse que se uza
quando na propozição o adjetivo ou Verbo não concorda
com o nome que proferimos, mas sim com outro
que se entende oculto. Esta he de duas sortes, de
genero, e de numero.188

Exemplo de genero.

Mas já o Planeta que no Ceo primeiro
Habita, sinco vezes apressada,
Agora meio rosto, agora inteiro
Mostrará, em quanto ao mar cortára a armada.
Camões Luziadas Canto 5. Estancia 24.

Onde se vê que o adjetivo apressada, na terminação
femenina não concorda com o nome Planeta, que está
claro, mas sim com Lua que o Poeta tinha na mente,
pois faltão palavras, e quer dizer : Mas já a Lua
Planeta, que no Ceo primeiro habita, sinco vezes apressada
agora meio rosto
, &c.

Exemplo do Numero.

Parte cortão a carne em talhadas.

Nesta fraze o Verbo cortão não concorda em numero
com o nome parte, mas sim com hum nome do plural
alguns homens que está oculto ; pois quer dizer :
Alguns homens que erão huma parte dos companheiros cortão
a carne em talhadas
.

Enalage he huma espece de Elipse que se uza quando
na propozição se põe huma palavra por outra, e
os seus acidentes huns por outros.

Exemplo das palavras.

Que foi daquele cantar,
Das gentes tão celebrado.
Camões Redondilha 26.

Onde parece que o Verbo cantar se pôr em lugar do
nome canto ; mas parece assim por faltarem palavras
pois quer dizer : Que he feito daquele divertimento, que
se chama cantar, das gentes tão celebrado
.189

Exemplo de acidentes.

Se eu disser por exemplo : Nesta Gramatica são
muitos os nossos erros
, o plural os nossos erros se põe
em lugar de singular os meus erros, por ser eu hum só
o que falo.

Notas sobre a Elipse.

A fim de que a pintura das nossas idéas produza
os efeitos para que he destinada, he necessario que ela
se aproxime o mais que for possivel á mesma idéa, e
que revista as suas qualidades essenciaes. Huma destas
qualidades he o de ser rapida : a idéa de hum objeto
pinta-se no nosso espirito em huma vista de olhos ;
tem a rapidès de hum relampago, e seriá para dezejar
que ela se exprimisse com a mesma rapidês. Isto seriá
tanto mais necessario quanto os homens reunidos em
sociedade tem huma multidão de idéas para se cõmunicarem
huns aos outros, e alem disto ha tanta impaciencia
em saber aquilo que se nos quer dizer, como
em o dizer.

As palavras por tanto, devem suceder humas ás outras
com rapidês, mas como isto não he ainda bastante
deve tambem haver economia sobre o numero das
palavras ; e devem ser suprimidas todas aquelas que
não forem absolutamente necessarias para a clareza da
expressão, todas aquelas que se puderem suprir pelo
todo, e muitas vezes se reduzirão duas ou tres a huma
só, para maior brevidade.

Daqui nascem modos de falar singulares, dos quaes
muitas vezes parece se não pode dar a razão ; ao mesmo
tempo que eles não são mais do que o efeito do
uzo, e são outras tantas Elipses ou frazes abreviadas ;
e huma parte das quaes não tem desaparecido, senão
porque ela nada teria ajuntado á clareza da fraze alongando-a.190

Eisaqui o que dá lugar ás frazes e formulas Elipticas
que continuamente figurão na expressão das nossas
idéas, e das quaes he precizo conhecer as cauzas
para ter huma idea clara da Gramatica, e dos seus
procedimentos, muitas vezes obscuros porque se não
fazia assás atenção á vasta influencia deste esforço da
palavra.

§. 3.° Do Pleonasmo.

A' Elipse que he huma supressão de palavras, se
opõe o Pleonasmo que he huma superabundancia delas
na expressão das nossas ideas. Algumas vezes serve
esta redundancia de palavras para dar mais força ou
certeza ao que dizemos, ou para ficar mais harmonioza
a espressão, e só então he que se chama Pleonasmo.
Fora destes cazos he hum defeito que se chama
Perissologia e se deve evitar.

Exemplos.

Quando alguem dis : Eu mesmo o vi com estes olhos
parece que as palavras mesmo e com estes olhos são palavras
superfluas, pois bastava dizer : Eu o vi, com
tudo elas podem algumas vezes acrescentar a energia
da expressão porque servem de afirmar a certeza do
que se dis, e he então Pleonasmo. Tambem quando no
fim de hum parenthezis extenso repetimos a palavra que
ficava antes dele, acrecsentando-lhe digo. E tambem
quando dizemos parece-me a mim ; lembra-me a mim,
parece superflua a palavra a mim porque basta dizer :
parece-me, lembra-me ; porém he hum idiotismo da
Lingua Portugueza.

Se porém dissermos : Quando Pedro subia para cima,
Paulo descia para baixo
, as palavras para cima, e
para baixo, são Perissologia que he defeito na expressão ;
porque basta dizer : Quando Pedro subia, Paulo
191descia
, pois quem sobe anda para cima, e quem desce
anda para baixo. Da mesma sorte são Perissologia as
palavras para trás quando dizemos : Ele recuou para
trás
, porque basta dizer : Ele recuou. Tambem será
Perissologia dizer : Viver vida, dormir sono, porém
não o será se se disser, viver vida trabalhoza, dormir
sono largo
 ; como tambem dizer : Eu com olhos chorozos
o vi
 ; porque então as palavras trabalhoza, largo,
chorozos
, declarão circunstancias que exigem as palavras,
vida, sono, e olhos necessarias á expressão destas
mesmas circunstancias. Sem estas circunstancias são
as sobreditas palavras huma repetição redicula que não
ajunta nada ao valor das palavras viver, dormir, e vêr,
e portanto se devem evitar.

§. 4.° Da figura Hipérbato.

A ordem gramatical de huma propozição consiste
em estar primeiro o nome do sujeito, depois o Verbo,
e depois o Adjetivo ou o nome do atributo, ou
termo, e quando esta ordem se inverte chama-se figura
Hipérbato, que significa inversão.

Exemplo.

Nesta propozição : A quinta de Pedro comprou Paulo,
achão se as palavras fóra da sua ordem Gramatical,
porque devendo o nome Paulo que he o sujeito
estar antes do Verbo comprou, acha-se depois dele, o
nome Quinta he o objeto do Verbo comprou e devia
estar depois dele, e se acha antes ; pois a ordem Gramatical
desta propozição he desta sorte : Paulo comprou
a quinta de Pedro
.

Ha varias especes de Hipérbato que são : Anastrofe,
Tmezis, Parenthezis, Sinchizis
.192

Anastrofe, he quando certas palavras que devem estar
antes de outras, se põem depois. Uzamos desta figura
nos tempos compostos dos verbos, quando entre
o verbo auxiliar, e o composto se entrepõe algum
dos seguintes pronomes me, te, se, lhe, nos,
vos, lhes
, como por exemplo Amar-te-hei, onde o
verbo auxiliar hei está depois da vós amar, devendo
estar antes ; pois a ordem gramatical do futuro composto
do indicativo do verbo amar he : hei de amar.
Advertindo-se, que quando uzamos desta figura nos
ditos tempos compostos, se tira dentre os verbos a prepozição
de, que entre tambem na compozição, pondo-se
em seu lugar algum dos sobreditos pronomes.

Tmezis he quando alguma palavra composta se interrompe
com alguma palavra que no meio se lhe mete
dividindo-a. Uzamos desta figura nos tempos compostos
dos verbos por constarem de diversas palavras,
que se costumão dividir metendo-se no meio alguma
palavra ; o que sucede sempre quando uzamos da figura
Anastrofe, como v. g. em amar-te-hei, a palavra
te posta no meio divide as diversas palavras de que se
compõe o futuro do indicativo do verbo amar.

Parenthezis he quando se interrompe huma propozição
com algumas palavras, e depois se torna a continuar.
Exemplo : Alexandre morreo (segundo dizem) de
trinta e dois annos
. Esta propozição se interrompe
com as palavras segundo dizem, e depois se torna a continuar.

Sinchizis he quando na propozição se acha a ordem
das palavras muito confuza. Uza-se desta figura
principalmente no verso, como se vê nos seguintes do
nosso insigne Poeta Vasco de Quevedo Monzinho no seu
Poema intitulado Affonso Africano, Cant. 3. Estanc. 73.

Entre todos co'dedo eras notado
Lindos moços de Arzila em galhardia.193

Onde se vê a ordem gramatical das palavras muito
confuza ; e para se lhe desfazer a sua confuzão, e
se porem as palavras na sua ordem deve dizer-se : Em
galhardia eras notado com o dedo entre todos os lindos
moços de Arzila
.

§. 5. Sobre o uzo das Figuras.

Suposto que o uzo das Figuras da Gramatica seja
de alguma sorte arbitrario, he sempre fundado em alguma
ou mais regras geraes da Sintaxe, e sempre conforme
ao genio da linguagem estabelecida ; de outra
sorte seria vicioza a expressão, e nem sempre se entenderia
a linguagem por desuzada, e talves contraria
á maneira cõmum de pensar dos homens. He por tanto
necessario no uzo das figuras ter as precauções seguintes.

1.ª Todas as vezes que uzando de Elipse se calão
palavras em alguma propozição, só se devem calar as
que são faceis de entender, ou porque já ficão ditas,
e só se calão para evitar repetição desagradavel, como
na figura Zeugma, ou porque são tão geraes que o
mesmo uzo as ensina.

2.ª Havendo hum nome generico que corresponda
a muitos especificos que concorrem como sujeito na
propozição, pode uzar-se de figura calando o nome generico,
e concordando com ele o adjetivo e o verbo,
pondo-os no numero plural ; mas nunca o verbo ou o
adjetivo se hão de concordar com hum nome generico
que não haja na lingua que se fala, ou discordar no
numero ou genero daquele, que se supõe. Exemplo :
Nesta fraze a razão, a fé, a virtude, a concordia forão
consagradas
, o adjetivo consagradas concorsa com o
nome generico coizas que corresponde aos quatro expressos
das virtudes, e de nenhuma sorte poderia dizer-se
consagrados por não haver nome generico que
194possa corresponder aos especificos no genero masculino.

3.ª Não devemos uzar de figuras com demaziada
frequencia, mas espalha-las no Discurso com tal dispozição
e moderação, que mais sirvão de aformozea-lo,
doque de obscurece-lo, ou faze-lo rediculo ; e não nos
devemos servir na proza daquelas que são mais proprias
dos versos. He tambem necessario advertir que
como estas Figuras muitas vezes degenerão em vicios,
devemos uzar sómente daquelas de que ha maior numero
de exemplos nos bons Escriptores da lingua, e
deixar aquelas de que eles são mais raros, e que não
são fundadas na boa razão.

Capitulo V.
Da Construção do Discurso.

§. 1. Objeto deste Capitulo.

Depois de ter examinado as diversas palavras que
servem de exprimir as nossas idéas, e o diferente modo
com que elas se unem para constituirem huma
propozição, ou a expressão de hum juizo, devem saber-se
as diferentes especes de propozições que rezultão
da diversidade da materia da sua compozição, da
diversa fórma da sua construção, e do diferente sentido
total que cada huma exprime ; e alem disto tambem
se deve saber o todo que rezulta da união de
muitas propozições, e as qualidades que deve ter este
todo, para ser claro e interessante.195

§. 2. Diferentes especes de propozições que rezultão
da materia da sua compozição.

Assim como hum juizo supõe essencialmente a combinação
de duas idéas que entre si tem alguma relação,
assim tambem huma propozição, que não he mais do
que a expressão de hum juizo, supõe essencialmente
tantas especes de palavras quantas são as idéas que se
combinão, e de sevem exprimir, e alem destas outra
que exprima a relação que se percebe entre as mesmas
idéas.

Não ha palavra alguma que no seu estado natural
possa reprezentar mais do que huma idéa ; por exemplo
estas tres palavras Sol, Eu, Lêr, cada huma de
per si exprime huma idéa que não tem alguma relação
com a das outras, e de qualquer modo que elas
se combinem, e em qualquer Lingua que seja, nunca
elas poderão formar huma propozição. E para constituir
huma propozição, por mais pequena que seja são
indispensaveis tres especes de palavras, a saber : hum
Nome que exprima o sujeito do qual se afirma ou nega
alguma coiza ; hum Adjetivo que exprima a qualidade
que se afirma ou nega do sujeito, e o Verbo que
indique a relação que se considera entre a qualidade e
o sujeito.

Ha com tudo palavras que pelo modo com que são
construidas reprezentão estas tres especes : todos os
verbos tem a propriedade de tomar diferentes terminações,
por meio das quaes reprezentão ao mesmo tempo
hum sujeito, hum verbo, e huma qualidade ou
atributo, como por exemplo : Esta palavra Lêio diz
tanto só, como estas tres : Eu estou lendo, ou estas : Eu
estou a lêr
 ; porém estas palavras assim rezumidas são
elipticas, e não estão já no seu estado natural ; e sempre
a propozição supõr as tres especes de palavras referidos,
ou expressas, ou subentendidas.196

Tanto o sujeito como o atributo de huma propozição
podem exprimir-se por huma única palavra, ou
por muitas de tal sorte unidas que não exprimem mais
do que huma idéa ; e quando o sujeito ou o atributo
se exprimem por huma única palavra chamão-se simples,
e incomplexos ; e quando se exprimem por huma
acompanhada de outras que a explicão e determinão,
sem acrescentarem idéa diferente, então são simples
e complexos.

Exemplo do sujeito e atributo simples e incomplexos.

Deos he eterno
Deos
he o Sujeito, Eterno he o atributo, ambos simples,
e incomplexos.

Exemplo de Sujeito simples e complexos

Os principios da moral, merecem atenção.
As provas em que se funda a verdade da Religião
Christã
, são invenciveis.

Exemplos de atributos simples e complexos.

Eu leio com cuidado os melhores Gramaticos.
Deos governa todas as partes do Universo.

Exemplo de sujeito e atributo simples e complexos.

Hum homem avarento, procura com ancia os bens de
que ignora o verdadeiro uzo
.

Diferem os sujeitos e atributos simples dos incomplexos,
em que a essencia dos simples he de que exprimão
huma única idéa, aindaque esta seja o rezultado
de muitas idéas subordinadas e exprimida por
muitas palavras ; pelo contrario a essencia do sujeito
e atributo incomplexos consiste em que eles sejão exprimidos
sõ por huma palavra. E não he só huma propozição
incidente que fás o sujeito ou atributo complexos,
mas sim toda a adição que lhes desenvolve o
sentido, ou que os determina por alguma idéa particular
197que lhes ajunta. A palavra principal a que se fás
a adição he o sujeito ou atributo gramatical da propozição,
porque só ela em qualidade de sujeito ou de
atributo he submetida ás leis da sintaxe de cada lingua.
Esta mesma palavra com a adição que se lhe
ajunta he o sujeito ou atributo logico da propozição,
porque he a expressão total de huma unica idéa. O
sentido total que rezulta das diversas relações, que as
palavras tem entre si, he o sujeito ou atributo da propozição :
o juizo não cahe sobre alguma palavra em
particular, mas sim sobre a união que elas formão.

Quando para abreviar se ajuntão muitos sujeitos
determinados por idéas diferentes, aos quaes se da
hum atributo que convem a cada hum destes objetos
em particular, he então o sujeito da propozição composto ;
e quando se exprimem muitas qualidades diferentes
de hum só sujeito, he então o atributo composto.

Exemplo do sujeito composto.

A Fe, a Esperança, e a Caridade, são btres virtudes
Theologaes.

Exemplo do atributo composto.

Deos he eterno, infinito, e todo poderozo.

Exemplo do sujeito e atributo composto.

Os Sabios e os Ignorantes são sujeitos a se enganar,
prontos em se decidir, e lentos em se retratar
.

Huma propozição composta pelo sujeito, pode descompôr-se
em tantas propozições simples quantas são
as idéas parciaes que exprime o sujeito composto, e
elas terão todas o mesmo atributo, e sujeitos diferentes.
Pois podemos dizer : A Fe he huma virtude Theologal,
a Esperança he huma virtude Theologal, e a Caridade
he huma virtude Theologal
. Aqui se vê que o
primeiro exemplo acima referido tem tres propozições
simples incluidas n'uma.198

Da mesma sorte, huma propozição composta pelo
atributo pode descompôr-se em tantas propozições simples
quantas são as idéas parciaes no atributo composto,
tendo todas o mesmo sujeito e os atributos diferentes.
Pois podemos dizer : Deos he eterno, Deos he infinito,
e Deos he todo poderozo
, e são tres propozições
simples em que se pode descompor a propozição do
segundo exemplo.

Huma propozição composta pelo sujeito e pelo
atributo pode-se descompor 1.° em tantas propozições
com o mesmo atributo composto, quantas são as idéas
parciaes no sujeito ; e assim como na propozição do
terceiro exemplo ha dois sujeitos simples, podemos
comparar cada hum deles com o atributo composto dizendo :
Os Sabios são sujeitos a se enganar, prontos
em se decidir, e lentos em se retratar
 ; e tambem podemos
dizer : Os ignorantes são sujeitos a se enganar,
prontos em se decidir, e lentos em se retratar
 ; e assim
já temos duas propozições com os sujeitos simples e
os atributos compostos. 2.° Tambem se pode descompôr
em tantas propozições quantas são as idéas parciaes
no atributo comparadas cada huma com o sujeito
composto, desta sorte : Os sabios e os ignorantes são sujeitos
a se enganar ; os sabios e os ignorantes são prontos
em se decidir ; os sabios e os ignorantes são lentos em
se retratar
 ; e assim temos tres propozições com os
sujeitos compostos, e os atributos simples. 3.° Pode-se
finalmente descompor em tantas propozições simples
quantas são as idéas parciaes do atributo comparadas
com as idéas parciaes do sujeito, e o numero das
propozições simples que sahirem da composta pelo
sujeito e pelo atributo he igual ao numero das idéas
parciaes do atributo composto multiplicado pelo numero
das idéas parciaes do sujeito composto ; como a
sobredita propozição tem duas idéas parciaes no sujeito,
e tres no atributo, multiplicando duas por tres
199são seis, e tantas propozições simples temos incluidas
na sobredita do exemplo, na fórma seguinte.

1.ª Os sabios são sujeitos a se enganar.
2.ª Os sabios são prontos em se decidir.
3.ª Os sabios são lentos em se retratar.
4.ª Os ignorantes são sujeitos a se enganar.
5.ª Os ignorantes são prontos em se decidir.
6.ª Os ignorantes são lentos em se retratar.

Algumas vezes os sujeitos e atributos parecem
compostos sendo na realidade simples, e então não se
podem descompôr as propozições sem lhes alterar o
sentido. Nesta propozição por exemplo : Crer no Evangelho,
e viver como Pagão, he huma extravagancia incomprehensivel
 ;
parece que crer no Evangelho he hum
sujeito parcial, e viver como Pagão he outro ; mas o
atributo não pode convir separadamente a cada hum
destes dois pertendidos sujeitos, porque não se pode
dizer que crer no Evangelho he huma extravagancia incomprehensivel.
A' vista do que he precizo convir que o
verdadeiro sujeito desta propozição he a idéa unica
que rezulta da união destas duas idéas particulares, e
por consequencia que isto he hum sujeito simples. O
mesmo pode suceder a respeito do atributo.

Quando huma propozição não encerra mais do que
hum sujeito e huma qualidade, he simples ; e tambem
pode ser incomplexa ou complexa segundo forem os
seus membros expressos ou por huma só palavra, ou
por muitas unidas. E quando huma propozição encerra
muitos sujeitos, ou muitas qualidades, ou muitos
objetos, e muitas circunstancias he então composta.

Se as adições feitas ou ao sujeito, ou ao atributo,
ou a algum outro termo modificativo de hum ou de outro,
são mesmo propozições que tem seus sujeitos, e
seus atributos simpels ou compostos, incompexos, ou
compelxos ; estas propozições parciaes chamão-se propozições
200incidentes, e aquelas de que são partes immediatas
chamão-se propozições principaes. Mas por
mais composta, complexa e extensa que possa ser huma
propozição, a analize a redús em fim a duas partes
fundamentaes, que são o sujeito e o atributo, como
se vê no seguinte exemplo.

Se fechar os olhos ás brilhantes provas do Christianismo
he huma extravagancia incomprehensivel, ainda he muito
maior loucura o estar persuadido da verdade desta doutrina,
e viver como se ela se tivesse por falsa
. Este periodo
se redús a duas partes essenciaes desta sorte : Estar
persuadido da verdade da Doutrina Christã e viver como
se ela se tivesse por falsa
(he o sujeito logico) he ainda
muito maior loucura do que a extravagancia incomprehensivel
de fechar os olhos ás brilhantes provas do Christianismo

(he o atributo).

§. 3.° Forma das propozições.

A forma gramatical da propozição consiste na expressão
e arranjamento respetivo das diferentes partes
de que ela se compõe. Quando huma propozição tem
as suas partes essenciaes expressas chama-se plena, e
quando nela se não exprime o sujeito, ou o verbo,
ou o atributo, mas se suprime por ser facil de entender,
então chama-se a propozição eliptica. Mas como
hum e outro destes acidentes recahem menos sobre as
coizas que sobre o modo de as dizer, dis-se antes que
a fraze he plena ou eliptica, e não se dis isto da propozição.
Fraze he huma palavra generica que se aplica
a toda a união de palavras, ou seja que elas formem
hum sentido completo ou incompleto ; e uza-se mais
de propozição quando exprime sentido completo.

Quanto ao arranjamento das partes da propozição,
quando elas se achão dispostas segundo a ordem gramatical
estando primeiro o sujeito, depois o verbo, e
201depois o atributo chama-se a propozição directa ; e
quando se inverte esta ordem chama-se propozição inversa
ou hiperbatica, como quando dizemos : Felis he
aquele que crê em Deos
. A sciencia mais necessaria he a
moral
 ; pois para que estas propozições estivessem na
ordem gramatical deviamos dizer : Aquele que crê em
Deos he felís : A moral he a sciencia mais necessaria
.
Pelo sentido, e não pela ordem das palavras he que se
pode conhecer qual he o sujeito, e qual o atributo de
huma propozição ; de qualquer maneira que os termos
sejão postos, o atributo he sempre aquilo que se afirma
ou nega e alguma coiza, e o sujeito he aquele do qual
se afirma ou nega.

Pelo que respeita ao sentido que pode rezultar de
huma propozição, he necessario advertir que quando
em huma propozição se afirma alguma coiza chama-se
propozição afirmativa, e quando se nega chama-se negativa.
Por exemplo : Deos creou o ceo e a terra, he huma
propozição afirmativa ; e Deos não quer a morte do
pecador
, he negativa. Mas aindaque as particulas negativas
são as que ordinariamente indicão que as propozições
em que elas se achão são negativas ; com tudo ha
propozições negativas onde elas não estão expressas ;
por exemplo, quando dizemos : Muitos ignorão, o que
lhes he necessario para a sua salvação
, he o mesmo que
dizer : Muitos não sabem, &c., quando dizemos : Muitos
são pobres, cegos, e sem piedade
, he o mesmo que dizer :
Muitos não tem bens, nem vista, nem piedade :
porque afirmar huma negação he propriamente negar.
Pelo contrario quando dizemos : Nenhum rico está sem
bens
, he o mesmo que dizer : Todo o rico tem bens :
Nenhum homem honesto he impio, he o mesmo que dizer :
Todo o homem honesto he pio. Quando dizemos vale
mais ser justo do que rico ; ser racionavel do que ser sabio

temos quatro propozições, duas afirmativas e duas
negativas. O ser justo vale mais ; o ser rico não vale tanto ;
202ser racionavel vale mais ; ser sabio não vale tanto
.

Quando huma propozição indica mais huma questão
do que huma asserção chama-se interrogativa, e
ordinariamente se põe no fim dela o ponto interrogativo
desta sorte ?, o qual he o que decide o sentido da
propozição, e não o tom ou circunstancias da expressão.
Esta questão pode fazer-se sobre o sujeito, como
por exemplo : Quem creou o ceo e a terra ? Ou sobre o
atributo, como v. g. Qual he a doutrina da Igreja sobre
o culto dos Santos
 ? Ou tambem sobre a relação do
atributo ao sujeito, assim como : Deos quer a morte
do pecador
 ? Huma propozição interrogativa indica ignorancia
ou incerteza de quem fala, e o dezejo que tem
de ser instruido sobre o que pergunta.

Pode tambem huma propozição ser explicativa, ou
determinativa de outra palavra : he explicativa aquela
que não serve de mais do que para explicar huma palavra,
deixando-a em todo o seu valor sem alguma restrição ;
mas servindo só de fazer notar alguma propriedade
ou qualidade que lhe convem como por exemplo :
O homem que he hum animal racional deveria ocupar-se
em regular as suas paixões
, onde a propozição que he
hum animal racional
he explicativa da palavra homem
no qual fás notar huma propriadade, que he hum motivo
que deveria mover os homens a regular as suas
paixões, mas não he tão necessaria á expressão que
sem ela não ficasse bom sentido, pois tambem se pode
dizer : O homem deveria ocupar-se em regular as suas
paixões
. A propozição determinativa he aquela que restringe
e determina a significação de huma palavra a
hum só objeto da mesma espece, como por exemplo
nesta fraze : O homem, que me falou esta manhã, he
muito sabio
, onde se vê que a propozição Que me falou
esta manhã
, restringe a significação de homem a
hum só individuo de espece humana, e he esta propozição
determinmativa tão necessaria á expressão que sem
203ela seria o sentido da propozição principal muito diverso ;
pois não podiamos dizer. O homem he muito
sabio
, tomando a palavra homem em toda a sua extensão
que comprehende toda a espece humana. Estas propozições
explicativas e determinativas são as propozições
incidemtes e subordinadas ás principaes, e se ligão
ás palavras que explicão e determinão por conjuntivos,
e prepozições.

Ha tambem propozições imperativas, e optativas
segundo o modo do Verbo porque se exprimem, porém
tudo o que ensina a Gramatica he relativo á propozição
narrativa que inclue a afirmativa e a negativa, e
a compozição da propozição narrativa he que a Gramatica
olha principalmente.

§. 4.° Do Periodo.

Os estreitos lemites do nosso espirito muitas vezes
não nos permitem exprimir tudo aquilo que queremos
pelo meio de huma só propozição ; e temos continuamente
necessidade de recorrer a outras para a
completa expressão do que pertendemos : a união de
muitas propozições que se referem humas ás outras,
fórma hum todo que se chama periodo. E não sendo
ainda bastante hum periodo para comprehender todos
os pensamentos que tendo relação huns com os outros
nós temos necessidade de os exprimir, fórma-se a união
de muitos periodos, e por este meio exprimimos tudo
quanto dezejamos.

Cada fraze ou união de palavras que forma hum
sentido parcial em hum periodo, e que tem huma certa
extensão, chama-se membro do periodo : se o sentido
he enunciado em poucas palavras, chama-se incizo.
E hum periodo pode ser composto, ou sómente
de membros, o que acontece quando cada fraze tem
alguma extensão ; ou sómente de incizos quando o sentido
204particular he enunciado em poucas palavras ; ou
em fim de membros e incizos.

A extensão de hum periodo deve proporcionar-se
ás forças da respiração ; e não deve constar nem de
menos de dois, nem de mais de quatro membros dependentes
huns dos outros, assim como nos seguintes.

Exemplo.

De hum periodo de dois membros.

1.° Se alguma coiza me acontecer, estou com animo
constante, e aparelhado para acabar a vida : 2.° porque
não pode vir huma morte torpe a hum varão forte ;
hum sucesso inopinado a huma pessoa consular ;
huma contingencia mizeranda a hum homem sabio.

Exemplo.

De hum periodo de tres membros.

1.° Como d'antes me não atrevesse a tocar a autoridade
deste lugar pela minha idade : 2.° e assentava
comigo que lhe não convinha que eu trouxesse senão
o que estava aperfeiçoado com o engenho, e trabalhado
com a industria : 3.° imaginei que devia passar o
tempo com o tempo dos meus amigos.

Exemplo.

De hum periodo de quatro membros.

1.° Assim vivem de sorte que não respirão : 2.° assim
morrem por tal modo, que ficão sem sepultura : 3.° são
lançados nas ondas, sem que nunca se lavem : 4.° são
em fim tão precipitados novamente, que nem ainda depois
de mortos descanção nos penhascos.

Neste exemplo fala Cicero do castigo dos parricidas.205

Exemplo.

De hum periodo de tres incizos.

Vim, ví, e venci.

2.° Exemplo do mesmo.

Foge depressa, vai para longe, e volta tarde. Avizo
para o tempo da peste
.

Sendo conhecidas as palavras, o seu valor e emprego,
e o arranjamento que delas se fás em huma propozição
segundo a ordem sucessiva das suas relações :
pode-se facilmente analizar qualquer periodo, e para
esse fim, não parece necessario mais do que propor as
seguintes regras.

Regra 1.ª Querendo analizar hum periodo deve-se
este lêr primeiramente inteiro, e se nele ha alguma palavra
oculta que se deva entender, o sentido deve ajudar
a supri-la.

Regra 2.ª Nas propozições plenas ou completas deve-se
distinguir primeiro qual he o sujeito, o qual he
sempre enunciado por hum nome expresso ou sobentendido,
ou tambem hum sentido total enunciado por
muitas palavras.

Regra 3.ª Quando hum periodo se compõe de muitas
propozições que se referem humas ás outras, deve
principiar-se pelas conjunções ou adverbios conjuntivos
que as ligão ; como por exemplo : Se, Quando,
Em tanto que, Assim como
&c. Separada a conjunção
ou adverbio conjuntivo, se examina depois cada propozição
em particular ; porque he precizo advertir que
huma palavra não tem algum acidente gramatical, senão
por cauza do seu serviço na única propozição em
que se acha empregada.206

Regra 4.ª Depois de dividir huma propozição em
sujeito, e em atributo o mais simplesmente que for
possivel, se ajunta ao sujeito toda a palavra ou propozição
incidente que com ele tem relação : depois
deve passar-se ao atributo começando pelo verbo, e
ajuntando cada palavra que tem relação segundo a ordem
mais simples e segundo as determinações que as
palavras dão sucessivamente humas ás outras. Havendo
algum adjunto ou incizo que ajunte á propozição alguma
circunstancia de tempo, de modo ou alguma outra ;
depois de ter feito a analize deste adjunto ou incizo,
e depois de ter conhecido a razão da sua modificação,
pode arranjar-se no principio ou no fim da
propozição, ou do periodo, segundo o que parecer
mais simples e natural. Algumas vezes as palavras que
formão o essencial de hum periodo, e a que se reunem
todas as mais que o compõem, achão-se no fim do mesmo
periodo. Exemplo. Ou seja que a sua colera me imputasse
a infelicidade que lhe roubou a seu irmão ; ou seja que
o seu coração sciozo de huma austera fereza enviasse a nossos
olhos a sua nascente formozura ; fiel á sua dôr e na
sombra encerrada, ela se roubava á sua fama
. Nesta
ultima fraze estão o sujeito Ela, o verbo Roubava, e
o adjetivo Se.

Outras vezes acha-se o sujeito envolvido nas palavras
que dezignão a dependencia. Exemplo. E he esta
virtude tão nova na Corte, cuja perseverança irrita seu
amor
. As palavras Esta virtude, cuja perseverança,
constituem o sujeito.

Deixa-se aos Mestres o cuidado de exemplificar
estas regras a seus discipulos, quando conheção que
disso tem necessidade para as comprehenderem.207

§. 5. Qualidades que deve ter a expressão, e vicios
que nela se devem evitar.

Todo o curso da Gramatica tende a fazer a expressão
das nossas idéas a mais perfeita que he possivel ;
e para este fim deve tambem ensinar as principaes qualidades
de que ela se deve revestir para as procurar,
e dos vicios que lhe são opostos para os evitar. As
qualidades que pelo menos deve ter a nossa expressão
são tres, a saber pureza, clareza, e boa consonancia.

A pureza ou se considera nas palavras, ou nas
frazes, e humas e outras devem ser proprias, domesticas,
e nativas, conforme a origem, natureza, e genio
da Lingua, uzadas por cõmum acepção dos homens
mais doutos da Nação. A pureza das palavras exige
que se escolhão as mais proprias para significar o que
se pertende, e com a devida pronuncia segundo o uzo
mais constante e geral. A pureza das frazes requer que
na compozição delas se guardem as regras da Sintaxe
assim da concordancia, como da dependencia e construção.
A esta pureza se opõe o uzo viciozo de alguma
palavra, o qual se chama Barbarismo ; e a vicioza
compozição das partes da propozição o que se
chama Solecismo.

Comete-se Barbarismo quando se uza de alguma
palavra com significação impropria, como por exemplo
quando os rusticos dizem Concluzão em lugar de Contuzão ;
Pratiga em lugar de Pratica &c ; quando por
inadvertencia se dis cortar hum vidro por quebrar hum
vidro
. Tambem se comete Barbarismo quando se uza
de palavras novas, e que o uzo não tem ainda autorizado,
como Detalhe palavra Franceza que corresponde
ás nossas Pelo meúdo ; ou tão antigas, que já o uzo as
tem abandonado por outras que lhes substituio, como
Adrego por Sucesso.

Comete-se finalmente Barbarismo, quando se pronuncía
208huma palavra sem o devido acento, como por
exemplo quando se dis Espiríto em lugar de Espírito ;
tambem quando se não pronuncião com as devidas letras,
como quando se dis : Gazúla, em lugar de Gazúa ;
Trouve em lugar de Trouxe ; Diáta em lugar
de Dieta ; Jurdição em lugar de Jurisdição ; Derruba
em lugar de Derriba ; Madanela em lugar de Magdalena ;
&c.

O Solecismo comete-se nas partes que compõem huma
propozição se se falta ás regras de concordancia ou
de dependencia, ou se não guarda nelas a devida ordem,
como por exemplo dizer : Homem honesta, em
lugar de Homem honesto ; As aves canta, em lugar de
As aves cantão ; Amo ás letras, em lugar de Amo as letras ;
Tu estudastes, em lugar de Tu estudaste ; &c.

Tambem se comete Solecismo quando na propozição
falta alguma palavra para a sua inteligencia, como
por exemplo : Sei aprendeis Filozofia, em lugar de dizer
Sei que aprendeis Filosofia ; ou tambem quando sobra,
como quando se dis : He justo de amar a Deos,
em lugar de dizer He justo amar a Deos.

Quando porém pela figura Elipse se suprime alguma
palavra, que plo uzo se entende, não ha Solecismo ;
e da mesma sorte quando pela figura Pleonasmo se
acrescenta alguma para dár mais força a expressão.

A clareza he tão necessaria na expressão das nossas
idéas, que sem esta qualidade ficará frustrado o fim
da mesma expressão ; e quando ela for mais clara mais
susceptivel será de energia. Para este fim não só se
deve evitar tudo o que obsta á pureza das palavras e
das frazes, mas alem disto se deve atender a que na
escolha das palavras mesmo puras e proprias, e na ordem
das frazes nada haja de obscuro, e equivoco.

A obscuridade assim nas palavras, como nas frazes
procede quando humas ou outras se podem entender
por diferentes modos, o que se chama Anfibologia, ou
209Ambiguidade. Ha Anfibologia nas palavras quando se uza
de alguma que pode ter diferentes significações, como
por exemplo a palavra contas, a qual pode entender-se
por contas do Rozario, e por contas de dinheiro,
ou de outra qualquer coiza ; e assim deve declarar-se
por outras palavras o sentido em que se deve tomar,
por exemplo dizendo : Tomei as contas ao meu Rendeiro,
ou Tomei as contas para rezar
, onde se vê que só pelas
palavras que se seguem ao nome contas he que se pode
perceber o diverso sentido em que se toma esta palavra
em huma e outra fraze.

Ha Anfibologia nas frazes quando elas são construidas
de tal sorte que o sentido de huma se confunde
com o da outra que se lhe segue, e custa a perceber
a qual de dois nomes antecedentes se deve atribuir o
sentido da fraze seguinte, como se vê no seguinte periodo :
Os tres Reis que buscavão a Jezus Christo na prezença
de Herodes, mostrarão bem que não temião a sua
colera : dizem confiadamente que virão a sua Estrela, e
que vem unicamente para o adorar
. Parece que neste
periodo só se pertende falar de Jezus Christo ; mas
Herodes he de quem se não teme a colera ; e depois de
ter falado deste Principe se torna ao Filho de Deos de
quem virão a Estrela, e a quem querem adorar. Isto
he defeituozo, e para se tirar o equivoco deve-se acrescentar :
Mostrárão que não temião a colera de hum tiranno ;
dizem confiádamente, que virão a Estrela do Messias,
e que vem para adora-lo
.

Esta confuzão acontece ordinariamente pelo descuido
de por sinonimos, ou de repetir o nome do sujeito,
pondo em seu lugar os pronomes Ele, Ela, ou os adjetivos
relativos Os quaes, O qual, Meu, Minha, Seu,
Sua
, porque suposto estas palavras abrevião a expressão,
com tudo, não havendo cautela com elas, a tornão
mui escura principalmente quando se põe dois nomes
seguidos. Por exemplo : O capacete de Golias, que
210foi morto por David, era a carga do seu escudeiro, ele
hia diante dele, e cuidava espanta-lo com seus ameaços
.
Só o conhecimento da historia, e não a construção,
he que poderá fazer perceber que he Golias que foi
morto por David, porque a fraze indica que foi o capacete
que he o sujeito principal ; e assim no que se
segue : Era a carga do seu escudeiro ; porque não era
Golias o levado ; Seu escudeiro torna a começar a ambiguidade,
porque não he o escudeiro do capacete,
mas de Golias. Ele hia segundo as regras devia ser o
capacete ou pelo menos Golias, porque se refere sempre
ao sujeito da fraze, mas isto deve entender se do
escudeiro. Diante dele he o mais escuro, porque não
se sabe a quem se refere, se a Golias, se ao seu capacete,
se a David, ou ao escudeiro. Donde procede
que tudo o que se segue, he sempre equivoco. Cuidava
espanta-lo com seus ameaços
 ; não se sabe a quem se
refere o cuidava, nem o espanta-lo, nem os seus ameaços.
E tudo o que se dissesse depois não seria mais que
trevas não se pondo hum nome do sujeito que determina
toda esta fraze, desta ou semilhante fórma : O
escudeiro de Golias, que levava diante o capacete deste
Gigante, cuidava espantar a David com seus ameaços,
mas este Princepe mancebo fortalecido pelo Altissimo
, &c.
Toda avês que não aparece o sujeito ou hum sinonimo
em seu lugar custa a perceber o sentido da fraze ;
por tanto se ha Anfibologia nas palavras deve ajuntar-se-lhe
alguma que tire a duvida ; e se he nas frazes,
devem estas construir-se de outro modo.

A'lem disto pede a clareza que os periodos não sejão
demaziadamente compridos, nem tambem tão breves
que custe a perceber o sentido ; pois a demaziada
brevidade escurece a expressão. Se os periodos não excederem
quatro membros, e estes forem breves, tudo
ficará claro.211

O Parentezis que se uza para inserir hum novo
pensamento no meio de hum periodo tambem costuma
embaraçar o sentido do mesmo periodo, só se o
parentezis for pequeno, e que não interrompa notavelmente
o fio do que se trata.

A boa consonancia da expressão requer que as palavras
alem de proprias e claras sejão decentes e de
suave pronuncia, e que se evitem as palavras obscenas,
sordidas e baixas ; chamão-se baixas aquelas palavras
que não convem á dignidade das coizas e das
pessoas.

Aindaque huma palavra por si só não tenha má
consonancia, sucede pela velocidade da pronuncia ajuntarem-se
algumas de cuja união rezulta dissonancia no
sentido, e aspereza na pronuncia, como por exemplo :
As não quis ; Mas morra ; Não me amais &c. nas quaes
a pronuncia fás soar : Asnão, Masmorra, Não mamais ;
e outras que formão hum sentido torpe e indecorozo,
que a modestia não permite aqui referir ; porém
se devem evitar com grande cuidado principalmente
quando rezulta sentido obsceno, ou equivoco
deshonesto.

Tambem fás a pronuncia aspera e desagradavel o
frequente encontro de letras consoantes asperas assim
como s com s, e z com z, ou s com z, ou z com s,
r
com r, e l com l, acabando huma palavra em qualquer
delas, e começando pela mesma a que se lhe segue
immediatamente, como por exemplo Andas sagás zombando ;
Qual leme ; Mostrar rigor ; a semilhança da primeira
silaba que a precede, como : Anda dama galharda Anarda
amada
 ; a frequente repetição da mesma letra e da
mesma silaba, como : Tem-te peste do mundo tudo entulho ;
a continuação de palavras que acabão no mesmo
som, como Imperatris, Matris &c. tudo isto se deve
evitar para que a expressão seja suave e agradavel, e
212para este fim se deve evitar a fraze por outras palavras
e fórmas que exprimão o mesmo de outro modo.

As palavras podem variar-se por outras que significão
o mesmo e se chamão sinonimas, assim como as
seguintes : Em lugar de Acatamento pode por-se Reverencia,
Honra, Culto, Veneração, Respeito
 ; em lugar
de Abater, pode por-se Humilhar, Abaixar, Prostrar,
Domar, Subjugar
 ; em lugar de Negro pode uzar-se de
Escuro, Tenebrozo ; e assim outras muitas palavras. Os
adverbios, conjunções, e prepozições tambem podem
variar-se uzando de huns em lugar de outros que tem
a mesma significação.

Tambem se pode variar a fraze por palavras que
tem significação contraria, acrescentando, ou tirando,
ou repetindo alguma negação : acrescentando-a como
esta fraze : Isto me agrada, pode variar-se por este modo :
Isto não me desagrada : tirando-a como nesta : Não
recuzo a condição
podemos variar desta sorte : Aceito a
condição
 : repetindo-a como nesta : Lembra-se de mim,
pode variar-se assim : não se esquece de mim.

Pode-se finalmente variar a fraze por palavras que
tem significação relativa, isto he que significão coizas,
que não podem existir sem outras, como por exemplo :
Amo, Creado ; Pai, Filho, Marido, Mulher ; Ensinar,
Aprender ; Dizer, Ouvir
 ; e outras, pois podemos dizer :
Eu não quero ser creado de Pedro, ou Eu não quero
ter Pedro por amo ; Eu sou filho de Antonio
, ou Antonio
he meu pai ; Tu me ensinaste Gramatica
, ou Eu aprendi
de ti a Gramatica ; Tu me disseste isto
, ou Eu te ouvi
isto
. O uzo da Lingua e a lição frequente dos melhores
Autores dela, facilita esta variação e fás adoptar como
proprias as mais elegantes de que eles
uzarão.

Depois que qualquer chegar a exprimir-se com pureza,
com clareza e boa consonancia, pode passar ás
lições da Retorica que ensina a harmonia das palavras
213a sua pureza, e os seus efeitos, e tambem ás lições da
Logica que tem por objeto a exactidão do sentido que
oferece huma propozição. Estas duas Artes ensinão a
dar á expressão das nossas ideas o mais belo ornato, e
a maior exactidão que he possivel.214

Apendis
A' Ortologia
Da Versificação Portugueza.

A Lição dos bons Poetas Portuguezes he muito
interessante para adquirir a energía e elegancia proprias
da nossa lingua ; e para que a mocidade se possa melhor
aproveitar desta lição parece conveniente dar-lhe
primeiro as seguintes noções da versificação Portugueza.

Artigo I.
Que coiza seja verso, e suas diferenças.

O Verso Portugues he hum ajuntamento de silabas
com acentos postos em certos e determinados lugares ;
cuja medida se possa observar com facilidade ; e foi
inventada para deleitar o ouvido, e ajudar a memoria.
A medida do verso fás-se por silabas, e cada verso tem
seu numero proprio determinado, e sensivel.

Os versos Portuguezes dividem-se em grandes e
pequenos. Verso grande he o hendecassilabo ou de onze
silabas, a que tambem chamão heroico : verso pequeno
he todo aquele que se compõe de menor numero de
silabas que o grande, começando a contar desde duas
até dés incluzivamente.

Os versos assim grandes como pequenos dividem-se
tambem em inteiros, agudos, e esdruxulos.

Verso inteiro he aquele que tem acento agúdo sobre
a penultima silaba, e da-se-lhe este nome por acabar
nele inteiramente a ultima palavra, como se vê neste
exemplo.

Se queres descanso procura a virtude.215

Verso agudo he aquele que tem o dito acento sobre
a ultima silaba, como se vê neste exemplo.
Fujamos do vicio que fás muito mal.

Verso esdruxulo he aquele que tem acento antes
da penultima silaba, como o seguinte.
Nossos máos costumes, são triste patibulo.

Nota. Ha muitos nomes que tem o acento predominante
ou agudo nas antepenultimas, e com tudo não
podem ser esdruxulos. Para conhecer quaes são propriamente
os esdruxulos havemos de advertir que estes
ou são verbaes, que nascem de Verbos, acrescentando-lhes
estas dições silabaticas me, te, se, nos, vos,
&c. assim como : ama me, ama-te, ama-se, ama nos,
ama-vos
, &c. ou são nomes assim como credito, redito,
&c. ou são adjetivos derivados ou patronimicos,
assim como Gramático, Matematico &c. ou superlativos
acabados em issimo, assim como : sapientissimo,
amantissimo
, ou em errima, assim como : celeberrima,
saluberrima
, &c. Deve-se tambem notar que estes nomes
prudencia, constancia, astucia, &c. não são esdruxulos,
ainda que tenhão o acento predominante na antepenultima,
porque as duas ultimas letras vogaes fazem
huma só silaba pela figura sinerezis. Nos esdruxulos
desde o acento predominante até o fim vão
tres silabas forçozamente, tambem hade haver letra
consoante entre as vogaes da ultima e da penultima
silaba.

Todos estes versos pode dizer-se que tem o acento
sobre a penultima silaba pela razão de faltar ao agudo
huma silaba breve, e have la de mais no esdruxulo.

Os versos mais ordinarios na Lingua Portugueza são
os de quatro, sinco, seis, sete, oito, e onze silabas ;
tambem os ha de nove, e de des silabas porém estes
são menos uzados.

Os versos de quatro ou sinco silabas chamão-se quebrados,
216ou hemistiquios do verso pequeno, e se compõe
de huma ou mais dições.

O de quatro silabas que tambem se chama redondilho
quebrado, ou cola, forma-se desta sorte !

Inteiro. Porque em prados.
Agudo. Bem mostrou.
Esdruxulo. E Dialectico.

O quinario ou de sinco silabas tem esta fórma.

Inteiro. Falsos amores.
Agudo. Quem bem quizer.
Esdruxulo. Nos campos áridos.

O senario ou de seis silabas, que se chama redondilho
menor, he da maneira seguinte.

Inteiro. Olhos socegados.
Agudo. Rosto singular.
Esdruxulo. Dezejados tálamos.

O setenario, ou verso, de sete silabas, que tambem
se chama heroico menor, he formado deste modo.

Inteiro. Ali te manifesto.
Agudo. De quem me queixarei.
Esdruxulo. Mas o inimigo aspérrimo.

O octonario, ou verso de oito silabas, por outro
nome redondilho perfeito, he o seguinte.

Inteiro. Formoza e mal empregada.
Agudo. Tudo pode huma afeição.
Esdruxulo. Prezidente famozissimo.
217

O hendicassilabo, ou verso de onze silabas, que tambem
se chama grande e heroico, he da maneira seguinte.

Inteiro. As armas, e os varões assinalados.
Agudo. Vasco da Gama, o forte Capitão.
Esdruxulo. O rosto carregado, a barba esquálida.

Nota. O maior numero de silabas a que pode chegar
o verso portugues he de onze, porque só com esta
quantidade he que se pode facilmente observar a sua
medida. Todas as vezes que as silabas forem mais de
onze, ou será proza ou dois versos escritos seguidamente
e na mesma regra. Os de doze silabas chamados
d'Arte maior, são dois de seis e semelhantemente
os demais.

Se hum verso de dés silabas tiver o acento sobre
a ultima, não pertencerá por isso aos versos decasilabos,
mas sim aos hendecassilabos, por não ser mais
do que hum inteiro quebrado. Pela mesma razão hum
esdruxulo de onze silabas não pertencerá tambem ao
genero dos hendecassilabos, mas será da espece dos decassilabos,
por ser sómente hum decassilabo inteiro
com acrescentamento no fim de huma silaba breve.

Pode dizer-se que assim os versos inteiros como
os agudos e esdruxulos, tem todos o acento sobre a penultima
silaba, pela razão de faltar ao agudo huma
silaba brevem e have-la de mais no esdruxulo.

Artigo II.
Das figuras que se uzão no verso.

A Necessidade de restringir as palavras ao determinado
numero de silabas, de que se compõe o verso, fás
que os Poetas se valhão de certas figuras autorizadas
pelo uzo dos bons Escritores, tanto para alongar como
218para encurtar os vocabulos. Pois como muitos termos
na sua quantidade natural se não acomodão aquele espaço
a que se devem reduzir os versos, servem as ditas
figuras para estes poderem encher a sua justa medida.

As figuras que servem de encurtar as palavras chamão-se
Sinalefa, Sinerezis, Aferezis, Sincope, Apocope.

Da Sinalefa se tratou já na Ortologia pag. 151 e
se uza dela quando concorrendo duas vogaes immediatas
em diversas dições, a vogal antecedente se absorve
na seguinte, e se pode fazer com apostrofe ou sem
ele, assim como neste verso.

Porque de vossas agoas Febo ordene.

A palavra Febo acaba em vogal ; e por vogal começa
a immediata ordene ; por isso o o da primeira se embebe
no a da seguinte como se disseramos.

Porque de vossas agoas Feb'ordene.

Aindaque a dição seguinte comece por h sempre
se fás sinalefa pela razão de se não contar a letra h por
articulação. Por exemplo :

Se sempre em verso humilde celebrado.

Faz-se sinalefa da ultima silaba da dição verso para
a primeira da palavra humilde, não obstante começar
esta por h, como se disseramos :

Se sempre em vers'humilde celebrado.

Quando concorrem tres vogaes immediatas, pode,
segundo o pedir a consonancia do verso, absorver-se
huma ou duas, como se vê neste verso de Camões.

Ou porque o amor antigo o obrigava.

Onde no a da palavra amor se absorvem duas vogaes ;
o e da dição porque, e o o, que se lhe segue ;
mas na sinalefa que se fás da palavra antigo para a seguinte
219obrigava, concorrendo trés vogaes immediatamente,
absorve-se huma só, como se disseramos.

Ou porq'amor antig'o obrigava.

Se a vogal antecedente for aguda por si só, ou
porque compõe algum diptongo, não se deve fazer sinalefa.
Da vogal por si só seja este exemplo.

Que gente será esta em si dizião.

Onde com o a da palavra será se não fás sinalefa
para o e da seguinte esta.

Da vogal compondo diptongo seja este exemplo.

Se foi o Mouro ao cognito apozento.

Onde do diptongo oi da palavra foi se não fás sinalefa
para o artigo o, que se lhe segue. A razão de
se não fazer sinalefa neste cazo he porque fazendo-se
fica o verso duro, como se vê nestes dois versos de
Camões.

Mas já as prôas ligeiras se inclinavão.
Queimou o Sagrado templo de Diana.

No primeiro verso he dura a sinalefa da dição já
para o artigo as que se lhe segue ; e no segundo a do
diptongo ou na dição queimou para o artigo o immediato.
Advertindo porém que para se omitir a sinalefa,
he necessario que a vogal antecedente seja rigurozamente
agúda ; que sendo levemente, pode e se deve talves
fazer sinalefa, como se vê neste verso de Camões.

As armas, e os Varões assinalados.

Onde da conjunção e, por ser levemente agúda se
fás sinalefa para o artigo os.

A falta de sinalefa fás muitas vezes o verso languido
e curto, isto he, falto no numero nas silabas que
devêra ter, como este.220

Sobre as azas inclitas da Fama.

Onde deixa de haver sinalefa na segunda silaba e
daqui vem a sua froxidão. Disto ha inumeraveis exemplo
em os nossos antigos Poetas. Porém com tudo pode
haver ocaziões, nas quaes com sinalefa o verso ficará
duro e aspero.

As vogaes em que o som he quazi semilhante como
e, e o i, o o, e u recebem facil e suavemente a sinalefa,
o que passa ao contrario no a e no u, como
se vê nestes exemplos.

Gozar espera da ultima vontade.
Ditoza que eu perdi e tu alcançaste.

O som muito dissimilhante destas vogaes, quando
se pronuncião juntas fás huma ingrata dissonancia
aos ouvidos que são os mais seguros juizes sobre esta
materia.

Sinerezis.

A figura Sinerezis vem do Grego e significa ajuntamento
de coizas divididas, e dá-se este nome á figura
pela qual se contrahem e ajuntão duas silabas em
huma só. A Sinalefa faz-se em diverssas dições, porém
a Sinerezis faz-se dentro da mesma dição. Vê-se
neste verso de Camões.

A fama das victorias que tiverão.

Na dição victorias concorrem immediatamente duas
vogaes que são i e a : na medição absorve-se o i no a
como se disseramos.

A fama das victorias, que tiverão.

Quando a vogal antecedente for longa ou aguda deve
omittir-se a Sinerezis, como se vê neste verso de
Camões.221

Estas palavras Jupiter dizia.

Onde por ser longo o segundo i da dição dizia se
não fás Sinerezis para o a immediato. A razão disto
he ficar o verso duro, fazendo-se Sinerezis em semilhante
cazo, como se vê neste verso de Camões.

Os livros da sua Lei, preceito, ou fé.

O qual he duro por se fazer Sinerezis na dição
sua que tem a primeira aguda.

Concorrendo as duas vogaes, no principio, ou meio
da palavra, ordinariamente se omite a Sinerezis, no
principio, como neste verso de Camões.

E vos Tagides minhas : pois creado.

Onde se não fás Sinerezis do e para o a na dição
creado. Tambem no meio, como se vê neste verso do
mesmo Camões.

Affeiçoada á gente Luzitana.

Onde se não fás Sinerezis do o da dição affeiçoada
para o a, que immediatamente se lhe segue. Achão-se
com tudo exemplos do contrario, como neste verso
de Camões.

Outros em modo briozo soçobrados.

Onde se fás Sinerezis do i na dição briozo para o
o immediato, não obstante estarem no principio da
dição. Outro exemplo do mesmo Camões.

D'Africa as terras ; e do Oriente os mares.

Onde se fás Sinerezis do i da dição Oriente para o
e immediato, não obstante estarem no meio da dição.
Porém deve-se advertir que ambos os versos são algum
tanto duros.

A Sinalefa pode concorrer juntamente com Sinerezis,
222como se vê neste verso de Camões.

O Mouro nos taes cazos sabio e velho.

Onde concorrem as duas letras ultimas da dição
sabio em Sinerezis ; e esta em sinalefa com o e que se
lhe segue, como se disseramos.

O Mouro nos taes cazos sab', e velho.

A falta de Sinerezis e sinalefas nos lugares em que
devem fazer-se costuma tornar languidos e froxos os
versos ; pois não sendo necessario tempo tão largo para
os pronunciar correm assim mais trivialmente, e destituidos
de gravidade. Isto se vê no seguinte verso.

Sceptro imperial da praia amena.

Onde por não haver sinalefa em Sceptro, e Sinerezis
em imperial he muito sensivel a froxidão, e pouca
suavidade.

Os Poetas antigos uzárão de huma figura chamada
Elipse a qual já não esta em uzo. Esta figura Elipse
concorda com a sinalefa em que se fazerem em diversas
dições ; discorda porém, em que diante da vogal antecedente
ha sempre a letra m que fás silaba com ela ;
mas isto não obstante esta letra e essa vogal se absórvem
na seguinte de Camões.

Debatem, e na porfia permanecem.

Neste verso, não obstante o m immediato ao ultimo
e da dição debatem, esse e e m se absorvem na conjunção
e, que se lhes segue, como se disseramos.

Debat'e na porfia permanecem.

Aferezis.

Aferezis he o mesmo que cortamento, e se fás quando
no principio do vocabulo se tira huma silaba assim
como.223

Maginação os olhos me adormecer.
Por bobedas e tectos retumbavão.

Nos quaes versos maginação e bobedas se põe em
lugar de imaginação e abobedas, suprimindo-se-lhes as
silabas iniciaes. E com esta licença se dis frequentemente
no verso ante, inda, onde, te, trás, &c. em lugar
de diante, ainda, aonde, até, atrás, &c. se tira o e
antes de s em innumeraveis vozes, como tambem se
uza de muitas dições simples em lugar das compostas,
assim como : lampejar, rependimento, venturar,
liança, delgaçar
, &c. em lugar de relampejar, arrependimento,
aventurar, aliança, delgaçar
, &c.

Sincope.

Sincope he quando a silab a se corta no meio da
palavra, assim como.

No futuro castigo não cuidozos.
E depois que o licor sabrozo toca
.

Onde se dis cuidozo e sabrozo em lugar de cuidadozo,
e saborozo. E por esta mesma figura se acha
a cada passo no verso difrente, grão, mór, reprensão,
sprito, imigo
, &c. em lugar de diferente, grande, maior,
reprehensão, espirito, inimigo
, &c. Nos antigos se encontra
esteis, is, soidade, perla, desparecer, desalivar,
muto, adormido, luminozo
, &c. em lugar de estejaes,
ides, soledade, perola, desaparecer, desaliviar, muito,
adormecido, luminozo
, &c.

Apocope.

Apocope quer dizer cortadura de letra, e se uza
desta figura quando no fim da dição se corta huma
silaba, assim como.

Porque a Fama te exalte e lizonge ;
Porque como estê posto na suprema.224

Onde lizonge e este em lugar de lizongee e esteja
ficão com a ultima silaba de menos, o que tambem
frequentemente sucede nas vozes des, e guarte &c. em
lugar de desde e guardate, &c.

As figuras que servem para acrescentar as silabas
são sinco e se chamão com os nomes gregos protezis,
epentezis, paragoge, dierezis, e dialefe
.

Protezis he quando no principio da palavra se acrescenta
huma silaba, assim como.

Vai repastar teu gado em outra parte ;
Apolo e as nove muzas discantando.

Nos quaes versos se ajuntão á dição cantando a
silaba dis, e a silaba re se antepôs a pastar para lhes
augmentar o numero, e fazer completa a medida.
Assim mesmo se pode a imitação dos Antigos acrescentar
a particula a em muitos verbos, onde hoje de
ordinario se suprime, e dizer por exemplo : achegar,
acostumar, alembrar, alevantar, amostrar, arrecear,
assocegar, avincular, avoar
, &c. ou ainda em outras
vozes, assim como : acredor, afóra, alagôa, arroído,
atambor
, &c.

Epentezis he quando no meio da palavra se mete
huma silaba ; assim como :

Invejozo vereis o grão Mavorte ;
No grosso escudo rompe do pagano.

Onde Mavorte está em lugar de Marte, e pagano
por pagão, para assim se inteirar a medida dos versos.

Paragoge he quando no fim da palavra se acrescenta
huma silaba assim como :

Da vossa pertinace confiança ;
Do Sangue de Aragão bela Izabela.

No primeiro verso se dis pertinace em lugar de
pertinas, e Izabela em lugar de Izabel. Pertencem á
225prezente figura as vozes felice, infelice, Joane, martire,
mobile, produze, reluze, fugace
, &c. em lugar de
felis, infelis, João, martir, mobil, prodús, relús,
fugás
, &c.

Dierezis he quando huma silaba se desata em duas
assim como :

Da Soberba Tui, que a mesma sorte ;
Da primeira co terreno feio.

Onde o nome Tui he dissilabo, e a dição primeira
tem quatro silabas em razão desta licença.

Nos antigos Poetas *19 achão-se frequentes exemplos
desta figura todas as vezes que o acento na palavra
está posto ou antes da primeira vogal, ou naquela mesma
vogal que se quer desatar ; assim como :

Tu infelice Orféo derramaste ;
Por terra derribado o auréo leito.

Da mesma sorte quando pelo meio do verso de deve
fazer Sinerezis, e depois se segue hum vocabulo
que começa por vogal, se servião os mesmos Antigos
repetidas vezes da sobredita figura.

Dialefe ou separação he quando no verso se não
observa a colizão ou sinalefa, que regularmente se deveria
fazer ; assim como :

Exaltaste tu, Fama a gloria alta ;
De nome infame, e de infame morte.

Deveria fazer-se sinalefa nas palavras gloria alta,
e de infame. O uzo desta figura suposto que não seja
raro entre os nossos antigos Poetas, sendo muito frequente
cauza ao verso debilidade e froxidão.

Com estas noções poderão os principiantes passar
á lição dos nossos Poetas, e ao estudo dos preceitos
que respeitão á harmonia do verso, e do mais que ensinão
os Mestres da Poezia.226

Parte segunda.
Da Ortografia.

Proemio.

Ortografia he huma palavra de origem grega
que significa pintura, ou reprezentação regular, e
para com os Gramaticos significa a Arte de reprezentar
regularmente as palavras, assim como a Ortologia
significa a Arte de bem falar. A Ortologia considera
as palavras como pronunciadas, e a Ortologia as considera
como escritas. E assim como a Ortologia considera
primeiramente as palavras que são os elementos
da propozição, e depois considera a união das mesmas
palavras na propozição ; assim tambem a Ortografia
pode igualmente dividir-se em duas partes correspondentes
ás da Ortologia, a saber : Ortografia das palavras,
e Ortografia do discurso, e esta he a materia dos
dois seguintes Artigos.227

Artigo primeiro.
Ortografia das palavras.

A Ortografia das palavras prescreve as regras convenientes
para reprezentar o material das palavras com
os caracteres proprios de cada lingua. Estes caracteres
ou são elementares ou prozodicos. Os caracteres elementares
são os que servem á reprezentação dos sons
de que se compõe cada palavra, a saber as vozes, e as
articulações : taes são as letras assim vogaes como consoantes
com as suas diferentes combinações, que tem
uzo na Lingua Portugueza. Os caracteres prozodicos
são aqueles que servem para dirigir a pronuncia das
palavras escritas, e são de duas sortes : huns regulão a
mesma expressão da palavra ou dos seus elementos,
taes como a cedilha, o apostrofo, e a divizão ; e outros
advertem o acento, isto he, a medida da elevação da
vós, e são os acentos agúdo, grave, e circumflexo que
caracterizão o som das silabas de cada palavra.

No Artigo primeiro da Ortologia ficão expostos todos
os caracteres assim elementares como prozodicos
que se uzão na Lingua Portugueza. Resta sómente
tratar do arranjamento, ordem e uzo que eles devem
ter na compozição das palavras, mas he primeiro necessario
estabelecer o seguinte :

Principio fundamental da Ortografia Portugueza.

“A Lingua Portugueza deve escrever-se como se
pronuncía, porém he necessario saber a sua verdadeira
pronuncia. Isto se aprende com o estudo da Gramatica
da mesma Lingua, com a lição dos Escritores
dela, e com a cõmunicação das pessoas que a falão
com pureza.”228

Nota. Como os primeiros Mestres das Linguas vivas
cõmumente são mulheres, e gente de pouca instrução,
aprende-se a propria Lingua com muito erro,
e de nenhum modo a pronuncia do vulgo pode servir
de regra para escrever. No uzo mais constante e racionavel
dos Escritores da Lingua, e das pessoas instruidas
nos principios da mesma, he que se deve procurar
a verdadeira pronuncia ; depois disto deve saber-se
a alteração que experimentão as palavras segundo
a diferença que exprimem de genero, de numero,
de pessoas e dos outros acidentes Gramaticaes, que se
tem tratado na Ortologia. A Ortografia supõe estes
conhecimenros, e sem eles não se podem dar regras
para escrever.

He verdade que entre os nossos Escritores ha huma
tal variedade de Ortografia, que não he facil atinar com
os principios porque se regulárão, e pode muito bem
conjecturar-se a sua pouca firmeza, vista a discrepancia
que se nota nos seus escritos. São dois os sistemas
de Ortografia que mais se distinguem, e ambos se
achão patrocinados por graves Autores. Hum he o sistema
da Ortografia etimologica, cujos patronos pertendem
que nas palavras se conservem as letras que
elas tiverão nas Linguas mortas, donde trazem origem,
e que por este respeito se adoptem a articulação
Ph que he dos Gregos e corresponde á nossa F,
o seu y que corresponde a nossa i, o Ch dos Latinos
que no valor gutural forte corresponde á nossa artriculação
C e Q ; e na figura he semilhante á nossa articulação
Ch de muito diferente valor ; e além disto querem
se escrevão algumas letras aindaque aliás se não
pronunciem, só pela razão de que tambem assim se
escrevem na Lingua Latina da qual pertendem que a
nossa seja pela maior parte derivada.

O outro sistema he do Douto Vernei e de alguns
modernos que o seguirão, e pertendem que na escrita
229Portugueza se não uze mais do que do alfabeto Portugues,
e se escrevão em cada palavra só precizamente
as letras que se pronuncião, e alguns levão o rigor
Filozofico a ponto de pertenderem se altere o valor,
que alguns caracteres tem pelo uzo nacional, como
a nossa articulação C que querem tenha o valor forte
antes das vogaes e, i, e que G tenha o valor gutural antes
das mesmas : outros querem se acrescente a articulação
RR ; e finalmente ha quem pertenda formar sistemas
de Ortografia independentes dos outros conhecimentos
Gramaticaes.

Os lemites desta obra não me permitem desenvolver
cabalmente nela os principios em que se devem
firmar as regras da nossa ortografia ; mas o principio
que proponho, de que ela deve ser regulada pela verdadeira
pronuncia, he adoptado em ambos os sistemas,
e só ha discrepancia na aplicação dele ; e a fim
de fazer conhecer o partido que tomo na aplicação
deste principio, farei primeiro humas breves reflexões
deixando aos curiozos a liberdade de escolherem o que
bem lhes parecer, aos Doutos o cuidado de corrigir os
meus defeitos, e dando áqueles que não tem tempo para
se ocuparem com este estudo hum metodo de escrever
a lingua Portugueza de hum modo inteligivel
sem a necessidade de prevenir primeiro os Leitores.

Pelo que respeita a Ortografia etimologica he innegavel
que nada ha mais proprio para fixar e esclarecer
as Linguas, e para facilitar a sua inteligencia e estudo
do que o conservar-se na escrita os vestigios que indicão
a origem, e analogia das palavras ; mas estes vestigios
consistem mais nos sons de que elas se compõem
do que nos caracteres que os reprezentão ; e nenhuma
necessidade ha na Lingua Portugueza de escrever letras
que se não pronuncião, e muito menos as que são
estranhas ao seu alfabeto, para com elas indicar a origem
das palavras. Porque aqueles que com os devidos
230conhecimentos quizerem indagar esta origem podem
facilmente esaber as alterações que tem padecido o alfabeto
de cada Lingua, e a correspondencia entre os caracteres
dos diferentes alfabetos ; e aqueles que não tem
os conhecimentos devidos para as indagações etimologicas
nada se aproveitão dos caracteres etimologicos de
que abundão os nossos Livros, e dos quaes rezulta hum
grande embaraço á nossa Ortografia.

A'lem disto : não he só nas Linguas Latina, e Grega,
ou ainda Hebraica que se deve procurar a origem
das palavras, como cõmummente pertendem os Ortografos
etimologistas ; he necessario recorrer a outras
Linguas de que a nossa igualmente tem derivado hum
grande numero de palavras ; e sobre tudo se deve remontar
á linguagem primitiva donde todas se derivárão ;
porém estas indagações requerem conhecimentos, tempo,
e meios que não podem ter todos aqueles, que pelo
seu estado, e interesse tem precizão de escrever ; e
não parece racionavel o ir procurar em huma lingua
estrangeira e morta, ignorada da maior parte da Nação
os fundamentos da nossa Ortografia, que a todos convêm
saber. Ao todo da Nação deve a sua Lingua ser
mais precioza do que outra qualquer ; nem se deve
condemnar á ignorancia de huma coiza tão importante
todos aqueles que não tem podido estudar o Latim e o
Grego, nem tem as luzes necessarias para indagar a
etimologia das palavras, o que não he tão facil como
ordinariamente se pensa. M.r Curt de Gebelein no terceiro
tomo das suas obras, que ha pouco publicou, onde
trata da origem da linguagem e da escritura, ainda foi
o primeiro que estabeleceo os verdadeiros principios e
assinoa as regras mais seguras da Arte etimologica,
abrindo nova carreira para descobrir com toda a certeza
a primeira origem das palavras ; carreira desconhecida
aos etimologistas que o precederão ; porém são poucos
os que podem aproveitar-se destas luzes. Os Sabios e
231principalmente os Dicionaristas he que podem e devem
servir-se delas para regular a pronuncia e ortografia da
lingua ; a multidão não pode ocupar-se com etimologias,
nem indagar as alterações que as palavras tem
padecido pelo curso dos seculos : o mais que dela se
pode exigir he de que estude a Gramatica da sua Lingua,
e que regule a escrita pela pronuncia autorizada
pelo uzo mais geral, e unanime entre os Escritores do
tempo, com os caracteres proprios da lingua, e segundo
o valor que o mesmo uzo lhes tem determinado.

Esta observação justifica em grande parte o sistema
moderno ; e se os seus Autores se limitassem a
propor objetos de reforma, e demonstrando as ventagens
que d'aqui podião rezultar esperassem a decizão
do uzo nacional, seriá o seu trabalho mais louvavel
e digno de reconhecimento. A nossa Ortografia já não
he a de que uzavão os nossos antepassados ha duzentos
ou trezentos annos : ela tem melhorado com as
alterações que tem tido, e ainda talves poderá ser susceptivel
de maior gráo de simplicidade sem inonveniente ;
mas ninguem se deve afastar das decizões do
uzo por mais caprichozas e inconsequentes que elas
pareção. Poderão acrescentar-se novos caracteres e alterar-se
o valor dos estabelecidos, mas era quanto o uzo
universal não admitir a reforma proposta, he indispensavel
o uzar dos conhecidos e autorizados pela multidão
e uzo da mesma nação, que he o Legislador natural
e necessario de huma Lingua. E nem os pertendidos
caracteres etimologicos, nem as alterações que
os modernos tem proposto no alfabeto Portugues, tem
ainda tudo aceitação geral. Adoptar o Ch dos Latinos,
o Ph e y dos Gregos para quem não sabe estas linguas ;
mandar dobrar as letras sem assinar regras seguras e
que possa comprehender quem a penas pode estudar a
Gramatica da sua Lingua, escrever C forte e G sem a
232antes das vogaes e, e i, e ainda deixar de dobrar s entre
vogaes quando a pronuncia he forte ; tudo isto offende
a pronuncia uzual, e serve de embaraçar a nossa
ortografia, que se deve facilitar o mais que for possivel,
para a fazer mais comprehensivel áqueles que tem
pouco tempo para gastar com este estudo.

Mas como se não pode regular a escritura das palavras
sem conhecer a natureza delas, e os acidentes
que experimentarão segundo os diferentes empregos que
elas podem ter na expressão, não se pode tratar da Ortografia
de hum modo completo separadamente do resto
da Gramatica. A Ortologia e a Ortografia se socorre
mutuamente, e devem ir em igual paralelo.

A' vista do exposto he facil conhecer o sistema de
Ortografia que proponho. Depois de ter ensinado na
primeira parte desta Gramatica a lêr a Lingua Portugueza
no mesmo estado em que ela se acha, e segundo
os diferentes sistemas dos seus Escritores ; nesta segunda
parte pertendo ensinar a escreve-la com os seus caracteres,
e segundo o uzo que me parece mais consequente,
e tendo o devido respeito á pronuncia mais
autorizada ; e he quanto eu julgo prezentemente se
pode facilitar a nossa Ortografia.

Regra primeira.
A escritura deve imitar a ordem da pronuncia.

“Para escrever qualquer palavra deve-se primeiro
pronunciar bem ; e distinguindo todos os sons de que
he composta, escreve-los pela mesma ordem da pronuncia
com os caracteres proprios do Alfabeto Portugues,
que a cada som competir, segundo o valor que
lhes fica na Ortologia.”233

Nota. Em cada palavra distinguem-se diversos sons
com diferentes modificações, ou tambem sem alguma
modificação. Os sons reprezentão-se, ou com as sinco
vogaes a, e, i, o, u, simples, ou com elas compostas
humas com as outras em diptongos ae, ai, ao, au,
ei, éo, êo, eu, io, oe, ôi, ou, eu ; ãe, ãi, ão, õe, ũa,
ũu
 ; ou com as vogaes compostas com as sinco letras
L, M, N, R, S, que formão as vozes Al, el, il, ol,
ul ; Am, em, im, om, um ; An, en, in, on, un ; Ans,
ens, ins, ons, uns ; Ar, er, ir, or, ur ; As, es, is,
os, us
, como já ficão expostas no Artigo 1.° da Ortologia
§. 2.° 3.° e 4.° As modificações destes sons reprezentão-se
com as nossas vinte articulações a saber B,
P, V, F, M, N, Nh, D, T, G, C, Q, L, Lh, R,
R, Z, S, Ç, X, J G, Ch
 ; com certas combinações
de letras consoantes como : Bl, Pl, Fl, Gl, Cl ; Br,
Pr, Vr, Fr, Dr, Tr, Gr, Cr ; Bd, Bs, Ps, Pt, Mn,
Ct, Gd, Gm, Gn
 ; o que tudo fica exposto no §. 6.° do
sobredito artigo.

Na antecedente nota já fica advertido que não necessitamos
augmentar o numero das vogaes com o y,
e das articulações com o Ph dos Gregos, porque temos
i que corresponde no valor a y, e F, a Ph, e de
pouco ou nada servem para a etimologia ; e suposto
sejão já bastantemente uzados ainda cauzão algum embaraço
na leitura ás pessoas pouco versadas : o mesmo
se deve dizer das nossas articulações T, R aspiradas
com h, porque esta aspiração nada influe no valor das
mesmas articulações ; e assim podemos escrever sem
erro Silaba, misterio em lugar de Sylaba, mysterio ; Filozofia,
Ortografia
em lugar de Philosophia, Orthographia ;
Teologia, Retorica em lugar de Theologia, Rhetorica :
basta que estes caracteres sejão superfluos na
nossa lingua, para se deverem abandonar.

O Ch dos Latinos deve inteiramente desterrar-se da
Lingua Portugueza, principalmente quando se lhes segue
234alguma vogal ; e antes de a, o, u deve escrever-se
c sem h, como em caridade, coro ; e antes de e, i deve
escrever-se Qu, como Querubim Quimerá, e de nenhuma
sorte se deve escrever Charidade, Cherubim, Chimera,
Choro
, porque isto embaraça a nossa ortografia
obrigando a dar á nossa articulação ch dois valores diferentes
e não he facil assinar regra para os destinguir.
Ja he sobejo o termos C, e Q, e tambem K com o
mesmo valor. Quando porém depois de Ch se segue a
letra R, como nas palavras Christo, Chrizologo, Chrizostomo,
e outras nenhum inconveniente cauza o escrever
o c aspirado com h, como tambem nas silabas finaes
das palavras chamadas peregrinas como Elizabeth,
Jafeth, Judith, Goliath, Ruth
.

Os nomes estrangeiros costumão geralmente escrever-se
em Portugues com as mesmas letras que tem
nas suas linguas donde são naturaes, do que rezulta
ordinariamente alterar-se a sua pronuncia, porque he
maior o numero d'aqueles que ignorão a pronuncia
estrangeira do que o d'aqueles que a sabem ; e onde
se fás mais sensivel esta diversidade he nos nomes Francezes,
onde a pronuncia tem huma grande diferença
da Ortografia, pois escrevem por exemplo Voltaire, e
Rosseau, e pronuncião Voltére, e Rossô. E se os Portuguezes
ignorantes da pronuncia Franceza pronunciarem
os referidos nomes Voltaire, e Rosseau segundo o
valor que sabem ter as letras com que estão escritos,
soarão nomes muito diferentes, e ninguem os entenderá ;
e para lhes darem a devida pronuncia e para
que os mesmos Francezes os entendão devem escrever
Voltére, e Rossô. E por que parece mais racionavel o
mudar as letras com que se escrevem os nomes Estrangeiros
para lhes dar a devida pronuncia, do que alterar
os nomes das pessoas, julgo mais acertado reprezentar
os sons de que se compõem os nomes Estrangeiros,
com as letras Portuguezas que mais lhes correspondem.235

Se todas as letras do Alfabeto Portugues tivessem
hum valor constante e distinto seria facil a aplicação
desta primeira regra, e não haveria precizão de outra
alguma mais para poder escrever regular. Porém nenhuma
lingua goza de tal ventagem ; e ainda que a
Portugueza he reconhecida na Europa como a mais
simples, e aquela em que as letras tem hum valor mais
constante, ainda nela se confunde o som de algumas
letras com o de outras, e se costumão reprezentar diferentes
sons com huma mesma letra, e hum mesmo
som com diversas letras ; e por isso se fazem indispensaveis
as seguintes regras.

Regra segunda.
Sobre a distinção das vogaes que se confundem.

“Em todas as palavras de huma mesma origem deve
conservar a maior semilhança possivel sem ofensa
da pronuncia, nem das modificações estabelecidas
pelo uzo. Por esta semilhança se distingue o som de
algumas vogaes que se confunde com o de outras, considerando
a mesma palavra em outra formação, ou
derivação onde o som da vos duvidoza se faça mais
claro.”

Nota. As letras vogaes que mais se confundem são
o E com o I, e o O com o U, principalmente quando
são seguidas de alguma vóz aguda, como por exemplo
nos Verbos Cear, e Moer, pode duvidar-se das primeiras
vogaes, e se se deve escrever antes Ciar e Muer ;
para tirar esta duvida não ha mais do que considerar
estes Verbos no Prezente do Indicativo Eu ceio, Eu môo
onde se percebe mais claramente e em Cear, e o em
Moêr.236

Assim tambem de Ferir se deriva Ferida, Ferimento,
e não Firida, Firimento ; de Gemer deriva-se Gemido,
e não Gimido ; de Mealha, Mealheiro, e não
Mialheiro ; de Thezouro, Thezoureiro, e não Tizoureiro ;
de Venda, Vendeiro, e não Vindeiro ; de Veste,
Vestido
, e não Vistido ; de Pomo deriva-se Pomar, e
não Pumar ; e assim outras.

Regra terceira.
Sobre as vozes em que a pronuncia não distingue as
letras M, ou N.

“A Pronuncia das vozes compostas com as vogaes,
e com a letra M, não se distingue das que são compostas
com a letra N, principalmente no principio e
meio das palavras ; porém antes de B, P, M, devem-se
escrever estas vozes sempre com M ; e tambem nas
palavras compostas com o adverbio Bem, e com as prepozições
Circum e Com, que conservão a letra M na
compozição : antes de todas as outras letras consoantes
devem-se escrever sempre com N.”

Nota. Em regra de se escrever sempre M antes de
B, P, e M, he fundada na proporção dos orgãos com
que se pronuncião estas letras ; e assim devemos escrever
Ambos, Amparo, e não Anbos, Anparo. E pelo
contrario devemos escrever Antonio, Andar, e não Amtonio,
Amdar
 : devemos escrever Immenso, e não Inmenso ;
Bemfeitor, e não Benfeitor ; Bemvisto, e não
Benvisto ; Circumferencia, Circumcizão, Circumstancia,
e não Circunferencia, Circuncizão, Circunstancia ; Comtigo,
Comsigo
, e não Contigo, Consigo ; da mesma sorte
Comnosco, Comvosco, Comtudo, &c.237

Em alguns nomes se costuma escrever M antes de
N, como Calumnia, Omnipotente, Solemne, Damno,
Himno
, por assim se derivarem da Lingua Latina ; e
alguns Escritores convertem o M em N, escrevendo
Calumnia, Damno, Solemne. Adverte-se tambem que nenhuma
palavra Portugueza deve acabar em N.

Regra quarta.
Sobre as vozes compostas com S, ou com Z,
ou com X.

“Nem a pronuncia distingue as vozes compostas
das vogaes com a letra s, das que se compõem com
z, ou x ; nem ha inconveniente em as escrever sempre
com s quando a pronuncia assim o pede. A vós
ex tem pronuncia particular de eis.”

Nota. No principio e meio das palavras nenhuma
duvida se oferece para distinguir a pronuncia de s ou
de z ou de x ; porém os nossos Ortografos querem se
escrevão muitas palavras com z final em lugar de s,
como Rapaz, Xadrez, Juiz, Noz fruta, Cruz e outras
com o fundamento de terem z nos seus pluraes,
como Rapazes, Xadrezes, Juizes, Nozes, Cruzes ;
como tambem nas formas de alguns verbos de que se
formão outras com z, como de Faz, Fazemos, Fazem,
&c. de Diz Dizemos, Dizem, &c. porém isto
não parece suficiente motivo, para nos desviarmos da
pronuncia, e multiplicar os embaraços da Ortografia
com catalogos das palavras que finalizão em s, ou em
z ; e não ha implicancia alguma em que os nomes no
singular de escrevão com s, e no plural com z, dizendo
Rapás no singular, e Rapazes no plural, e da
238mesma sorte nas fórmas dos Verbos escrevendo Fás e
Dís no singular, e Fazemos e Dizemos no plural, e
assim nas mais. Os equivocos de algumas palavras como
os de Nós e Vós pronomes com Nós fruta, e Vós do
homem se tirarão pela serie do discurso, assim como
outros que ha em a nossa Lingua, sem que se possa facilmente
dar regra para os evitar na escrita assim como
na pronuncia, como por exemplo Sêde verbo, e Sêde
apetencia de beber ; Rio de agoa, e Rio fórma do verbo
Rir.

O mesmo se deve dizer das palavras que alguns
Ortografos querem se escrevão com x final como Index,
Apendix
, as quaes muito bem se podem escrever
com s Indes, Apendis segundo a pronuncia.

A prepozição Latina ex que tambem nos serve para
compozição de algumas palavras, como Exceder,
Explicar
, e outras pronuncia-se como eis, e assim tem
uzado alguns Escritores modernos escrevendo Eisceder,
Eisplicar
, porém como he a única vós que temos com
x não cauza embaraço á Ortografia ; e não ha precizão
de alterar a escritura desta prepozição.

Regra quinta.
Sobre a escritura dos diptongos cujo som se
confunde.

“Nas primeiras vogaes dos nossos diptongos nenhuma
duvida se pode oferecer para as escrever, porque
a pronuncia as distingue ; mas não he assim nas
quatro E e I, O e U que são sempre as segundas vogaes
com que se compõem os diptongos, e tendo hum
som muito tenue se confunde muito o de E com o
de I, e o de O com o de U. O uzo porém dos Escritores
239da Lingua he que nos deve regular ; e para isso
se deve notar que se uza.

De

ae- Nos pluraes dos nomes em al ol como Animaes,
Sinaes, Quaes, Caracoes, Anzoes
.

ai- No adverbio Mais, em muitas palavras como
Baixo, Saraiva, Caixa, Taipa ; e principalmente
nas fórmas dos Verbos, como Amais,
Buscais, Estimais, Digais, Façais, Ouçais,
Ponhais
.

De

êo- No fim das palavras, como em Náo, Calháo,
Degráo
.

au- No principio meio das palavras : como Cauza,
Pauza, Audiencia, Centauro
, &c.

De

êo- Nos passados da segunda conjugação, como
Lêo, Comêo, Merecêo, Defendêo, &c.

eu- Nos pronomes Meu, Teu, Seu ; e em alguns
nomes como Breu, Feudo, Eunuco, &c.

De

ãe- Em alguns pluraes dos nomes em ão como
Alemães, Capitães, Cães, Pães, &c.

ãi- Em Mãi e Mãis tão sómente.”

Nota. Alguns Escritores acrescentão os diptongos iu
que se confunde com io, ei com a primeira aguda que
se confunde com oe, ai que se confunde com ae porem
como estes diptongos iu, oi, oi são menos uzados, e
desnecessarios, não convem implicar mais a nossa Ortografia
com eles. Os diptongos da segunda especie
uzão-se sempre no fim das palavras.

Os nossos antigos tinhão os diptongos ẽe, õo ; porém
tem prevalecido o uzo de escrever estas mesmas
vozes sem a segunda vogal no singular dizendo Bem,
Bom
, em lugar de Bẽe, Bõo ; e no plural converter a
letra M em N e acrescentando-lhe s, como Bens em lugar
de Bẽes, Bons em lugar de Bõos ; e como isto não
ofende a pronuncia não parece necessario restabelecer o
antigo uzo.240

Regra sexta.
Sobre as vogaes ou vozes aspiradas com H.

“A Letra H não tem som proprio na Lingua Portugueza
e precedendo ás vogaes, ou vozes serve tão
sómente de as aspirar : esta aspiração pode suprir-se
por meio de hum acento, e he indiferente uzar de
hum, ou outro sinal, visto que de qualquer destes modos
se salva a pronuncia ; e he dificultozo saber todas
as palavras, que a tem de origem, ou por uzo. Nas
interjeições porém uza-se sempre da aspiração H escrevendo
Ah ! Hui ! Oh ! &c.”

Nota. Está em uzo escrever com H no principio
muitas palavras segundo a sua origem Latina, como
Habil, Habitar, Herdar, Herança, Historia, Honesto,
Homem, Hoje, Humilde
, e outras ; todos os modos,
e tempos do verbo Haver ; os futuros de todas as conjugações,
como : Amar-se-há, Dir-se-há, Ouvir-se-há,
Pôr-se-há
, e tambem nos seus pluraes. O mesmo
se observa por uzo nas palavras Hum, Huma, e na
terceira pessoa do indicativo do verbo Ser He para a
distinguir da conjunção E. tambem se uza no meio
de muitas palavras, como Deshonra, Deshonesto, Cahir,
Sahir, Exhibir, Inhibir, Prohibir, Comprehender,
Reprehender, Vehemente, Vehiculo
, e no meio de
certos tempos de varios verbos, em que ha tres vogaes
juntas fazendo cada huma som por si, como Dohia,
Cahia, Concluhia, Mohia
.

Alguns Modernos tem pertendido que se não uze
de H senão em as nossas articulações Ch, Lh, Nh, e
quando muito nas interjeições, e que para indicar as
241vogaes aspiradas se adopte unicamente o acento agudo,
assim como entre os Gregos, comtudo o uzo
mais geral ainda os conserva, e ambos os partidos são
patrocinados por graves Autores : cadahum pode tomar
o que melhor lhe parecer.

Regra setima.
Sobre as letras dobradas.

“A Boa pronuncia já não sofre vogaes dobradas
do mesmo genero e qualidade, e pertencendo á mesma
palavra, como os antigos uzavão. Nem tambem
exige mais consoantes dobradas do que a letra R entre
vogaes, quando a pronuncia he forte ; e da mesma sorte
a letra S, e pela mesma razão, em quanto o uzo
não deziste de a pronunciar com som de Z entre
vugaes.”

Nota. Alguns dos nossos antigos costumavão dobrar
as vogaes nos monosilabos escrevendo Maa, Fee,
See, Vii, Lii, Doo, Poo, Nuu, Cruu
, e talves que
na pronuncia mais vagaroza as distinguissem, porém
hoje que a mesma pronuncia se tem aperfeiçoado, e
juntamente a escritura, escrevem-se as mesmas palavras
com huma só vogal com acento, onde ha equivoco
desta sorte : Má, Fé, Sé, Ví, Lí, Dó, Pó, Nú,
Crú
. Mas isto se deve entender sendo as vogaes do
mesmo genero, e qualidade, e pertencendo á mesma
palavra : a palavra correio finaliza com tres vogaes,
mas diferentes. A algumas linguagens dos verbos se
ajuntão os pronomes O e A dizendo Amava-a, Amando-o,
mas são palavras compostas e por isso se escrevem
com a risca de divizão ; assim tambem a palavra
242cooperar que tambem he composta da prepozição
com, e operar perde a letra M nesta compozição.

Os nossos Ortografos etimologistas ensinão que se
devem dobrar algumas consoantes no meio das palavras
para mostrar a origem Latina, donde se adoptárão,
como por exemplo que em Abbade se deve dobrar
a letra B, porque os Latinos o dobrão em Abbas,
e assim outras. Tambem querem se dobrem quando
na adopção de alguma palavra se converte huma letra
em outra, como por exemplo que em Trattado se
deve dobrar T, porque em Tractatus, donde se deriva
se converte o C em T ; porém em quanto não dão
outra razão, nem assinão regra para os que não podem,
ou não sabem averiguar a origem Latina, nem
consultar o Diccionario a cada passo para isto, pode
deixar-se de escrever letras dobradas, quando assim
não tem mais valor do que singelas, porque se não
ofende a pronuncia, e he já recomendado, e praticado
por muitos Doutos.

Querem mais que se dobrem nas palavras compostas
com as prepozições, como já fica advertido na
Ortologia Capitulo 8.° §. 4.° Quem souber pode pratica-lo
assim, ou observar o que milhor lhe parecer,
pois de qualquer das sortes fica salva a pronuncia.

Outros tambem querem que se distingão as palavras
de diversa significação, suposto que com a mesma
pronuncia, dobrando algumas das letras com que
se escrevem : como por exemplo as seguintes.

Barata, de pouco preço. | Baratta, bicho.
Bota, de calçar. | Botta, de vinho.
Capa, do verbo capar. | Cappa, vestido.
Cometa, Meteoro. | Cometta, verbo.
Moleira, do moinho. | Molleira, da cabeça.
Molinhar, moêr. | Mollinhar, chover.
Pena, castigo. | Penna, das aves,
243Saca, verbo. | Sacca, sacco grande.
Velár, de noite. | Vellar, a Freira.

Parece racionavel esta pertenção, suposto que os
equivocos da escrita podem tirar-se pelo sentido, assim
como os da pronuncia.

A letra R tem dois valores com a mesma figura :
no principio de palavra, ou quando no meio dela he
precedida de outra consoante, tem o valor forte, como
se vê em Rancor, Honra ; quando está entre vogaes
costuma ter o valor brando como em Amaro, Caro.
E quando a pronuncia pede esta articulação forte entre
vogaes costuma dobrar-se esta letra, como em
Carro, Perro. Alguns Escriptores modernos tem pertendido
se dobre esta letra sempre que for articulação
forte ; porém não ha necessidade de a dobrar senão
entre vogaes, porque só neste cazo he que tem
dois valores : no principio de palavra e depois de outra
consoante sempre se lhe dá o valor forte, e não ha
precizão de dobrar a letra.

O uzo mais geral costuma dar á letra S entre vogaes
o valor Z, lendo Casa, Mesa, como Caza, Meza ;
e ainda que uzando do S com o seu som natural
sem lhe dar o improprio de Z, nenhuma necessidade
ha de o dobrar entre vogaes, comtudo deve atender-se
ao uzo ; e ainda que aliás se não uze dele com o
valor de Z, deve dobrar-se para evitar algum erro de
pronuncia a quem ainda não estiver advertido.244

Regra oitava.
Sobre o uzo da letra C ou Q.

“O Valor mais constante, que tem a letra C he
o gutural forte, e com ele se deve uzar todas as vezes
que a pronuncia o pedir, excepto antes das vogaes
E e L que se deve uzar de Qu escrevendo Que,
Qui
, por condescender com o uzo de dar a C antes
destas vogaes o valor de S. E dando a Q o nome e valor
de Qu que tambem he constante, nenhuma duvida
se pode oferecer para distinguir o diferente valor,
que estas letras tem na pronuncia.”

Nota. A letra C tem antes de sua natureza o valor forte,
e he para nós o que he K para os povos do Norte e
Orientaes : este valor tinha antigamente antes de todas
as vogaes, como se colige de varios monumentos.
Depois da introdução do ç plicado que nos veio
dos Mouros, he que tem prevalecido o uzo de dar
a C antes das vogaes E, I o valor como de S, e de tal
sorte está introduzido que já se julga superfluo o pôr-lhe
plica antes destas vogaes. Este uzo não he racionavel,
porém devemo-nos acomodar a ele, visto estar
universalmente arraigado. E assim podemos escrever
Se, Si em lugar de Ce, Ci quando a pronuncia he branda ;
mas nunca poderemos escrever Ce, Ci com pronuncia
forte dando a C o valor de Q e lendo Que, Qui.

A letra Q segundo os antigos pronuncia-se como
devemos pronunciar C, sem se diferençarem estas duas
letras mais do que na figura, e por esta razão muitos
Autores assim Latinos como Portuguezes a tem julgado
ocioza, e superflua em ambas as Linguas. Mas
como o uzo geralmente estabelecido he de nunca escrever
245Q sem U diante, por isso se lhe pode dar o nome
de Qu para a diferençar de C no nome, assim como
se diferença na figura ; e devemos uzar dela sempre
antes de E, I quando a pronuncia he forte escrevendo
que, qui como em Quero, Quimera ; e antes de A,
O, U
, devemos uzar de C como em Cama, Corpo, Custo.
E quando antes destas vogaes A, O se distinguir
U deve uzar-se de Q como em Quarenta, Quarta, Qualidade,
Quanto, Propinquo
, &c. Na Lingua Portugueza
não ha exemplo em que se escreva quu.

Regra nona.
Sobre o uzo da letra G e J.

“Deve uzar-se da letra G com o seu som gutural
proprio e primitivo, e que ainda conserva antes
das vogaes A, O, U, e antes de qualquer das consoantes,
quando a pronuncia assim o pedir : e quando a
mesma pronuncia exigir o mesmo som antes das vogaes
E, I deve escrever-se seguida de U liquido para
condescender com o uzo. E em quanto se não assinar
regra segura e facil para distinguir o valor improprio
que se costuma dar a esta letra antes das mesmas vogaes
E, I, o qual se confunde com o que damos a J,
pode-se escrever sempre J onde a pronuncia o pedir,
no que nada sofre a mesma pronuncia, e pouco perde
a Etimologia.”

Nota. Muitos Criticos com graves fundamentos conjecturão
que a letra G teve antigamente antes de todas
as vogaes o mesmo valor, que ainda conserva em todas
as Nações antes de A, O, U, e entre os Castelhanos
tambem antes de E, I, pois que pronuncião Gente
246Gibão
como nos pronunciariamos se estivesse escrito
Guente, Guibão. Este he o valor proprio e natural,
que deveria ter a letra G antes das vogaes e, i, assim
como o tem antes de a, o, u ; porém esta alteração
do valor e do nome desta letra, recebemos tambem
dos Mouros como a da letra C ; e suposto que sem
ofensa da pronuncia nos podemos eximir de escrever
ge, gi escrevendo em seu lugar je, ji, comtudo para
restituir a esta letra o seu valor natural e primitivo,
não podemos dispensar nos de lhe acrescentar o u liquido,
e assim devemos escrever Ga, gue, gui, go,
gu
como nas palavras Gama, guerra, guita, goma,
gume
 ; e de nenhuma forma podemos escrever Gerra,
gita
sem ofender a pronuncia uzual.

A letra J vulgarmente chamada I consoante deve
reputar-se por huma das nossas articulações, e nenhum
inconveniente se segue de uzar dela antes de todas as
vogaes, todas as vezes que a pronuncia o pedir, como
em Jarro, Jejum, Jiesta, Jogo, Jugo. Este uzo pelo
curso do tempo poderá fazer desnecessario o u depois
do g antes das vogaes e, i.

Regra decima.
Sobre o uzo de Ç ou S, e Sc.

“As letras ç e s devem considerar-se como duas
figuras de huma mesma articulação, e com o mesmo
valor, não só antes das vogaes a, o, u, mas tambem
antes de e, i ; e não sendo facil assinar regra para saber
as palavras em que se deve uzar de huma, ou de
outra, pode escrever-se sempre s, ou uzar-se de ç naquelas
palavras, em que o uzo dos bons Escriptores o
tem admitido ; e podem tambem distinguir-se algumas
247de diferente sentido, e com a mesma articulação.
Sc só se uza antes das vogaes e, …”

Nota. O ç plicado he hum verdadeiro s ainda mesmo
antes das vogaes e, i, suposto que com estas duas
vogaes se escreva sem plica, por sempre se lhe entender.
O recorrer á Etimologia para saber quando se
deve uzar de ç ou de s não he facil a todos ; e alem
disto a mesma Etimologia se acha encontrada pelo uzo
em algumas palavras, pois uza-se escrever çafira de
sapphirus, çanfonina de simphonia. E tambem está em
uzo escreverem-se muitas palavras com ç puramente
Portuguezas tanto nas silabas iniciaes, como nas medias
e finaes. Por tanto parece se pode seguir o uzo
dos bons Escritores nas palavras em que uzão de ç ;
e havendo duvida pode escrever-se sempre s. Mas visto
termos palavras com esta articulação, cuja pronuncia
he analoga a outras de diversa significação podem
destinguir-se na escrita uzando n'umas de ç, e noutra
de s, como as seguintes.

Aço Ferro fino. | Asso a carne verbo.
Cêda verbo. | Sêda nome.
Cegar os olhos. | Segar o pão.
Cela de Frade. | Sela de cavalo.
Celeiro de trigo. | Seleiro que fás selas.
Cem numero. | Sem prepozição.
Cerrar com fecho. | Serrar com serra.
Cervo veado. | Servo captivo.
Cesta vazo de vime. | Sesta nome numeral por sexta.
Cinto que cinge. | Sinto tomo sentimento.
Concelho ajuntamento do povo. | Conselho dos Sabios.
Apreçar fazer preço. | Apressar adiantar os passos.
Empoçar meter no poço. | Empossar tomar posse.
Incerto duvidozo. | Inserto enxerido.
248Maça de ferro. | Massa de farinha.
Moça que serve. | Mossa da espada.
Paço caza Real. | Passo de sinco pes.
Pasço o gado. | Passo ando.
Çumo çuco. | Summo grande.

Tem a Lingua Portugueza varias palavras derivadas
de Latim e do Grego onde elas principião por
sc, sp, st, assim como Escandalo, que se deriva de
Scandalum, Escorpião de Scorpio, Escudo de Scutum,
Escriptor
de Scriptor, Escrever de Scribere, Espirito
de Spiritus, Estado de Status, porém em Português
tomão hum e antes do s, como se vê em Escandalo,
Escudo, Escritor, Estado, Escrever, Espirito, Estado
,
o que se observa sempre principalmente quando depois
de sc se segue algumas das vogaes a, o, u, ou alguma
consoante, como se pode vêr nas sobreditas palavras.
Mas quando depois de sc se seguem as vogaes
e, i conservão o sc e não tomão e como se vê nas palavras
Sceptro derivadas de Sceptrum ; Scipião de Scipio ;
Sciencia de Scientia.

Alguns modernos tem pertendido que se tire o c
escrevendo Siencia, Septro, Sipião ; outros querem
que se escrevão todas as sobreditas palavras em Português
com sc, sp, st como na sua origem sem lhe antepôr o
c. O uzo mais constante he o que se indica na regra ;
cada hum escolha destes o que melhor lhe parecer.249

Regra undecima.
Sobre o uzo do Til.

“O Til desta figura (~) he hum sinal inventado
para suprir nas abreviaturas as letras que se omitião
na escrita ; porém hoje o seu uzo mais frequente he de
suprir a letra m nos diptongos da segunda espece, e
se deve pôr sobre a primeira vogal dos mesmos, com a
qual se deve considerar a letra m unida na pronuncia.”

Nota. Os antigos uzárão muito de abreviaturas, e
o til veio a ser o mostrador delas. Escrevião. Mĩa por
Mizericordia, Bp̃o por Bispo, Ap̃lo por Apostolo, Tp̃o
por Tempo, e assim outras : prezentemente a que está
mais em uzo he de por que. As outras escrevem-se
sem til. Porém nos diptongos da segunda espece
he indispensavel o uzo do til, para suprir a letra
m, que se une na pronuncia á primeira vogal,
pois escrevendo-se poderia pronunciar-se como consoante
ferindo a vogal seguinte, sendo que ela nestes
diptongos deve considerar-se como constituindo huma
vós com a vogal que lhe precede, e de nenhuma sorte
como consoante ; e assim ãi, ão, õe, ũa, ũi, he o
mesmo que Am-i, Am-o, Om-e, Um-a, Um-i, como
já fica advertido quando se tratou dos mesmos diptongos
na Ortologia Artigo 1. §. 4. D'aqui se segue que
o til deve sempre pôr-se sobre a primeira vogal de
cada diptongo, e que he erro pô-lo sobre a segunda
como vulgarmente se costuma.

Deve porém advertir-se que o til não supre a letra
m como articulação, e assim as palavras Manoel,
250Roma, Amaro
não podem escrever-se ãnoel, Rõa, ãaro.
E tambem que suposto o til possa suprir m e n antes
de outras consoantes, não se uza dele senão quando
ha necessidade, pois não se costuma escrever Contẽplar
por Contemplar, Cõbinar por Combinar, Cãtar por
Cantar, Mẽtira por Mentira. Por ser muito sabida a
pronuncia da palavra Huma, he pouco uzado o suprir-lhe
o m com til.

Quando a vós am he final de palavra como em
Christam, Lam, Maçam será conveniente suprir o m
final com til por cima da vogal a, escrevendo Christã,
Lã, Maçã
, e assim outras similhantes, visto que muitos
na pronuncia confundem o som da vós am com o
diptongo ão, escrevendo Tostam, por Tostão, Irmam
por Irmão, Sebastiam por Sebastião, &c.

Regra duodecima.
Sobre o uzo dos acentos.

“Para regular a pronuncia de cada palavra, principalmente
nas palavras, que são pouco uzasas, convem
que o som agudo ou medio da sua predominante
seja notado com acento agudo ou circumflexo segundo
o pedir a boa pronuncia. E a clareza do discurso
exige se note com hum dos sobreditos acentos a
predominante daquelas palavras, cuja diferente significação
se distingue sómente pela pronuncia. Do acento
grave só se deve uzar sobre o u quando se não liquida
depois do g, e q antes de e, i.”

Nota primeira. Aqueles que estão bem versados na
Lingua Portugueza pouco precizão de acentos para regulárem
a pronuncia das palavras. Com túdo ha varias
251palavras em uzo em a nossa lingua, cuja pronuncia
he ignorada de muitos, e ainda dos que professão
letras. A pronuncia dos termos proprios das Sciencias
e Artes he quazi geralmente ignorada por aqueles que
não são da profissão das mesmas ; a dos nomes estrangeiros
introduzidos de novo, e dos pouco uzados erra-se
a cada passo, como por exemplo : Erizipela pronuncião
muitos Erizipéla ; Pavía pronuncião Pávia,
Epiteto, Rubríca, Concláve
pronuncião muitos Epítéto,
Rûbrica, Cônclave
, e assim outras muitas palavras
pouco uzadas, e que por isso vulgarmente se ignora
a sua verdadeira pronuncia. Por tanto em taes palavras
devem as suas predominantes ser notadas com
acento agudo ou circumflexo que lhe competir segundo
a boa pronuncia. E o mesmo se devera observar
em todas as palavras nos livros destinados para a instrução
da mocidade, para lhe ensinar a formar a boa
pronuncia desde que principião a instruir-se.

Nota segunda. Nas palavras que sendo escritas com
as mesmas letras, tem diferente pronuncia e significação,
não se pode omitir o acento na sua predominante
para evitar o equivoco, e determinar o verdadeiro
sentido. Entre alguns tempos dos verbos ha equivocos
que só o acento pode tirar, porque Amára,
Defendèra, Aplaudira
, significão epoca do tempo passado ;
e Amará, Defenderá, Aplaudirá, significão epoca
do tempo futuro, e só pela diferente pronuncia se
distingue a diferença do tempo ; e por tanto se devem
na escrita distinguir, pondo acento competente na penultima
sendo passado, e na ultima sendo futuro. Da
mesma fórma ha equivoco nas terceiras fórmas do plural
do passado com as mesmas do futuro ; e assim as
do passado devem escrever-se com acento na penultima
desta sorte : Amárão, Defendêrão, Aplaudirão, e
como o til sobre a primeira vogal do nosso diptongo
ão embaraça o uzo do acento sobre a mesma, podem
252entender-se por futuros todas as vezes que não houver
acento na penultima, e basta isto para tirar o equivoco ;
e tambem se pode uzar do acento na segunda
vogal do siptongo escrevendo Amarãó, Defenderãó,
Aplaudirãó. O til de nenhuma sorte se deve pôr por
cima da segunda vogal como erradamente se costuma.

As fórmas do prezente do plural de muitos verbos
fazem equivoco com muitos nomes ; e por tanto
deve uzar-se de acento nos verbos na fórma seguinte.

Verbos | Nomes
Alégraõ | Alegrão
Arreméção | Arremessão
Báixão | Baixão
Bástão | Bastão
Bórdão | Bordão
Bórrão | Borrão
Bótão | Botão
Cálção | Calção
Cánção | Canção
Cátão | Catão
Chórão | Chorão
Chóutão | Choutão
Çúrrão | Çurrão
Dóbrão | Dobrão
Empúrrão | Empurrão
Férrão | Ferrão
Fórmão | Formão

Verbos | Nomes
Fúndão | Fundão
Guíão | Guião
Límão | Limão
Málhão | Malhão
Móntão | Montão
Pícão | Picão
Pízão | Pizão
Pénsão | Pensão
Pódão | Podão
Rásgão | Rasgão
Rézão | Rezão
Reméndão | Remendão
Sérrão | Serrão
Tórrão | Torrão
Tóstão | Tostão
Trávão | Travão
Tróvão | Trovão

Assim mesmo ha equivoco entre muitos verbos com
muitos nomes, que se escrevem com as mesmas letras,
e só a pronúncia os distingue, e se devem tambem
distinguir na escrita com acento na predominante na
fórma seguinte.253

Verbos | Nomes
Abobóra | Abóbora
Abórto | Abôrto
Acórdo | Acôrdo
Acérto | Acêrto
Aderéço | Aderêço
Adórno | Adôrno
Adultéro | Adúltero
Agôa | A'goa
Alégrão | Alegrão
Alivío | Alívio
Ancóra | Ancora
Anímo | Animo
Anuncío | Anúncio
Arrócho | Arrôcho
Arrójo | Arrôjo
Arróto | Arrôto
Apérto | Apêrto
Apréço | Aprêço
Aprésto | Aprêsto
Arremésso | Arremèsso
Arremédo | Arremêdo
Articúlo | Artículo
Arvóre | Arvore
Azédo | Azêdo
Bólo | Bôlo
Bórra | Bôrra
Beatifíco | Beatífico
Cérco | Cêrco
Celébre | Célebre
Chóro | Chôro
Cóbro | Côbro
Concérto | Concêrto
Confórto | Confôrto
Concilío | Concílio
Contrarío | Contrário

Verbos | Nomes
Córte | Côrte
Circúlo | Círculo
Calcúlo | Cálculo
Compúto | Cómputo
Desafógo | Desafôgo
Desafóro | Desafôro
Desapégo | Desapêgo
Desprézo | Desprêzo
Désse | D'esse
Destempéro | Destempêro
Despójo | Despôjo
Desapégo | Desapêgo
Desembólso | Desembôlso
Despégo | Despêgo
Destérro | Destêrro
Despozíto | Depózito
Dizímo | Dízimo
Duvída | Dúvida
Desgósto | Desgôsto
Emprégo | Emprêgo
Engódo | Engôdo
Enrédo | Enrêdo
Entérro | Entêrro
Enxérto | Enxêrto
E'rro | Erro
Esméro | Esmêro
Espéto | Espêto
Equivóco | Equívoco
Escóva | Escôva
Esfórço | Esfôrço
Espózo | Espôzo
Especifíco | Específico
Exercíto | Exército
Estórvo | Estôrvo
Encósto | Encôsto254

Verbos | Nomes
Estimúlo | Estímulo
Fôra | Fóra
Fórça | Fôrça
Fórma | Fôrma
Fórra | Fôrra
Fórro | Fôrro
Gélo | Gêlo
Gósto | Gôsto
Gózo | Gôzo
Govérno | Govêrno
Grélo | Grêlo
Gréta | Grêta
Gloría | Glória
Habíto | Hábito
Injuría | Injúria
Incomódo | Incômodo
Intímo | I'ntimo
Jubílo | Júbilo
Jógo | Jôgo
Lastíma | Lástima
Legitímo | Legítimo
Lógro | Lôgro
Magôa | Mágoa
Mólho | Môlho
Maquína | Máquina
Numéro | Número
O'lho | Olho
Oficío | Oficio
Péga | Pêga
Péco | Pêco
Pézo | Pêzo
Prospéra | Próspera
Pratíca | Prática
Principío | Princípio
Pronuncía | Pronúncia

Verbos | Nomes
Prognostíco | Prognóstico
Publíco | Público
Perpetúo | Perpétuo
Régo | Rêgo
Refórço | Refôrço
Rógo | Rôgo
Regúlo | Régulo
Refrésco | Refrêsco
Róla | Rôla
Ródo | Rôdo
Renuncía | Renúncia
Sóbre | Sôbre
Sóldo | Sôldo
Socégo | Socêgo
Séco | Sêco
Séca | Sêca
Sélo | Sêlo
Sabía | Sábia
Sería | Séria
Solicíto | Solícito
Tempéro | Tempêro
Tempéra | Témpera
Tropéço | Tropêço
Tópo | Tôpo
Tómo | Tômo
Vérga | Vêrga
Varía | Vária
Varío | Vário
Vicío | Vício
Vomíto | Vómito
Zélo | Zêlo255

No verbo Podêr ha equivoco nesta fórma do infinito
com a do futuro do subjuntivo Poder, e só pela
diferente pronuncia se distinguem, e tambem se devem
distinguir na escrita com os dois acentos. Tambem
ha equivoco entre a terceira fórma do prezente
do singular Póde, e com a mesma do prezente Pôde,
e da mesma sorte se devem distinguir.

A palavra Contem pode ser terceira fórma do prezente
do singular e plural do verbo Contêr ; e pode
ser terceira fórma do plural do subjuntivo do verbo
Contár, e para se distinguirem na escrita podem escrever-se
sendo de Contêr, Contém, e sendo de Contar,
Cóntem
.

A palavra Porem pode ser adverbio, e pode ser
terceira fórma do plural do infinito pessoal do verbo
Pôr, por tanto sendo verbo deve escrever-se com acento
desta sorte Pôrem, e sendo adverbio desta sorte
Porêm, ou sem acento algum.

Ainda que cõmumente em cada palavra só deve
haver huma silaba predominante, e sobre esta he que
se deve pôr acento agudo ou circumflexo segundo o
som agudo, ou medio que lhe convier ; comtudo tem
a nossa Lingua palavras que admitem duas silabas
agudas, assim como as seguintes do tempo passado :
Bradárão, Córárão, Gérárão, Prégárão, Pádejárão,
as quaes devem ter dois acentos para as distinguir das
seguintes do tempo futuri : Brádarão, Córarão, Gérarão.
Prégarão, Pádejarão, e para tirar o equivoco
principalmente de Prégár a Palavra de Deos, e Prêgar
pregos. Os Infinitos destes Verbos Brádár, Córár,
&c. os participios Brádádo, Córádo, Entrévádo,
&c ; e os nomes Cálcádo, Mórgádo, Cálçáda, Pégáda,
Baxá, Cázamáta, Espálhafato, A'lfaiáte, A'ljubebe
, &c.
todos estes, e alguns outros devem ter dois acentos
agudos.

Mas suposto que por meio dos acentos se possa
256tirar o equivoco de muitas palavras, não se pode com
tudo tirar em todas, pois que com efeito ha certas
palavras que só pela serie do discurso he que se póde
conhecer o sentido delas, assim como as seguintes.

Ama | nome | Ama verbo
Canto | nome | Canto verbo
Por | prepozição | Pôr verbo
Sêde | nome | Sêde verbo
Nós | fruta | Nós pronome
Vós | do homem | Vós pronome

E outras muitas que com a mesma pronuncia, e
com a mesma escrita tem diverso sentido.

Nota terceira. O acento grave entende-se em todas
as vogaes que não são agudas ou medias, e por
isso tem pouco uzo na Lingua Portugueza. Sómente
pode servir para indicar o u ilíquido depois de g e q
antes de e, e i, como se vê nas palavras Seqùestro, Delinqùir
que he sempre liquido por via de regra antes
destas vogaes. Quando vem antes de a, o nunca se
liquída, e por isso não preciza de acento.

Regra decima terceira.
Sobre o uzo do Apostrofo (').

“A Suavidade da pronuncia exige se suprimão as
vogaes que são finaes das palavras, quando estas são
seguidas de outras palavras que principião tambem
por vogal ; e o Apostrofo serve de indicar esta supressão
na escrita.”

Nota. Apostrofo que quer dizer virada de huma
virgula posta no alto da consoante para mostrar se
257lhe suprimio a vogal final antes de outra inicial com
a qual se ajunta a mesma consoante, como Minh'alma.
A pronuncia de duas vogaes sucessivas he dificultoza
e dissonante, principalmente sendo huma delas final de
alguma palavra, e a outra inicial da palavra que se
lhe segue. Esta dissonancia he o que os Latinos chamão
Hiato.

As palavras em que mais se costuma suprimir a
vogal são estas De, Me, Te, Se, Que, Ante, No,
Na, Esse, Este, Aquele, Outro
quando se ajuntão a
outras palavras que tambem principião por vogal como
nos seguintes exemplos : D'ambos, D'isto, Não
m'ouvís ? Não t'ouvi, Não s'entende, Qu'andais dizendo
 ?
N'este, N'esta, N'outro, N'aquele, N'algum,
N'um
. Confundindo as palavras e ajuntando-as na escrita,
assim como fazemos na pronuncia, ficarião
muitas mal soantes, e com sentido duvidozo, assim
como : Não mamais, por Não me amais ; Não touço por
Não te ouço, e assim outras.

Em a nossa proza suprimem-se frequentemente as
vogaes das prepozições De, Em, Por, Per antes do
artigo e dos demonstrativos sem com tudo se indicar
esta supressão com o Apostrofo. Pois escrevemos Do,
Da, Dos, Das, Deste, Dele, Daquele
&c. em lugar
de D'o, D'a, D'os, D'as, D'este, D'ele, D'aquele,
&c. No, Na, Nos, Nas, Neste, Nele, Naquele, &c.
em lugar de N'o, N'a, N'os, N'as, N'este, N'ele,
N'aquele
, &c. e Pelo que, e Pela que em lugar de Pel'oque,
e Pel'aque. Porém devemos uzar sempre de
Apostrofo na prepozição De quando esta se ajunta a
palavras que começão em vogal, se na pronuncia se suprime
a vogal da prepozição, assim como : Cidade
d'Evora, Anel d'ouro, Homem d'armas, D'Almeida,
D'Aguiar, D'Antas, D'Oliveira
, e de nenhuma sorte
devemos escrever Cidade Devora, Anel douro, Homem
darmas, Dalmeida, Dantas, Daguiar, Doliveira
, &c.
258Da mesma sorte com alguns nomes compostos quando
na pronuncia se suprime a vogal final do primeiro
simples, e o segundo começa em outra vogal como
em Mont'agraço, Mont'argil, Port'alegre, Font'arcada,
os quaes se não devem escrever juntos desta sorte :
Montagraço, Montargil, Portalegre, Fontarcada.
Assim mesmo os nomes proprios, e cognomes, como
Fernand'Alvares, Pedr'Affonso, e não Fernão dalvares,
e Pedrofonso.

Regra decima quarta.
Sobre o uzo da risca de união.

“Quando no fim de huma regra não cabe inteira
alguma palavra, divide-se esta de sorte que fiquem
silabas inteiras no fim da regra, que acaba, e as que
restarem vão para o principio da regra seguinte ; e para
indicar que se devem pronunciar juntas as silabas
de huma e outra regra, se põe a risca de união no fim
da regra que acaba. E quando a pronuncia deve ajuntar
duas palavras como se fossem huma só, deve-se
na escrita indicar esta união com a mesma risca.”

Nota primeira. Devendo alguma palavra dividir-se
por silaba que tenha consoante dobrada, se dividirá
de sorte que fique huma consoante com a vogal antecedente
no fim da regra, e a outra vá para o principio
da outra regra com a vogal seguinte, assim como
se mostra nestas palavras : Ter-ra, Mis-sa. E quando
com algumas vogaes concorrerem em silaba mais
consoantes, cada vogal levará comsigo aquelas consoantes
com que se pronuncía, como se mostra nestas
palavras : Co-brir, Es-tran-gei-ro, Mu-lher, Cos-tume,
Coim-bra
, &c.259

Ocorrendo em alguma palavra combinações de letras
consoantes como gm, gn, ct, pt, ps, Mn, no lugar
em que se deve fazer a divizão, passarão sempre
estas combinações com a vogal seguinte com a qual
fazem silaba, assim como Ma-gno, A-cto, Prom-pto,
Da-mno
, &c.

As letras vogaes tambem se dividem quando cada
huma de per si fás silaba como em Saúde, que se pode
dividir desta sorte : Sa-úde ; quando porém duas
vogaes se convertem em hum som como em todos os
diptongos, então não se devem dividir, como por
exemplo em Cauza, Geito, que sendo necessario dividirem-se,
deve fazer-se desta sorte : Cau-za, Gei-to.

Nota segunda. As palavras que mais costumamos
ajuntar na pronuncia Portugueza são os pronomes me,
te, se, nos, vos, lhe, lhes
com os verbos, assim como :
Da-me, Vio-me, Ama-nos, Sofre-nos, Apartai-vos,
Porta-te, Esforça-te, Tirai-lhe, Tirai-lhes, Ama-lo,
Ama-la, Veste-se, Lizongea-se, Portão-se, Nega-se-lhes,
Ouvio-se-lhes, Fizerão-se-lhes, Portar-te-has,
Sofrer-nos-has
, &c. tufo isto pela figura Anastrofe de
que se trata na Ortologia pag. 193. Mas não deve haver
engano com as fórmas do conjuntivo dos nossos
verbos, como Amasse, Defendesse, Repartisse, em os
quaes a ultima silaba pertence á mesma fórma e por
isso se não deve separar com a risca de união.260

Regra decima quinta.
Sobre o uzo das letras grandes, e capitaes.

“A Beleza da escrita exige, segundo o uzo dos bons
Escritores, que se escrevão com letras todas grandes os
titulos de qualquer livro, as inscripções de alguma
obra, ou sepultura, a primeira palavra com que se
principia a tratar qualquer materia, e por maior veneração
o Santissimo Nome de Jezus. Com letras
capitaes a letra inicial da primeira palavra de qualquer
discurso, capitulo ou paragrafo. Com letra simplesmente
grande, a letra inicial da primeira palavra
de qualquer periodo, ou verso ; de todo o nome proprio,
sobrenome apelido ou alcunha de pessoas ou familias,
de Deos, dos Anjos, de reinos, regiões,
ilhas, provincias, cidades, vilas, lugares e seus patronimicos ;
dos nomes de mares, rios, lagos, fontes,
montes, ventos, planetas ; das estações do anno,
e seus mezes ; de todos os nomes apelativos de honra
e dignidade, empregos, ou oficios nobres, de tratamentos
politicos e respeituozos, e gráos de parentesco ;
dos nomes de sciencias, artes, ou profissões,
e daqueles que as exercitão ; dos nomes que em si
contém algum misterio ou excelencia, ou que pertencem
a grandes pessoas ; dos nomes de virtudes e
vicios, ou outra qualquer coiza que fas o principal
objeto do discurso. Tudo o mais se escreve com letra
pequena.”

Nota. A diferente figura das letras capitaes grandes
e pequenas nada influe no valor das mesmas ;
porém os Ortografos lhes assinão diferente uzo na
fórma que fica exposto, e no qual tão sómente interessa
261a formozura da escrita, do que qualquer livro
fornece diferentes exemplos. A cada passo vemos os
titulos de todos os livros, e a primeira palavra dele,
estas todas com letras grandes ; com letra capital a
primeira letra de qualquer capitulo, ou paragrafo ;
e pelo meio do discurso vemos que sempre se segue
letra grande depois do ponto final de hum periodo ;
depois de ponto interrogativo, e admirativo, quando
estes dois fazem sentido perfeito e independente ; a
primeira palavra de qualquer verso sempre principia
por letra grande ; e tambem depois de dois pontos
quando depois deles se segue alguma sentença, resposta,
ou dito de alguem, como por exemplo Respondeo
o Rei : Não farei
.

Tambem se escrevem com letras grandes os nomes
proprios de homens ou mulheres, assim como :
Pedro, Maria. De sobrenomes, apelidos, e alcunhas,
assim como : Fernandes, Lopes, Cardozo, Souza, Menezes.

De reinos, regiões, ilhas, provincias e seus patronimicos,
assim como : Portugal, França, Africa,
Azia, Sardenha, Chipre, Minho, Beira
.

De cidades, vilas e lugares, assim como : Coimbra,
Lisboa, Guimarães, Barcelos, Vilarinho, Monsarras
.

De mares e rios, como Oceano, Mediterraneo,
Tejo, Douro
. De montes como Perineos, Alpes. De
ventos como Nordeste, Sudeste. De planetas como Marte,
Jupiter
. De mezes como Janeiro, Maio. De estações
do anno Verão, Inverno, Outono, Primavera.

Os nomes apelativos de honra e dignidades como
Rei, Princepe, Infante, Duque, Marquês, Conde, Bispo,
Cardeal, Conego, Reitor, Governador
, &c.

De tratamentos politicos como V. Magestade, V.
Ex.cia, V. S.a &c. De gráos de parentesco, como meu
Pai, meu Tio, meu Primo
&c. falando-se com as mesmas
262pessoas ; porém não se falando com elas escreve-se
com letra pequena ; assim como hum pai, hum
tio, hum primo
, &c.

Os nomes de sciencias e artes, como Theologia,
Pintura, Medecina
 ; e dos professores delas como Theologo,
Pintor, Medico
. Os nomes que em si contem
algum misterio, ou excelencia assim como : Missa,
Sacrificio, Prudencia
.

Os nomes de coizas que pertencem a grandes
pessoas, como o Braço de Deos, o Poder do Rei, &c.

Os nomes de vicios e virtudes como : Ira, Fortaleza,
&c. Os nomes das coizas que fazem a principal
figura no discurso, como : a Colera incita, o Vencer
agrada
, o A he a primeira letra do Alfabeto.

Quando huma só letra significa huma palavra inteira,
assim como : A. Autor, R. Reo, D. Dom, &c.

Regra decima sexta.
Sobre o uzo das abreviaturas.

“Para abreviar a escrita podemos nela uzar de algumas
abreviaturas que estão em uzo, com tanto que
elas sejão bem executadas, e que não fação a leitura
duvidoza ou dificil. Para isto na abreviatura de huma
palavra não se deve escrever letra que a mesma palavra
não tenha, sendo escrita por extenso ; e tantas
letras delas se devem escrever quantas forem necessarias
para manifestar a palavra, e de tal modo que
se não possão aplicar a outra palavra de diferente significação.
He porém contra a politica nas cartas e
sobrescritos escrever em breve os nomes e apelidos das
pessoas a quem se escreve.”263

Nota. He muito antigo o uzo das abreviaturas na
escrita, principalmente nas palavras que são de muitas
silabas, e são convenientes para poupar tempo,
sendo bem praticadas. Ha algumas tão uzadas que
basta escrever as letras iniciaes e hum ponto principalmente
as do tratamento politico, como V. S. por
Vossa Senhoria ; V. M. por Vossa Merce ; V. E. por
Vossa Excelencia ; V. A. por Vossa Alteza ; V. R.
por Vossa Reverencia ; A. por Autor ; R. em lugar
de Reo ; &c.

Tambem estão em uzo as seguintes com til : q.
por que ; Fr̃s. por Fernandes ; Glz̃. por Gonçalves ;
Miz̃. por Martins ; Roiz̃ em lugar de Rodrigues ;
D. por Dom, ou Dona.

Ha algumas em que basta pôr a primeira letra e
a ultima silaba, assim como : R. mo em lugar de Reverendissimo ;
S.or por Senhor ; S.mo por Santissimo ;
M.to por muito ; M.er mulher, &c. Em outras são necessarias
a primeira e ultima silaba, e truncar outras
tirando-lhes algumas consoantes ou algumas vogaes,
como em Antonio, An.to ; em Sebastião, Seb.ao ; em
General, Gen.al ; Pereira, Per.a ; Madeira, Madr.a ;
e assim outros que o uzo de ler ensinará.

Tambem se podem fazer abreviaturas com as letras
do algarismo, e com as da conta Romana ; porém
de nenhuma fórma se devem confundir na escrita
as letras do algarismo com as Romanas, escrevendo por
exemplo xx5, xxx6, xxx8 em lugar de xxv, xxxvi,
xxxviii, ou de 25, 36, 38. Tambem se não deve
principiar a escrever hum numero por letra, e acaba-lo
com letras de conta, por exemplo : Anno de mil
e sete centos e 98, por Anno de 1798, ou de mil e
sete centos e noventa e oito ; o que he muito dissonante
e a fêa a escritura.

He quanto parece bastante para a Ortografia das
264palavras ; resta tratar da Ortografia do discurso no artigo
seguinte.

Artigo segundo.
Ortografia do Discurso.

A Ortografia do discurso ensina a indicar na escrita,
por sinaes estabelecidos, a proporção das pauzas
que se devem fazer quando se lê, ou fala, para aliviar
a fraqueza do orgão da vós, e facilitar a inteligencia
da leitura.

Os sinaes que se uzão para este fim são os espaços,
virgula, ponto e virgula, dois pontos, ponto,
e este he ou simples, ou interrogativo, ou admirativo
e exclamativo, parentezes, asterisco, e paragrafo,
os quaes ficão expostos na Ortologia pag. 24. Resta
agora ensinar o uzo de cada hum em particular.

§. 1.° Da Virgula.

A virgula serve de indicar huma pauza a menor
de todas, e huma divizão que altera pouco a unidade
da expressão, e se deve uzar sempre onde se não fás
mais que huma divizão de sentidos parciaes sem alguma
subdivizão subalterna ; o que melhor se comprehenderá
por meio das regras seguintes, e seus exemplos.

Regra 1.ª

“Todos os sujeitos, todos os atributos, todos os
verbos da propozição composta, e mais partes da oração
continuadas que se não modificão, nem concordão,
nem tem alguma dependencia humas das outras,
265requerem virgula depois de si ; porque cada huma fás
com o verbo cõmum, e os verbos cada hum de per si,
sua oração á parte.”

Nesta mesma regra se vé o exemplo. Todos os sujeitos,
todos os atributos, todos os verbos &c. e mais partes

&c. tem virgula ; porque são diferentes sujeitos
do verbo requerem. Que se não modificão, nem concordão,
nem tem alguma
&c. São verbos continuados do
conjuntivo que. Mas antes deste que não se põe virgula,
porque ele liga huma oração incidente que modifica
todos os sujeitos antecedentes ; antes dos mais
verbos sim, porque são continuados e não se modificão
mutuamente.

Exemplo de muitos sujeitos. O desprazer do passado,
o fastio do prezente, e a inquietação sobre o futuro
são os flagelos da humanidade.

Exemplo de muitos atributos reunidos sobre hum mesmo
sujeito
. Hum Principe de incerto nascimento, nutrido
por huma mulher prostituta, educado por pastores ;
e depois feito cabeça de ladrões, lançou os primeiros
fundamentos da Capital do Mundo.

Exemplo de muitos verbos referidos ao mesmo sujeito.
Foi a huma caverna, achou os instrumentos, cortou
as madeiras, e em hum só dia pôs hum navio em estado
de navegar.

Exemplo de muitos complementos de hum verbo. Os
antigos nos ensinárão a sustentar de pão, a uzar de
vestidos, a fabricar cazas para nossas habitações, a
prover em nossas necessidades da vida, e a precaver-nos
contra as bestas ferozes.

Regra 2.ª

“Antes das conjunções e, nem, ou, como, que, e outras
semilhantes
 : põe-se virgula, quando as palavras
e frazes que elas ligão fatigão a respiração pelas propozições
266incidentes, e complementos que trazem comsigo :
quando porém as palavras e frazes são curtas e
simples, as virgulas são desnecessarias ; porque as mesmas
conjunções as suprem.”

Nesta mesma regra se vê a conjunção e repetida
três vezes sem virgula, e duas com ela ; e que se acha
repetida duas vezes sem virgula pelas razões que a mesma
regra declara, para maior clareza se põem os seguintes.

Exemplo.

Onde a extensão da fraze fás necessaria a virgula
antes da conjunção
ou.

A Igreja não tem já mais olhado como puramente
inspirado de Deos senão o que os Apostolos tem
escrito, ou o que eles tem confirmado por sua autoridade.

Exemplo.

Onde he desnecessaria a virgula antes da conjunção e.

A imaginação e o discurso não estão sempre de
acordo.

Exemplo.

De huma propozição simples e curta em que se não
fás precizo uzar de virgula
.

O homem injusto não vê a morte senão como hum
fantasma horrorozo.

Exemplo.

Onde a virgula fás distinguir o sujeito logico.

A vinda dos falsos Christos, e dos falsos Profetas,
parecia ser hum mais proximo caminho para a ultima
ruína.267

Exemplo.

Onde a virgula separa hum complemento circunstancial.

Cada conhecimento não se desenvolve, senão depois
que se tem desenvolvido hum certo numero de
conhecimentos.

Exemplo.

Onde a virgula serve para distinguir hum complemento
acessorio
.

O homem impaciente he arrastado por seus dezejos
indomitos e ferozes, em hum abismo de infelicidades.

Regra 3.ª

“Quando hum periodo não tem mais que dois
membros, e que nenhum deles he subdividido em
partes subalternas, basta huma virgula para os distinguir.
E no estilo incizo onde hum sentido total se exprime
por muitas propozições que se ducedem rapidamente,
e onde cada huma tem hum sentido finito,
e que parece completo, basta a simples virgula para
separar estas propozições, se alguma delas não he subdividida
em outras partes subalternas que exigem a virgula.”

Exemplos.

De periodos de dois membros separados por virgulas.

1.° Se nós não tivessemos defeitos, não gostariamos
tanto de os notar nos outros.

2.° Julga-se algumas vezes aborrecer a lizonja,
mas não se aborrece senão o modo de lizongear.

3.° A certeza dos nossos conhecimentos não basta
para os fazer preciozos, a sua importancia he que lhes
dá o preço.268

Exemplo.

Do estilo incizo.

Turene he morto, a victoria fica suspensa, a fortuna
vacila, e todo o campo fica immovel.

Regra 4.ª

“Toda a adição posta no principio ou no corpo
de huma fraze, e que não pode ser olhada, como fazendo
parte da sua constituição gramatical, deve distinguir-se
do resto por huma virgula posta depois, se
ela está no principio ; e se está no corpo da fraze deve
estar entre duas virgulas.”

Exemplos.

1.° Contra huma filha que de dia em dia se fás
mais insolente, que me falta, a mim, e que vos faltará
bem cedo, a vós. Este a mim, a a vós são introduzidos
na fraze por energia, mas inteiramente inuteis
á sua constituição gramatical.

2.° Não, Não, bem longe de serem semideozes ; nem
mesmo são homens
. Estes dois não, não, não tem alguma
ligação gramatical com a fraze, mas são huma
adição que exprime huma viva persuazão da verdade
que se enuncia.

3.° O' mortaes, a esperança embebeda. Estas duas
palavras : O' mortaes, são inteiramente separadas da
propozição seguinte, e devem ser separadas pela virgula :
elas são o sujeito de hum verbo subentendido,
como por exemplo : O' mortaes ouví. D'aqui se
segue que quando o apostrofe *20 está antes de hum verbo na
269segunda pessoa não se deve separar pela virgula, porque
o sujeito não se deve separar do seu verbo ; e
assim deve-se escrever sem virgula : Tribunos cedei o
lugar aos Consules
.

4.° Vós tendes vencido, Plebeos. Neste exemplo deve
Plebeos estar separado com virgula, porque suposto
seja o sujeito de vós tendes vencido, já este sujeito
foi expresso por vós posto em seu lugar natural,
e a palavra Plebeos não he mais do que huma
digressão gramatical.

5.° Em quanto a esta menina, parece que ela conhece
muito bem a sua beleza
. Estas palavras em quanto
a esta menina
, devem ser separadas pela virgula do
resto, porque elas não podem ligar-se gramaticalmente
com outra parte de huma propozição eliptica, como
por exemplo : Falando em quanto, ou a respeito
desta menina
.

Nota. Huma propozição começa algumas vezes depois
de outra por hum adverbio, ou huma fraze adverbial,
a qual não tem alguma ligação gramatical
com o resto da propozição ; taes são, assim, d'outra
sorte, deste modo, por exemplo
, &c. então deve-se pôr
huma virgula junto destas palavras para notar que
elas pertencem a outra propozição que a elipse tem
suprimido.

Exemplos.

1.° Não ha verdadeira felicidade sem a virtude ;
assim, não ha pecador que seja verdadeiramente felis.
Assim, he o mesmo que se dissesse : sendo isto assim.

2.° Sede mais sabio, de outra sorte, vos achareis
mal
, isto he, se obrais de outra sorte.270

Regra 5.ª

“Toda a propozição incidente puramente explicativa
deve pôr-se entre duas virgulas, porque ela não
tem huma ligação necessaria com o antecedente nem
com ele fás hum todo indivizivel, de sorte que se
póde tirar sem alteração do sentido principal da propozição.
Mas huma propozição incidente determinativa
deve escrever-se sem virgula, pois que com o
antecedente forma hum todo, e ambas exprimem huma
idea total e indivizivel ; e entre as palavras que
se modificão segundo as regras da concordancia ou da
dependencia não deve haver pontuação alguma.”

Exemplos.

1.° Em que se deve escrever com virgula : As paixões,
que são as enfermidades da alma, procedem da
nossa rebelião contra a razão
. A propozição incidente
que são as enfermidades da alma, he puramente explicativa,
e póde suprimir-se sem alterar o sentido
principal, pois tambem podemos dizer : As paixões
procedem
&c.

2.° A gloria dos grandes homens deve sempre medirse
pelos meios de que eles se tem servido para a adquirir
.
Se nesta propozição tirassemos as palavras : dos grandes
homens
he certo que lhe transtornava todo o sentido,
e por isso se não deve separar com virgula, por
ser huma propozição determinativa que restringe a
significação da palavra gloria.

Regra 6.ª

“Quando a ordem gramatical de huma propozição
he prevertida, a parte transposta deve ser terminada
por huma virgula, se ela começa a propozição ;
271e deve estar entre duas virgulas, se está encravada entre
outras partes da propozição. Mas sendo a propozição
simples e incomplexa, tanto no sujeito como no
atributo, não he necessaria a virgula, ainda que eles
estejão fóra da ordem gramatical. No complemento
determinativo de hum nome, ainda que ele se transponha,
como sucede frequentemente na poezia, não
se uza de virgula menos que a muita extensão da fraze
a não exige para alivio da respiração.”

Exemplo da primeira espece.

Todas as verdades produzidas sómente pelo calculo,
podem reputar-se verdades de experiencia.

Exemplo da segunda espece.

A versificação dos Gregos e dos Latinos, por huma
ordem regulada de silabas breves e longas, satisfazia
muito á memoria.

Exemplo da terceira espece.

A quinta de Pedro comprou Paulo.

§. 2. Do ponto e virgula.

O ponto e virgula mostrão huma pauza maior
que a da virgula, e quando as partes principaes de
huma propozição são subdivididas em partes subalternas,
devem estas ser separadas entre si por huma simples
virgula, e as partes principaes por hum ponto
e virgula. As partes subalternas tem entre si huma
afinidade mais intima que as partes principaes, e por
isso se devem distinguir com a virgula que he menor,
sendo-os as outras com ponto e virgula. por tanto se
devem observar as regras seguintes.272

Regra 1.ª

“Quando as partes de huma propozição composta,
ou os membros de hum periodo, tem outras partes
subalternas separadas pela virgula por alguma das
razões sobreditas ; estas partes ou estes membros devem
ser separados huns dos outros por ponto e virgula.”

Exemplos.

1.° “Qual pensais vós que tenha sido a sua dor,
de deixar Roma, sem a ter reduzido a cinzas ; de
deixar ainda nela Cidadãos, sem os ter passado ao fio
da espada ; de vêr que nós lhe arrancámos o ferro
das mãos, antes que ele o tingisse em nosso sangue.”
As partes separadas por ponto e virgula são complementos
determinativos do nome dôr.

2.° “Que hum velho figure de mancebo, quando
hum mancebo figurar de velho ; que os ornatos sejão
campestres, aindaque a scena seja em hum Palacio ;
que os vestidos não correspondão á dignidade das personagens ;
todas estas discordancias nos ofenderão a
vista.” Esta idea geral de discordancia reprezentada
debaixo de tres aspectos diferentes, fórma o todo do
sujeito logico ofenderão a vista.

3.° “Ainda que tenhais nascimento, ainda que o
vosso merecimento seja conhecido, e ainda que vos
não faltem amigos ; sem o socorro do Altissimo não
aproveitarão os vossos projectos.” He hum periodo de
dois membros, o primeiro dos quaes he separado do
segundo por ponto e virgula, porque ele he dividido
em tres partes subordinadas á conjunção ainda que.

4.° “Assim como hum dos caracteres da verdadeira
Religião tem sempre sido o autorizar os Princepes
da terra ; assim tambem, por huma recompensa
de piedade, que o reconhecimento parece mesmo
273exigir, hum dos deveres essenciaes dos Principes da
terra, tem sempre sido o manter e defender a verdadeira
Religião.” Este he hum periodo de dois membros
separados hum do outro por ponto e virgula,
porque o segundo he separado por virgulas em diversas
partes e por diferentes razões : por huma recompensa
de piedade, que o mesmo reconhecimento parece exigir
 ;
acha-se engtre duas virgulas na fórma da sexta
regra do §. Antecedente, porque ha aqui transpozição
da ordem gramatical ; esta mesma fraze he cortada
em duas por outra virgula segundo a quinta regra,
porque a propozição incidente he explicativa : ha huma
virgula depois de hum dos deveres essenciaes dos
Principes da terra
na forma da segunda regra, a qual
quer se assine pauza nas propozições muito compridas
para serem enunciadas com facilidade.

Regra 2.ª

“Quando muitas propozições incidentes são acumuladas
sobre o mesmo antecedente, e que todas ou
algumas delas são subdivididas por virgulas que lhes
indicão as pauzas e distinções ; devem-se separar humas
das outras por ponto e virgula : se elas são determinativas
a primeira ficará immediatamente junta ao
antecedente sem alguma pontuação ; se elas são explicativas,
será a primeira separada do antecedente por
huma virgula na fórma da quinta regra do §. Antecedente.”

Exemplo.

“Politica nobre, que sabe aprovar sem insipidês,
louvar sem inveja, zombar sem aspereza, que ataca
os rediculos com mais viveza do que malicia ; que
fás agradaveis as coizas mais serias, ou seja com o
sal da ironia, ou seja com a delicadeza da expressão,
274que passa com destreza do grave ao alegre, sabe fazer-se
ouvir, fazendo-se adivinhar, mostra espirito
sem o procurar, e dá aos sentimentos virtuozos o tom
e as côres de huma suave alegria.”

Tudo isto são propozições incidentes e explicativas,
e por isso he que está virgula depois de politica
nobre
. Se pelo contrario se dissesse : Antonio he hum
homem, que sabe aprovar
, &c. como as mesmas incidentes
virião a ser determinativas do antecedente
Homem, não se deveria pôr virgula entre este antecedente,
e a primeira incidente ; mas toda a mais
pontuação ficaria da mesma sorte.

Regra 3.ª

“No estilo incizo, se alguma das propozições
separadas que formão o sentido total, he dividida,
por qualquer cauza que seja, em partes subalternas
separadas por virgulas ; as propozições parciaes do
sentido total devem separar-se por ponto e virgula.”

Exemplo.

“Esta persuazão, sem a evidencia que a acompanha,
não teria sido tão firme, e tão duravel ; ela
não teria adquirido novas forças com o tempo ; não
poderia ter rezistido á torrente dos annos, e passar
de seculo em seculo até nós.”

Fala-se aqui da persuazão da existencia de Deos.

Regra 4.ª

“Na enumeração de muitas coizas opostas, ou
sómente diferentes, que se comparão duas a duas ; os
membros da enumeração que encerrão huma comparação
devem separar-se huns dos outros por ponto e
275virgula ; e por huma simples virgula, as partes subalternas
destes membros comparativos.”

Exemplos. Não havia huma lei em Roma, e outra
em Atenas ; huma hoje, e outra á manhã
.

§. 3. Dos dois pontos.

“A mesma proporção que regula o emprego respectivo
da virgula, e do ponto e virgula, quando ha
divizão de sentidos parciaes, deve tambem
decidir do uzo dos dois pontos, nos cazos em
que ha tres divizões subordinadas humas ás outras ; o
que melhor se comprehenderá por meio das seguintes
regras e seus exemplos.”

Regra 1.ª

“Assim como, quando ha só huma divizão de
sentidos parciaesm esta se márca só com virgula ; e
quando se passa a huma segunda divizão á qual a primeira
he subordinada, esta se nota já com ponto e
virgula : assim tambem quando sucede haver huma
terceira divizão de sentidos, á qual a segunda e primeira
ficão subordinadas ; esta se deve marcar com
dois pontos, que destinguem o periodo ou sentido
total em duas partes principaes, huma chamada antecedente,
e outra consequente.”

Esta regra contem o sumario de todas as mais
que até aqui se tem dado, contém a regra dos dois
pontos e o exemplo pratico de todas elas. Os dois
pontos dividem o periodo em duas partes principaes,
antecedente e consequente, ligadas pelas conjunções.
Assim como, Assim tambem. Esta terceira divizão dos
dois pontos se fazia preciza por o antecedente estár
já dividido pelas virgulas, e subdividido por ponto e
276virgula ; o que tambem se vê no consequente.

Regra 2.ª

“Se huma enumeração he precedida de huma
propozição, que enuncia ou que lhe mostra o objeto
debaixo de hum aspecto geral ; esta propozição deve
ser marcada por dois pontos, e o resto deve ser
pontuado como tem sido dito na regra 4.ª do §. Antecedente.”

Exemplo : Ha diversas sortes de curiozidades : huma
de interesse que nos inclina a dezejar aprender o que
nos pode ser util ; e outra de orgulho, que provem do dezejo
de saber o que os outros ignorão
.

Regra 3.ª

“Huma serie de maximas relativas a hum ponto
capital, de sentenças adaptadas a hum mesmo fim,
se elas todas são com pouca diferença construidas do
mesmo modo, podem e devem ser separadas com dois
pontos.”

Exemplo. A felís conformação dos orgãos se anuncia
por hum ar de força : a dos fluidos por hum ar de
viveza : hum ar fino e delicado he como a faisca do espirito
 ;
hum ar afavel promete atenções lizongeiras : hum
ar terno parece ser o garante de huma recompensa de
amizade
.

Regra 4.ª

“He hum uzo universal fundado na razão, o
pôr dois pontos depois que se tem anunciado hum
discurso directo que se vai referir, ou seja citando-o
como dito ou escrito, ou seja que se proponha como
podendo ser dito por outrem, ou por si mesmo. Este
discurso he como o consequente da propozição antecedente
277que o anunciou : e entre hum e outro deve
haver dois pontos, porque o discurso seguinte ha de
ter divizões, e subdivizões necessariamente.”

Exemplo 1.° S. Paulo dis : A fe sem obras he morta :
2.° Quando ouvi as scenas do Paizano no Falso generozo
eu disse : Eisaqui quem agradará a toda a terra em
todos os tempos, eisaqui quem lhe fará derramar lagrimas
.

§. 4.° Do Ponto.

O Ponto denota hum sentido inteiramente acabado,
e sem dependencia do que se lhe segue, por cuja
razão, aonde ele estiver, se deve fazer huma pauza
maior do que em dois pontos. Ha tres sortes de pontos,
a saber : o ponto simples, o ponto interrogativo,
e o ponto admirativo ou exclamativo, cujos caracteres
ficão já expostos na Ortologia ; e a qui só resta
tratar do seu uzo.

O ponto simples he sujeito á influencia da proporção
que até aqui tem parecido regular o uzo dos outros
sinaes da pontuação : assim ele deve pôr-se depois
de hum periodo, ou huma propozição composta, na
qual se tem feito uzo de dois pontos em virtude de
alguma das regras precedentes. Mas uza-se tambem
depois de todas as propozições que tem hum sentido
perfeito e absoluto, ou seja grande ou pequena,
ou conste de huma só propozição ou de muitas.

Pode-se ainda notar, que a necessidade de fazer
pauzas hum pouco consideraveis, combinada com os
diferentes degráos de relação, que se achão entre os
sentidos parciaes de hum todo, dá tambem lugar a
uzar de ponto. Por exemplo : huma narração pode dividir-se
por pontos, relativamente aos factos elementares,
que fazem a sua materia. Em huma palavra
pôe-se no fim de todas as frazes que tem hum sentido
inteiramente independente do que se segue ; ou,
278ao menos, que não tem ligação com o seguinte, mais
que pela conveniencia da materia, e pela analogia
geral dos pensamentos dirigidos para hum mesmo fim.
Não se propoem aqui exemplos do ponto simples,
porque nada se pode ler sem os encontrar ; e os principios
de proporção que aqui se tem aplicado aos outros
caracteres da Pontuação, sendo bem entendidos,
podem-se facilmente aplicar a este, e pôr o leitor
em estado de julgar se ele está empregado com inteligencia
nos escritos que examina.

Do Ponto interrogativo.

O Ponto interrogativo põr-se no fim de toda a propozição
que pergunta, ou seja que ela faça parte do
discurso em que se acha, ou que ela seja sómente
referida como pronunciada directamente por outrem.

Exemplo 1.°“Se os vezinhos de hum Rei justo, são
injustos e ambiciozos, que não devem eles temer desta
reputação universal de probidade, que lhe atrahe
a admiração de toda a terra, a confiança de seus aliados,
o amor dos seus povos, a estima e afeição das
suas tropas ? De que não he capás huma armada prevenida
desta opinião, e desciplinada debaixo das ordens
de hum tal Princepe ?” Estas interrogações são parte
do discurso total.

Exemplo 2.° onde a interrogação he referida directamente
por outrem. Os Judeos enviárão de Jerusalem
os Sacerdotes, e Levitas a perguntar-lhe : Quem
es tu
 ?

Se a fraze interrogativa não he directa, e a sua forma
não he dependente da constituição gramatical da
propozição expozitiva em que ela he referida ; não se
deve pôr ponto interrogativo : porque a pontuação pertence
á propozição principal, na qual ela não he mais
que incidente.279

Exemplo : Mentor pedio a Idmeneo, qual era a conduta
de Pontessilas nesta mudança de negocios
.

Se ha muitas frazes interrogativas tendentes a hum
mesmo fim, e que são de huma mediocre extensão,
de sorte que elas constituem o que se chama estilo
incizo ; não se principia por letra capital.

Exemplo : Para quem são todos estes aprestes ?
aquem he destinada esta magnifica morada ? para quem
são todos estes domesticos, e esta grande herança
 ?

Do ponto admirativo.

O ponto admirativo deve pôr-se depois de todas
as frazes que exprimem admiração, ironia, exclamação,
ou algum sentimento afectuozo como de ternura
e piedade, ou o sentido seja completo ou não :
se o sentido for completo, se porá letra grande depois
do dito ponto, e se fará huma pauza na leitura igual
á do ponto simples ; e se não fôr o sentido completo
depois dele se porá letra pequena e se fará huma pauza
igual á do ponto e virgula.

Exemplos.

1.° De sentido completo : Quem dissera que hum
conquistador tão grande, como Scipião, havia de ser aborrecido
do seu mesmo povo Romano ! Ele venceo em Africa
quatro Generaes Cartaginezes : Desbaratou em Hespanha
quatro formidaveis Exercitos
, &c.

2.° De sentido incompleto. O' quanto os Reis são
para temer ! ó quanto aqueles que os servem são dignos
de compaixão ! se eles são máos quanto fazem eles sofrer
aos homens ! Se eles são bons que dificuldades não tem para
vencer ! que laços para evitar ! que males para sofrer
 !

3.° De exclamação. O' Bom Deos, tende compaixão
de mim pecador ! Eu imploro a vossa Mizericordia
, &c.280

4.° De ironia, isto he, dizendo o contrario do que
se pensa. Que gentil prezença tens ! (falando a huma
pessoa enorme) : Não posso deixar de me admirar da
tua beleza
, &c.

5.° De ternura : Ah ! meu filho ! meu caro filho !

6.° De piedade : Ah ! meu Deos ! que sacrificio !

§. 5.° Do Parentezes e asterisco.

Parentezes denota interrupção no discurso, por
cauza de alguma propozição separada do sentido que
se lhe mete de per meio ; ou para excepção ou para
declaração de alguma coiza.

Exemplos.

1.° De excepção : Todas as cidades (não falando em

Numancia) se rendêrão a Scipião.

2.° De declaração : O amor (como dizem as sagradas
letras) pode tanto como a morte
.

Porém se a interrupção he breve bastão duas virgulas,
como : ser grato, principalmente a Deos, he
util
.

Os parentezes são os dois semicirculos opostos como
se vê nos exemplos propostos, dentro dos quaes
se mete alguma propozição que interrompe o sentido
da outra, mas que he necessaria para inteligencia da
mesma.

O asterisco he hum sinal que se põe na regra da
escrita, para por outro igual se procurar a autoridade
ou declaração, que se alega, ou fás para melhor
se provar o argumento do discurso. Nos livros se
achão frequentes exemplos, e por isso aqui se não
apontão. Quando se alegão segunda, terceira, ou mais
autoridades, ou se fás mais de huma declaração dobrão-se
os asteriscos á proporção das autoridades, e
281declarações, tanto na regra, como nas margens ou
fim da escrita a que se referem. Em lugar do asterisco
pode-se uzar de numeros, como (1), (2), (3),
&c. entre parentezes ; ou de letras mais pequenas
sem parentezes, como : a, b, c, d, &c.

§. 6.° Do Grifo.

Quando se insere no corpo de hum periodo algum
discurso alheio, este na imprensa escreve-se
com letra a que chamão grifa, ou bastarda, que he
diversa do resto do discurso, do que os livros oferecem
frequentes exemplos. Na escrita manuense fas-se
esta distinção pondo huma risca por baixo das palavras
que se pertendem distinguir, ou se lhe põem
grifos nas margens e no principio e fim do discurso
alheio, exemplo, ou autoridade, que se pertende
distinguir.

He quanto parece necessario dizer sobre a Ortografia
Portugueza.

Fim.282

1* O assinar aos caracteres do Alfabeto hum nome segundo o valor que
eles tem na pronuncia, nada ofende o essencial da lingua, e contribue muito
para facilitar a leitura aos principiantes ; porque ensinando-lhes a pronunciar
todas as consoantes com hum e surdo depois de cada huma, álem
da uniformidade em a nomeação das letras, he depois muito mais facil fazer-lhes
comprehender, que em lugar do e surdo devem pronunciar a vogal ou
vós que se seguir depois de cada consoante. Este novo modo de nomear as
letras C, G, F, H, I, M, N, Q, R, S, J, V, X, deixa subsistir a figura,
a ordem e o valor das mesmas, assim, como o uzo o tem estabelecido,
o isto he o essencial que nenhum particular pode alterar sem temeridade. O
nome porem das letras nada influe no essencial da lingua, e os vulgares
de çe ge, aga, efe, ele, eme, ene, que, erre, esse, J consoante, V consoante
Xis induzem em erro, e cauzão grande embaraço aos que principião a ler,
principalmente quando entrão na soletração das silabas. Esta mudança do
nome das letras deve-se ao Autor da Gramatica Geral e Filozofica de Porto-Real
no anno de 1660 : depois tem sido adoptado e praticado nas Escolas
das Nações mais polidas, e assás justificado pelos seus bons sucessos,
sem que até ao prezente tenha sido desaprovado por algum Autor grave,
nem combatido com alguma objeção solida. E se não he ainda universal,
he porque não tem sido geralmente conhecido.

2* Aqueles que quizerem atinar na indagação da verdade origem das
palavras devem recorrer á Arte Etimologica por Mr. Court. de Gebelem
no tomo 3. das suas Obras.

3* No §. 16 e seguintes deste mesmo Capitulo se expõe com mais extensão
a doutrina sobre os tempos e modos do Verbo.

4* Em alguns Verbos em ar falta o Participio em ante, assim como
Comprar, Louvar, os quaes não tem Comprante, Louvante.

5* O Verbo Haver por especial luzitanismo he indiclinavel nas terceiras
fórmas do plural dos seus tempos simples, quando tambem as fás como no
singular, v. g. Ha homens &c. ; porém servindo de Auxiliar aos outros Verbos
nos seus tempos compostos só uza da fórma respectiva á terceira pessoa
do plural, v. g. Os homens hão de amar, &c.

6* O Verbo Por he contração de Poer que uzavão os nossos Antigos
segundo se observa nos Classicos.

7* O Verbo Matar toma o Participio Morto, Morta do Verbo Morrer.

8** Os Participios Pago, Paga he contração de Pagado, Pagada ; Solto,
Solta
o he tambem de Soltado, Soltada.

9* Chamão-se inflexões as mudanças que fazem as palavras ou no principio,
ou no corpo antes da ultima sylaba ; e terminações são as variações
da ultima ou ultimas sylabas.

10(a) Em. Esta prepozição quando he seguida dos artigos o, os, a, as,
perde a vogal e, e muda o m em n, o qual ajunta com a vogal seguinte do
artigo ; e assim uzamos dizer mais breve e suavemente no, nos ; na, nas
em lugar de em-o, em-os, am-a, em-as.

11(a) Veja-se a nota antecedente.

12(b) De. Quando a esta prepozição de se seguem os sobreditos artigos,
perde tambem a vogal e, e se ajunta o d com a vogal do artigo que se lhe
segue, pronunciando a prepozição e artigo como se fossem huma só palavra ;
e assim por cauza da brevidade e doçura da pronuncia dizemos do, dos ; da,
das
, em lugar de de-o, de-os ; de-a, de-as.

13(c) Por. Quando esta prepozição he seguida dos sobreditos artigos mudão
o or em el, e se ajunta com a vogal do artigo pronunciando ambas as palavras
como se fossem huma só, e assim dizemos pelo, pelos, pela, pelas ;
em lugar de por-o, por-os, por-a, por-as.

14(b) Veja-se a nota antecedente sobre a prepozição De.

15(d) A. Quando esta prepozição he seguida do artigo a absorbe-se na pronuncia
a vogal da prepozição, e se pronuncia a do artigo com mais força ;
e assim dizemos á, ás, em lugar de aa, aas, evitando-se por este modo
a aspera e vagaroza pronuncia dos dois aa juntos hum da prepozição,
e outro do artigo.

16* A Logica ensina que Idea he a simples aprehensão que o nosso espirito
fás de qualquer objeto que se lhe reprezenta, assim como o Sol a Terra,
huma Arvore ; ou das suas qualidades, assim como Brilhante, Redonda,
Alta
. Pensamento he a combinação de diferentes idéas, e o Juizo que se fórma
das relações que entrelas se descobrem, assim como : o Sol he brilhante ;
a Terra he redonda
 ; o Carvalho he alto. O Discurso he a combinação de
differentes pensamentos que tem relação huns com outros, assim como : Tudo
o que pensa he espirito : a nossa alma pensa ; logo a nossa alma he espirito
.
Neste Discurso ha tres Juizos diferentes, e todos tres fórmão hum Discurso.

17** As que chamamos Propozição segundo a Linguagem dos Gramaticos modernos,
tem os antigos chamado oração ; porque orar significa propriamente
o uzo natural do orgão da boca para exprimir o pensamento. Os Gregos chamão
a isto mesmo Fraze.

18* Parece que se não observa esta regra no Verbo Haver quando pelo costume
da lingua lhe ajuntamos na terceira pessoa do singular nome do plural, com v. g.
quando dizemos : Ha homens que amão as sciencias : onde parece que o verbo Ha
na terceira pessoa do singular do indicativo concorda com o nome homens no numero
plural ; porém não he assim por faltarem palavras que se subentendem, e
quer dizer : Ha numero de pessoas que são muitos homens que amão as sciencias ;
onde claramente se vê que o Verbo Ha concorda com o nome oculto numero
o qual está no singular, e he terceira pessoa. Lobato na sintaxe.

19* Men. Mel. conq. 8. 76.

20* Os Retoricos chamão Apostrofe quando tirando-nos do fio do discurso
nos viramos para alguem para dizer-lhe alguma coiza de grande ponderação,
como quando Cicero disse : Até quando finalmente, ó Catilina, has
de abuzar da nossa paciencia
.