CTLF Corpus de textes linguistiques fondamentaux • IMPRIMER • RETOUR ÉCRAN
CTLF - Menu général - Textes

Silva, António de Moraes. Epitome da grammatica da lingua portugueza – T01

Epitome
da
Grammatica
portugueza.

Introducção.

1. A Grammatica é arte, que ensina a declarar
bem os nossos pensamentos, por meyo de palavras.

2. A Grammatica Universal ensina os methodos,
e principios de falar communs a todas as linguas.

3. A Grammatica particular de qualquer lingua
v. g. da Portugueza, applica os principios communs
de todos os idiomas ao nosso, segundo os usos adoptados
polos que melhor o falão.

4. Trata pois a Grammatica das Sentenças, (isto
é, ensina a fazer proposições, ou sentidos perfeitos)
e das diversas partes, de que ellas se compõem.

5. As sentenças constão de Palavras (*)1 : as Palavras
9de Sillabas ; as Sillabas de Sons elementares, e
suas modificações ; e estes representão se aos olhos com
Lettras.

6. Os sons elementares, que a voz humana articula,
formados pelos orgãos da fala, são ou vogaes,
ou consoantes.

7. Os sons vogaes são simples sons articulados
pelo impulso da voz, e sómente pela abertura da
boca de um certo modo, v. g. a, e, i, o, u.

8. Os sons consoantes são os que se não pódem
pronunciar bem por si sós, mas modificão precedendo
os sons vogaes, e formão com elles um som articulado
composto, por movimentos particulares das
diversas partes da boca.

8. Quando pronunciamos alguns sons vogaes
sóltase tambem o som pelos narizes, e estas vogaes
se dizem nasaes, v. g. ã, ẽ, ĩ, im, õ, ũ (*)2.

10. O Ditongo, ou som vogal composto, é a
união de dois sons vogaes pronunciados em um só
impulso da voz, v. g. ai, ui, &c.

11. A Sillaba é a pronúncia de uma vogal só ;
10ou combinada, e precedida de consoantes, ou tambem
de qualquer ditongo ; sendo proferidas a vogal,
ou o ditongo em uma só emissão, ou impulso da
voz, e formando uma palavra, como a, de, lei,
hui, são
 ; ou parte de uma palavra v. g. á-ba, a-gua,
a-dro, tem-plo, es-cri-tu-ra, sce-ptro
.

12. Os sons vogaes simples, que temos, são os
seguintes A' á fortes, ou agudos ; À, à graves ; A
a
mudos ; É, é mudos ; È è graves ; E e mudos ;
Í í mudos, I i mudos ; Ó ó agudos ; Ò ò graves ; O
o
mudos ; Ú ú agudos ; U u mudos.

13. Exemplos das vogaes agudas, ou fortes : Cárro,
Férro, Tíro, Pórta, Fúro
.

14. Exemplos das graves : Làma, Camèlo, Òvo,
Bòlo
.

15. Exemplos das mudas : Tóca, Tosse, Águia,
Templo, Cònjuges
.

16. Os ditongos, ou sons vogaes compostos são,
de vogaes puras os seguintes ai, ei, oi, ui, au, eu,
iu, ou
, v. g. em Contrái, Lèi, Fòi, Fúi, Áuto,
Fèudo, Feríu, Gozou
(*)3.

17. Mũitas vezes pronunciamos como dithongos ;
ou fazendo uma vogal composta, e uma sillaba, as
vogaes seguintes ia, io, ua, ue, ui, v. g. em á-guia,
só-brio, á-gua, de-lin-quen-te, li-qui-do
. „Tambem
movem da guerra as negras furias‟ A terra de Gúipúscua
e das Asturias „Em Canusio reliquias só de
Cannas‟ (Lusiada 4° 11 e 20.)

18. Os ditongos compostos de vogaes nasaes são
11os seguintes ãa, ãe, ãi, ão, ẽe, ẽi, õe, õi, õo, ũa,
ũi, ão
. Os nossos mayores usárão algunsm que já não
usamos ; antes os reduzimos a sons nasaes simples :
nós não pronunciamos v. g. Lã-a, mas  ; elles dicerão,
e escreverão bẽe, que nós ainda dizemos, posto
que escrevemos bem, e impropriamente ; dicerão
a fi-i, que dizemos a fim, dicerão bõ-o, hũ-o, que
hoje dizemos bom, hum (a)4. São pois os ditongos nasaes,
de que hoje usamos, exemplificados nas palavras
seguintes Mãe, ou Mãi, São, Bẽe, Vẽi, Rezões,
Põis, Ũa
 ; e Mũi, e Mũito, que ninguem pronuncia
com u puro, como os de fui, Tui &c.

19. As lettras, com que representamos os sons
vogaes são A a, E e, I i, O o, U u. Os sinaes
dos accentos, ou tons mais, ou menos fortes, com
que proferimos as vogaes são (‘) agudo, (`) grave :
as mudas não tem sinal particular : o accento
circumflexo não o temos ; as vogaes, que com elle
se notão, são graves. (b)5 As nasaes notamos com
12um til (~), quando formão ditongos, v. g. mãe,
são, vẽis, põis, cãiba
, &c. e quando são simples nasaes
com (~) v. g. lã, sã ; ou com, m, v. g. cam-po,
tem-po, sim-ples, pom-pa, tum-ba ; ou com o n, v. g.
San-to, ben-to, sin-to, pon-to, jun-to.

20. Os sons consoantes, que temos em Portuguez,
são os seguintes :

Bè, Cè, Dè, Fè, Gè, (soando como gue) Jè, Lè,
Mè, Nè, Pè, Qè
(c)6 Rè, Sè, Tè, Vè, Xè, Zè, Yè,
que vulgarmente se dizem Be, Ce, De, Éfe, Ge,
soando como o I consoante, Éle, Ème, Ène, Pè,
Què, Erre, Ésse, Tè, U
consoante, Xis, Ze, Ypsilon ;
e H (hagá) sinal de aspiração, desconhecida em
Portuguez.

21. Temos mais (segundo a escritura vulgar) Ch
hora com som de x em chapéu ; hora como k em
charidade, choro, Christo, &c. : Lhe em folha, filho ;
Nh em ninho, minha, sons consoantes simples representados
por duas lettras (*)7.

22. As figuras das consoantes maiusculas são B,
C, D, F, G, H, J, L, M, N, P, Q, R, S,
T, V, X, Z
, e Y a que damos som de ye e K :
as menores são b, c, d, f, g, h, j, l, m, n, p, q,
r, s, t, v, x, z, y, k
e h. (d)813

Passemos ás palavras, que dos sons se compõem,
e de que consta a oração.14

Livro I.
Das Palavras por si sós ou partes da Sentença.

1. As palavras, de que consta qualquer sentença,
são as seguintes :

2. I. Nomes, ou Sustantivos, com que significamos
os individuos da natureza, ou da arte, v. g.
Pedro, casa, pomo : e as qualidades de per si como
alvura, doçura.

3. II. Os Adjectivos Articulares, que ajuntamos
aos nomes, para determinarem a extensão individual,
a que se applica um nome commum, v. g. o homem,
falando dos individuos da especie humana ; este homem,
aquella casa, um pomo, toda pessoa, nenhũ
homem, &c.

4. III. Os Adjectivos Attributivos,que ajuntamos
aos nomes, para significar os attributos, propriedades,
qualidades, e accidentes das coisas, v. g. homem
bom, fruta doce, seda azul, homem moral, &c.15

5. IV. Os Verbos, ou palavras, com que primeiro
affirmamos, que algum attributo compete a alguma
coisa v. g. „este pomo é doce‟ Pedro é amante
da verdade „Pedro ama a verdade ; ou segundo
declaramos o nosso desejo de que alguma coisa, ou
pessoa tenha alguma qualidade, e attributos, ou faça,
ou sofra alguma acção, v. g.‟ filho sê amante da
verdade „filho ama os teus semelhantes‟ : Perdoai ;
e sereis perdoados „são duas sentenças, uma (perdoai)
mandativa, ou exhortativa ; a outra (sereis &c.)
assertiva‟ (*)9.

6. V. Os Adverbios, ou palavras, com que modificamos
os attributos das coisas, v. g. mũito branco,
pouco quente ; e tambem os attributos significados pelos
verbos, v. g. ama mũito, fala pouco : não exclue
o attributo adjectivo, ou verbal (**)10.

7. VI. As Preposições, com que declaramos as relações,
que umas coisas tem com outras, v. g. Senhor
d'a casa ; d'a casa ao prado ha cem braças ; homem
sem briyo ; d'o Norte para o Sul.

8. VII. As Conjunções, ou palavras, que indicão
as correlações das sentenças, e as atão entre si, v. g.
Pedro é intrepido, mas é imprudente ; João não foi
lá, nem Francisco : Pedro, e João são amaveis.16

9. VIII. Éstas são as palavras, de que usamos
na linguagem analisada, e discursada. As paixões
tambem se exprimem ás vezes com uma só palavra, v.
g. ai, guai, hui, que equivalem a „eu tenho dor
eu lastimo
, e me compadeço eu me admiro. Éstas palavras
pois equivalem a sentenças sentimentáes ; e tál
vez se arrojão ; ou entremettem com as da linguagem
analisada, v. g. ai de mim ! guai do tirano ! e por
isso se chamão Interjeições.

10. Em gerál as palavras, que ficão descriptas,
significão 1.° os objectos, que se appresentão á nossa
alma ; ou 2° o que ella julga, affirma, e quer á cerca
d'elles ; ou 3° as correlações, que ella vè entre elles ;
e entre os juizos, que fórma d'elles.

11. Significamos os objectos com os Nomes e Adjectivos
d'attributos
 ; o que pensamos, ou julgámos,
e queremos com os verbos ; as correlações entre as
coisas com as Preposições ; as correlações d'entre os
juizos, ou sentenças, com as conjunções. (a)11

12. Mas em algũas palavras achão se juntamente
declarados os objectos, e attributos, e outras circunstancias,
v. g. Eu significa o homem, ou mulher,
que te falo ; Amo quer dizer por si só tanto como :
Eu sou amante agora : Teme equival a Tu se temente
agora
 ; e n'estas duas palavras Amo e Teme se
encerrão duas sentenças, isto é, noções dos sujeitos
Eu e Tu, de quem se affirma, ou deseja terem os
attributos amante e temente ; e o que a nossa alma
affirma, e quer á cerca dos sujeitos, e attributos amante
e temente. (b)1217

13. De cada uma d'estas partes da Oração, ou da
Sentença direi aqui a natureza, e usos, e assim os
accidentes, de que se acompanhão. No Livro seguinte
da composição d'ellas em Sentenças, e Proposições.

Capitulo I.
Dos Nomes, ou Substantivos.

1. Nomes são as palavras, com que indicamos
as coisas, que existem por si, v. g. casa,
pomo, homem
 ; ou as qualidades, que representamos
como existindo sobre si, v. g. alvura, riqueza,
doçura, mansidão
, &c. estes se dizem nomes abstractos. (a)13

2. Os nomes ou são individuaes, como v. g. Catão,
Sertorio, Roma, Evora
 : ou communs, e geraes para
os individuos de um genero, de uma especie, ou
classe fisica, como v. g. planta, arvore, arbusto, cavallo,
homem
 ; ou moral, v. g. Cidadão, Juis, Filosofo,
&c.

3. Quando falamos de mais de um individuo da
especie, classe, ou genero, variamos os nomes dizendo,
v. g. (no singular) um cavallo, esta arvore,
18um cidadão ; e no numero plural, dois cavallos, éstas
arvores, tres cidadãos
.

4. Os nomes, e appellidos individuaes não tem
plural, senão quando pertencem aos de uma familia,
v. g. os Almeidas, Albuquerques ; ou por figura se dão
a sujeitos, que tem qualidades, ou nomes semelhantes,
v. g. Dá a terra Lusitana Scipiões, Césares,
Alexandres, e Augustos : as duas Vianas
, &c.

5. Os nomes significão talvez animaes da mesma
especie, mas de sexos differentes, variando se o mesmo
nome, v. g. coelho, coelha, rato, rata : outras
vezes indicamos a differença sexual por nomes diversos,
v. g. homem, mulher ; cavallo, égua.

6. Os nomes, que significão o macho da especie,
se dizem masculinos ; os que significão as femeas são
femininos ; e ésta differença dos séxos, indicada pelos
nomes se diz o genero d'elles, na linguagem dos Grammaticos.

7. As diversas relações, que as coisas significadas
pelos nomes tem entre si, em algũas linguas se declarão,
variando as finaes dos nomes, v. g. no Latim,
Dominus (o Senhor), em Domini (do Senhor),
Domino (ao Senhor), Dominum (ao Senhor), Domine
(ó Senhor). Estas diversas terminações dos nomes
chamão se casos.

8. Nós em Portuguez temos algũa semelhança de
casos nos nomes seguintes, que os Grammaticos chamão
Pronomes.

9. Eu nome, com que quem fala se di se nomeya,
em lugar do seu nome proprio, tem as variações
Me, Mim, Migo no singular. Se quem fala de
si se considera como dois, diz Eus, v. g. „Em mim
ha dois eus, um segundo a carne, outro segundo o
espirito‟ (Heitor Pinto.)

10. Quando alguem affirma algũa coisa de si, e
de outros, diz Nós ; e tem mais as variações Nos,
e Nosco. Eu, e Nós se dizem pronomes d'a primeira
pessoa
.

11. Quando falamos a outrem, dizemos familiarmente
19Tu, Te, Ti, Tigo ; e no plural a mais de
um, Vós, Vos, Vosco, e tal é o pronome da segunda
pessoa
. (*)14

12. Quaesquer outras pessoas, ou coisas, que não
são a primeira, ou segunda pessoa, se dizem terceiras
pessoas
, v. g. Pedro, o cavallo, a arvore ; e quando
se põem em relação comsigo mesmos, temos as variações,
ou casos Se, Si, sigo, para o singular, e
plural, v. g. Pedro é Senhor de si : Paulo feriu se :
Estes andão malavindos entre si, ou comsigo. Do
uso dos casos direi mais na Syntaxe, ou regras da
composição.

13. Quando falamos a qualquer pessoa, ou coisa,
então se reputa segunda pessoa, v. g. ó Pedro : ó
monte Sião
 : Tu só, tu puro amor, &c. (b)15

14. A influencia, que tem na composição os generos
dos nomes, e as variações do plural, tem algũa
coisa de commum com os adjectivos, e por isso
depois dos Capitulos seguintes tratarei dos Generos dos
Nomes
, e das Formações dos seus Pluraes. (V. Cap. 4.)

15. Dos nomes, e adjectivos primitivos se derivão
os diminutivos : v. g. de homem homemzinho ; de mulher
mulherinha ; de cavallo cavallinho, &c. e os aumentativos,
20v. g. homenzarrão, mulheraça, ou mulherona,
cavallão
, &c. dos adjectivos, v. g. doido doidarão,
louco louquinho, secco seccarrão ; Ladrão, ladravás
,
&c. (c)16

Capitulo II.
Dos Adjectivos Articulares.

1. Os adjectivos articulares ajuntão se aos nomes
geraes, ou communs, para determinarem
o numero, ou quantidade de individuos, de
que falamos.

2. Entre estes tem o primeiro lugar o artigo simples
o, a, o qual indica, que o nome se toma em
toda a extensão dos individuos, a que a sua significação
é applicavel, v. g. O homem é mortal : o
cavallo é quadrupede, serviçal : a larangeira é arvore
de espinho : „A mayor pouquidade, que eu no
homem
acho, é querer bem de siso a nenhũa mulher‟
(Eufrosin. 5.5. f. 181. diz de todo homem em geral.)

3. Se queremos tomar o nome individual, e extensivamente,
mas restricto a um só sujeito, ou a
menos de todos os da especie, limitamos a generalidade,
que indica o artigo simples, com outras circunstancias,
v. g. o homem, que hontem vimos : o
velho da montanha : o homem sábio : o casquilho do
bairro
. Outras vezes subentende se facilmente a circunstancia,
ou circunstancias restrictivas, v. g. ¿ viste
o homem ?
i. é, de quem já falámos. ¿ Foste á praça ?
i. é, á praça desta Cidade. ¿ Já veyo o Pedro ? i. é, o
moço de casa d'este nome.21

4. Os nomes individuaes, ou proprios são de si
mesmos determinados, em quanto á sua extensão ; e
por isso não admittem adjectivos articulares. Assim
não dizemos o Catão, o Sertorio fez isto ; a Roma é
Cidade antiga. (a)17 „Se a cubiça de Italia, e as delicias
de Asia não devassárão Portugal.‟ (Eufr. 2. Sc.
5.) „Africa, Europa, e Asia as adorou‟ (Camões,
Soneto
44. e V. Lus. 10. est. 97. e seg. até 103. Barros,
Gram. Dedicator.)

5. Todavia achão se nomes proprios de regiões,
e os dos rios, e dos montes com artigos, pois dizemos,
v. g. a India, o Egito, o Cairo, a Ethiopia,
a China, o Japão, o Decan, o Canará ; o Tejo,
o Mondego, o Etna, o Vesuvio, o Norte, o
Sul
, &c. Isto procede assim, porque os nomes individuaes,
a quem não conhece os individuos, não dão,
pela mayor parte, idéya algũa, nem da classe, a que
pertencem ; e por isso era usual ajuntar se o nome
commum com o proprio apposto, v. g. o Rio Mondego,
o Rio Tejo, o Lago, ou a Lagòa Meothis, a região
Africa, a Cidade Meca, o monte Etna, o monte
Vesuvio, o reino Melinde, a Cidade Beja ; „a Cidade Zella

situada na terra Africa‟ (V. Barros D. 3. L. 1.
C. 5
.) „a terra Asia‟ o reino Decan „a Ilha Inglaterra
(Barros, 1. 9. 1. e 2. 6. 1.) &c. Depois
que as noticias geograficas se divulgarão mais, foi se
omittindo o nome commum, e ficou o artigo talvez
com o nome proprio. E d'aqui vẽi a variedade,
com que os mestres da lingua hora exprimem, hora
calão o artigo antes dos taes nomes. (b)18 Lè o que
22Africa, Arabia, India te escrevem. (Ferr. Carta 2.
L. 2.)

6. Os nomes proprios de terras, que são communs
a duas, ou levão epithetos, ficão como appellativos
e usão se com artigo, v. g. a India Oriental, e a
Occidental ; o Algarve d'aquem mar ; as Arabias tres.
O mesmo é dos nomes de homens, v. g. o Camões,
i. é, o poeta Camões ; o Seneca, i. é, o Filosofo Seneca ;
o Magalhães, i. é, o que descobriu o estreito ; o
Pacheco
, i. é, o Duarte tão celebre nos fastos da Historia
Oriental Portugueza ; o Catão de Adisson, i. é,
o drama intitulado Catão ; a Castro de Ferreira, i. é,
a tragedia intitulada Castro ; a Asia de Barros, para
a distinguir da Asia de Diogo do Couto ; a Venus de
Medicis ; i. é, a estatua ; o Antinoo, &c.

7. Os nomes proprios de terras, que d'antes erão,
e ainda são appellativos, ou communs, usão se com
artigo, v. g. a Bahia, o Rio de Janeiro, a Casa branca,
o Porto
. Pela mesma razão se diz na Astronomia
a Ursa, o Cão, a Lira, a Donzella, o Escorpião, &c.
e Jupiter, Saturno, que forão nomes de homens, sem
artigo (Lusiada, 10. 82.)

8. Omitte se o artigo todas as vezes, que
nome commum se usa attributivamente, v. g. este
23animal é cavallo, é boi ; ou quando se dá por attributo,
por meyo de uma preposição, v. g. esta
pélla é de ferro. Em taes casos podemos substituir um
adjectivo ao nome sem artigo, v. g. esta pélla é ferrea ;
este animal é cavallar-macho, &c. e pelo contrario
d'o ferro, que me déste, fez se um punhal‟
o cavallo de Pedro „quando o nome se toma extensivamente ;‟
i. é, de todos, de certos, ou de um individuo
da classe, genero, especie, &c.

9. Igualmente se cala o artigo, quando o contexto
dá a entender assás, que o nome se toma extensivamente,
v. g. „Pobreza não é vileza‟ Não sabe
homem como se valha contra a calumnia „Homem é
mais obrigado a si, que a outrem‟ (c)19 „venho de
casa
‟ (isto é de minha casa) porque os antigos não
ajuntavão o artigo simples com os articulares possessivos,
como abaixo direi ; assim mesmo dizemos
Pedro vẽi de casa (sc. de sua casa) e‟ vẽis de casa ?
i. é, de tua casa. (V. abaixo o numero 17.)

10. Quando fazemos duas classes oppostas usamos
do artigo repetido, v. g. Virá a julgar os vivos,
24os mortos : Álias diremos sem repetição „os honrados,
e leaes vassallos de V. Alteza
‟.

11. Os nossos mayores usárão do articular um acompanhado
do artigo simples, v. g. „não posso servirvos
por duas razões‟ ; a uma porque é fora de tempo,
a outra &c. Ainda dizemos : todos á uma, sc. voz :
(aa uma : por uma, sc. razão.)

12. Mũitas vezes o artigo parece trazer á memoria
o nome antecedente, v. g. viste o cavallo de
João ? Vi-o. Mas realmente aqui ha elipse, ou falta do
nome cavallo, que facilmente se subentende : o artigo
não muda de natureza, nem é pronome como eu, e
tu.

13. Se usamos dos adjectivos attributivos em vez
dos nomes abstractos, v. g. o doce, o agro, por a
doçura, a agrura
, o artigo refére se, e modifica ao
nome ser subentendido, bem como se dizemos, v. g.
„Que o ser de tão formosos olhos preso, cantá-lo
(i. é, cantar o ser preso, a minha prisão) bastaria
a contentar-me‟ (Camões) No mesmo singular masculino
usamos do artigo, quando se refere a uma frase,
em que deve subentender se um infinitivo, v. g.
„Que vos prometta os mares, e as areyas não lh'o
creais.‟ i. é. não lhe creais o prometter-vos, ou o promettimento :
„Se me tratou bem, devo-o ao vosso
patrocinio‟ i. é, devo o tratar-me bem &c. O artigo
sempre se refere a nome claro, ou occulto, e subentendido,
como todos os demais adjectivos. (V. abaixo
no L. 2. Cap. 2. a nota (f)). Isto pelo que
respeita ao artigo simples (d)20.25

14. Alem d'este temos os adjectivos articullares numeraes
um, dois, tres, &c. e os numeraes ordinaes
primeiro, segundo, terceiro : um denota incerteza.

15. O articular Elle trás á memoria um nome
antecedente, v. g. conheces o Pintor da Madalena ?
26Pois elle foi quem pintou o retabolo. Quasi sempre
elle vem sem nome expresso, que ás vezes se declara,
v. g. „dice, que elle Idalcão não referia as causas,
&c.‟ e isto obsérva-se, quando ha mais de uma
terceira pessoa do mesmo genero, e numero. Elle tem
os casos Lhe, e Lhes, e impropriamente lhe chamão
pronome da terceira pessoa, sendo um adjectivo articular
derivado do latino ille, illa, illud, que no Portuguez
se usa mũito com ellipse do substantivo, a
que pertence.

16. Este determina a extensão do nome, a que
se ajunta, pela circunstancia de estar o objecto, que
elle significa, junto á primeira pessoa, ou nella : Esse
pela circunstancia de estar o objecto modificado por
elle junto á pessoa, a quem falamos : Aquelle indica
o objecto remoto da primeira, e da segunda pessoa.
„Que espada é essa ?‟ perguntamos a outrem, que a
tem ; e elle mostrando-a responde „esta espada é a
minha : Aquella álem é de Pedro.‟ Os Grammaticos
chamão a estes Pronomes demonstrativos ; mas são
verdadeiros adjectivos articulares demonstrativos, (e)21
cujos substantivos se calão, ou expressão.27

17. Meu, Teu, Seu, Nosso, Vosso dizem os Grammaticos,
que são pronomes possessivos ; mas são verdadeiros
articulares possessivos. D'elles usavão nossos
mayores sem artigo simples, v. g. é filho de meu
pai : é effeito de tua, de vossa bondade. Só acompanhavão
estes possessivos com o artigo, quando calavão
o nome, v. g. ésta espada é minha ; a vossa é
aquella : ou quando se falava de algũa coisa habitual,
v. g. „estou com a minha dòr‟.

18. Todo é outro articular, que usavão sem o artigo,
para indicar a totalidade de individuos, v. g.
„Só Deus é verdadeiro, e todo homem mentiroso‟ em
toda parte „a toda hora.‟ Só acompanhavão todo com
o artigo, quando falavão da totalidade de partes de
uma cousa, v. g. o homem todo não é mortal : ardeu
a casa toda : passei todo o dia com João. Hoje
mũi vulgarmente se ajunta o artigo a Todo em
ambos os casos, e dizem promiscuamente : Todo o
28mundo ; por todas as pessoas, que o compõem (que
antigamente dizião Todo mundo), e por a totalidade
das partes do Mundo. (V. Lusiada, 10. 78. e 83. e
Ferreira, Bristo, A. 2. Sc. 1. f. 18.)

19. Algum, Nenhum, Cada, Qualquer são outros
tantos articulares, cujo sentido é obvio. Só notarei
a respeito de Algum, que é erro cuidar se, que a
transposição d'este articular ao nome, v. g. pessoa algũa,
equival, sem a negativa não, a Nenhũa pessoa.
Nos livros classicos se acha o dito articular posposto
sem força negativa, v. g. „Palavra Arabia algũa se
lhe entende. D'esta gente refresco algum tomámos‟
E daquella menina tiveste noticia algũa ?
(camões Lusiada
5.° 69. 75. 76. e V. Cant. 1.° est. 71. 2° est.
44. 5. est. 4. e 64. Os Estrangeiros de Sá de Miranda ;
2.° Cerco de Diu, f. 57
.)

20. Que, Qual, Quem, Cujo são articulares relativos,
conjunctivos
, que trazem á memoria o nome antecedente,
e ajuntão a sentença, em que está o articular,
com a antecedente, v. g. „a casa, que eu
edifiquei é vossa
‟ i. é „e eu edifiquei-a a quinta,
cujo dono era um amigo meu
‟ i. é, e um amigo
meu era dono d'ella. O vulgo diz erradamente
o cujo, a cuja, em vez de o qual, a qual, v. g.
Um homem, o cujo é meu amigo ; que tanto val
como dizer : o do qual é meu amigo : porque Cujo
significa sempre do qual, cuja da qual : de cuja casa
vim
i. é. da casa do qual ; e correcto. (Leão,
Descr
. C. 75. usa-o impropriamente dizendo „Sant Iago
Interciso de cuja nação fosse não nos consta‟ (isto
é um Latinismo.) De que nação, de que terra é ?
dizemos nós. „O Senhor, de cujo ha de ser o edificio‟
é erro : (Barr. Prol. D. 1.) deve ler se :
o Senhor, cujo ha de ser &c.

21. Onde é articular conjunctivo, que traz á memoria
o lugar antes mencionado ; Quando, o tempo,
v. g. estiveste no theatro, onde e quando (no tempo,
em que) eu estive tambem. Onde figuradamente
se refere ás pessoas, v. g. „Eu chamo vulgo,
29onde ha baixos intentos‟ (Ferreira) isto é, aquelles,
em que ha &c. (f)22

Capitulo III.
Dos Adjectivos Attributivos.

1. Estes significão as qualidades existentes em
algum objecto, v. g. branco, louro, manso,
leal, amavel
, quando coexistem com homem, menino,
&c.

2. As qualidades, e attributos das coisas admittem
ordinariamente mais, e menos, ou mũito. O que
é bom póde ser mais bom, ou melhor, ou optimo a
respeito de outro ; o que é grande póde ser mayor,
maximo
, ou mũi grande ; menor, ou minino, ou mũi
pequeno.

3. Em algũas linguas o adjectivo attributivo simples,
ou positivo, se altéra para indicar a mayoria,
ou differença comparativa, v. g. doctus (douto) em
Latim, varia se em doctior (mais douto) e doctissimis
(mũito douto) ; Minor (menor) Minimus (minimo).

4. As variações, que significão mais com o attributo,
dizem se adjectivos comparativos ; as que ajuntão
mũito aos attributos, superlativos.

5. Nós temos comparativos em fórma simples
Mayor, Melhor, Menor, Peyor, Anterior, Interior,
Exterior, Inferior, Superior, Citerior, Posterior, Ulterior
,
&c. adoptados do Latim ; os mais, que nos
faltão, supprimos com a palavra mais, v. g. mais alvo,
30mais verdadeiro
 ; e usando dos nomes por adjectivos,
dizemos, v. g. mais homem, que outrem ; mais
mãe
, que avó ; o mais sem honra.

6. Dos superlativos temos algũas fórmas simples
tomadas do Latim, v. g. Maximo, Minimo, Optimo,
Pessimo
, e Humillimo, Simillimo, Pauperrimo pouco
usados. Outros formamos segundo as regras seguintes
ensinão.

7. Os adjectivos acabados em o, e, mudão o o,
ou e em íssimo, v. g. Douto, Doutissimo, Felice,
Felicissimo
. Excepções : Sagrado, Sacratissimo ; Amigo,
Amicissimo ; Frio, Frigidissimo ; Aspero, Asperrimo,
ou Asperissimo ; Misero, Miserrimo ; Magnifico,
Magnificentissimo ; Célebre, Celeberrimo ; Nobre,
Nobilissimo ; Salubre, Saluberrimo ; Agro, Acerrimo
,
&c.

8. Os adjectivos em ão, tem o superlativo em
nissimo, perdendo o o, e mudando a nasal ã em a
puro, v. g. Vão, Vaníssimo ; São, Sanissimo ; Christão,
Christianissimo
.

9. Os positivos acabados em L, ou R, tem os
superlativos em issimo, v. g. Natural, Naturalissimo ;
Cruel, cruelissimo ; Util, utilissimo ; Geral, ou General
tem Generalissimo ; Particular, Particularissimo ; Fiel,
Fidelissimo ; Infiel, Infidelissimo ; Fácil, Difficil, Facillimo
,
ou Facillissimo, e Difficillimo, ou Difficillissimo ;
Miseravel, Miseravelissimo.

10. Os positivos em om, e um mudão o m em
nissimo, v. g. Bom, Bonissimo (a)23 ; Commum, communissimo ;
Um, unissimo
.

11. Alguns positivos em Z, ou Ce, mudão o z,
ou e em cissimo, v. g. Atroz, Atrocissimo ; Capaz, capacissimo ;
31Feliz, Felicissimo
, &c. Outros derivão estes
superlativos dos positivos Rapace, Pertinace, Vorace,
Atroce, Felice, Infelice. Bellacissimo
não tem positivo
Portuguez.

12. Quando não temos superlativos derivados dos adjectivos
positivos, ajuntamos a estes o adverbio mũito,
v. g. mũito politico ; mũito ajudado ; mũito favorecido.

13. Talvez se ajuntão os adverbios mais, tão,
mũito
aos superlativos, v. g. mũito grandissima suberba ;
mũito pessimo ; mais intimo ; tão bellicosissimo,
tão minimo
. Alguns adjectivos parece, que não admittirião
superlativo por sua significação, v. g. Divinissimo
de Divino ; Mesmissimo de Mesmo ; Unissimo de
Um ; Infinitissimo de Infinito ; e todavia assim se achão
nos bons autores.

14. Mũitas palavras se usão de ordinario como
nomes, que são verdadeiros adjectivos attributivos,
v. g. o hermo, e herdades hermas ; o missal e Livro
missal
 ; o passador e sétta passadora ; o fedegoso, e
hervas, ou coisas fedegosas, (Ordenação Adonsina L. I.
Tit. 28. §.16.) homem ou mulher herege, e hereges
opiniões
 ; o homem adultero, e o adultero engano, &c.

15. Advirta-se, que com os attributos qualificamos
de ordinario as coisas ; e que tambem o fazemos
com os nomes acompanhados da preposição de, v. g.
homem de valor, ou valoroso ; de saber ou Sabio.
Assim mesmo negamos, ou tiramos os attributos pela
preposição sem, v. g. O sem-ventura amante.
Nestes ultimos casos tambem usamos de mais e mũito
para supprir comparativos, e superlativos, v. g.
o homem de mais honra, de mais saber ; o mais sem-honra ;
mũito sem-sabor
 : Tu es mũi para pouco.
(Costa, Terenc. T. 2. f. 267.)

16. Os adjectivos attributivos usão se por nomes
abstractos, v. g. o agro desta fruta ; o doce do mel,
o teso do monte, &c. mas não se subentenderá o nome
verbal ser ? (b)2432

17. Abaixo tratarei dos Participios, que são adjectivos
attributivos verbaes, ou derivados dos verbos
(V. Cap. 5.)

Capitulo IV.
De alguns accidentes communs aos nomes, e adjectivos

1. Os nomes, e os adjectivos, que os modificão,
varião de terminações, quando significamos
mũitos objectos ; v. g. um dia, dois dias,
este pomo verde, aquelles pomos doces
 : isto é, ir o nome,
ou adjectivo ao plural.

2. Igualmente se varião os nomes para indicar os
séxos dos individuos ; e os adjectivos que os modificão,
para apparecer a qual nome se referem : assim
dizemos, v. g. Leão bravo ; Leoa parida, brava ;
homens máos ; feras tigres
(*)25.

§. 1.
Da formação dos Pluráes dos Nomes, e Adjectivos.

1. Já apontei, que os nomes de um só individuo
não se usão no plural, senão é figuradamente,
quando os damos a sujeitos de caracter
semelhante : v. g. „Andão os Scipiões pelos hospitáes‟
33i. é, os grandes capitães : „Haja Mecenas, e haverá
Virgilios‟ i. é, tenha o mundo protectores das Musas,
e terá grandes poetas.

2. Eu considerando-se como dois tem Eus, e por
analogia „em ti ha dois tus‟ como „Em mim há
dois eus (*)26.‟

3. Deus faz Deuses ; o Sol Soes ; e damos plural
a cousas unicas, quando questionamos se é possivel
existirem mais como ellas. La girão outros soes, e
outros mundos. „Se nos afigurou, que vimos duas
Venus
 ; … e que se nos offerecião ao encontro duas
Dianas
 :‟ figuradamente (Lusit. Transf. f.. 359.). Os
Adonis
, &c.

4. Os nomes de metáes não se usão no plural,
salvo para significar peças, e instrumentos feitos delles,
e especies accidentalmente differentes, ou quantidades,
e porções ; v. g. tinha umas pratas na bolsa,
os aços, os ferros do passador, das lanças, e prisões ;
dos ferros uns são doces, outros pedrezes, e quebradiços :
assim dizemos os sáes neutros, fixos ; as
cáes metallicas ; as aguas ardentes, mineráes, thermaes ;
os vitriolos, terras, barros, ocres, assucares,
&c.

5. Não admittem plural os nomes de qualidades
habituáes, senão usados polos actos d'ellas : v. g. duas
fés, e crenças ; as caridades que me fez ; as nobrezas
deste homem ; éssas tuas paciencias, e sofrimentos : „a
alma assalteada de invejas, cubiças, ambições, odios,
e deshonestidades : Deus aborrece avarezas‟ i. é, os
actos viciosos d'inveja, &c.

6. Os nomes de Ventos usão se no plural, quando
cursão dias, e temporadas : v. g. „entrarão-lhe os
Sues, os Nordestes, as Brisas
.‟

7. Nós dizemos os azeites, méis, oleos, assucares,
34manteigas, especiarias, pimentas, vinhos, leites, dar
encensos ; famas
 ; os trens dos exercitos, as memorias,
os quaes alguns Grammaticos dizem, que só se usão
no singular. Pelo contrario usamos no singular uma
fava, um grão de bico, um tremoço, uma lentilha ; a
papa, o farello, o alforge, &c. os quaes Barros ensina,
que só se usão no plural : „Todas as forças de Sansão
levou uma tesoura‟ diz elle contra a sua regra (a)27.

8. Actas, Algemas, Alviçaras, Andas, Andilhas,
Ceroulas, Grélhas, Fezes
(b)28, Exequias, Fauces, Preces,
Póstres, Piós, Viveres
, e os nomes das horas
Canonicas Vesperas, Completas, Matinas, Laudes usão
se no plural : dizemos os mióllos, e não os cérebros
de um homem ; mas o cerebro, e o cerebéllo (Ulissea,
10. est. 89). Os adjectivos numeráes só tem plural,
quando dizemos os setes, oitos, ou noves do baralho ;
não ha quem não dê seus cincos, ou cincadas.

9. Os nomes verbaés infinitos, quando significão
figuradamente coisas, em vez de acções, usão se no
plural ; v. g. para seus comeres, beberes ; os seus teres,
e haveres. Assim mesmo dizemos : isso tem seus quês ;
saber os porquês das coisas ; dar os amens ; estar aos
itens, &c.

Vejamos como se fórmão os pluráes dos nomes
e adjectivos.35

10. Os que acabão em vogal pura, ou nasal, tem
o plural accrescentando se ao singular um s : v. g.
casa, casas ; boa, boas ; lebre, lebres ; leve, leves ; Nebri,
Nebris ; Dono, Donos ; Sós, Sós ; Lã, Lãs ; Cã, Cãs ;
Bahú, Bahús. Reyes de Rei ; Leyes de Lei ; Payes de
Pai ; Alvaráes de Alvará
 ; e Péis de são antiquados.
(Paiva, Serm. trás péis, e F. Mendes).

11. Os nomes acabados no ditongo nasal ão, tem
o plural mudando o ão em ões ; v. g. razão, razões.
Outros seguem a regra geral, e tem o plural em ãos :
v. g. Accórdão, Alão, Anão, Ancião, Castellão, Chão,
Christão, Coimbrão, Commarcão, Cortesão, Grão, Irmão,
Lódão, Mão, Orfão, Orgão, Orégão, Pagão,
Rábão, São, Sótão, Soldão, Temporão, Vão, Zangão
.
Alguns dão plural em ões a Villão, Aldeão, Benção,
Anão, Cidadão, Cortesão
(c)29.

12. Tem plural em ães Capellão, Cão animal, Allemão,
Catalão, Deão, Ermitão, Escrivão, Guardião,
Massapão, Pão, Sacristão, Tabellião
 : dicerão alguns
Foliães ; hoje dizemos Foliões. Os Bulcões, os Vulcões,
de Bulcão, e Vulcão, ou Bulcãos, e Vulcãos, que são
mais conformes á regra geral.

13. Os nomes, e adjectivos terminados em al,
ol, ul
mudão no plural o l em es : v. g. Sal Sáes ;
Natural, Naturáes ; Sol, Soes ; Azul, Azues, Taful,
Tafues. Mal
tem por plural Males, Cal de moinho
36Cales ; de pedra, ou ostras, as cáes metallicas, &c.
Consul Cônsules, Curál, Curáles, Anzol, Anzoes : (Anzolos
é antiquado de Anzolo). Real moeda imaginaria ;
o plural reáes abrevia-se em réis : v. g. mil réis.

14. Os nomes, e adjectivos em el mudão no plural
o l em is : v. g. Sável Sáveis ; Amavel Amáveis ;
ouropél, plur. ouropélles (Arraes, 10. 74.). Aos terminados
em il agudo muda se o l em s : v. g. Anafil
Anafis, Vil Vis, Gazíl Gazís
 : (Anafiles de Anafil,
é pouco usado) Edil, Ediles, ou Edis. Os que
não tem o accento no il mudão-no em eis : v. g. Fácil,
Fáceis ; Dócil, Dóceis. Habiles, Faciles, Terribiles
,
e semelhantes pluráes, que usárão os classicos,
estão antiquados. Os antigos dicerão melles, nos méis.

15. Aos nomes acabados nas nasáes em, im, om,
um
, muda se no plural o m em ns (*)30 v. g. Bom,
Bons
 ; Dom nome, e prenome de honra Dons ; (os
classicos terminavão Dões por dadiva) Bem, fas
Bens, que se pronuncia Bẽes, assim como Vintẽes,
Armazẽes
, e semelhantes (que assim se escrevião, e
seguião a regra dos nomes acabados em vogal, ou
ditongo nasal) a Cánon, Nomocànon, accrescenta se
um es, Canones.

16. Os nomes, e adjectivos em r, s, x, z tem
plural accrescentando se lhes um es : v. g. Pezar, Pezares ;
Clamor, Clamores ; Rapás
, ou Rapace, Rapazes ;
37Voraz, Vorazes ; Feliz, Felizes
. (d)31 Alferes, Arráes, o
Cáes, Ourives, Duples, Pioz, Onus ; (Jus, plur. Jures,
direitos, v. g. da Natureza) simples, hoje são invariaveis
no plural (e)32. Dizemos porém os simplices,
ingredientes, que entrão em composições Medicináes.
Cális tem o plural Cálices ; Appendiz, Appendices ; Index,
ou Indice, Indices : Fenix não se varia no plural,
e dizemos as fenix. Barros (4. 4. 8.) escreveo
os Caezes ; mas cáes plur. é usual.

17. As palavras compostas, ou soldadas de duas
mudão no plural as partes, que se varião, e que ficão
por inteiro : v. g. Cada-uns, Faç-alvos, Quaesquer de
Qualquer, Gentis homens de Gentil-homem (f)33 mas Prol-faças,
Rectaguardas, Republicas, Vanglorias, Dom
Abbades
, não seguem a regra. Gran por Grande é invariavel,
e assim o deve ser em Gran-Cruz, Gran-Cruzes,
e Gran-Mestres, que os Antigos dicérão os
Grãos-Mestres, alterando, contra a analogia, o gran
sincopado para grão. (g)34 Gram fortaleza gram Turco
(Caminha f. 36.)- Os que escrevião por am os ditongos
em ão derão occasião aos que menos attentarão
nisto, para depois confundirem gran com grão,
e san com são.38

§. II.
Dos Generos dos Nomes, e Variações dos Adjectivos
respondentes a elles. Dos nomes proprios.

1. Os nomes de homens, Anjos, Deuses da
Fabula são masculinos : v. g. Achilles, Jove,
o Serafim : no figurado diz se : aquella Serafim
(Ulisipo, At. 1. Sc. 6.)

2. Os nomes de mulher, Deusas, Ninfas, Furias
são femininos : v. g. Ana, Clotha ; Echo Ninfa (éco,
ou écho, som reflexo, é masculino) Iris ninfa é feminino ;
o arco é masculino ; e no figurado o iris
dos olhos, das lentes : „é o Iris, que a paz nos assegura :‟
outros dizem, o arco da Iris (Leão, Descripç.). (*)35

3. Os nomes proprios de Ventos, Rios, Montes,
Mares, e Mezes são masculinos ; dizemos porém o
Meothis
, ou a Meothis, segundo o referimos a lago,
ou alagoa (Naufr. de Sepulv. f. 39. e 40.) e a Estige,
o Estige
(Eneida, 12. 193.)

4. Os nomes proprios de Regiões, Cidades, Villas
39e lugares, achão se commummente femininos ; e
talvez masculinos referindo se aos nomes communs
Lugar, Villa, Reino, Cidade, Região, Praça. Assim Camões
traz Diu masculino, e feminino (Lusiada, 2.
50 ; e no C. 10. est. 64. e 67.) Freire, a
illustre
Diu : outro Diu (Castanheda L. 8. f. 55.) „Tangere
populoso
, e a dura Arzila, Porèm ellas em fim
por força entradas‟ (Lusiada 4. est. 55. e 56.).
A suberba Ormus (Lusiada 10. est. 53.) . „Ormus
e toma d'elle posse‟ (2° Cerco de Diu, f.
434
.) „A opulenta Bisancio, e todo o Epiro‟ (Naufr.
de Sepulveda, f. 24
.) : a guerreira Carthago ; a infame
Egyto ; a
bimar Corintho ; a Cidade Beja
Trancoso destruida (Lusiada 3. 63.). Santarem é
tomado (Leão, Cron. De D. Af. 1.). Scilla, e Charibde

mascul. (Lusiada e Ferreira) e femin. Ulissea,
8. 72. (*)36.

5. Todavia os nomes proprios usados sempre em
um genero não se alterão ; e é erro vulgar dizer todo
Lisboa, todo Castella ; e menos proprio dizer se
um Chipre, um Guido ; porque o nome commum, e
mais obvio, a quem devem referir se estes, é ilha :
outra Chipre, outra Guido ali se via‟ Seg. Cerco
de Diu, f. 188. a fresca Cypre (Lusitan. Transf.
f. 213.) „Nesta ilha Cypre a Venus dedicada.‟
Na Jornada d'Africa vẽi (e mal) todo Hespanha,
todo Berberia ; Féz o novo, &c. (a f. 49. e
99.). Todo Hespanha
será todo o territorio, ou reino
Hespanha
 ?

6. Nóte se, que os nomes proprios dos Lugares,
que antes forão appellativos, ou communs, seguem
o genero das terminações ; v. g. o Porto, o Pombal,
a Bahia, os Ilhéos
, &c.40

Dos nomes communs.

7. Os nomes communs dos animáes, que significão
o macho são masculinos ; os que significão a femea
são femininos ; v. g. o homem, a mulher ; o cão,
a cadella ; elefante, elafanta ou aléa, mú, múa
.

8. Outros nomes de animáes debaixo da mesma
terminação são sempre masculinos, ou sempre femininos ;
v. g. o Javali, o Corvo, o Lagarto, (a lagarta
insecto) o Roixinol, o Golfinho, o Noitibó, &c.
A córva cozinheira, se dice por uma preta : a Onça,
Serpente, Aguia, Corvina, Cobra, Enxova, Fataça,
a Andorinha, a Codorniz, a Betarda, a Fenis
, que
no figurado tambem se usa masculino : v. g. „Vós,
meu Jesus, Divino Fenis‟ (Vieira) o Sol é o Fenis
dos Planetas (V. Lusit. Transf. f. 373.)

9. Nomes há em fim, que são masculinos, e femininos ;
v. g. Eu e Tu ; o, e a Alcião, o Tigre, a
Tigre, o Crocodilo, a Crocodilo
 : e quando houver dúvida,
e necessidade de mayor precisão, diremos, conforme
a analogia da lingua, a crocodila, a golfinha ;
ou o golfinho femea ; a cobra macho, ou o macho da
cobra
 ? &c.

10. Os nomes de officios, e exercicios proprios
de homens são masculinos ; os de mulher femininos ;
e são de ambos os generos os que convèm a ambos ;
v. g. o Juiz, Desembargador, o General ; a Costureira,
a Commendadeira ; o e a Taful
(a)37 ; o Personagem,
e a Personagem : o e a Homicida, Matricida, Parricida (b)38,
Hypocrita, o e a Official : „este homicida mundo
41(Lusit. Transf. f. 155.) : o e a apostata, &c.
Sentinela é feminino : Guarda de navio, e prisão masculino ;
alias dizemos : traz uma guarda de cavallaria ;
o corpo da guarda ; as guardas Reáes ; os Guardas
marinhas ; as guardacostas. Os
e as Vigias, Atalayas,
homens ; mas a Atalaya, a Vigia, postos,
sempre são femininos : os guias, as guias homens, ou
mulheres ; mas as guias cordóes ; feminino : os, e as
espias
homens ; (Freire, f. 398.) uma espia lugar ; e
corda nautica : trombetas bastardas (por trombeteiros)
no feminino, e logo „vestidos de seda… e mũito
bem encavalgados ;‟ traz Resende (Cron. de D. João
2. C. 128
.) com boa distinção. Mochila homem é
masculino ; saco é feminino.

11. Nos nomes acima, e outros como Fiador,
Fiadora ; Juiz, Juiza ; Doutor, Doutora ; Idolo, Idola ;
Infante, Infanta ; Parente, Parenta ; Prégador, Prégadora

vemos a analogia, que dirigiu os inventores
das linguas, para darem diversos generos, e terminações
diversas para machos, e femeas. (c)39 Não se vè
porèm a razão, porque dicémos o Páo, o Pão masculinos,
a Pedra, a Farinha femininos. Nestes de coisas
sem séxo, appellativos, ou communs, seguiremos
as regras abaixo.42

Generos dos nomes, que se regução pelas terminações.

12. Os nomes communs terminados em a puro,
ou nasal são femininos ; v. g. casa, romã. Except. Alvará,
Clima, Cometa, Dia, Diadema, Emblema, o
Nada, o Nunca, o Agora, o Enigma, Empiema, Edema,
Tema, Dilema, Theorema, Anathema, Sofisma,
Prisma ; o trombeta, o trompa, o clarineta
fig. por o
que toca : Mapa, Estratagema, Poema, Sistema, Problema,
e outros masculinos (d)40.

13. Os nomes em e são masculinos. Except. Arvore,
Cohorte, Neve, Face
, e mũitos outros acabados
em ade, e ice, exc. O Apice ; o Vertice : os que
terminão em é agudo ; v. g. Maré, Galé : mas Café,
Bolarié, Rapé, Petipé, Rosicré
, e outros são masculinos.
Arvore acha se nos classicos masculino, mas é
antiquado. Córte golge masc. : córte de aves, e criação,
e córte femininos.

14. Os nomes em i, o, u são masculinos ; v. g.
Grei, Lei, Comboi ; Lenho, Bahú. Except. Beilhó,
Enxó, Ilhó, Mó
femininos : Tribu acha se cõmũmente
masculino nos bõs autores.

15. Os terminados nos ditongos em ão, e ẽe, ou
em são femininos. Except. Carvão, Colxão, Feijão,
Ferrão, Mellão, Pão, Trovão, Arção, Massapão, Cabeção,
Pavelhão, Torrão, Tostão, Trotão, Artesão,
Tesão, Aivão, Gavião, Torsão
, e outros masculinos ;
e assim o são Bedẽe ou Bedem, Vintẽe, ou Vintèm,
Arrebèm, Vaivèm, Bem, Trem, Desdèm, Assèm
, &c.
os classicos dicérão talvez o Linhagem, que hoje é
feminino. Quem, Alguem, Ninguem são communs (e)41.43

16. Os nomes em om, im, um são masculinos.
Fim ácha se femin. nos antigos, mas é desusado ; e
dizemos o meu fim : este fim teve.

17. Os nomes em l, e r são masculinos. Except.
Cal, Colhér, Dor, Flor ; ésta cór, vontade, ácha se
nos Livros classicos ; ésta cór é usual. Os Infinitos
dos verbos são masculinos : v. g. o amar, o ler, o ouvir ;
o serdes letrados ; o sermos feyas (*)42.

18. Os nomes em s, e z são masculinos : v. g.
um Atlas ; um As dos naipes ; a Az esquadrão (Clarim.
3. c. 11
.) um Ras panno ; Jus, Alcatrus, Alcassús :
são femininos Andas, Arras, Cócegas, Alviçaras,
e outros usados no plural, e assim Preces,
Efemerides
 ; &c. Cutis é feminino, e assim o são Paz,
Tenáz, Vèz, Torquèz, Buiz
, ou Boïz, Matriz, Foz,
Vóz, Nóz, Cruz, Luz
, &c.

Das variações dos adjectivos accommodadas aos generos
dos substantivos.

19. Os adjectivos de duas terminações em a, e
o tem ésta para os nomes masculinos ; as em a para
os femininos ; v. g. casa nova, templo novo. Parvo tem
o feminino párvoa, e dizemos uma parva de almoço :
44Cada é invariavel, ou commum : cada homem, ou
mulher.

10. Os terminados em e servem para nomes de
ambos os generos ; v.g. caso grave, materia grave :
Elle, Este, Esse, Aquelle, mudão o e final em a
com os nomes femininos ; e assim Cafre, Hereje (*)43
Parente. É invariavel Infante adjectivo : mas dizemos
a Senhora Infanta, posto que os antigos dicérão neste
sentido Infante. Regente, Penitente, Amante são
communs ; e assim mesmo outros adjectivos verbáes
em ante, ente, e inte. (Cam. Filod. Tom. 4. f. 163.)
Constantemente dizemos uma corrente, talvez subentendendo
cadeya (V. Barros, Clarim. L. 1. C. 28.) : a
vasante, a descente da maré ; na minguante da lua,
i. é, na quadra minguante : na minguante dos vocábulos
(Lusit. Transf.) ; o pendente do brinco, e do
sello do Chanceller (Orden. Afons.)

21. Meu, Teu, Seu, Sandeu, Judeu tem os femininos
Minha, Tua, Sua, Sandia, Judia : aos em u
puro accrescenta se um a na fórma feminina : v. g.
Nu Nua ; Cru, Crua.

22. Os adjectivos terminados no ditongo nasal ão
perdem o o final para os nomes do genero feminino :
v. g. lugar chão, terra chã ; meyão, meyã ; são, sã,
(f)44 melhor ortografia que meãa, chãa, pagãa, &c.

23. Os terminados nas nasáes om, e um são Bom,
que tem boa para os nomes femininos (g)45 ; Algum,
Nenhum, Um
, tem os femininos em ũa, ou uma.
45Commum tem Commuã femin. nos Livros classicos ; ou
commum para ambos os generos ; e alguns os imitão ;
mais ordinariamente dizem commua, contra aquelles
exemplos, e a analogia de um, e derivados (h)46 : Cabrum,
Cabrũa
, ou Cabrua.

24. Os adjectivos, ou nomes acabados em or
achão se nesta mesma forma communs para os masculinos,
e femininos : v. g. Senhora Superior, Fiador,
Peccador, Tutor, Curador
, &c. Se alguem achar Lobo,
ou ave caçador (Orden. L. 5. f. 62.) Assim
mesmo dicerão : a Nação Portuguez : frutas montezes
(Barr. Dec. E Clarim. L. 2. c. 28.) : hoje damos
femininos em a a estes adjectivos ; v. g. Fiadora, Superiora,
Priora
, e tudo o que póde pertencer a mulher.
„Pales do manso gado guardadora.‟ (Camões
Eglog. 2
.) : mas com os nomes de coisas sem séxo
são invariaveis os adjectivos em or, quando não significão
officio : v. g. obra, formosura superior a todas ;
noticia ulterior. Assim dizemos a nação Portugueza,
Ingleza, Franceza. Preitèz, Préstes, Duples, Simples
,
e semelhantes são communs a ambos os generos. Todavia
cuido, que ainda dizemos gente montanhez : frutas,
e cabras montezes : (i)47 na V. do Arceb. l. 3.
c
. 20. ediç. de Paris, e Naufr. de Sepulveda, 10. fol.
3
. v. vem montezas. f.46

Capitulo V.
Do Verbo, e Seus Modos, Attributos, Tempos, e
Pessoas.

1. O Verbo é a palavra, com que declaramos
o que a alma julga, ou quer á cerca dos
Sujeitos, e dos attributos das sentenças ; com elle
affirmamos, e mandamos : v. g. Eu sou amante : o
pomo é doce : Filho temente a Deus, e ama o.

2. Á significação, ou officio principal dos verbos
anda annexa a significação de algum attributo, e da
pessoa ou coisa, em quem o attributo existe, ou
queremos, que exista ; e das diversas épocas em que
o attributo existe, existiu, ou existirá no sujeito.
Assim Amo por si só equival a Eu sou amante
actualmente
 : Ama a Deus, a, Sê tu amante de
Deus : Amei refere o attributo ao passado ; Amarei ao
futuro.

3. Quando a alma julga, ou quer pensa de dois
modos diversos ; e por isso as variações dos verbos,
que declarão a affirmação, e o nosso mando, ou querer
se dizem Modos do verbo. Hora nós podemos affirmar,
ou querer com algũas differenças, e modificações ;
e por tanto os Modos do verbo podem ser
tambem diversos, á proporção d'essas differenças accidentaes
de affirmar, ou querer. Mas a Grammatica só
reconhece por modos diversos aquelles, que se exprimem
com palavras differentes (a)48.47

4. Na lingua materna temos dois modos verdadeiros,
o Indicativo ou Mostrador, com que affirmamos,
e o Imperativo, ou Mandativo, com que mandamos,
pedimos, exhortamos
, ou declaramos o nosso
querer directamente a alguem.

5. Temos mais variações verbáes ditas do Modo
Conjunctivo
, ou Subjunctivo, as quaes não declarão
affirmação, nem mando ; mas ajuntão um attributo
verbal referido á primeira, segunda, ou terceira pessoa,
e tudo subordinado a outra sentença principal,
em que entra verbo no Indicativo, ou no Imperativo :
v. g. Não espero, que venhas cá : Ama, para
que te amem (b)49.

6. Estas variações verbáes subjunctivas tanto não
affirmão, nem mandão, que se podem supprir com
um nome abstracto, que signifique o attributo verbal,
e um articular possessivo, ou com infinitos
pessoáes : v. g. „Filho mais queria que morresses,
48que offenderes a teu Creador com peccado mortal‟
(Flos Sanct. Vid. de S. Luis, f. CVIII. ediç. de 1567.)
„O Imperador desejava mũito de ficardes (que fiqueis)
na sua terra : A causa, que me fez conhecervos, essa
me faz que vos leixe (Barros, Clarim Leixar por
Deixar) : Trabalha, filho meu, por agradarem tuas
obras a Deus ;‟ ou porque agradem (Mendes Pinto, c.
168
).

7. Nos exemplos citados a que morresses podemos
substituir „a tua morte‟ ficando o mesmo sentido :
a offenderes podemos substituir „offensa tua a Deus :
ou que o offendesses :‟ isto é, ao infinito pessoal
pelo subjunctivo : a ficardes podemos substituir a vossa
ficada
, ou que ficasseis, o subjunctivo pelo infinito
pessoal. Em lugar de conhecer vos podemos usar
de vos conheça ; e por vos leixe, leixar vos, ou a minha
deixação de vós
.

8. D'estes mesmos exemplos se vè, que os Infinitos
Pessoáes
(mũi proprios, e talvez só da Lingua
Portugueza) não são outros modos verdadeiros
dos Verbos ; mas palavras equivalentes ao attributo
do verbo referido a uma das tres pessoas, como se
faria por neyo dos articulares possessivos Meu, Teu,
Seu, Nosso, Vosso, Seu d'elles
. Assim Lermos, Lerdes,
Lerem
significão a nossa Lição, ou o nosso Ler ;
o vosso Ler ou a vossa Lição ; e o Ler ou Lição d'elles.
Nestas variações verbáes decõpõi se o verbo mais,
que nas do subjunctivo, porque neste modo o attributo
se refere a uma época ; nas variações infinitivas
pessoáes, perde esta significação accidental de tempo.
(V. Clarim. L. 2. c. 24. pag. 267. ult. ed.)
O vosso engeitar‟ equival a o engeitardes ; e ali mesmo
folgardes d'aventurar equival a o vosso folgar.

9. Nos Infinitivos puros representamos sómente o
attributo verbal, sem affirmar, nem querer, nem relação
cõ pessoas, ou tempos ; elles são verdadeiros
nomes verbáes abstractos : (c)50 O murmurar do povo,
49é a murmuração do povo. O variar faz bella a Natureza !
Por isso concordão com adjectivos articulares,
e attributivos. „Porem vós, tristes Reis, neste ser
reis
, negais a natureza, de que Deus vos formou.‟
(Mend. Pinto, c. 168.)

10. Dos mesmos verbos se derivão as palavras em
50ante, ente, inte, que significão adjectivamente o attributo
do verbo : v. g. eu sou amante. (d)51 Estas tomão-se
commummente por substantivos : v. g. o Regente,
a vasante, o Intendente, a corrente, sc. cadeya, &c.

11. Derivão-se mais dos verbos outras palavras em
ando, endo, indo, que significão o attributo verbal
adjectivamente, e imperfeito, actual : v. g. achei a
Pedro dançando, cantando. Os Grammaticos lhes chamão
Participios de presente (e)52. Estas mesmas palavras
se tomão como substantivos abstractos, que representão
51o attributo verbal incõpleto, imperfeito,
actual, e nisto differem dos infinitos puros : v. g.
„mũitas outras coisas contèm o Livro, que entre lendo
se verão :‟ i. é, ao ler, ou na leitura : „A' maneira
d'accrescentando o desejo ao pedido.‟ (Men. e
Moça, pag. v. do Titulo, edição de 1559. e L. 2. c. 4
.)
Sem sendo resistidos, nem punidos :‟ (Cortes d'Evora
de 1442, art. 1
.) „O Imperador, em lhe acabando
eu
de falar, dice me, &c. Como tudo se alegra
em vós saindo !‟ Neste sentido estas variações se chamão
Gerundios, e são verdadeiros nomes, pois são regidos
de proposições. Posto eu á mesa ; é frase elliptica,
i. é, em eu estando posto á mesa : morto Herodes,
i. é, em sendo morto : como ; em moços
se forão ; sc. em sendo moços : em verde colhidas ;
sc. em sendo verdes, &c. (V. Leão, Cron. tomo 1. f.
154. edição de 1774)
Aqui o adjectivo modificante
52concorda co'o nome : v. g. Em tu saindo tão formoso
e bella

12. Temos mais palavras derivadas dos verbos,
terminadas em ado, ido, que se tomão adjectivamente,
e significão o attributo do verbo passivamente, completo,
e acabado : v. g. o livro está lido, a casa caïda,
paramentada
. Então se dizem participios do preterito,
ou passado. Outras vezes se tomão como substantivos,
que só se usão no Singular, no genero masculino,
e representão o attributo do verbo abstractamente,
mas como acabado, e perfeito no sentido activo, ou
neutro : v. g. tenho lido livros, acabado obras, visto Cidades.
Neste sentido se dizem Supinos, e são nomes regidos,
ou pacientes dos verbos Haver e Ter ; porque
assim dizemos tenho um vestido, uma casa, como tenho
lição, ou leitura feita, que é o mesmo que tenho lido, &c.
Os Latinos tem participios, ou adjectivos verbáes,
que referem o attributo a uma época futura, a que
chamão participios de futuro. Nós os imitámos, e d'elles
tomámos vindoiro, duradóiro, futuro, e poucos mais.
Os antigos dicerão recebedoiro, digno de receber se ;
doestadoiro, digno de ser doestado, &c.

13. A'cerca dos Modos verbáes advertiremos, que
os Poetas, imitando a simplicidade primitiva (usada
inda entre iguáes, e familiarmente ; ou dos superiores
com os seus subordinados) usárão pedindo, do modo
Mandativo : v. g. „Agora tu Calliope me inspira :‟
outras vezes do subjunctivo ellipticamente ; v. g. „Musa
honremos o heroe &c.‟ e assim pedimos cortezmente.
O Legislador manda, ou prohibe predizendo, com
o futuro do Indicativo : v. g. „Amarás a Deus ; não
jurarás o seu santo nome em vão.‟ Commummente
usamos prohibindo, dissuadindo, ou pedindo que não,
do modo subjunctivo : „Não nos deixes cair em tentação :
Não se mova ninguem ; assegurai vos (Sá e Mir.
Estrang. Prol.) : Não cuideis, que sendo taful, blasfemo,
renegador podereis entrar no reino dos Ceos
(Paiva, Serm. 1.) Esforça Infante, nem c'o peso
inclina :‟ o imperativo inclina, por inclines do
53subjunctivo é um Latinismo. (Mausinho, African. f.
89
. v.) Isto pelo que respeita aos modos dos verbos.

14. O Attributo verbal nas mesmas variações se
refere ás pessoas eu, tu, elle, nós, vós, elles : v. g.
leyo, çès, lè, lemos, ledes, lèm : eu, e nós são as primeiras
pessoas ; do singular eu, nós do plural ; tu é a
segunda pessoa do singular, vós a segunda do plural :
toda outra coisa, ou pessoa, a que se pode ajuntar o
pronome ella, elle, é terceira pessoa do singular ; elles
do plural. As variações verbáes, que respondem a estes
pronomes se dizem pessoas do verbo no numero singular,
ou plural.

15. Alguns verbos não tem variações respondentes
à primeira, nem á segunda pessoa, que são de commum
homens, porque os attributos dos taes verbos
não podem cõpetir a homens : assim não dizemos : eu
chovo, eu corisco, eu trovejo
 : no sentido figurado porèm
dizemos : „tu nos choves altas doutrinas (Caminha,
Ode 8. e Epist. 14
.).‟ Dizemos mais o Ceo
chove, geya, neva, trovoa
. A estes verbos chamão os
Grammaticos impessoáes, ou carecentes de variações
pessoáes ; mas elles as tem, ao menos d'as terceiras
pessoas. Por uso não dizemos eu fedo, de feder, nem
muno, brando, de munir
, brandir, &c. e aos verbos semelhantes
chamão defectivos. (V. a pag. 52. no fim
d'esta Gramm
.)

16. Civilmente usamos, falando a um só, das variações
verbáes correspondentes a vós : v. g. ¿ Sabeis,
Senhor
, o qu\e vai ? Ponde, meu Deus, em mim os
olhos : &c. (f)53 Outras vezes usamos da terceira
pessoa : v. g. „Lingua tem V. Alteza ; Elle por si lho
54diga.‟ (Resende, V. do Inf. V. Ulisipo, f. 40.
„que vè ella em nós ?‟) Mas quando alguem fala,
ou se exhorta a si mesmo, considera se como segunda
pessoa : „Morre, Afonso d'Albuquerque, morre (dizia
55elle co'sigo mesmo) que cumpre á tua honra
morreres.‟ (Couto, D. 4. L. 6. c. 7. f. III. v.)

17. Os Soberanos falavão de si com os verbos no
plural : v. g. mandamos, fazemos saber, &c. Os Prelados
mayores ainda hoje o fazem : mas não ha rasão,
porque um particular diga, por exemplo : „Escreverei
a vida de D. João de Castro…‟ e logo : „e
Nós ajudaremos o pregão universal de sua gloria &c.‟
transformando se o escriptor de um em mũitos.

18. Os attributos annexos á significação dos verbos
são activos : v. g. ferir, matar, dar ; ou de mero estado :
v. g. estar, igualar (ser igual), parecer. Assim
os verbos Portuguezes em razão dos attributos são ou
activos, ou de estado. Os Latinos tem verbos derivados
dos activos, nos quaes se affirma, que o sujeito é
paciente da acção do verbo activo : v. g. ferior, eu sou
ferido, derivado de ferio activo, eu firo : áquelles verbos
chamão-lhes passivos ; nós não temos verbos passivos.

19. Verbos neutros, i. é, nem activos, nem passivos,
chamão os Grammaticos áquelles, que não significão
acção : v. g. „O vento dorme, o mar e as ondas
jazem ; O Cisne iguala a neva na candura :‟ ou
que significão uma acção, que fica no mesmo sujeito,
de quem se affirma : v. g. eu ando, salto, respiro,
corro, vivo
, &c.

20. Os verbos activos commummente tem um paciente,
ou objecto, em quem passa, ou se emprega a
sua acção : v. g. feri a Pedro ; matei a lebre ; remar o
batel ; remei meu remo ; pelejar as pelejas do Senhor
 ;
&c estes se dizem verbos Transitivos ; mas ás vezes se
usão sem paciente : v. g. „Não teme, não espera a
consciencia pura ;‟ i. é, não teme, não espera nada :
espirou, acabou, sc. a vida, o alento, e alma :
„primeiro haveis de alimpar como marmello ;‟ i. é,
ficar limpo : „as minas d'Hespanha esgotárão ;‟ &c.

21. Pelo contrario aos verbos neutros ajuntamos
ás vezes pacientes, como aos transitivos : v. g. viver
vida felis ; correr carreiras ; correr seu curso ; o homem

56medroso tudo o estremece (Eufr. 3.° 4.) : Deus chovia
maná
aos Israelitas : A planta malnascida o Ceo o geya,
neva
, abrasa, e chove (Lobo, Egl. 7.) : „Bem o parece
no semblante :‟ i. é, se lhe assemelha, parece-se com
elle : voar aves, lançá-las a voar : a mina voou o muro :
subir o basilisco á fortaleza ; fazer subir : avistar
os
do soccorro com o inimigo ; arrostá-los aos perigos
&c. a chuva reverdece a terra : o verão reflorece os jardins :
não soïa a ser (Paiva, Serm.) &c.

22. Alguns verbos neutros ; v. g. estar, ir, vir,
sair, parar
, usão-se com paciente, para designarmos
espontaneidade, e energia do sujeito : v. g. entrou o
anno
 ; e entrou se o inimigo pela porta ; parou a pedra ;
e parou-se o galgo : Pedro ficou doente, ou preso ; e,
se ficou por sua vontade
. „He hum estar se preso por
vontade (Camões, Son. 81
.). Em fim lá se ficárão,
me estou (Cruz, Poes. f. 74.). Os ventureiros
se ficárão quedos (Jornada d'Africa, f. 61.).
Seja-se elle vosso servidor (Eufr. 3.° 3.).‟ Fuão
cativou : por, ficou cativo ; trazem Telles, Hist. Ethiop.
Lobo, Corte, D. 4. Lucena, L. 4. c. 16, porque se
dicérão cativou-se, ou cativarão-se, darião a entender,
que voluntariamente o fizerão, como quando dizemos :
cativou-se da cortezia, da formosura (*)54. Dizemos
rir se, enfastiar se da, ou enfastiar a verdade ; rir a hipocrisia ;
&c. (Paiva, Serm. 1. 52. Ferreira, Carta
4. L. 1
.)57

23. Quando o sujeito faz a acção em si mesmo :
v. g. Pedro feriu se, cortou se ; dizem os Grammaticos,
que estes verbos são reflexos. Se os sujeitos são reciprocamente
agentes, e pacientes ; v. g. „Pedro e João amão
se ; ferirão-se
 :‟ chamão-lhes verbos reciprocos : mas estes
verbos são os mesmos na figura, e no sentido,
que quando tem agentes, e pacientes diversos. Outras
linguas tem propriamente (isto é, em sentido,
e figura) verbos medios ; dobradamente activos, &c. de
que nós carecemos : os reflexos, ou pronomináes, e os
reciprocos são activos puros, usados com sujeitos, e
pacientes identicos.

24. A falta, que temos de verbos passivos, suppre
se de dois modos : 1° usando dos verbos Ser e Estar
com os participios passivos : v. g. sou amado ; estou
ferido
 : „Foi tido por honra, e riqueza, ter mũitos
amigos (Heit. Pinto, da Verdad. Amiz. C. 4.) :‟
„Por ser justo, e devido o dever se-guardar tal modo
(Hist. dos Illustr. Var. de Tavora, f. 103.).‟

25. O 2.° modo de supprir a falta dos verbos passivos
é ajuntar o caso se aos sujeitos da terceira pessoa,
que não podem fazer a acção em si mesmos : v.
g. „cortão se arvores ; tecem se sedas ; edifica se o edificio
(Lusiada, 10, 130.) : Festa sem comer não se
festeja (Cruz, Poes. f. 66.) : Quanto se tem se val ;‟

i. é, quanto haver se tem, tanto valor se val (Caminha,
Epist. 5
.). Vê se, Parece se ; é visto, parecido. (**)55
„Deus, quer, que só a elle se ame ; ninguem
se deve amar, senão a um Senhor tão poderoso
(Paiva, Serm. 1.).‟58

26. Em táes casos será equivoco apassivar os verbos,
quando o sujeito póde fazer a acção em si mesmo :
v. g. „já se estendem por terra mũitos :‟ por,
59são estendidos cõ golpes : „um se matou :‟ por foi
morto
 : „cativarão se mũitos‟ por, forão cativos (Pinto
Pereira, L. 1. c. 22. L. 2. f. 59
.). Outras vezes
é sem equivoco : v. g. „Pasos, onde se honrão Venus,
e Amor
cõ sacrificios :‟ por, são honrados : e
„Verás esquecerem se Gregos, e Romanos pelos feitos,
que hão-de fazer os vossos Lusitanos :‟ por, serem
esquecidos
(V. Lusiada, 2. 44.). Isto é bem, quando
os sujeitos não costumão fazer a acção a si mesmos.

27. Talvez damos ao sujeito uma acção, que elle
não póde exercer em si mesmo : v. g. Em terra estranha,
e alheya mũitos os ossos para sempre sepultárão.
(Lusiada, 5. 81.) „E os que neste sentido o acompanharão,
Os membros em penhascos transformárão.‟
(Ulissea, 5. 91.) Aqui o sentido não padece dúvida.

28. Os Grammaticos chamão ao verbo Ser substantivo,
porque a elle se ajuntão todos os attributivos,
e ainda nomes usados comprehendivamente, ou attributivamente (***)56 :
v. g. ser amado, ferido, amante.
„A ser vosso
, Senhora, me condemna (Camões). O
campo ensina ser justo ós pequenos (Ferreir. tom. 2. f.
101.). Tudo é suspeito, e pouco seguro para as
mulheres, até o serem virtuosas (Menina e Moça, L.
2. c. 2
.). O' vós, que Amor obriga a ser sujeitos
a diversas vontades (Camões, Soneto 1
.). A
60troco de ser senhora (Camões). Deposérão Malaca
de ser Cidade (F. Mendes Pinto, cap. 219.).‟ De todas
as palavras, que contém uma noção attributiva, propria,
ou figuradamente se derivão verbos : v. g. de
Platão Platonizar, pensar como Platão ; Emzamperinar
se
de Zamperini (dice o autor da elegantissima Satira
do Entrudo
) ; de Justiça justiçar ; de Avante avantejar.
Temos alguns verbos frequentativos : v. g. batocar,
joguetar, sopetear
 ; outros diminutivos : v. g.
chuviscar, mollinhar, choromigar, beberricar, de commum
usados no estilo familiar, ou chulo.

29. O verbo Fazer substitue-se aos activos, e neutros,
que não queremos repetir : v. g. „não ames
a riqueza como o faz o avaro. caïrão no mar, e
assim o fizerão outros :‟ nestas frazes o refére se aos
infinitivos amar, caïr, calados por ellipse.

30. Os verbos tem variações accommodadas aos
tempo, ou épocas, em que o attributo coexiste, coexistiu,
ou hade coexistir com o sujeito ; v. g. eu escrevo,
sou amante
 ; eu escrevi, fui amante, eu escreverei,
serei amante
. Estas tres épocas do presente, em
que escrevo, ou amo ; do passado, em que escrevi, ou
amei ; do futuro, em que escreverei, ou amarei, são
simples na figura dos verbos, e absolutas no sentido.

31. Outras variações do verbo indicão épocas relativas ;
i. é, de um attributo presente, e actual em
época passada : v. g. eu escrevia, lia hontem ; e
de um attributo, que existiu em época passada : v.
g. já eu lèra, escrevèra
, quando tu chegaste. Estas
variações relativas tambem se declarão no Portuguez
por uma figura simples dos verbos : v. g. lia, amava,
lèra, amára, cantára
, &c.

32. Talvez queremos declarar mais o estado da
acção significada pelo verbo, i. é, se era imperfeita,
e incõpleta ; e usamos do verbo Estar com os participios
do presente, v. g. estou escrevendo, lendo ; estava,
estive, estivera, estarei lendo, escrevendo
 ; ou se
era já acabada, perfeita, e cõpleta então usamos dos
verbos activos de possessão Ter, e Haver, e dos Supinos ;
61v. g. Tenho, ou Hei lido, escrito ; Tinha, ou
Havia lido, escrito, &c. „E com sigo trará a formosa
dama, que Amor por grã merce lhe terá dado.‟
(Lusiada) A razão disto é, porque tanto monta affirmar,
que a acção, ou attributo verbal existe no sujeito,
como que elle o possue ; que por analogia
assim possuimos um vestido, como uma qualidade
abstracta o amor, ou amar, que são o mesmo ; e amado,
lido
, que são o amar, e ler cõpletos, acabados,
perfeitos ; os quaes amar e ler, attributos energicos ;
podem ter um paciente ; v. g. tenho lido livros, amádo
varios objectos
 : (g)57. e apassivar se com se ; v. g.
comido-se, lido-se, dançado-se ; bem como ler-se,
62dançar-se comer-se, beberse ; e lendo-se os livros, dançando-se
minuetes, comendo-se
comidas gulosas, bebendo-se
vinhos puros, &c.

33. Com semelhantes cõbinações do verbo Estar
cõ os participios do presente ; e de Ter, ou Haver c'os
Supinos indicamos a imperfeição, ou o acabamento da
acção, ou attributo verbal no subjunctivo ; v. g. que
eu esteja, ou estivesse lendo ; se eu estiver lendo, que
eu haja, ou tenha lido ; que eu houvesse, ou tivesse
lido
 ; como eu houver, ou tiver lido.

34. Nos Infinitivos dizemos estar lendo ; ter, ou
haver sc. tenção, ou necessidade de ler, ter ou haver
lido
 ; i. é, lição feita.

35. Todas éstas variações verbáes se verão nas
taboas, ou exemplares das Conjugações dos verbos,
que vão no fim d'esta obra, para se consultarem,
quando for necessario ; pois os que estudarem ésta
Grammatica já as saberão por uso. Ahi mesmo se acharão
os verbos Irregulares, que se desvião do exemplar,
e regra analogica de conjugar ; e os Defectivos, a que
faltão alguns tempos, ou variações pessoaes.

36. Os verbos Estar, Ser, Ter, Haver, que ajudão
a formar tempos imperfeitos, e perfeitos chamão se auxiliares :
e tanto val dizer ; que o sujeito existe acompanhado,
63ou modificado por um attributo, como dizer,
que o sujeito o possue : assim amo, sou amante,
estou amando, tenho o attributo amar, tenho amor
, tudo
vem ao mesmo sentido (h)58

37. O verbo Ser quando affirma attributos immudaveis
usa se no presente : é, v. g. „Deus é infinito ;
o todo é mayor que a parte ; Camões é poeta (i)59.‟64

Capitulo VI.
Dos Adverbios.

1. Nós dizemos : v. g. amo com ternura, com
constancia
 ; e no mesmo sentido : amo ternamente,
constantemente
 : està ‘naquelle lugar, ou ali ;
fez de boamente, ou de má mente ; cantar a revezes, ou
alternadamente ; &c. Todas éstas frases com ternura,
com constancia
modificão o verbo amo, determinado
o modo de amar ; naquelle lugar, ou ali, determinão
uma circunstancia do verbo estar ; de boa mente, de má
mente
, modificão a acção do verbo fez, &c. Estas
frases pois se chamão frases adverbiáes ; e as palavras,
que se substituem ás frases modificantes do verbo, como,
bem, mal, agora, hoje, &c. se dizem Adverbios.

2. Devo porém notar, que os Adverbios não são
uma parte elementar das sentenças, porque todos
elles são nomes, e talvez combinados com attributivos,
e regidos de preposições claras, ou occultas, que
por brevidade se ommittem, e tambem se exprimem :
v. g. igualmente (a)60 ; de antigamente ; a cá, a lá ; de
65antes ; hoje ; agora ; de hoje ; d'agora ; ali é a preposição
a com li relativo, como em a-î, a-qui, (b)61
até i, dès i, dèshoje, até lí, até qui : „Buscai de
hoje
outro Pastor (Lobo) :‟ de melhormente (Lusiada) :
De sempre forom (Orden. Afons. 2. T. 59. §. 9.) :
para todo sempre.‟ De sũa, juntamente. Ord. Af.
5. T. 109. e L. 1. T. 63. §. 24
.

3. Os adverbios regem, ou pedem outras palavras,
que completem, e determinem a significação de uma das
palavras, de que os mesmos adverbios se-compõem : v. g.
Não podia em meu verso o meu Ferreira

Igualmente á dor minha ser chorado :
(Caminha, Eleg. 4.)

i. é, ser chorado de modo igual á minha dor : bem de
resistencia : assás de pouco
faz quem perde a vida (Camões) :
„estavão assentados arresoadamente de tiros d'artelharia.‟
(Castanheda, L. 5. c. 35.) „O Senhor
da embarcação, que tinha igualmente de nobreza, e brandura
(Lobo, Deseng. f. 2.) :‟ i. é, tinha igual modo,
66ou partes iguáes de nobreza, e bondade. (*)62 „Dizei-lhe,
que dos meus póde vir seguramente (Barros).‟

4. Os adjectivos attributivos usão se ellipticamente
na variação masculina singular, por adverbios : v.
g
. „as fustas andavão melhor remeiras (Barros, 3.
1. 7
.) :‟ alto brádando : i. é, de modo, ou em sõ
alto : „Doce tanges, Pierio, doce cantas :‟ i. é, de
modo, ou com som, e voz doce ; ou com ellipse de
mente : „docemente suspira, e doce canta.‟ (Ferr.
Egl. 2., e Carta 10, L. 2.) „Teve pouco mais dita :‟
mũito mais razão (Palmeirim, 3. P. c. 17.) „Faya,
que sobe ao Ceo de puro altiva (Camões, Est. Quartas) :‟
melhor parados, mũito unidas : isso é mũito verdade (e
não mũita) : já é mũito noite : &c. Quando dizemos :
v. g. Corpos meyo ardidos (Seg. Cerco de Diu, Canto
6. e 16
.) : Parede meyo derribada (Pinto Pereira, L.
2. f. 63
. v.) : meyo está sem a preposição por : de todo ;
sc. modo, ponto. (c)63 Louvo mũito ; i. é, em
mũito modo. V. Ined. tomo 3. f. 77. „Louvo em
67mũito Deus : estimou em mũito.‟ Barros, 1. 5. 8.
(V. o Diccionar. art. Adverbio.)

5. Os Adverbios, ou frases adverbiáes indicão as
circunstancias de tempo : v. g. Hoje, Hontem, Agora,
Já, Nunca, Sempre, Entretanto, Antes, Depois
, &c.

6. As de lugar, e distancia : v. g. Cá, Lá, Aqui, Hi,
ou Ahi, Ali, A'cerca, Alèm, Aquèm, Avante, Antes,
a Diante, Atras, Após
, contraidos em Diante, Tras,
Pòs
 ; e talvez usados como preposições : v. g. diante,
trás, após mim
.

7. As de quantidade : v. g. Assás, Pouca, Mũito,
Mais, Grandemente, Bem, Assim, Tão, Quão, Tão-bem
,
&c. Outros escrevem Tam, Quam, conformes
á etimologia, e contra a pronúncia.

8. O modo : v. g. Prestesmente, Asinhá, Ardentemente,
Cortezmente, &c. Mal, Bem, Melhor, Sabiamente,
a tento, a sinte
.

9. A ordem : v. g. Primeiramente, Segundariamente,
ou Primeiro, Segundo, Terceiro, Quarto, &c. usando
os attributos ordináes ellipticamente, por em
terceiro, quarto
, sc. lugar. „Para isto foi que as cartas
primeiro se inventárão (Lobo, Corte).‟

10. De affirmar ; Sim, Certamente : de negar ; Jamais,
Nunca, Não, Nada, de nenhum modo
. De duvidar :
Quissá, do Italiano chi sá. (Leon. da Costa,
Terenc. f. 217. tom. 1
.) vulgarmente quiçá.

11. Concluirei advertindo : 1.° que os adverbios
modificão os adjectivos attributivos, e os nomes usados
attributivamente : v. g. bem douto ; mũi virtuoso. V. Alteza
mais mãe, que avó d'elRei : era já mũito noite :
Por mais rico, e mais principe, que homem seja :
hũ mês de não caminha. Vieira. (*)6468

12. 2.° Que dos Superlativos se fazem adverbios
superlativos : v. g. amantissimamente, tenacissimamente,
religiosissimamente, de amantissimo, tenacissimo,
religiosissimo
, &c.

13. 3.° Que os adverbios modificão outros : v. g.
mũito a dentro ; mais bem ; mũito mais razão ; tão pouco
admirados ; não mũi prudentemente ; mũito mais atras.
(V. Ferreira, Bristo, f. 75. e Cruz, Poesias, Egl.
8. f. 54
.) (d)65

Capitulo VII.
Das Preposições.

1. As Preposições (assim chamadas, porque se
prepõem, ou põem antes dos nomes, a
que se referem outros nomes correlativos antecedentes,
e que as preposições atão entre si) servem de mostrar
a connexão, e correlações, que o entendimento
concebe entre dois objectos significados pelos nomes
sós, ou modificados por adjectivos, ou verbos. (a)6669

2. Ellas fazem variar os nomes, ou pronomes Eu,
em Mim, Migo, Nós, Nosco ; Tu em Ti, Tigo ; Vós,
Vosco
 ; e quando se trata da terceira pessoa em relação
com sigo mesma, precedem ao caso Si : v. g. de mim, a
mim, por mim, para mim, para ti, por si, a si, de
si, com migo, com sigo, com tigo
. Nas linguas, que
tem casos ellas influem nelles, ou determinão o caso
e relação do nome, a que precedem.

3. As preposições designão primariamente relações
fisicas de lugar, aonde algũa coisa está, d'onde se
parte, para onde se vai, onde termina algũa acção ;
de posição : v. g. saí de casa, fui a o templo, lancei
encenso na ara, prostrei-me por terra, bati ‘nos peitos,
voltei para casa ; voltei-me contra o Oriente ;
lancei-me sobre a cama ; olhai por mim ; &c.

4. De indicar as relações fisicas passárão figuradamente
a outras semelhantes : v. g. a mostrar o paciente
da acção do verbo, que é como lugar para onde
ella passa ; e onde se termina ; assim dizemos : feri a
Pedro
, amo a Pedro, louvo a Deus ; dou o livro a
ti, a João
. (b)67 Veyo a casa ; veyo a ser bom Rei.
(Barros, Paneg.)70

5. A fonte nasce d'esta pedra ; e figuradamente, a
má vontade nasce d'o coração ; o odio d'a inveja, d'o
temor
.

6. Vamos á praça ; e fig. á verdade, ao fundo d'as
coisas ; a demonstrar ; a adivinhar
 ; c.

7. Parte d'a casa ; Senhor d'a casa ; senhor d'a
materia, d'a negociação, d'as suas paixões ; Senhor de si
.

8. Não cabe em casa ; não lhe cabe na cabeça ; não
cabe em si, em razão humana
 ; no tempo ; na Fé ; &c.

9. Da casa para a praça, de mim para ti, da verdade
para a mentira ; de trez para quatro.

10. A ponte áta com a Cidade ; estai comigo ; a mansidão
abraçada com a caridade ; mentiras com verdades :
correr cõ alguem ; movido com a mão ; com razões, e
carinhos
, &c.

11. Nestes exemplos vemos como por semelhança
passárão as preposições de mostrar as correlações entre
dois termos fisicos, a outros intellectuáes, moráes, e
geralmente incorpóreos. Estas são as preposições separadas ;
de cujos officios tratarei mais nas regras da Syntaxe,
ou Composição ; porque ellas são partes connexivas
dos nomes entre si, ou sós, ou modificados por
attributivos : v. g. homem habil para as Lettras ; Pedro
navega para a Asia ; destina se á Vida Litteraria
.
Os nomes regidos talvez se calão : v. g. „Tenho-o por
homem circunspecto ; e per de consciencia :‟ i.é, e
por homem de consciencia.

12. As preposições calão se mũitas vezes, quando
a relação do nome não padece equivoco. Assim dizemos :
Amo a Deos, a João : e sem preposição : Amo
71o Grego cantor ; a caça, o jogo, &c. „Este dia fizerão
os nossos grandes feitos ;‟ por, em este dia : navegamos
costa abaixo ; sc. por a costa.

13. Outras vezes o nome se offerece ao nosso entendimento
em duas relações : v. g. a porta de sobre o
muro : onde muro se offerece como possuidor da pórta,
e como lugar, sobre que ella estava (c)68. É porém
vicioso dizer de d'onde, porque o d', que precede a
onde, é a mesma preposição de expressa por inteiro, e
sincopada em d'onde. É igual erro dizer ad'onde está ;
por, a onde está ? Só diremos bem : voltei a d'onde
saïra
 ; i. é, voltei ao lugar, d'onde saïra, quando o
sentido pede a do qual, da qual, dos quaes, das quaes,
calando se o nome regido por a, ou o que ésta preposição
pede : assim é a ellipse, com que dizemos :
v. g. foi tido por nescio, e por para pouco ; i. é,
foi tido por homem nescio, e por homem habil para
pouco negocio, serviço, ou feito. Igual erro é juntar
a a até ; v. g. até a o muro ; deve ser até o muro, até
o campo, até as estrellas
.

14. Se aos pronomes Eu e Tu se juntarem os adjectivos
um, ou outro, ficão os pronomes indeclinaveis, ou
nestes mesmos casos : v. g. por outro tu, com outro
eu
 ; mas Si é constante neste caso com a preposição :
v. g. „fica homem tão diverso d'aquelle outro si, que
tras de Adão.‟ (d)6972

15. Outras preposições contão os nossos Grammaticos,
que o não são : v. g. á cerca, que é adverbio,
e acima, abaixo, álem, áquem, antes, ao redor, tras,
diante, a par, á roda, a riba, atras, de baixo, de cima,
defronte, dentro, fora, depois, de fora, de tras,
em cima, por baixo, por cima, em diante, ao diante,
por diante, para tras, para de tras
, &c. onde é vizivel
a preposição verdadeira combinada com o nome, ou o
nome sem ella, que pede talvez outro nome com
preposição : v. g. das portas a fora, a dentro ; por dentro ;
por de fora, d'aquem para além ; antes ou atras,
adiante de mim ; á cerca d'isso ; depois d'isso ; por cima
do telhado
 : „Ao diante vos espero, se diante o caso vai
(Filodemo, 2. Sc. 3.) :‟ de foz em fora ; a de fora dormireis ;
o que sinto dentro em mim ; &c. Hora uma
preposição indica o nome correlato com o antecedente,
e o pede ; mas não pede outra preposição. Junto
é o adj. usado adverbialmente ; e assim o são Conforme, e
Segundo : v. g. está junto (em lugar junto) da Igreja ;
isso é conforme a Lei ; salvo conforme aos gárrulos
trovistas
 ; i. é, salvo julgando de modo conforme aos
gárrulos trovistas : conforme aos principios da Fé :
julgamos tudo conforme ás paixões. (V. Paiva, Sermões,
T. 1. f. 82, 95, 96. Vid. do Arceb. L. 1. c. 12.
e L. 2. c. 22
.) Segundo é outro adjectivo usado adverbialmente :
v. g. farèis segundo virdes ; i. é, do
modo segundo for o que virdes : Segundo a Lei ; i. é,
73do modo segundo a Lei manda : Segundo o que me dizeis,
devo obrar ; i. é, devo obrar do modo segundo
é o que me dizeis. Os nossos mayores dicerão a segundo ;
i. é, a modo segundo : „a segundo a policia Melindana.‟
a segundo se vê (Camões, Lusiada, VI. 2.
33. e VII. 47. Elegiada, C. 5. f. 331
.). Adornado
segundo seus costumes, e primores (Lus.) : i.é, segundo
são seus costumes. „As coisas todas a apparencia
tem, Segundo os olhos são, com que se vem.‟
(Lusitan. Transf. f. 124. V. Vida do Arceb. L. 4. c. 5.
segundo erão as casas
.)

16. Em fim tudo o que não faz variar os nomes
Eu, Tu, Elle em Mim, Ti, Si não é preposição. (*)70

17. São pois as verdadeiras Preposições Portuguezas
A mim, Ante mim, Após mim, Até mim, Contra
mim, De mim, Em mim, Entre mim, Para mim,
Por mim, Per mim, Per si, Sobre mim, Sob mim,
Perante mim, e Desde mim são duas preposições em
uma, Per e Ante, Dès e De. Com migo, Com tigo,
Com sigo, Com nosco, Com vosco
.

18. Temos outras preposições combinadas com
nomes, com adjectivos, e verbos, que talvez influem
na sua significação, e se dizem inseparaveis : e são de
ordinario tomadas do Latim, de que darei alguns
exemplos. De A e vante formámos avante, e derivámos
avantagem, &c. de De e redor fizemos derredores :74

Os seus derredores (arredores de a e redor) e desertos
ficárão santificados.‟ (Feyo, Trat. 2. dos Santos
Innocentes, f. 46
.) Vejamos as inseparaveis tomadas
do Latim, que mũitos não estudão, a quem importa
entender isto.

19. Ab ou Abs denotão lugar, coisa, d'onde se
aparta ; d'aqui Abrogar, ou rogar que se tire a Lei ;
Abster se, ter se longe, apartar se ; Abstemio, Abstinente,
Absente
corruto em Ausente.

20. Ad designa termo, lugar, para onde se achega,
ajunta : v. g. Adjunto, Adventicio, Adverbio, Admoestação.
O ad muda se em ac, at, af, ag, as, al,
ar ; v. g
. em Accomodado, Accorrer, Accusar, Attentar,
Affligir, Aggravar, e Arrogar se, Alluvião, Assentar
,
&c.

21. Ante denota precedencia ; v. g. Anteposto : e
prioridade, antecedencia ; v. g. Antepassado, Antecedente,
Antevidencia, Antecuco
. (e)71

22. Anti denota contrariedade, opposição : v. g.
Anticristão, Antipapa, Antiscorbutico.

23. Co, Com, Con, de Cum Latino, indica relação
de companhia, concomitancia : v. g. Cooperar, obrar
com outrem ; Composto ; Conforme ; Conjuges ; &c.

24. De, Des declarão termo, d'onde se aparta ;
d'aqui Desvio, Desviado ; Desgraçado ; Desvalido, apartado
da graça, do valimento, &c. Por isso, Des indica
geralmente privação, mudança : v. g. Desmayar,
Desanimar, &c. Deportação, Derretido, Devolvido
.

25. Dis indica variedade, diversidade de partes :
v. g. Disperso, esparso por varias partes ; Distribuir
a varios ; Dispôr plantas em varios lugares ; Dissentir ;
Discordar ; Dilapidar perdido o s, como em Diverso.
Alguns confundem Dis com Des ou De, e dizem Disforme,
Disgraça
por desforme, ou deforme, sem fórma,
desfigurado, e por desgraçado.75

26. Em de In Latino, ou En, denota lugar para
onde, ou aonde se está. Empregar em algũa coisa ;
Endividar se em tanto : Emboïzado, arcado d'a feição
da boïz de caçar ; Enlevar-se, &c.

27. Entre de Inter : v. g. Entreter-se em algũa
coisa, por ter se entre as partes, cuidados della ; Interpor-se ;
Intermissão
.

28. Ex indica o termo d'onde : v. g. Extrair, tirar
de algũa coisa ; Extracto, tirado de ; Exigir, pedir
d'alguem ; Exportar, tirar do porto em fóra. Extra ;
fora, alem ; v. g. extraordinario, extravagante ;
fora do ordinario, que vaga fora da collecção, ou do
proceder cõmum.

29. In disigna lugar para onde : v. g. Importar,
trazer, ou levar para dentro ; Induzir, guia a algũa
acção ; Influïr, Inspirar, soprar em alguem. Outras
vezes o in indica privação : v. g. In-habil, Inepto. In
muda se em im, Immovel ; em il, Illicito ; ir, Irracional.

30. Ob designa o que está defronte, diante, para
onde se olha : v. g. Observar ; Obstaculo. Ob muda se
em oc : v. g. Occorrer, Occupar ; em op : v. g. Oppôr,
Opposto
, &c.

31. Per indica o meyo, espaço : v. g. Perpassar, passar
por algũa coisa, ao longo d'ella ; Permeyar ; Pertender.
Tambem indica acabamento : v. g. Perfeito,
cõplemento feito ; Pertinace, acabadamente, mũi
tenaz ; Perspicaz ; Perduravel ; Perturbado ; &c.

32. Pós indica posterioridade : v. g. Pospôr, pôr
depois ; Posterior ; Postergar, lançar após, ou atras
das costas : a Pòspello, contra o pello (contrario de
ál pello) mal transformado em passapello (f)72.76

33. Pre indica precedencia em ordem, lugar, poder,
tempo : daqui Presidencia ; Presumir, tomar antes
para si ; Presuppor ; Prever ; Predominio, &c.

34. Pro designa o lugar onde, a presença : v. g.
Proposto, posto ai ; Promessa, expressão da vontade
posta no negocio ; Proposito, tenção posta em algũa
coisa.

35. Re indica repetição : v. g. Reïmpresso, Revender,
Repor
 ; sou vosso e Revosso : ás vezes val o
mesmo que retro para traz : v. g. Repulsa, Repellir,
Recambiar, Rebotar, Rechaçar, Reluctar
, &c. Repiar
a carreira ; alter. em arrepiar, &c.

36. Retro, para traz : v. g. Retrogradar, voltar atras,
desandar ; Retrógado movimento, desandando.

37. Sô, Sob, Sotto, Sub, debaixo : v. g. Sôcolor,
Sobordinado, Sottoposto, Subtraïr
. O ob muda se em
oc em soccorrer ; em or em Sorrir ; em os em Soster ;
em o em Sôpena ; em up ; v. g. „as suppostas chamas.‟
Sottopiloto alterou se em Sottapiloto, ou piloto subordinado
ao primeiro piloto (g)73.

38. Sobre em cima : Sobrepôr ; Sobreestar, estar em
cima, assentar se, e fig. Parar : v. g. Sobreestar no
negocio, na execução, que o vulgo dis Substar, Sustar,
e até já passou assim para as Leis (h)74.77

39. Estas preposições de ordinario fazem ajuntar
outras semelhantes, aos nomes, que os verbos, e adjectivos
compostos regem : v. g. consultar com alguem ;
contrahir cõ outrem ; composto com a má fortuna ; influir
em
alguem ; attender a, attentar a tudo ; descender
de
algum ; &c. Mas isto tem mũitas excepções,
que o uso, e leitura ensinarão ; e na súvida o excellente
Diccionario Portugues da Real Academia das
Sciencias de Lisboa mostrará as preposições, que se
usão com os adjectivos, e verbos, e suppre mũito bem
a uma Leitura comparativa dos Livros Classicos, que
nem a todos é facil.

Capitulo VIII
Das Conjunções

1. As Conjunções átão as sentenças, que tem
algũa connexão, ou correlação entre si,
de semelhança de juïzo, de opposição, de modificação :
Em „Pedro e João forão á caça‟ a conjunção e indica,
que vou affirmar o mesmo de ambos. „Nem
Pedro, nem João tal fez :‟ nem indica a correlação
de negação entre as sentenças.

2. Em „Pedro é bom, mãs inconstante‟ modificamos
com mas a asserção da bondade, a que parece
põe modo a inconstancia. „Irei, se vós fordes :‟
se indica a correlação hypothética, ou condicional da
sentença principal irei, com a hypothética subordinada
a ella.

3. Assim as conjunções indicão os modos de ver
da nossa alma entre diversas sentenças, os quaes ás
vezes se expréssão por mais de uma palavra : v. g.
78amo-vos ; com tudo não sofrerei esse desatino : farei
isso, com quanto me custa ; em que lhe peze.
Os Grammaticos contão varias especies de conjunções,
a saber :

4. As Copulativas, ou que ajuntão as sentenças em
uma são E, Outrosim, Tambem : Item Latina adoptada (a)75.

5. As Disjunctivas Nem, Ou, Ja, Quer.

6. As Condicionáes Se, Senão, Com tanto que, Sem
que ; Com quanto
 : d'estas mũitas limitão.

7. As Causáes Porque, Pois, Por onde, Porquanto.

8. As de concluir, e inferir Logo, Portanto, Peloque,
Assimque
.

9. As Comparativas : v. g. Assim, Assim como,
Bem como
 : os antigos escrevèrão Assi.

10. As Adversativas, que modificão por opposição :
Mas, Porèm, Postoque, Comquanto, Supposto,
Todavia, Ainda assim
, &c. Porèm usou se como adverbio,
por isso, poloque. „Porèm mandamos :‟
pelas causas ditas. (do Latim proinde).

11. As conjunções condicionaes, permissivas, e
outras geralmente fazem usar os verbos no Modo subjunctivo :
v. g. „irei se fordes ; contanto que elle tambem
 : desejo, quero, mando que va : não creyo
que tal faça, &c.‟ Mas o que dirige os modos dos verbos,
é o modo de pensar, que queremos exprimir ;
assim dizemos : se tu vais, eu tambem vou : e todas
as asserções directas, e absolutas são do modo indicativo ;
as uniões de attributos verbáes subordinadas ás
asserções principáes vão ao subjunctivo : v. g. Desejo
que vas, ou a tua ida ; eu o diria, se soubesse ; &c. e
por aqui se vè, que diria, faria, iria, e semelhantes
são variações indicativas, e não subjunctivas.79

Capitulo IX.
Das Interjeições.

1. Paixões violentas exprimem se em uma, ou
poucas palavras ; as quaes equivalem a uma
sentença : v. g. ai, tenho dor ; guai, compadeço-me,
lastimo ; ui ! Admiro-me. Ai, Guai, Ui são Interjeições,
ou palavras arremessdas entre as da linguagem
analisada, para exprimir as paixões.

2. Ás vezes se cõpleta o sentido da sentença começada
a exprimir pela interjeição, com outras palavras.
Ai, v. g. sinifica eu tenho dor ; se lhe ajuntamos
de ti (ai de ti) indicamos o objecto da dôr, ou a
causa (a)76. „Hui por mi, e pela minha vida !‟
(Ferr. Brito, 2. sc. 8.) „Hai tanta diligencia tão perdida !‟
i. é, Eu lastimo tanta diligencia &c. (Ferr.
Eleg. 1
.) ou doe-me tanta diligencia &c. como „doe-me
ver estas coisas.‟ Destas palavras contão se varias
especies, que mostrão os affectos seguintes :

De admiração, ah, oh, ui.
De excitar attensão, O', Siu, Cé, Ah hum, Ah.
De dor, Ai ! Guai ! Ui, ou Hui !
De espanto, Am ; O' ; A'pre ! Hum, tu tens siso ?
(Ferr. Cioso).80

De desejo, Oxalá, Oh !
De excitamento, Olá, eya, sus, horasus.
De silencio, Tá, sis.
De aversão, irra !
De derisão, ha ha !
De pedir attenção aos objectos, ou de os mostrar :
v. g. eis ; de excitar á lerta (do Italiano all'erto).

3. Assim é adverbio comparativo, e não interjeição,
Assim, te eu veja Rei, como me dês o que
te peço :‟ équival a : „Assim desejo, que eu te veja
Rei, como desejo, que me dês, &c.‟ O mũito desejo
do bem, que affirmamos áquelles, a quem rogamos,
excita a sua benevolencia para nos cumprir o outro
desejo acerca do que se lhes pede. Outras vezes se usa
em frases assertivas :

Assim me veja eu casar,
Como despida em camisa
Se ergueu por vos escutar. (Cam. Filod.) :

i. é, assim, ou tanto desejo ver-me casar, como é
verdade, que despida em camisa se sergueu para vos escutar (b)77

4. Assim dizemos elipticamente ; por, é possivel
isso assim, como o dizeis ! aqui mesmo é adverbio
comparativo, e não interjeição.81

Livro II.
Da Composição das partes da Sentença entre si, ou
Syntaxe.

Capitulo I.
Introducção.

1. Da boa composição das partes da oração entre
si resulta a sentença, ou sentido perfeito, com que
nos fazemos entender, falando com palavras.

2. Todas as sentenças se reduzem declarar o que
julgamos das coisas : v. g. este pomo é doce ; João é
virtuoso
 : ou aquillo que queremos, que as pessoas ou
coisas sejão, fação, ou sofrão : v. g. Filho sè estudioso ;
trabalha ; sófre-te com os trabalhos ; está-me a tento
. (*)78

3. Nestas são notaveis : 1.° O Sujeito, de quem se affirma,
o qual deve ser um nome só, ou modificado
por articulares, e attributos : v. g. „este homem
82virtuoso foi infeliz :‟ ou por nomes com preposições :
v. g. „O templo de Deus é lugar santo :‟ de Deus
modifica a o templo, e determina aquelle de que falamos,
que é o de Deus verdadeiro.

4. 2.° O Attributo, que se declara por adjectivos
attributivos ; v. g. infeliz : outras vezes por nomes
com preposições ; v. g. „Pedro é sujeito de verdade,
de honra
 ;‟ por verdadeiro, honrado : ou „é homem
sem honra
.‟

5. 3.° O Verbo, que affirma, e ajunta os attributos
aos sujeitos ; ou exprime a vontade, e mando : v. g.
„Tu és amante ; amante :‟ o qual verbo mũitas
vezes é uma só palavra, v. g. amas (por és amante) ;
ama tu (por sê amante) ; faz uma sentença
perfeita.

6. 4.° Ás vezes o Verbo significa acção, que se
emprega no paciente : v. g. feri a Pedro, dei um livro ;
e termina em alguem : v. g. dei o livro a Pedro ;
deu saúde a um enfermo
 : ensinei a Gramatica aos meninos.

7. 5.° O verbo, ou acção, que elle significa, talvez
é modificada, e acõpanhada de circunstancias de
lugar, tempo, modo, instrumento, fim, &c. v. g.
„Da esmolas aos pobres em segredo, com alegria,
para consolação da sua afflição, sem véxame da sua
vergonha, e por satisfação da tua verdadeira liberalidade,
sem mistura de vãgloria.‟

8. Em segredo designa o lugar secreto, onde se
faz a acção dar esmolas ; com alegria o modo, que acompanha
a acção ; para consolação o fim d'ella ; sem vexame,
outra circunstancia do dar ; por satisfação, o
motivo de dar ; sem mistura, outra circunstancia negativa,
e modo de dar esmolas, assim como sem vexame,
&c.

9. 6.° São tambem de notar as sentenças, que modificão
uma palavra da sentença principal, explicando-a
mais : v. g. „a virtude, que sempre é respeitavel,
nem sempre é amada :‟ ou limitando, e determinando-a
a um, ou mais individuos : v. g. „a casa que
83hontem vimos, é minha : Os livros, que eu tinha, perderão-se-me
em um naufragio.‟ Estas sentenças, em
que entrão os articulares relativos conjunctivos, que,
quem, qual, onde, quando
, &c. (*)79 chamão-se incidentes,
e são explicativas, ou determinativas do sentido
de uma palavra da sentença principal.

10. Gérálmente falando em todas as sentenças tratamos
de coisas connexas com seus attributos, ou de
coisas, que tem algũa relação, ou dizem respeito a outras
coisas. Todo o artificio pois de compor sentenças
consiste em mostrar as connexões, ou correlações entre
os nomes de coisas, e seus attributos significados
polos adjectivos ; entre os nomes das coisas, e os adjectivos
articulares, que os modificão determinando a
extensão, em que se tomão ; e entre os nomes sujeitos,
e os attributos annexos aos verbos com a affirmação,
ou querer. As regras, que ensinão a mostrar
as connexões entre os nomes, e os adjectivos, e os verbos
se dizem Sintaxe de Concordancia.

11. As outras correlações entre os nomes, e nomes
mostrão se, 1° variando a terminação do nome
correlato com o seu antecedente, e isto principalmente
nas linguas, que tem casos ; 2° por meyo de preposições,
que indicão a correlação, que ha entre os
nomes dos objectos ; 3° pondo o nome correlato junto
do outro, que está em relação com elle, por meyo
de algum verbo modificante do nome antecedente (**)80.84

12. Em Latim por exemplo Templum significa templo,
Dominus Senhor ; quando se quer pôr em relação
de possessão, ou considerar o templo como coisa possuida,
e do Senhor, o nome Dominus muda a terminação
em Domini, e dizem Templum Domini. Em Portuguez
geralmente falando os nomes não se varião na terminação
para este fim, mas dizemos : „Templo d'o
Senhor :‟ onde a preposição de indica, que o Senhor
é o possuidor do templo (***)81.

13. Semelhantemente o nome Deus em Latim corresponde
a Deus Portuguez ; os Latinos dizião Amo
Deum
(amo a Deus) mudando o us de Deus em um ;
nós representamos Deus como paciente, por meyo da
preposição a. Quando dizemos : a mulher ama o marido :
a mulher antes do verbo é o sujeito da proposição ;
e se dicessemos : o marido ama a mulher : o marido
antes do verbo seria sujeito, e a mulher o objecto
da acção do verbo ama, ou paciente, indo este depois
do verbo. O lugar indica a relação de sujeito, ou de
paciente da mesma palavra, e não o artigo, que se não
muda, variando as relações tanto.

14. A palavra, que muda de caso, ou é acõpanhada
de preposição, e é segundo termo de uma relação,
se diz regida pela palavra antecedente correlata,
85ou pela preposição, ou pelo verbo : e as regras, que
ensinão a mostrar as relações entre os nomes, por meyo
das preposições, e casos, ou da collocação, são a Sintaxe
de Regencia
.

§. I.
Da Sintaxe de Concordancia.

1. Nós mostramos, qual é o adjectivo, que
modifica um nome, usando do adjectivo na
variação respondente ao genero, e numero do nome :
v. g. bom homem, mulher honesta, varões doutos, mulheres
devotas
. Isto é concordar o adjectivo com o seu
substantivo
.

2. Se os adjectivos tem uma só terminação para
os dois generos, e numeros, por-se-hão junto dos nomes,
a quem pertencem : v. g. nobre marido da Senhora :
o marido da nobre Senhora : a casa, ou casas, prestes
de tudo.

3. A relação, que ha entre o nome sujeito da proposição,
e o verbo d'ella, móstra se, usando do verbo
na variação pessoal, e no numero correspondentes
á pessoa do sujeito, e ao numero d'elle : v. g. Eu amo,
Tu amas, Pedro
ou elle ama ; Nós amamos, Vós
amais, Elles amão
. Não ha sentença sem nome sujeito,
e sem verbo expressos, ou occultos, diversos,
ou cognatos : v. g. „é justo e devido, o dever se guardar
tal modo : Foi tido por honra, e riqueza ter
mũitos amigos.‟ (Hist. dos Varões illustres de Tavora,
f. 103. Heit. Pinto, Verd. Amiz. c. 4
.) „Dormem
se sonos tranquillos : espantos
, que espantem.‟
(Ferreira, T. 2. f. 109.) „Festa sem comer não se
festeja
.‟ (Cruz, Poes.) „A quem o saber mesmo tão
mal sabe.‟ (Ferreira, f. 112.)

4. Estas são as concordancias regulares, e naturáes
dos nomes c'os adjectivos, e c'os verbos ; outras concordancias
ha de nomes no singular com adjectivos no
plural, e com verbos no plural ; e dos adjectivos em
86diversos generos ; dos verbos em diversas pessoas das
expressas nas sentenças, as quaes concordancias dão á
cõposição apparencias, ou figuras irregulares ; mas não
o são, sendo usadas dos bons autores, e fundadas na
theorica geral das Linguas ; chamão se pois as taes concordancias
Figuradas, de que direi no Capit. Segundo (a)82,
e ahi mesmo das regencias figuradas.87

§. II.
Da Sintaxe da Regencia.

1. As relações dos nomes mostrão se pelos casos
em Me, Te, Se, Lhe, Nos, Vos, Lhes
sem preposições ; pelos casos Mim, Ti, Si, Migo,
Tigo, Sigo, Nós, Vós, Nosco, Vosco
, acõpanhados
de preposições (*)83. As relações dos nomes, que não
tem casos, indicão se pelo lugar, que tem na sentença ;
88ou por preposições, que significão a relação,
em que o nome regido, ou o segundo termo de uma
relação está com o seu antecedente só, ou acompanhado
de adjectivo, ou verbo.

2. Vejamos as principaes relações, em que qualquer
coisa se nos póde representar, e com que artificio
se declarão.

3. 1ª O sujeito da sentença, quando é a primeira
pessoa falando de si, diz se Eu : (**)84 se é a segunda
pessoa, a quem falamos, affirmando-lhe d'ella algũa
coisa, ou mandando-a fazer, dizemos Tu : v. g. Tu
les
, e Vai tu. Se alguem se manda, ou exhorta a si
mesmo, trata se como a qualquer segunda pessoa :
v. g. „Morre, Afonso de Albuquerque, (dizia elle
a si mesmo) que cumpre a tua honra morreres (Couto.)‟

4. 2ª Se o sujeito é nome sem caso, e o verbo
tem paciente sem preposição, antepõi se o sujeito ao
verbo : v. g. „A aguia matou a serpente :‟ o paciente
89vai depois do verbo. Mas quando o sujeito é
de numero diverso, v. g. do singular, e o paciente
do plural, póde se alterar a ordem : v. g. „Ambos
hũa alma anima, ambos sustenta. O (sc. homem)
que é temido de mũitos, mũitos teme.‟ Nestes exemplos
ambos e mũitos são pacientes, porque os verbos
anima, sustenta, e teme devem ter sujeitos do singular.

5. Tambem se põi o paciente antes do sujeito, e
do verbo, quando o attributo, ou acção do verbo evidentemente
compete ao objecto significado por um
dos nomes : v. g. „Depois que o leve barco ao duro
remo…Atou o pescador pobre Palemo :‟ onde barco
é evidentemente paciente da acção atar propria de
Palemo pescador, e sujeito da sentença.

6. 3.ª Mas logo que o verbo póde concordar cõ o
sujeito, ou cõ o paciente, e o seu attributo cõpetir
a um, ou a outro, devemos tirar a amfibologia, ou
dúvida, ajuntando ao paciente a preposição a : v. g.
„Combate ao fraco esprito a dor antiga :‟

E não será gran destroço,
Pois o amo quer a ama,
Que a a moça queira o moço. (Camões, Filod.)

No segundo verso observa se a ordem directa do sujeito
antes do verbo quer com o paciente ama depois :
no terceiro verso como se inverte, precede a preposição
ao nome moça paciente, que vai antes de queira.
Geralmente, todas as vezes que o paciente se
alonga do verbo, é mais usual, e claro ajuntar se
lhe a preposição a : v. g. „Em quanto eu estes canto,
e a vós não posso :‟ onde se subentende cantar
alongado de vós ; e estes esta sem preposição c'o mesmo
verbo proximo : „Todo homem ama os partos de seu
entendimento, e ás vezes mais que aos mesmos filhos
(Souza).‟

7. 4.ª Quendo o paciente é a primeira pessoa Eu,
ou a segunda Tu, usamos dos casos me, te ; v. g. matou-me,
90matou-te (a)85 : „Vós matais-vos, e matais-me :‟
e se é uma terceira pessoa referida por elle, ou pelo
artigo dizemos : matou-o, matou-a, ou matou a elle,
a ella
 : e pondo se a terceira pessoa em relação com sigo
mesma, isto é, sendo ella o agente, e paciente,
diremos elle matou se, feriu-se (***)86.

8. Tãobem dizemos a mim, a ti, a sí, a elle,
pacientes, quando a sentença começa pelo paciente,
ou ha dois pacientes : v. g. a mim buscavas ? a ti buscavas :
matas a mim, e a ti : „escurecião o ouro, a mim
matavão
(Camões). Deus…a elle só toma por teu
casamenteiro.‟ (Ferreira, Bristo, f. 57.) Mũitas vezes
por mais energia se ajuntão os casos me e a mim, te
e a ti, se e a si ; o artigo o, e o pronome elle precedido
este da preposição ; v. g. „quem me a mim diria tal ?
melhor siso me deu a mim Deus.‟ (Eufros. 3. 1.
V. Ferreira, Cieso, At. 2. toda a scena 4
.) „quem te
vira
então a ti tão vanglorioso ? Quẽ se mata a si mais
facilmente matará os outros ; quem o capacitará a elle,
e o desenganará do seu erro ?‟ (Ferr. Brsito, 2° 5.
e 8. e 3°. 6°. 5. Lobo, Peregr. f. 17. e 20
.)

9. No plural os sujeitos são nós, vós ; os pacientes
91nos, vos, os ; elles com preposição ; e se. Então se os
pacientes se antepõem, ou se ha dois, usamos de nós,
e vós e si com preposição : v. g. „a nós buscavas ?
a vós offendia de palavra : vós para verdes outrem, e
eu para ver a vós.‟ Neste caso tambem se ajuntão
nos, vos, se, com a nós, a vós, e os a elles : v. g.
„que nos ame a nós, que vos respeite a vós obrigação
é sua ; quem os a elles atormenta ; quem as a ellas
tão vãs, e suberbas, &c. quem se a si tanto exaltão ;
mal os podia livrar a elles, quem a si se não livrava.‟
(Paiva, Serm.)

10. 5ª Quando o verbo tem um termo da sua acção,
e é a primeira pessoa, ou segunda usamos de
me, te ; e sendo terceira pessoa usamos de lhe (b)87, e
se, ou a elle : v. g. deu-me, deu-te o livro ; deu se,
deu lhe
mil tratos : „a quem o déste ? a elle mesmo.‟
Usamos tambem para indicar o termo dos casos a mim,
a ti, a elle, a nós, a vós, a elles, a si
, quando a sentença
começa pelo termo, ou ha dois : v. g. a ti peço,
ó bom Deus ! a mim o dizião elles ; a elle dirás ;
„A terra, que vès, darei a ti, e a tua geração (Cathec.
Romano) :‟ a quem o darei ? a ti, ou a elle ?
92deste-o a mim, ou a João ? Então tambem se repetem os
casos me e a mim, te e a ti, se e a si : lhe a elle, nos
e a nós, vos e a vós, se e a si, lhes e a elles ; v. g. Se
elle me quizera a mim, como eu lhe quero ; se te falára
a ti a verdade, como te eu falei ; se se tirára a si
a residencia, como outros lha tirão, &c. „Quem nos
faria então a nós crivel o que hoje vemos, e apalpamos ?‟
„Quem vos podia a vós dar a immortalidade,
senão o Ser Supremo, e o Altissimo, que vos creou ?‟
a elles parecem lhes nadas as miserias dos proximos :
os que tanto se arrogão a si, e nada concedem aos
benemeritos, esses vos digo, que são o mesmo espirito
da suberba.‟

11. 6.ª O' tu, ó vós, ó montes, dizemos chamando,
invocando, exhortando, apostrofando, &c, com ó,
talvez sem elle, v. g. „Meu Deus valei-me :‟ o verbo
no imperativo, ou subjunctivo : v. g. „Ouça Senhor,
o que digo :‟ tirão a duvida, e a declarão a
relação de objecto invocado, chamado, &c. á quem fallamos.

12. 7.ª Todas as mais relações, em que se podem
considerar a primeira, e a segunda pessoa no singular,
se declarão por preposições, e pelos casos Mim, Ti,
Si
 ; e no plural pelos casos Nós, Vós, Si (c)88.93

13. As relações diversas das apontadas, em que representamos
os nomes sem casos, indicão se pelas preposições,
que passo a expôr brevemente.

A' indica o paciente ; e o termo da acção ; o lugar
para onde algũa coisa se move ; a que outra está proxima ;
v. g
. mora ao arco da Graça ; o modo porque algũa
coisa se faz
 ; v. g. á pressa ; ir a cavallo ; supirar
a medo ; estar a tento ; á conta ; a direito com alguem ;
fazer a sinte : o tempo, em que aconteceu ; v. g. a noite,
aos tres dias ; e por semelhança, a o passar o rio,
a o assinar a carta : o preço, v. g. vende se a vinte : o
lugar occupado ; v. g
. estar á janella : o instrumento ;
morto a ferro : o fim ; sai a ver ; a causa ; morto á fome ;
a proximidade do termo : v. g. está a partir ; o acto
mesmo ; v. g. ao sair da porta.94

14. Ante indica o objecto, em cuja presença se acha
outro ; v. g
. „ante nós appareceu :‟ que tambem dizemos
Perante nós : „não mereço tanto ante Deus ;‟
para com Elle : „em quã baixo predicamento está
Deus antes nós !‟ Tambem indica antecedencia ; v. g.
ante maduros annos amostrando pensamento viril :
Lilia ante Celia pondo ?‟ (Ferreira)

15. Após designa o objecto, que outro segue : v. g.
Orfeu levou as pedras após si, após seu canto (d)89 ;
após a fama falsa e mentirosa.

16. Até indica o termo de um espaço, ou distancia ;
v. g. de casa até a praça ; até cima das cilhas ; desd'o
Rei até o mendigo todos somos mortaes : de manhã
até à noite. (e)9095

17. Com (que faz variar Eu em migo, Tu em tigo,
Nós
em nosco, Vós em vosco, Se em Sigo) indica
a coisa, com que outra se acõpanha ; v. g. foi com
João
 ; está com Pedro ; mudou se com a idade ; entesta
com Lusitania ; misturar cal cõ areya ; o bem cõ o mal :
a cousa, que acõpanha o effeito ; „fez isso com medo
delle :‟ o instrumento, arte, meyo ; „feriu-me com
a espada, com a lingua ; com os dentes ; caçar cõ boîz ;
o modo
 :‟ v. g. tratou-me com brandura : o preço : pagou
com oiro, e fig. com boas palavras : a circunstancia do
tempo
 ; v. g. acabou com dia, com cedo : a pessoa, ou
coisa, a respeito de quem se exerce algũa qualidade
 ; v. g.
caridoso com os pobres ; suberbo com os suberbos ; e por
analogia tratar se, vizitar se, corresponder se com alguem ;
concorrer com alguem, consentir com, contrair
com, e mũitos adj. e verbos compostos de com pedem
esta preposição.

18. Contra indica o objecto, a que outro está opposto ;
v. g. voltado contra o Oriente ; e moralmente o objecto
de opposição, inimizade
 ; v. g. „está e fala contra
mim
.‟

19. De denota o lugar d'onde saïmos ; v. g. sai de
casa
 ; e fig. desviar se de mim ; amansar da furia, por
indicar apartamento, separação : v. g. arrancar da terra,
puro de espinhos ; limpo de odio ; dobrar alguem
da resolução ; esquecer se de algũa coisa ; ganharão do
tirano
 ; deposto da dignidade, da graça : desconformidade,
opposição, aversão
 ; v. g. desgostar se de algũa coisa ;
diverso de todos : a coisa, de que outra é parte ; v.
g. um quarto da casa, de real : a coisa que é contida
em outra
 ; bolsa de dinheiro : a que é pertença e possuida ;
v. g
. Senhor da casa ; e vice versa, a coisa que
possue ; v. g
. casa do Senhor, a porta da Cidade : os
accidentes a respeito do que os tem
 ; homem de côr : o
serviço e prestimo ; v. g
. moço de recados : a causa ; movido,
lembrado da dor ; cego da ira, tocado de medo ;
cubiçoso, desejoso de fama ; arder de amores ; desponta
de agudo : o agente, ou origem ; v. g. „é se este dos
Deuzes
é vexame ; de mim nunca te foi feita injuria :‟
96nunca a recebeste, ouviste : a materia de que algũa coisa
se faz
 ; vaso de oiro, cobre, barro ; e fig. homem
de nada : o modo de fazer a coisa ; v. g. de pressa, de
vagar
 : o instrumento ; v. g. dar de lançadas, dar d'esporas ;
figur. usar de hervas, ensalmos ; valer se das habilidades :
d'a parte para o todo como pertença ; v. g. metade
do dia, de minha alma ; nua dos pés, rapado da
cabeça
 : do genero á éspecie ; v. g. o sentido do tacto ;
a virtude da castidade : o sujeito do attributo ; v. g. o pobre
de mim ; mesquinho de mim : o accidente ; v. g. chama
se d'este nome ; chamando os de fracos, e covardes :
Accusar do Crime é ellipse, e falta reo, que do crime
modifica, e cõpleta : assim é : „forão d'elles a cavallo,
e d'elles a pé ;‟ onde falta parte. Nós dizemos
com equivoco o amor da patria, a caridade de Christo,
significando o amor, que a patria tem, ou o que temos
á patria ; a caridade ou amor de Christo a nós, ou
que temos a Christo, ou em Christo. Por tanto falando
do amor, que temos á patria diremos : o amor á
Patria, ao Rei ; a veneração aos Santos ; a caridade de
Christo com nosco ; a charidade, que em Christo temos
com alguem, ou a alguem ; para alguem
, (f)91 como
Tive indinação aos maos, vendo a paz do peccador.‟
(Cathec. Rom. f. 106.)

20. Desde indica o termo, d'onde se mede, conta,
97algũa extensão, espaço, série : v. f. desde o paço até
a quinta : desde o San João até o Natal. Des acha se só :
v. g. des i (g)92, des oy, des hontem, des que ; e Duarte
Nunes de Leão (Ortogr. f. 324. ult. ed.)
expressamente
aponta entre os erros do vulgo o dizer desde que
por des que ; e tal é desno : V. os artigos Des, e Desde,
e Des oy ; e Des i (Diccionario, Seg. edição.)

21. Em indica o lugar, para onde nos movemos,
passamos : v. g
. saiu em terra ; e fig. inspira em mim
taes sentimentos ; de pastores em pastores passou a historia.
O estado, a que a coisa se passou, mudou : v. g.
transformado em Santo o peccador ; brotar em blasfemias ;
desarmar em vão ; rebentar em lagrimasO
tempo como termo : v. g
. de dia em dia. O fim : v. g.
deu-lhe, tomou-o em pagamento ; o que fez em vingança ;
em honra de Deus ; em observancia da Lei, &c. O
lugar, onde algũa coisa está ; o óbjecto, em que alguem
entende, e se occupa : v. g
. está em casa, medita na
morte, entende no trabalho
 ; e fig. a época : v. g. no anno
de 500 ; em moços lá forão ; na vida ; na morte. O valor,
conta, preço
 : v. g. avaliado em dés crusados ; fig.
tem se em conta de sábio, em mũito (h)93. caïr ‘no laço,
na boïz, ‘no engano, ‘no brete, ‘na conta, em si.98

22. Entre designa dois ou mais objectos no meyo dos
quaes está outro ; v. g
. estava entre as arvores ; e figuradamente
no meyo : entre os annos de 600 e 700 ; entre
roixo e azul ; entre lusco e fusco ; entre bebado e alegre ;
entre ti, e mim
(i)94 : as artes e sciencias tem grande
connexão entre si, umas com as outras : amizade
entre os imigos.

23. Para declara o lugar, para onde se move, tende,
olha, attende, considera ; que se tem como termo de
relação, e comparação : v. g
. fui para França ; olhei
para mim : „para os pequenos uns Neros, para os Grandes
tudo feros :‟ de 2 para 4 ha a mesma razão, que
de 3 para 6 : bom para elles ; zelo para as cousas da
Religião
 ; amor para o proximo. O fim : v. g. buscar lenha
para o fogo ; propenso para as lettras ; procurar para
si
. O termo approximado : gastou duas para 3 horas :
a proximidade da acção ; v. g. estou para partir ; está
para morrer. (Pera dicerão os antigos).

24. Por indica o espaço, lugar, extensão, onde algũa
coisa se move, dilata : v. g
. passar polo caminho,
pola cidade, por terra, polo mar
 ; fig. polas chamas,
polas lanças ; por desares, e dessabores
 : privilegio por
dés annos
. Indica o espaço de tempo : succedeu isto polos
annos
de 600 até 602. O motivo, o agente, a causa :
v. g
. feito por mim, ferido por mim ; esmolár por
amor de Deus
 ; quebrar por desavenças, e desconfianças ;
conhecido por homem insolente ; illustre, nobre por armas,
e lettras ; por costume
o fiz. O preço, estimação,
99opinião, a coisa substituida : v. g. tido por nescio ; polo
todo
tãbem se toma a parte ; porei por escudo o sofrimento ;
vender gato por lebre ; levando a virtude por
farol
 ; a ira por antolhos ; o cego Amor por guia. O modo
de conseguir
 : v. g. por geito ; julgar polos frutos ;
não has-de emendar o mundo por mais razões, que
despendas ; fazer as coisas por si, ou por procurador. A
pessoa por quem pedimos, rogamos
 ; fazemos : v. g. faz
por nós esta rezão ; e fig. a praça está por elRei
sua, tem a sua voz) ; levantárão se por ElRei. O instrumento :
v. g. observar pelo telescopio ; e fig. o meyo :
v. g. averiguou por cálculos exactissimos ; mandou dizer
polo Bramene ; mandou-o fazer por um Ourives. As
pessoas ou coisas entre quem se parte, divide : v. g
. repartiu
por todos ; um por um. Ir por algũa coisa, ir
buscá-la, como motivo da ida (V. Leão, Ortogr. f. 288.).
Por transfórma se em Per mũitas vezes : os Classicos
distinguirão por de per, e dizião fui por amor de ti,
dar por Deus ; e foi pela praça, corria pelo rosto ; por
indicando a causa, motivo, &c. per o espaço verdadeiro,
ou similitudinario : mas já nos seus escritos vẽi
uma por outra preposição : v. g. polo mar, polos ares,
e pelo amor de Deus, &c.

25. Sem indica a coisa, de que ha privação, falta :
v. g. o Lar está sem lenha ; estar sem sentidos ; e sem
falta
, e sem defeito. „Estavão mũitas peças d'artelharia
miuda, sem outras grossas :‟ i. é, sem contar outras
grossas.

26. Sob indica a coisa, debaixo de que outra está :
v. g. sob a cama ; e neste sentido fisico é desusada :
jura má sob pedra vá : Sob Poncio Pilatos ; i. é, debaixo,
ou no tempo do seu governo, imperio, ordens,
mando. „Sob as bandeiras de seus Capitães (Clarim.
3. c. 16.)‟ Sub no mesmo sentido é antiquado : Sub
ti
. Desob são duas preposições : „fui me sentar de sob
a espessa sombra (Men. e Moça, L. 1. c. 2.) :‟ combinação
antiquada como a sob.

27. Sobre indica a coisa em cima da qual se põi, ou
está outra : sobre a mesa
 ; anda sobre a terra ; sobre as
100ondas do mar : e fig. sobre minha cabeça ; sobre minha
palavra, meu credito, minha fé, minha verdade, minha
honra
, tomei, jurei, prometti. Indica precedencia : v.
g
. pòr alguem sobre si ; itẽ sobre si, o que não está
cõ outro, nem depende d'elle
 ; v. g. vive sobre si ; é
homem sobre si (que não trata outros por dependencia,
nem grangearia ; pouco gasalhoso como independente).
Indica demasia, excesso : v. g. comer sobre
posse
 : „era sobre impaciente teimoso ;‟ i. é, além
de impaciente. Já sobre tarde : i. é, perto da noite. A
coisa dominada, regida, subordinada
 : reinar sobre os
Portuguezes
 ; fig. ter imperio sobre as proprias paixões.
Golpes sobre golpes, trabalhos sobre trabalhos ; i. é,
uns após outros, amiude. Falar sobre algũa coisa, como
materia, assumto. Ir sobre a praça, a cõbatè-la d'assento.
Sobre pensado ; sobre contas feitas ; i. é, depois de
reflectir, deliberar. (k)95

28. Isto dice em breve das Preposições, e das Relações,
que ellas indicão. Ellas são uma grande parte
101das connexivas dos elementos das sentenças ; e devẽ se
estudar com mũito cuidado os usos dos Mestres da Lingua,
quando preferem uma preposição á outra, que
parece indicar a mesma relação. Elles usárão de algũas
em sentidos, que hoje não usamos : v. g. „viemos
em as hortas
de Bruto ;‟ hoje diremos ás hortas : „passou
em França ;‟ e dizemos agora passou a França,
a Italia, a Africa
 : „Começa de servir ;‟ hoje a servir :
começou de servir, e acabou em mandar, ou por
mandar
, é usual ; por, começou a sua vida ; e de indica
a origem, como em vẽi do Ceo, do sangue de David,
&c. ou começa de servir, sc, o trabalho de servir.

29. Nos livros modernos achão se mũitos barbarismos,
adoptando se a fraseologia das preposições das
Linguas estrangeiras : v. g. misturar ossos a ossos ; compasso
a parafuso ; soltar ao cume do monte (por no
cume
). Por mũitas vezes se confunde com Para,
Arreda-me a teu coval (por de teu) é erro.

30. As Preposições em fim sempre regem um nome,
que é o outro termo da relação entre dois nomes,
e correlato ao antecedente : e quando se diz : v. g.
„o conselho que tomárão sobre se quererá :‟ é ellipse,
e falta, saber, sobre saber se quererá &c. (Costa, Terenc.
T. 1. pag. 63
.) Couto, 6. 4. 3. „Tomou conselho
com os Capitães sobre (sc. rèsolver) se iria commetter
aquella Villa.‟ (l)96102

Capitulo II.
Da Sintaxe, ou Composição Figurada.

1. Quando na composição não observamos as
regras expostas, a sentença é incorrecta.
Mas ás vezes a incorrecção é apparente,
e dá uma nova figura, ou apparencia á composição,
que por isso se diz figurada.

2. Estas semelhanças de incorrecção, ou Figuras,
procedem 1.° da falta de algũa palavra, que facilmente
se suppre para a sentença ser completa ; e a figura,
que a sentença toma pela dita falta, se diz Ellipse ; a
frase elliptica :

3. 2.° procede a figura de se accrescentar algũa palavra
desnecessaria ao complemento da sentença, e se
dis Pleonasmo ; a sentença pleonástica :

4. 3.° de se por uma parte da sentença, ou qualquer
accidente d'ella por outro, e se diz Enallage :

5. 4.° de se alterar a collocação, que as partes da
sentença devem ter entre si, para ser o sentido claro,
103o que se diz Hyperbato, ou Synchise. Vejamos um
pouco de cada uma :

6. Ellipse é falta de palavra, que facilmente se entende,
e suppre : v. g. a frase elliptica : a Deus : a que
faltão as palavras te deixo (a)97 „As do Senhor mil vezes :‟
onde falta bejo as mãos. (b)98 Que forão dos Troyanos ?
i. é, que fins forão feitos (c)99. Tem genio, condição ;
sc forte : (d)100Teve fortuna ;‟ sc. boa : „cobre
se logo d'estrellas, nascem d'ellas, põe se d'ellas ;‟
se algũas d'ellas ou parte : „Eu chamo povo, onde
ha baixos intentos
 ;‟ i. é, aquelles homens, onde
ha &c. „Usai antes de cortez ;‟ i. é, de ser homem
cortez, ou os termos de homem cortez : no meádo de
Outubro
 ; i. é, no mez meado. (V. Ined. 3. f. 57.)

7. Da Ellipse procedem as concordancias de um adjectivo
‘numa só forma modificando nomes de diverso
genero, e numero : v. g. „as aguas cobrárão o sabor,
e suavidade antiga :‟ o sabor, sec. Antigo. „O favor
e ajuda, que nelle estavão certos (e)101 :‟ sc. dois bens,
que estavão certos.104

8. A concordancia faz se mũitas vezes com o nome,
que o autor tem na mente, indicado talvez por
outros equivalentes : v. g. „A causa de ElRei mandar
lançar esta gente por toda aquella Costa, vestidos,
e bem ataviados :‟ erão negros de Guiné. (Barros, Decad.
1. L. 3. c. 4
.) „Vendo ali o seu cuidado (a sua
Dama) vestida da propria roupa &c.‟ (Palmeirim, P.
2. c. 120
.) „Achou o segredo de sua alma (Clarinda)
vestida de umas roupas Indias.‟ (Clarim, L. 2. c.
32
.) „Lingua tem V. Alteza, Elle por si lho diga.‟
(Resende, V. do Inf. D. Duarte (f)102, f. 3. 39. v.
Barros, Paneg. delRei
)

Mas já o Planeta, que no Ceo primeiro
Habita, cinco vezes apressada… (Lusiada) :

o planeta, a que o Poeta allude na perifrase que no
Ceo primeiro habita
, é a Lua ; por isso diz apressada.
105(g)103. Estas figuras Chamão-se Sintheses. (V. Palmer.
P. 2. c. 125. Lusiada, 4.° 88. e 7° 47
.)106

9. Por semelhante ellipse, dois nomes don singular
levão o verbo ao plural : v. g. „Pedro e João (sc.
107ambos, ou estes dois sujeitos) forão á caça.‟ Talvez
se exprime o nome do plural com os dois do singular :
v. g. „Nós estavamos, minha prima, e eu, assentados.‟
(Eufr. F. 17. v.) „Se tu, e elle vos enfadais :‟
(ibid. f. 71.) Onde é de notar, que todas as vezes
que entra o nome eu vai o verbo a primeira pessoa do
plural, porque se subentende nós, e quando entra tu,
vai á segunda pessoa do plural, porque se subentende
vós. „Nós nunca entrámos em barca, vós, e eu.‟
(Ulis. f. 66.)

10. Quando a palavra vẽi clara nas sentenças compostas
por conjunções, e se hade subentender outra
vez sem mudar de figura, ou accidentes : v. g. „Deus
creou o Ceo, e a Terra, os Anjos, e os homens :‟
esta especie de Ellipse se chama Zeugma : se a palavra
torna a subentender se com accidentes diversos, diz se
Sillepse : v. g. „as aguas cobrárão o sabor (sc. antigo),
e a suavidade antiga. Entrárão duas naus,
108uma (sc. entrou) Ingleza, outra (sc. entrou) Franceza.‟
A Ellipse é viciosa, quando a palavra expressa
póde fazer subentender outra totalmente diversa : v.
g
. „Amor quer sem te ver matar-me de saudades :‟
que póde ser sem te elle ver, ou sem te eu ver. (Ulissea ;
e V. no Canto 3. a est. 5
. obscura pelos mesmos
defeitos.)

11. A este respeito é notavel nos Classicos usarem
verbos homonimos, ou semelhantes nos sons a nomes,
e referirem adjectivos aos nomes occultos semelhantes :
v. g.

¿ Não vez, dizer queria, que desmayo ?
Quando (coisa, que mal me será crida !)
No mar ferido de um, do barco cayo ? (Bernardes)

onde um refere se a desmayo, que deve ser nome, e
vẽi como verbo no primeiro verso. „Se tão facil me
fora fazer isso como eu dezejo, o vosso (sc. dezejo,
nome) estaria contente.‟ (Clarim, L. 2. c. 16. e
outro exẽplo a pag. 108 ediç. de 1791
.) Mais notaveis
são os exemplos seguintes. „Coroando-o de brazas, para
o ser de rosas.‟ (Jorn. d'Afr. f. 263.) „O Senhor
Theodosio trabalhe, que bem grande lh'o empresto :‟
i. é, grande trabalho lhe empresto. „Não vos enfadeis
se me alargar mais do necessario, porque o heide
ser
 :‟ i. é, mais largo. „o condemnárão á morte de forca,
e assi o foi :‟ i. é, enforcado. (Tempo d'Agora, Tom.
2. f. 65. v. 77. e 85.) Estes exẽplos são obscuros ;
os de Bernardes, e Barros mais toleraveis.

12. Os Grammaticos chamão Enallage á figura de
composição, que se faz usando as partes da oração, e
seus accidentes uns por outros, sem razão, nem fundamento :
v. g. „Que foi daquelle cantar das gentes
tão celebrado ?‟ (Camões) Mas cantar é nome, e
tem plural os cantares. „O logo destes é como o nunca
dos desenganados.‟ O logo dizem que sendo adverbio,
se usa aqui por nome, e assim o nunca ; mas os
adverbios são nomes, usados ás vezes ellipticamente
sem preposição. V. o L. 1. c. 6. d'esta Gram. „Em
109não querendo-me vós morro por esse não quero :‟ parece
enallage de não quero, como nome ; mas é frase
elliptica, morro por esse dizer, que é, não quero. (Lobo,
Peregr. f. 197
.)

13. Outro exẽplo de Enallage seria usar de um modo
por outro : v. g. „Esforça Infante, nem c'o pezo
inclina :‟ por, nem inclines ; mas isto é um Latinismo,
que o Poeta admittiu, barbarizando por força
do consoante. (h)104 Por semelhante caso dice Camões :
„Os Livros que tu pedes não trazia :‟ por não trago.
(Lusiada, 1.° est. 66.)

14. Dizem mais, que é Enallage usar de um caso
por outro ; v. g. „eu sou mais velho que ti : se fora
como ti : agora se a ti fora, faria outra coisa : se
a vós fora :‟ &c. (i)105 Mas estes casos são incorrectamente
usados, porque as táes sentenças são ellipticas ; e
suppridas ficão assim : „eu sou mais velho a respeito
do que tu es : se eu fora do modo como tu es : se
eu fora tu : Folgára de ser como tu és.‟ (Ferr. Bristo,
At. 2. sc. 1
.) „Se tu foras eu que farias ? se vos
foreis eu ; se eu fora vós : se eu fora a ti, ou a vós :‟
sc. semelhante ou identico a ti, a vós. (k)106110

15. Tambem se reputa Enallage usar de preposições,
onde ellas não convem ; v. g. antes do nome, que
está em relação de sujeito do verbo : „O primeiro autor,
em quem se lê este nome, é em S. Martinho de
Tours
 :‟ (Severim, Notic.) deve ser : é S. Martinho : sem
preposição. „Em toda terra, em que punha os pés, era
sua
 :‟ (Godinho, Rel. f. 2.) deve ser : Toda a terra,
&c. era sua : „ao primeiro, a quem encontrou, foi
a Livao :‟ (Barros, no Clarim.) devia ser : O primeiro,
&c. foi Livao : porque o sujeito da sentença nunca
é regido, mas é a palavra principal, que rege todas
as mais, que o explicão ; e o mesmo é d'o nome, que
serve de attributo cõ o verbo ser, porque de commum
se podem converter ; v. g. „eu sou tu, e tu és eu.‟

16. O Pleonasmo consiste em usar mais palavras das
necessarias para a perfeita declaração de sentença : se
isto se faz por belleza é uma figura Rhetorica : v. g.
ainda ainda imos gastando do que trouxemos :‟ (V.
do Arceb
.) „Escapei quando já já me engulia.‟ (Lusit.
Transf. f. 389
.)

Para o Ceo cristallino alevantando
Com lagrimas os olhos piedosos
Os olhos, porque as mãos lhe estava atando
Hum dos duros ministros rigorosos… (Lus. 3. 125.)
111(l)107 Quando porèm a redundancia não serve de ornato ;
é uma incorrecção, e Perissologia : v. g. „Nesta
terra vimos tambem nella Mouros casados : Está uma
fonte, em que dentro nella nasce agua (Tenreiro, Itiner.
c. 28. c. 42
.) : As minhas botas, qu'é dellas ellas ?‟
todas estas perissologias são viciosas, e incorrectas :
„usou d'os meyos os mais violentos :‟ repetindo o
artigo antes de um só nome, é perissologia. „Tal como
ella poucas táes :‟ tal é de mais, e desconcorda.
(Cruz. Poes.) „D'essas perolas poucas táes na duzia :‟
(Ulisipo) é correcto.

17. Os Grammaticos chamão Ordem Natural, ou
Directa da construcção, ou collocação das palavras, á
que se guarda quando vẽi primeiro o sujeito da sentença
com os seus modificantes, logo o verbo com os
seus modificantes, depois o paciente com os seus, e
o termo com os, que o modificão : v. g. „Aquelle
homem virtuoso sempre fez mũito grandes bens a todos
os seus amigos, no tempo em que tinha grandes
riquezas, e mesmo depois que foi pobre.‟ Se mudamos
ésta ordem, fazemos uma inversão, ou construcção
indirecta ; se a inversão é desacostumada, toma
uma figura, a que os Grammaticos chamão Hiperbato :
v. g. „Desejo saber ao que vim :‟ por, o (sc.
negocio) a que vim. (m)108 „No tempo, em que tinha
112grandes riquezas, e mesmo depois, que foi pobre fez
este homem virtuoso, mũitos bens &c.‟ (n)109

18. bQuando se perturba mũito a ordem da construcção
a figura, que ella toma, chama se Synchise : v. g.

Sobre uma ponte de metal corria,
De Jupiter o estrepito imitando
Dos trovões, que imitar se mal podia (Ulissea) :
e : Quebrar tivera a náo ali em nada. (Eneida).

19. Mũitas outras figuras numerão os Grammaticos,
que são mais proprias das Linguas Grega, e Latina,
mais artificiosas que a nossa ; e por isso as deixo ;
só tratarei brevemente de algũas Figuras de dicções,
que consistem

20. 1.° No accrescentamento de algũa lettra : v. g.
martire por martir, Atalante, e Heredar por Atlante,
Herdar ; atambores, por tambores.

21. 2.° Por diminuição de lettra : v. g. cárcer,
marmor
, por carcere, marmore, como hoje dizemos :
„Que mais se pode sp'rar :‟ por esperar. (Bern. Rimas,
f. 78
.)

22. 3.° Quando se absorve a vogal, que concorre
com outra, ou pura, ou nasal : v. g. a preposição, e a
artigo em á : „fui á praça :‟ a o em ó : „fui ó templo ;‟
d'o, d'a, c'o, c'a, qu'elle, por de o, de a,
com o, com a
 : „Co' os anafis os Mouros respondião.‟

23. 4.° Quando por eufonia se muda, v. g. a
consoante áspera em outra, buscá-lo, ou búsca-lo, por
buscar-o, búscas-o ; tère-lo, por teres-o.

24. 5.° Quando por eufonia se entremette consoante
113entre vogáes, para evitar o hiato : v. g. buscárão-no,
não no
deveis, fazerem-no. Os antigos dicérão :
em no tempo : em nas suas avenças : en has casas : por
evitarem o hiato da nasal em com o, e as, artigos,
que escrivião ha, ho, has, hos (*)110.Depois ommittímos
a preposição em, e ficou o artigo orecedido do a, ‘no,
‘na
 ; por onde dizem mal, que em se muda em n (V.
aqui o §. 2. do cap. 1. num. 21. nota (h) pag. 98. e
Paiva, S. 1. 53
. v.)

25. 6.° Quando ditongamos duas vogáes : v. g.
„o impio Rei dos annos : Algũa coisa que pareça.‟
(Filod. 2. sc. 3.) „Seria entre os tormentos
e crueldade.‟ (Ulissea, 8. 40.)

26. 7.° Quando dividimos os ditongos : v. g. Tu-i,
por Tui : „Por que quando o Sol sá-i facilmente.‟
(Lusiada, 3.° 89. e 8.° 50.) „Considerando o circulo
Lacte-a.‟ (Elegiada, f. 220. e 239.) „Que de
trofeos não enchesse a terra.‟ (Ferr.)

27. 8.° Quando se contrahem, ou abrevião palavras :
v. g. San, ou Sant, ou São por Santo ; gran,
ou grão por grande : I por ide, Is por ides ; hemos,
heis
, por havemos, haveis : mór por mayor ; cal-te,
qués
, por cala-te, queres. (Leonel da Costa, Terenc. T.
1. f. 305
.)

28. 9.° Quando se divide a palavra, e entremette
outra : v. g. dir-vo-lo-hei (Cam. Filod. 2. 2.) Dir te-la,
Far-te-ia ; onde é notavel tambem, que dir e far
são contracções de dizer e fazer.

29. Todas estas figuras de dicção, usadas mais frequentemente
na Poesia (onde talvez se alterão os tons
das vogáes : v. g. impía por ímpia) tem seus nomes Gregos,
de que é escusado carregar a memoria ; baste-nos saber
o que ha em nossa Lingua, para ‘nella exemplificarmos
os preceitos, e observações das mortas, e estranhas,
e melhor entendermos as analogias, que tem com o
nosso idioma.114

Capitulo III.
Das Composições Viciosas.

1. As Composições são viciosas, quando os
adjectivos, e os verbos não se usão nas
variações correspondentes ao genero e numero dos nomes :
v. g. homem boa, bons homem ; os homens morreu :
quando os pronomes não se varião em casos, segundo
a relação, que a preposição indica : v. g. se dicessemos
a me, de migo, por a mim, ou comigo : „eu
lhe amo, lhe adoro :‟ por, amo-o, adoro-o. (a)111

2. Quando não apparece claramente, quem é o
paciente, quem o agente, e se confundem as relações :
v. g… Batto, que em dura pedra converteu

Mercurio pelos furtos, que revela
(Lobo, Condest. c. 10.)

Quem ignora a Fabula não sabe se Batto converteu,
ou foi o convertido. Para tirarmos esta amfibologia
devia dizer-se a Batto, como „A Polydoro mata elRei
Treïcio.‟ (Lusiada.) (*)112115

3. Quando não se entende bem, a quem modificão
as incidentes pelo articular que, ou quem, qual, e
onde ; havendo dois nomes antecedentes : v. g. „João
Antipapa com Pedro Diácono, a quem o Povo perseguio
por haver usurpado &c.‟ Parece á primeira, que
a quem se refere a Pedro, por estar mais proximo. (V.
Ulissea, C. 2. est. 7.) (**)113

4. Quando não apparece a quem se referem os pronomes,
ou articulares, havendo diversas pessoas, ou
coisas, que podem trazer á memoria : v. g. „Queria
ter comsigo (Lopo Vas de Sampayo) Pero de Faria,
porque era do seu bando, e fora de parecer que elle era
o Governador, sobre elle ter com elle mũitos comprimentos,
sobre os quaes lhe respondeo Eitor da Sylveira,
que bem sabia d'elle a verdade, &c.‟ (Couto, D.
4. L. 2. c. 8
.)

5. Quando os participios, e adjectivos podem referir
se a nomes, a que não pertencem : v. g. „Corneille
é de opinião contraria, talvez por ter dado
ao publico o seu Polieutes, antes de ter lido Aristoteles,
apoyado em Minturno :‟ apoyado parece pertencer
a Aristoteles a quem ignorar, quanto precedeu
Aristoteles a Minturno. „E por sentença de Platão
foi o mesmo Homero, escrevendo da Republica,
degradado da sua Cidade :‟ onde escrevendo parece
modificar a Homero. (Pinto Per. Prol.) Estes dois vicios
116nascem das más construcções, e são Anfibologias.

6. O Barbarismo, ou Estrangeirismo, consiste no uso
de palavras estrangeiras, e frases compostas com Sintaxe
estrangeira, ou collocação tal : v. g. deu as penas,
por foi castigado, que é um Latinismo ; porque
dar penas em Portugues é causá-las, impô-las. „Proveu
a natureza, que o corpo não fizesse mũito negocio ao
homem (b)114 :.‟ é outro Latinismo, por, désse pejo,
incommodo : dar lugar aos bens ; por, fazer cessão de
bens (mal traduzido de cedere bonis). „Todos viemos
em as hortas de Decio Bruto :‟ por, ás hortas.
Na construcção : „Isto tive da amizade, que vos dicesse
Remedio da, que já se perdia, paz no
mundo : Dá-nos Senhor aquella, de que necessitamos,
paz.‟ (Barros, Gram.)

7. O Solecismo é qualquer outra offensa, ou erro
contra as regras das declinações dos casos dos pronomes,
das concordancias, das preposições mal usadas :
v. g. „a Nação se tem dignado em acolher : misturar
ossos a ossos : &c.‟ de que tenho apontado assás d'exemplos.
Concluirei a proposito notando, que hoje
seria um Solecismo supprir os tempos compostos dos
verbos, com participios passivos, em vez dos supinos.
Os nossos Autores classicos mũitas vezes os confundirão
dizendo : v. g. „Tinhão uns vendidas, e deixadas,
outros trocadas as armas pela mercancia, e posto
a fortaleza
naquelle estado.‟ (Lucena, folio 375.
col. 1
.) „Depois que tivesse vista a Rainha ; e depois
de a ter visto.‟ (A. Pinto Pereira, L. 1. c. 19.)
„Não tem elRei meu Senhor ganhadas as Indias, e
quantos Reinos tem ganhado.‟ (Comment. D'Albuq. P.
1. c. 60
) Hoje compomos os tempos complexos com
os supinos, que são nomes verbáes invariaveis : v. g.
tinhão vendido, deixado, trocado as armas : depois que
117tivesse visto a Rainha : tem ganhado as Indias : &c. Só
usamos dos participios, quando não queremos significar
o complemento da acção verbal, mas queremos
qualificar a coisa, que possuimos, ou temos : v. g. tenho
ainda as armas compradas para aquella occasião ;
tenho feito (acabei) duas moradas de casas ; tenho
(possuo) duas moradas de casas feitas, e acabadas,
por mim, ou por outrem (c)115 : „arrependia-se de ser
saïda
do Castello (Men. e Moça, L. 2. c. 28.) :‟
118cõ os verbos ter, ou haver diriamos : „ella se arrependia
de ter saido &c.‟ (d)116

8. A Composição é viciosa por concurso de sons em
palavras, que dão sentido torpe, ao que chamão cacofonia,
ou máo som : v. g. „qu'olhões tamanhos tem
aquella lebre (Barros, Gram. f. 168.) :‟ a isto chamárão
os nossos bons Autores caçafatão. „Se m'amas,
amigo.‟ (Ferr. Eleg. 5.)

9. Viciamos tambem as dicções nos tons das vogáes,
ou seus accentos : v. g. emúlos por èmulos, intrepído
por intrépido, esplendído or esplèndido, &c.
(Leão, Ortogr.) más conjunção por mas com a mudo,
&c.

Capitulo IV.
Dos Sináes Ortograficos, e da Pontuação.

1. A Ortografia ensina as regras de escrever
bem, isto é, de representar aos olhos
os sons com lettras distinctas, e cada uma para seu
som proprio, e que não sirva juntamente de sinal de
dois sons. Disto já dice no principio o qu basta para
um Resumo Grammatical.

Temos mais alguns sináes ortograficos dos tons
das vogáes em cada palavra, que já apontei no principio
119d'esta Grammatica ; chamão-lhes accentos prosodicos
(`) grave ; (´) agudo. (a)117

2. Os Accentos oratorios, ou os tons da voz, com
que se proferem as sentenças : notão se com ( !) as
sentenças admirativas ; v. g. ¡ ó milagre estupendo !
Para as interrogativas temos ( ?) v. g. ¿ Quem foi ?
¿ Quem o viu ?

3. Quando se supprime uma vogal usamos de (')
v. g. d'o, d'as, ‘no, ‘nas, e não n'o, n'a ; porque o
que se supprime é a preposição em, e onde falta a vogal,
aí deve ir o sinal : v. g. c'o homem, por com
o
 ; chama se a isto (') sinalefa.

4. O Parentesis ( ) inclue uma sentença inteira,
que corta outra, não tendo dependencia uma da outra
para o sentido : v. g. ¿ E se a contecer essa desgraça,
(de que Deus vos livre) que será de vós ?

5. O sinal de divisão das palavras é (-) v. g. áspero,
Pro-consul, sem-sabor. (b)118120

6. Os Apices (¨) sobre duas vogáes indicão, que
não são ditongadas : v. g. saüde, que se hade ler sa-u-de ;
ferïa de ferir, e diverso de féria. Outros notão
estas differenças com o accento : v. g. saúde, fería,
féria.

7. A Virgulas (,) que aparta os adjectivos unidos por
conjuncções, as frases incisas atadas por ellas : v. g.
homem douto, virtuoso, e amavel ; viu, e leu mũito ;
dice-o, para ouvir o que me dizias
 ; as incidentes : v. g.
João, que é meu amigo, veyo aqui.‟

8. O ponto e virgula ( ;) que aparta os sentidos perfeitos
com dependencia de outros : v. g. dice, que viria
a manham, e que praticaria nisso ; mas que em tanto
&c. isto mesmo se nota talvez com dois pontos ( :)
Direi a Deus : Não me condemneis, Senhor.

9. O ponto só (.) que indica sentença acabada,
e sem dependencia de outra : v. g. Creou Deus o Ceo,
e a Terra. A Raïnha N. S. fundou a Academia Real das
Sciencias de Lisboa.121

Taboas
Das Conjugações dos Verbos Auxiliares.

Ser | Estar | Ter | Haver.

Modos Indicativos.

Variações simples do Presente.

Pessoas do numero singular.
1. Eu Sou | Estou | Tenho | Hei
2. Tu Es (1)119 | Estás | Tens, Tẽes, | Has
3. Elle É ou He (2)120 | Está | Tem, | Tẽe (3)121 Ha (4)122

Pessoas do numero plural.
1. Nós Somos | Estamos | Temos | Havemos, | Hemos antiq.
2. Vós Sois | Estais | Tendes | Haveis, | Heis, antiq.
3. Elles São | Estão | Tem, | Tẽem | Hão122

Variações simples do Passado.

Singular.
1. Eu Fui | Estive | Tive | Houve
2. Tu Foste | Estiveste | Tiveste | Houvéste
3. Elle Foi | Esteve | Teve | Houve

Plural.
1. Nós Fomos | Estivemos | Tivemos | Houvemos
2. Vós Fostes | Estivestes | Tivestes | Houvestes
3. Elles Forão | Estiverão | Tiverão | Houverão

Variações simples do Futuro.

Singular.
1. Eu Serei | Estarei | Terei | Haverei.
2. Tu Serás | Estarás | Terás | Haverás
3. Elle Será | Estará | Terá | Haverá

Plural.
1. Nós Seremos | Estaremos | Teremos | Haveremos
2. Vós Sereis | Estareis | Tereis | Haverèis
3. Elles Serão | Estarão | Terão | Haverão

Variações simples relativas

Do Presente, e do Passado.

Singular.
1. Eu Éra | Estáva | Tínha | Havía
2. Tu Éras | Estávas | Tínhas | Havías
3. Elle Éra | Estáva | Tínha | Havía

Plural
1. Nós Éramos | Estávamos | Tínhamos | Havíamos
2. Vós Éreis | Estáveis | Tínheis | Havíeis (5)123
3. Elles Érão | Estávão | Tínhão | Havíão123

Do Passado em época passada.

Singular.
1. Eu Fòra | Estivéra | Tivéra | Houvéra
2. Tu Fòras | Estivéras | Tivéras | Houvéras
3. Elle Fòra | Estivéra | Tivéra | Houvéra

Plural
1. Nós Fòramos | Estivéramos | Tivéramos | Houvéramos
2. Vós | Fòreis | Estivéreis | Tivéreis | Houvéreis
3. Elles Fòrão | Estivèrão | Tivérão | Houvérão

Do Futuro relativo ao Presente, e ao Passado, que denota
incerteza, ou aproximação.

Singular.
1. Eu Sería | Estaría | Tería | Haveria
2. Tu Serías | Estarías | Terías | Haverías
3. Elle Sería | Estaría | Tería | Havería

Plural
1. Nós Seríamos | Estaríamos | Teríamos | Haveríamos
2. Vós Seríeis | Estaríeis | Teríeis | Haveríeis
3. Elles Seríão | Estarião | Teríão | Haveríão

As variações compostas do Modo Indicativo formão
se com os verbos auxiliares, e os gerundios, para
indicar o attributo verbal actual, imperfeito : v. g. Estou
Lendo, Estive Lendo, Estarei Lendo, Estava Lendo, Estivera
Lendo, Estaria Lendo
. As que representão o attributo,
ou acção do verbo como perfeita, e acabada, compõem
se dos auxiliares Ter, Haver, com os Supinos : v. g. Tenho
Lido, Tive Lido, Tivera Lido
, ou Hei Lido, Houvéra
Lido, Haverei Lido
, &c. As mesmas variações perfeitas do
verbo auzxiliar Ter se formão com as simples suas, ou
do verbo Hei : v. g. Eu hei tido, ou tenho tido ; eu
houvera tido ; eu houve comido ; eu houvera tido, lido,
comido
 ; &c. Haverei Sido, Terei Sido, Estado, Tido,
124Lido, &c. Hei de ser, Havia, Tinha de ser, &c. são de
Futuro. (6)124

Modos Imperativos.

Singular.
2. tu | Está tu | Tem tu | Ha tu (Have antiq.)

Plural.
2. Sede vós | Estái vós | Ténde vós | Havei vós

Modos Subjunctivos

De Futuro a respeito do Presente, e ainda do Passado. (7)125

Singular.
1. Eu Sèja | Estèja (8)126 | Tènha | Haja
2. Tu Sèjas | Estèjas | Tènhas | Hajas
3. Elle Sèja | Estèja | Tènha | Haja

Plural.
1. Nós Sejàmos | Estejàmos | Tenhàmos | Hajàmos
2. Vós Sejáis | Estejáis | Tenhais | Hajáis
3. Elles Sèjão | Estèjão | Tènhão | Hájão125

De Futuro a respeito do Passado.

Singular.
1. Eu Fòsse | Estivésse | Tivésse | Houvésse.
2. Tu Fòsses | Estivésses | Tivésses | Houvésses.
3. Elle Fòsse | Estivésse | Tivésse | Houvésse.

Plural.
1. Nós Fòssemos | Estivéssemos | Tivéssemos | Houvéssemos.
2. Vós Fòsseis | Estivésseis | Tivésseis | Houvésseis.
3. Elles Fòssem | Estivéssem | Tivéssem | Houvéssem.

De Futuros do Subjunctivo.

Singular.
1. Eu Fòr | Estivér | Tivér | Houvér
2. Tu Fòres | Estivér | es | Tivéres | Houvéres
3. Elle Fòr | Estivér | Tivér | Houvér

Plural
1. Nós Fòrmos | Estivérmos | Tivérmos | Houvérmos
2. Vós Fòrdes | Estivér | des | Tivérdes | Houvérdes
3. Elles Fòrem | Estivér | em | Tivérem | Houvérem

Neste modo Subjunctivo tambem combinamos
os Auxiliares com os Gerundios, e Supinos, para indicar
o estado imperfeito : v.g. que eu esteja sendo, lendo,
ouvindo
 ; ou estivesse sendo, lendo, ouvindo ; estiver
lendo, ouvindo
 ; e para indicar o estado perfeito dos
Auxiliares Ter, Haver ; v. g. que eu tenha, ou haja
estado, sido, tido, lido, ouvido
 ; se eu tivesse, ou houvesse
sido, tido, lido, ouvido
 ; quando eu tiver sido,
houver tido, lido, ouvido
.

Modos Infinitivos

Impessoaes, e sem relação a época alguma.

Ser | Estar | Ter | Haver

Singular. | Pessoáes.
1. Ser eu | Estár eu | Ter eu | Havèr eu
1262. Seres tu | Estáres tu | Tères tu | Havères tu
3. Ser elle | Estár elle | Ter elle | Havèr elle

Plural.
1. Sermos nós | Estármos nós | Tèrmos nós | Havèrmos nós
2. Serdes vós | Estárdes vós | Tèrdes vós | Havèrdes vós
3. Serem elles | Estárem elles | Tèrem elles | Haverem elles

Supinos e Participios do Passado.

Sido Estado Tido Havido. Sido não é participio,
pois Ser nunca foi passivo, ainda que digamos
seja-se designando espontaneidade de ser tal, ou tal.

Gerundios, e Participios do Presente.

Sendo | Estando | Tendo | Havendo (9)127127

Exemplos

Das Quatro Conjugações Regulares em Ar, Er,
Ir, Or, (1)128

Variações simples absolutas dos Modos Indicativos,

Do Presente.

Singular.
Eu Amo | Defendo | Appláudo | Pònho
Tu Amas | Defendes | Appláudes | Põis, ou Pões
Elle Ama | Defende | Appláude | Põi, ou Põe

Plural
Nós Amàmos | Defendèmos | Applaudímos | Pomos
Vós Amais | Defendeis | Applaudís | Pondes
Elles Amão | Defendem | Applaudem | Põem

Do Passado.

Singular.
Eu Amèi | Defendí | Applaudí | Púz
Tu Amáste | Defendèste | Applaudiste | Pozéste
Elle Amòu | Defendèu | Applaudíu | Pòz

Plural
Nós Amámos | Defendémos | Applaudímos | Pozémos
Vós Amástes | Defendèstes | Applaudístes | Pozéstes
Elles Amárão | Defendèrão | Applaudírão | Pozérão

Escrevo Põis, Põi, Pozeste, Pozémos, Pozestes,
Pozérão
, por serem mais análogos ao Latim Ponis,
Ponit, Posuisti, Posuimus
, &c. e assim se pronuncião
como os escrevi : outros escrevem Puzeste, Puzémos,
128&c. com u mudo, por o mudo. Lus. 8. 70. proposerão, opposerão.

Do Futuro.

Singular.
Eu Amarèi | Defenderèi | Applaudirèi | Porèi
Tu Amarás | Defenderás | Applaudirás | Porás
Elle Amará | Defenderá | Applaudirá | Porá

Plural
Nós Amarèmos | Defenderèmos | Applaudirèmos | Porèmos
Vós Amarèis | Defenderèis | Applaudirèis | Porèis
Elles Amarão | Defenderão | Applaudirão | Porão

Variações simples relativas do Indicativo

Do Presente a respeito de uma época passada.

Singular.
Eu Amáva | Defendía | Applaudía | Púnha
Tu Amávas | Defendías | Applaudías | Púnhas
Elle Amáva | Defendía | Applaudía | Púnha

Plural
Nós Amávamos | Defendíamos | Applaudíamos | Púnhamos
Vós Amáveis | Defendíeis | Applaudíeis | Púnheis
Elles Amávão | Defendíão | Applaudíão | Púnhão

Do Passado em época passada.

Singular.
Eu Amára | Defendèra | Applaudíra | Pozéra
Tu Amáras | Defendèras | Applaudíras | Pozéras
Elle Amára | Defendèra | Applaudíra | Pozéra

Plural
Nós Amáramos | Defendèramos | Applaudíramos | Pozéramos
Vós Amáreis | Defendèreis | Applaudíreis | Pozéreis
Elles Amárão | Defendèrão | Applaudírão | Pozérão

Os Antigos dicerão Amárom, Defendèrom, Applaudirom,
&c. e antes Amarum, Ficarum, &c do Latim
amarunt por amaverunt ; os Francezes mudando o um
em om, derão as desinencias em om. V. Elucidario, Art.
129Babilon, T. 1. pag. 165. col. 1. Duarte Nunes, Orig. c.
19
. adverte bem, que os futuros em ei, farei, amarei,
&c. e os em ïa, amaria, leria, são os Infinitos compostos
com hei de haver ; e os em ïa do imperfeito de ir ;
eu amaria, i.é, eu ïa amar, ou hia por havia.

Do Futuro a respeito do Presente e do Passado, designando
incerteza, possibilidade. (a)129

Singular.
Eu Amaría | Defendería | Applaudiría | Poría
Tu Amarías | Defenderías | Applaudirías | Porías
Elle Amaría | Defendería | Applaudiría | Poría

Plural
Nós Amaríamos | Defenderíamos | Applaudiríamos | Poríamos
Vós Amaríeis | Defenderíeis | Applaudiríeis | Poríeis
Elles Amaríão | Defenderíão | Applaudiríão | Poríão

Os tempos imperfeitos se formão com o Auxiliar
Estar, e com os participios, ou gerundios : v. g. Estou, Estive,
Estarèi, Estáva, Estivéra, Estaría amando, defendendo
,
&c.

Os tempos perfeitos compõem-se dos Auxiliares Ter
ou Haver com o supino : v. g. Hei ou Tenho lido, Houve
lido, Haverei
ou Terei lido ; Havia, ou Tinha lido,
Houvera
ou Tivera lido, Teria lido, &c.130

Modos Imperativos.

Singular.
Áma tu | Defènde tu | Appláude tu | Põi tu, ou Põe

Plural.
Amái vós. | Defendéi vos | Applaudí vós (3)130 | Pónde vós

Modos Subjunctivos. (4)131

Singular.
Eu Áme | Defènda | Appláuda | Ponha
Tu Ámes | Defèndas | Appláudas | Ponhas
Elle Áme | Defènda | Appláuda | Ponha

Plural
Nós Amèmos | Defendàmos | Applaudàmos | Ponhàmos
Vós Amèis | Defendáis | Applaudáis | Ponhais
Elles Amem | Defèndão | Appláudão | Ponhão

Singular.
Eu Amásse | Defendèsse | Applaudísse | Pozésse
Tu Amásses | Defendèsses | Applaudísses | Pozésses
Elle Amásse | Defendèsse | Applaudísse | Pozésse

Plural
Nós Amássemos | Defendèssemos | Applaudíssemos | Pozéssemos
Vós Amásseis | Defendèsseis | Applaudísseis | Pozésseis
Elles Amássem | Defendèssem | Applaudíssem | Pozéssem131

N. B. O uso destas variações fica explicado nos
Subjunctivos dos Verbos Auxiliares, a pag. 125. nota (7).

Futuros do Subjunctivo.

Singular.
Eu Amár | Defendèr | Applaudír | Pozér
Tu Amáres | Defendères | Applaudíres | Pozéres
Elle Amár | Defendèr | Applaudír | Pozér

Plural
Nós Amármos | Defendèrmos | Applaudírmos | Pozérmos
Vós Amárdes | Defendèrdes | Applaudírdes | Pozérdes
Elles Amárem | Defendèrem | Applaudírem | Pozérem

Nestes Subjunctivos compomos o Auxiliar Esteja
Subjunctivo com os gerundios, ou participios do presente
para denotar a imperfeição da acção : v. g. que eu
esteja ou estivesse amando, lendo, ouvindo : e dos Auxiliares
Tenha, Haja, Tivesse, Houvesse com os supinos
para designar o complemento da acção, ou do
attributo verbal : v. g. que eu haja ou tenha lido ; se
eu houvesse ou tivesse lido (5)132 ; se eu estiver lendo ;
quando eu houver ou tiver lido, &c.

Infinitivos puros.

Amar | Defender | Applaudir | Pòr132

Infinitivos Pessoáes são como os futuros dos Subjunctivos,
Amar, Amáres, &c. Defender, Defendères, &c.
Applaudír, Applaudíres, &c. Os do verbo Pòr e derivados
são assim : Pòr eu, Pòres tu, Pòr elle, Pòrmos
nós, Pòrdes vós, Pòrem elles.

Supinos e Participios do Passado.

Amádo | Defendído | Applaudído | Pòsto

Gerundios, e Participios do Presente.

Amàndo | Defendèndo | Applaudíndo | Pòndo

Dos Verbos Irregulares,
que tem o Infinitivo em ar.

Estar já vai na Taboa dos verbos Auxiliares ; seguem-no
seus derivados, Constar, Prestar, Sobreestar,
(e não substar como diz o vulgo).

Dar : Presente do Indicativo Dou, Das, &c. como
Estou, Estás, &c. Dava, Davas, &c. como Estava, Estavas,
&c. Passado Dèi, Déste, Deu, Démos, Déstes,
Dérão
. Passado relativo ao passado Déra, Déras, &c.
como Defendèra, Defendèras, &c. Subjunctivo Eu ,
Tu Dès, Elle , Nós Dèmos, Vòs Deis, Elles Dem.
Eu Désse, Tu Désses ; como Eu Defendesse, Tu Defendesses,
&c.

Os verbos em car mudão o c em qu antes de e :
v. g. Busquei, Toquei, Busque, Toque, &c. Tambem
os verbos em gar, tem u depois do g, quando se segue
e : v. g. joguei, folguei. Estas duas irregularidades
nascem dos diversos sons, que dão a g, e c antes de
a o u e i, e da má Ortografia que adoptámos.

Supinos e Participios dos verbos em ar.

Annexado | de Annexar | Annexo, adj. anda annexo ; foi
annexado ; já foi annexa
de outros predios
.133

Captivado | de Captivar | Captivo adj.

Cegado | Cegar | Cego, adj. cegado o fosse com
fachina
, partic.

Descalçado | Descalçar | Descalço : v. g. tendo descalçado
os sapatos ; estou descalço
.

Entregado | Entregar | Entregue ; e entregado á morte.
(Lusiada, 3.)

Enxugado | Enxugar | Enxuto ; está enxuto ; tem enxugado
bons cópos
.

Escusado | Escusar | Escuso | ; foi, ou Escusado : foi escuso
do serviço ; foi
trabalho escusado, baldado,
desnecessario ;
despesas--.

Exceptuado | Esceptuar | Excepto (6)133.

Expressado | Expressar | Expresso : a sua vontade é expressa ;
e foi expressada
bem energicamente : é
decisão expressa da Lei
.

Expulsado | Expulsar | Expulso.

Fartado | Fartar | Farto.

Infestado | Infestar | Infestado : a terra anda infestada
de ladrões ; homens infestos
ao nome Christão ;
os mares infestados de
Cossairos.

Inquietado | Inquietar | Inquieto é adj. tem inquietado ; e
tras inquietos.

Isentado | Isentar | Isento.

Juntado | Juntar | Junto : se tinhão junto mũitos varões
em Veneza. (Severim,
Notic
.)

Limpado | Limpar | Limpo é adjectivo.

Manifestado | Manifestar | Manifestado, e Manifesto, v.
134g. a Lei de Deos foi manifestada a todos pelos
Apostolos : este principio de moral é claro,
e manifesto : todas essas razões me forão manifestadas
por vós mesmo, e já me erão manifestas
pela minha reflexão, e por outras
averiguações.

Matado | de Matar ? dizem : a peste tem morto mũita gente ;
João foi morto na briga ; depois de haver
morrido
, ou ser morta mũita gente. Morrido
participio não se diz : v. g. estou morrido ;
mas morto.

Molestado | Molestar | Molestado participio usual, ou
molesto : v. g. está molesto de cama ;
tem um braço molestado da queda.
„déste causa á molesta
morte sua.‟

Occultado | Occultar | Occulto.

Pagado | Pagar | Pagado, e Pago : as dividas estão
pagas : dos enganos de Amor tão
pagado ; satisfeito, contente : remunerado.
Lusiada, 10.

Professado | Professar | Professado : a Religião Christã professada
em toda a Europa : cavalleiro,
frade professo : tem professado
mũitos noviços, ativa, e
neutramente. (7)134

Quietado | Quietar | Quieto : Quedo é de Quedar, antiq.

Salvado | Salvar | Salvo.

Seccado | Seccar | Secco.135

Segurado | de Segurar | Seguro ; e Segurado, que fez assegurar
o navio, &c.

Sepultado | Sepultar | (Insepulto) foi sepultado.

Soltado | Soltar | Solto.

Suspeitado | Suspeitar | Suspeitado : estar a tenção suspeitada,
differe da tensão, ou voto
suspeito : lugar suspeito, homem
suspeito
 ; de que se tem suspeita,
duvida, desconfiança, receyo.

Vagado | Vagar | Vago : está vago o officio ; tem
vagado mũitos beneficios.

Affecto, e Grato, Promto, Rapto, não se derivão
de Verbos Portuguezes, e assim Ignoto, e Misto ; mas
são adjectivos : este sujeito me é mal affecto ; pouco grato ;
estar promto ; sujeito promto ; estava rapto
 ; naquelle
rapto ; rapto movimento (Lusiada) ; causas ignotas ; palavras
mistas
de Latim, e Portuguez : Murcho é adjectivo ;
Murchado participio. „o cheiro traz perdido, a
côr murchada.‟ (Lusiada, 3.) A flor está murcha ; anda
tão triste, e tão murcho.136

Dos Verbos Irregulares, que tem os Infinitivos em er.

Variações do Modo Indicativo de
Fazer | Ver | Querer | Saber | Trazer | Valer | Poder | Dizer | Ler e | Crer.

Presentes absolutos.

Eu Fáço | Véjo | Quéro | Sei | Trágo | Válho | Pósso | Dígo | Lèyo
Tu Fázes | Vès | Quéres | Sábes | Trázes | Váles | Pódes | Dízes | Lès
Elle Fáz | Vè | Quér (1)135. | Sábe | Tráz | Vále, e Vál | Póde | Díz | Lè
Nós Fazèmos | Vèmos | Querèmos | Sabèmos | Trazèmos | Valèmos | Podèmos | Dizèmos | Lèmos
Vós Fazèis | Vèdes | Querèis | Sabèis | Trazèis | Valeis | Podèis | Dizèis | Lèdes
Elles FázemVèm (2)136 | Quérem | Sábem | Trázem | Válem | Pódem | Dizem | Lèm

Passados absolutos.

Eu Fiz | Ví | Quíz | Sòube | Tròuxe | Valí | Púde | Díce | Li
Tu Fizéste | Víste | Quizéste | Soubéste | Trouxéste | Valèste | Podéste (3)137 | Dicéste | Lèste
137Elle Fèz | Víu | Quiz | Sòube | Trouxe | Valèu | Pòde | Dice | Lèu
Nós Fizémos | Vímos | Quizémos | Soubémos | Trouxémos | Valémos | Podémos | Dicémos | Lèmos
Vós Fizéstes | Vístes | Quizéstes | Soubéstes | Trouxéstes | Valèstes | Podéstes | Dicéstes | Lèstes
Elles Fizérão | Vírão | Quizérão | Soubérão | Trouxérão | Valèrão | Poderão | Dicérão | Lèrão

Futuros absolutos

Eu Farèi | Verèi | Quererèi | Saberèi | Trarèi | Valerèi | Poderèi | Dirèi | Lerèi
Tu Farás | Verás | Quererás | Saberás | Trarás | Valerás | Poderás | Dirás | Lerás
Elle Fará | Verá | Quererá | Saberá | Trará | Valerá | Poderá | Dirá | Lerá
Nós Farèmos | Verèmos | Quereremos | Saberèmos | Trarèmos | Valerèmos | Poderèmos | Dirèmos | Lerèmos
Vós Farèis | Verèis | Quererèis | Saberèis | Trarèis | Varelèis | Poderèis | Dirèis | Lerèis
Elles Farão | Verão | Quererão | Saberão | Trarão | Valerão | Poderão | Dirão | Lerão

Presentes relativos ao Passado.

Fazía | Vía | Quería | Sabía | Trazía | Valía | Podía | Dizia | Lía, | Cria (4)138
São regulares, como Defend-ia, -ias, -ia, -iamos, -ieis, -ião.

Passados relativos ao Passado.

Fizéra, Quizéra, Soubéra, Trouxéra, Valèra, Podéra, Dicéra, Lèra, Crèra, são regulares, como
Defendèra, -èras, &c. com a differença dos accentos nos ee.

Víra, Víras, Víra, como Applaudira, -iras, &c.138

Futuros relativos ao presente, e ao passado.

Faría ; como Amaria, &c. / Traria ; como Amaría, &c. / Diría ; como Applaudiria, Applaudirias, &c.
Veria, Quereria, Saberia, Valeria, Poderia, Lería, são regulares
como Defend-eria, -erias, &c.

Imperativos.

Sing. | Faze tu, tu, Quére tu, Sábe tu, Tráze, Vále, Póde, Díze, Lè, Crè.
Plur. | Fazei vós, Vède, Querei, Sabèi, Trazèi, Valèi, Podèi, Dizèi, Lède, Crède.

Subjunctivos.

Eu Fáça, Vèla, Quèira, Trága, Válha, Póssa, Díga, Leya, Crèya.
As mais variações são regulares, como Defend-a, -as, -a, -amos, -ais, -ão.

Eu Fiz-ésse, Quiz-esse, Soubésse, Trouxésse, Valèsse, Podésse, Dicésse, Lèsse, Cresse.
As mais variações são regulares, como Defend-èsse, -èsses, -èsse, -èssemos, -èsseis,
-èssem (*)139. Visse, visses, &c. como Applaudísse, -ísses, -ísse, -íssemos, -ísseis, -íssem.139

Eu Fizér, Quizér, Soubér, Trouxér, Valèr, Podér,
Dicér, Lèr, Crèr
 : as mais variações são regulares,
como Defend-er, -eres, -er, -ermos, -erdes, -erem.
Vir, -vires
, &c. como Applaudir, -ires, -ir, -irmos,
-irdes, -irem
.

Os Infinitos puros ficão apontados. Os Infinitos
Pessoáes são como os do regular Defender, -eres,
-er, -ermos, -erdes, -erem
.

Os Gerundios, e Participios do presente em endo ;
Fazendo, Vendo, Querendo, Sabendo, &c.

Os Supinos, e Participios do passado em ido ;
menos os irregulares, que vão na Taboa seguinte. (5)140

Supinos e Participios differentes, dos verbos que
tem os Infinitivos em er.

De | Sup. | Part.

Absolver | Absolvido | -ido. Absolto de culpa e pena :
é homem absoluto ; que não respeita superior.
Absoluto, it. Absolvido (Freire) : assolto
(Souza).

Absorver | Absorvido | Renda, acido absorvido ; a alma
absorta em Deus : absorto nas ondas :
absorto em contemplação.

Accender | Accendido | Acceso os brados accendidos,
part. (6)141140

Agradecer | Agradecido | -ido : animo grato, por
agradecido no sent. Activo.

Apprazer | Apprazido | -ido.

Attender | Attendido | -ido : it. Attento : v. g. attentas
as razões, part.

Caber | Cabido | -ido.

Conhecer | Conhecido | -ido.

Convencer | Convencido | -ido : convicto, part. p. us.

Converter | Convertido | -ido : dizemos porém irmão
converso
.

Corromper | Corrompido | -ido : e talvez corrupto. V.
o Diccionario.

Defender | Defendido | -ido : Defeso, prohibido :
v. g. portos defesos, fazendas defesas.

Eleger | Elegido | Eleito :os Antigos dicerão elegido,
no participio.

Encender | Encendido | -ido.

Envolver | Envolvido | Envolto : it. envolvido na desgraça :
embrião envolto nas tunicas ; corpo
envolto
em carnes ; voz envolta em choro.

Escrever | Escripto | o mesmo : escrevido é antiq.

Estender | Estendido | o mesmo : estenso é adj. ou extenso.

Haver | Havido | o mesmo.

Jazer | Jazido | carece.

Incorrer | Incorrido | o mesmo ; e tambem incurso. V.
o Diccion. art. Incorrido.

Interromper | Interrompido | Interrupto ; p. us.

Nascer | Nascido | -ido : nado é antiq.

Morrer | Morrido : Morto : morto tambem é Supino : v.
g. „Lembre-vos quem tendes morto :‟ que
mais propriamente é de matar : morrido nunca
é participio, poisque não dizemos sou,
nem estou morrido, ainda que digamos c'o
Supino : tem morrido mũita gente.141

Prender | Prendido | Preso.

Preverter | Prevertido | Prevertido : dizemos
tambem no part. homens, e costumes preversos, ou
perversos.

Querer | Querido, Sup. e Partic. it o part. quisto :
bem ou mal quisto : é querido, e amado de
todos.

Resolver | Resolvido | Resolvido : dizemos porém :
é homem resoluto ; já vinha resoluto a fazer
isso ; resolutos neste pensamento.

Romper | Rompido | Roto tambem é partic. e sup.
o roto alumno ; as rotas velas ; vão rotos os
Reis
de Sevilha e Granada : tem roto, e
destroçado. Supin. (Lusiada, Canto 8.)

Saber | Sabido | o mesmo ; e como adj. homem sabido,
e resabido.

Ser | Sido : | não tem partic. nunca se dice é, ou
está sido.

Suspender | Suspendido, sup. e part. Suspenso no fig. estar
suspenso, ficar suspenso
 : como sup. os Bispos
que tinha suspensos, p. us (Cron. Cister,
L. 6. c. 10
.) Suspendido, pendurado.

Ter | Tido, sup. e part.

Torcer | Torcido : | Torto, part. it. os olhos, as vistas
torcidas, olhos tortos ; torto de olhos
e pés ; a linha, a regua torta, ou torcida.

Os Verbos derivados conjugão se como as suas
raizes : v. g. Desfazer, Reler, como Fazer, e Ler. Prover
como ver, e assim se deve dizer Proveja, Provejas,
&c. no Subj. como Veja, Vejas, &c. Pròva, Pròvas,
no Subj. são erros do vulgo. V. o Dicc. art. Prover. „Por
tanto Senhor proveja, que eu desembargado seja.‟
Cam. Redond. e Lus. 1. 55. e do mais necessario vos
proveja Tal é o uso classico.

Eleger, Reger, mudão o g em j antes de a e de
o : Eleja, Reja, como Veja, &c. Jazer, eu Jaço ; Subjunct.
Elle jaça, ou jaza, como hoje dizem : Jouve,
Jouvéra, Jouvesse
, pouc. us. Jazi, Jazeste, Jazeu, Jazeria,
e Jazémos, por Jouve, Jouveste, Jouvémos, dizem
agora.142

Dos Verbos Irregulares, que tem os Infinitivos em ir.

Ir | Vir | Pedir (1)142 | Induzir | Servir | Subir | Saïr

Indicativos.

Presentes.

Eu Vou | Venho | Peço | Induzo | Sirvo | Subo | Sayo
Tu Váis | Vẽis (2)143 | Pedes | Induzes | Serves | Sobes | Sáis
Elle Vai | Vẽi | Pede | Induz (3)144 | Serve (4)145 | Sobe | Sai
Nós Vamos (5)146 | Vimos | Pedimos | Induzimos | Servimos | Subimos | Saïmos
Vós Ides (6)147 | Vindes | Pedis | Induzis | Servis | Subis | Saïs
Elles Vão | Vẽi ou Vem | Pedem | Induzem | Servem | sobem | Sayem143

Passados

Eu Fui | Vim | Pedi | Induzi | Servi | Subi | Saï
Tu Foste | Vieste | Pediste | Induziste | Serviste | Subiste | Saïste
Elle Foi | Veyo | Pediu | Induziu | Serviu | Subiu | Saiu
Nós Fomos | Viemos | Pedímos | Induzímos | Servímos | Subímos | Saïmos
Vós Fostes | Viestes | Pedistes | Induzistes | Servistes | Subistes | Saïstes
Elles Forão | Vierão | Pedirão | Induzírão | Servírão | Subírão | Saïrão

Futuros.

Eu Irei | Virei | Pedirei | Induzirei | Servirei | Subirei | Saïrei
Tu Irás | Virás | Pedirás | Induzirás | Servirás | Subirás | Saïrás
Elle Irá | Virá | Pedirá | Induzirá | Servirá | Subirá | Saïrá
Nós Iremos | Viremos | Pediremos | Induziremos | Serviremos | Subiremos | Saïremos
&c. como Serei, Applaudirei, -ás, -á, èmos, -èis, -ão.

Presentes do Passado.

Eu ia (7)148 | Vinha, &c. como Tinha, Tinhas, &c. | Pedia, &c. como ïa, ïas, &c. | Induzia, &c. como ïa, ïas, &c. | Servia, &c. como ïa, ïas, &c. | Subia, &c. como ïa, ïas, &c. | Saïa, &c. como ïa, ïas, &c.
Tu Ias
Elle Ia
Nós Iamos
Vós Ieis
Elles Ião144

Passados do Passado.

Eu Fora, &c. como as do verbo auxiliar Ser.
Viera, &c. como Fizera do verbo Fazer.
Pedira, &c. como Applaudira.
Induzíra, &c. como Applaudira.
Servíra, &c. como Applaudira.
Subíra, &c. como Applaudira.
Saïra, &c. como Applaudira.

Dos Verbos Irregulares, que tem o Infinito em ir.

Futuros relativos ao presente e passado.

Eu Iria | Viria | Pediria | Induziria | Serviria | Subiria | Saïria
as mais variações como Applaud-iria, -irias, -iria, -iriamos, -irieis, -irião.

Modos Imperativos.

Sing. | Vai tu. | Vẽi, ou Vem | Pede | Induze | Serve | Sobe | Sái
Plur. | Ide vós I por ide, antiq. | Vinde | Pedí | Induzí | Serví | Subí | Saí

Modos Subjunctivos.

Eu | Venha | Péça | Induza | Sirva | Suba | Saya
Tu Vás | Venhas | Peças | Induzas | Sirvas | Subas | Sayas
Elle | Venha | Peça | Induza | Sirva | Suba | Saya
155Nós Vamos | Venhamos | Peçamos | Induzamos | Sirvamos | Subamos | Sayamos
Vós Vades | Venhais | Peçais | Induzais | Sirvais | Subais | Sayais
Elles Vão | Venhão | Peção | Induzam | Sirvão | Subão | Sáyão

Eu fosse : as mais pessoas são como as de Fosse do verbo Ser.
Viesse : as mais pessoas como as de Fizesse.
Pedisse Induzisse Servisse Subisse Saisse. As outras pessoas são regulares, como Applau-disse, -isses, -isse, -issemos, -isseis, -issem.

Futuros Simples.

Eu For, &c. como o do vérbo Ser.
Vier, como Fizer.
Pedir Induzir Servir Subir Saïr, como Applaudir, -ires, -ir, -irmos, -irdes, -irem.

Infinitos Puros ficão declarados no começo : os Pessoáes são regulares : Ir, Ires, Ir,
Irmos, Irdes, Irem
, e os mais como este : v. g. Vir, vires, vir, virmos, virdes, virem ; &c.156

Gerundios, e Participios do Presente.

Indo | Vindo | Pedindo | Induzindo | Servindo | Subindo | Saïndo

Supinos e Participios do Passado.

Ido | Vindo (6)149 | Pedido | Induzido | Servido | Subido | Saïdo

Temos mais os Irregulares derivados de Vir, que se conjugão como elle : v. g. Avir, Convir,
Desconvir
, &c.157

M$$$$$ $$$$$ $$$$$ mudando o d em ç, como
Medir $$$$$ $$$$$ Meça, Peça,no Subjunctivo.
$$$$$ $$$$$ $$$$$, Digerir, Ferir, Fregir, Men
$$$$$ $$$$$ $$$$$, Vestir, e seus derivados, conjugão
$$$$$ $$$$$ $$$$$, e mudão o e em i, como Servir : v.
$$$$$ $$$$$, e Advirta, Dispo e Dispa, Digiro e
$$$$$ $$$$$ e Fira, Frijo e Frija, Minto e Minta,
$$$$$ $$$$$, Sinto e Sinta. Os Antigos dicerão Sento,
$$$$$ $$$$$, e consento, &c. Senta por Sinta ; Sigue, Im
$$$$$ por Segue.

$$$$$ Acudir, Bullir, Construïr, Consumir, Cuspir,
Destruir, Engulir, Fugir, Sacudir, Sumir, Tussir
, e
outros conjugão se como Subir, e mudão o u em o,
onde Subir o muda : os Antigos porem dizião Acude,
Construe, Consume, Destrue, Tuge, Sume
, sem mudar
o u em o, como agora geralmente fazemos : „Que fogo
he só que queima e não consume.‟ Camões.

Os Verbos, que tem g antes de i, mudão-no em
j antes de a e e : v. g. Finjo, Dirijo, Finja, Dirija, &c.
Os Compostos do Verbo Pedir, Impedir, Despedir,
tem no presente do Indicativo e Subjunctivo Impido,
Impida, Despido, Despida
 ; ainda que alguns dizem
Despeço, Despeça-se : despida, Subjunctivo, confundir
se-ia com despida, femin. de despido.

Rir ; eu Rio, ou antes Ryo, tu Ris, Elle Ri ; nós
Rimos, vós Rides, elles Rim. Imperativo, Ri tu, Ride
vós. Subjunctivo, Ria, Rias, Ria, Riamos, Riáis,
Rião ; Risse, Risses
, &c. como o regular applaudisse,
-isses, &c. Alguns dizem : elles riem-se, mas rim é
classico, riem analogo a rident, tira o equivoco de
rim verbo com o rim nome.

Supinos, e Participios dos Verbos em ir.

Sup. | Part.

Abrir | Abrido | Aberto : commumente dizem
aberto no Supino. „tem-lhe
aberto os olhos : por ter aberto
a successão, contra as ordens.‟158

Abstrahir | Abstrahido | Abstracto.

Affligir | Affligido | Affligido e Afflicto.

Cobrir | Cobrido | Coberto, e seus derivados ; coberto
or Supino é usual.

Concluir | Concluido | Concluido. Concluso o feito.

Confundir | Confundido | Confundido : Confuso estilo ;
ideyas confusas.

Contrahir | Contrahido | Contrahido : v. g. dividas contrahidas :
contracto por abreviado.

Diffundir | Diffundido | Diffundido : v. g. Luzes diffundidas :
Diffuso estilo.

Dirigir | Dirigido | Dirigido : Directo por direito :
v. g. ordem directa, opposta
a inversa ; por modo directo,
indirecto
.

Distinguir | Distinguido | Distincto : tem se distinguido ; e
mũi distincto o caso
.

Dividir | Dividido | Dividido. Diviso, pouco usado.

Erigir | Erigido | Erigido, e Erecto.

Exhaurir | Exhaurido | Exhaurido, e Exhausto de forças,
de dinheiro : as dilações
estão exhauridas, acabadas ; t.
forense.

Expellir | Expellido | Expulso.

Expremir | Expremido | Expresso.

Extinguir | Extinguido | Extincto.

Extrahir | Extrahido | Extrahido : certidão - ; Extracto
óleo ; os Extractos na Farmacia ;
oiro extrahido ; fazendas extrahidas.

Frigir | Frigido | Frito.

Imprimir | Imprimido é antiquado ; dizemos : „Tem se
Impresso
mũitos Livros : foi o Livro impresso
em Lisboa :‟ chitas impressas ; palavras
impressas
 ; &c.

Incluir | Incluido | Incluido : v. g. ficou incluïdo naquelle
numero, ou conta ; a carta inclusa :
a sentença, que jaz no verso inclusa.‟159

Infundir | Infundido | Infundido, posto de infusão :
ideyas infundidas, infusas ;
sciencia infusa ; luz infusa
.

Inserir | Inserido | Inserto.

Instruir | Instruido | Instruïdo. Instructo, pouco us.
no batalhão instruido, esquadrão — ; apparelhado d'armas,
apercebido.

Opprimir | Opprimido | Opprimido : Oppresso é pouco
usado.

Possuir | Possuïdo | Possuïdo : Possesso do Demonio.

Reprimir | Reprimido, e partic. | Represso, pouco usad.

Submergir | Submergido, e partic. | e Submerso (no figurado) -em vaidade.

Supprimir | Supprimido, e part. it. | Suppresso, pouco usad.

Surgir | Surgido | Surto.

Tingir | Tingido | Tinto : „o rosto tinto do pallòr
da morte
.‟

Mũitos destes participios do Passado usão se tambem
em sentido activo : v. g. Agradecido, o que agradece,
grato. Appressado, Arrecadado, Arriscado, Attrevido,
Attentado ; Bebido
, que bebeu ; Calado, que cala ;
Comido, o que comeu (Davo bem comido, e melhor bebido)
Commungado, o que commungou ; Confiado, Conhecido,
Considerado, Costumado, Desattentado, Desattento,
Desconfiado, Desenganado, Desmayado, Encolhido,
Entendido, Esforçado, Lido, Ousado, Prevenido, Privado,
Recatado, Resabido, Sahido, Sentido, Sobrado,
Valido
, e outros, quando se lhes subentende homem
ou mulher : v. g. „entendida sois Senhora ;‟ i. é, dotada
de entendimento. (V. Leão, Origem, f. 54.) „um
não desenganado
 :‟ homem desenganado, que não engana ;
it. livre do engano, em que estava.

Alem das Conjugações antiquadas, que tenho
apontado, notaremos, que os Antigos terminavão em
ades, edes, mũitas variações – que depois terminarão em
aes, e ee, v. g. buscaes, fazee, e hoje se terminão em
ais, e eis ; v. g. tenhades, por tenhais ; havedes, dedes
160por haveis, deis. Outras vezes terminarão em ais as que
hoje usamos em eis ; v. g. vos tinhais por tinheis (Orden.
Afons. L. 5. T. 56.) : a Arder mudarão o d em c,
Arço, Arça, Mouro
e Moura ou Moira, Morro, e Morra
de Morrer.

Usárão mais Participios de futuro em oiro no
sentido passivo ; v. g. Havedoiro, capaz de haver se, ou
acquirir se, recebendo : Avorrecedoiro, digno de se aborrecer :
Doestadoiro, digno de ser doestado, deshonrado,
ou que deshonra ; v. g. a Sociedade doestadoira dos Judeus :
Penadoiro, digno de ser penado, ou castigado.
(Orden. Afonsinas, freq.)

No mesmo sentido usárão Participios em ondo ;
v. g. bolo recebondo, cavallo recebondo, capaz de se
receber em paga, ou satisfação do que se é obrigado a
pagar, ou ter. (7)150 Miserando, Nefando, são á
imitação dos Participios passivos do futuro da Lingua Latina :
„colhem o mel para os fabricandos favos.‟ p. usado.

Dos Verbos Defectivos.

Feder não tem outras variações, em que entre
o nem a depois do d. Brandir, Compellir, Demollir,
161Discernir, Expellir, Munir, Submergir, só se conjugão
nas variações, em que entra i : v. g. Brandi, Brandiste,
&c. Brandia, -as, &c. Brandíra ; Brandirei ; Brandisse ;
Brandindo. Precaver, e outros, seguem a mesma
anomalia : v. g. Precavi, Precavia ; e Precaverei, Precavesse.
Aprazer tem Apraz, Aprouve, Aprouvéra,
Aprouvesse ; Apprazerá
a Deos, Aprouvermos. Bons autores
dicerão Aprazes, Apravem (8)151, nem ha razão porque
se não diga Aprazerei, Aprazerás, Aprazeremos,
&c. e Apraza no Subjunctivo. Prouve, Prouvesse,
Prouvéra
, não são aféreses de Aprazer, mas variações
do verbo Prazer, de que temos Pras-me (d'onde se
dice o Regio Pras-me), Prazerá ; e os nossos mayores
dicerão, quando não ouvião bem, para lhes repetirem
o dito, Pras-vos ? (como os Francezes dizem Plait-il ?)
Prouve (agradou) a Deus ; Prouvéra, Praza a
Deus
, que assim fosse, ou seja ! „Que prazeria a Deus,
por intercessão do Santo, que ainda aquelle mal se
abrandasse, ou mudasse a bẽe : elle, prazendo a Deus,
será d'aqui a tres annos com vosco : coisa que despraza
a Deus.‟ (V. do Arceb. L. 2. c. 2.)

Os Autores classicos ás vezes confundem os adjectivos
com os supinos ; e porque estes são invariaveis,
usão dos adjectivos no singular masculino com nomes
no plural : v. g.

As desgraças, que, ó Turno, cada dia
Me perseguem, aos olhos tens patente.
(Eneida, 12. 8.)

Patentes devia concordar com desgraças, porque patente
ali não é Supino ; que estes tomão se no sentido
activo, e então significaria tens patenteado. O mesmo
Autor dice com igual incorrecção, em que outros tambem
cairão (9)152 :162

Estes, e pactos taes, deixou com tigo,
Antes de dar a chara vida, feito.
(Eneida, 10. 221.)

Hoje diriamos feitos, como „Paz, e amizade, que
deixava assentada
.‟ (Comment. D'Albuquerque, P. 1.
c. 1
.) „Eu que tenho já cheyo todos os meus cantaros :‟
devia ser tenho enchido, para indicar o acabamento
da acção, ou tenho cheyos, significando o estado
opposto a vazios ; cheyos e adjectivo, e não Supino,
que se componha com ter, para supprir tempos
compostos dos verbos. (Eufros. f. 173. v.) „As
Victorias de Diu, cuja fama tinha cheyo de temor e
reverencia o Oriente todo :‟ (Freire, pag. 362, ediç. de
Gendron
) indica o estado modificado por cheyo, e bem.

Presente vem na Orden. Afons. e outros Livros antigos
por preposição : v. g. presente as partes : presente
elles
 : hoje diriamos perante, ou sendo, estando presentes
as partes
, concordando o participio com o nome,
como se acha em outros bons Autores. (V. Couto,
D. 4. L. 6. c. 6. e Dec. 5. L. 7. c. 1. presentes
todos : presentes as damas
da sua corte. Cronica de
Cister
, &c.)

Fim.

Acabou se este Epitome da Grammatica Portugueza
no engenho novo da Moribeca em Pernambuco,
aos 15. de Julho de 1802.163

1(*) A palavra é uma quantidade de som articulado,
que significa algum conceito em qualquer idioma :
o som continuo não articulado, insignificante,
não é objecto da Grammatica, nem o são palavras,
ou particulas, que por si nada significão, como alguns
chamão ao adverbio, interjeição, preposição, &c.

2(*) Que as nasáes são vogaes se próva : 1.° porque
a voz trina sobre ellas, ouvindo-se distinctamente,
v. g. sobre o an de amante, ou sobre o õ de corações ;
que se o til, ou m, ou n, representassem como
consoantes, não se ouvirião, como quando se trina
sobre bar-ba-ro, porque os rr só se ouvem, quando
a voz cessa da vogal trinada, e passa á outra
sillaba. 2.° Os Poetas sempre fazem elisão das nasaes
com as vogaes seguintes, v. g. „A ti se devem'os
altos fundamentos‟ Parece que enverdecem'ali, mais
cores. „Floreciam entre tanto novas flores‟ : O mesmo
é no Latim. Note-se que em floreciam a elisão é
do o final florecião, que é como se deve escrever,
mas este exemplo prova o que digo, ainda nos casos
de má ortografia.

3(*) Outros escrevem ao por au ; eo por eu, e por
eyo, io por iu, v. g. pao, leo, ferio, o que dá occasião
a mũitos equivocos na ortografia vulgar. (Veja-se
a nota (c)
) Ley, Rey, Grey, com y final são
contra a etimologia (de regi, legi, gregi tirado o g
medio) É desnecessario o y, bastando o nosso i ;
alias o y Grego soa mũi diversamente do nosso i. V.
Leão Ortogr. f. 202.

4(a) Os nossos mayores assim o escrèverão, e cuido,
que assim os pronunciavão, se já não era ostentação
de etimologias escrever Lãa de Lana, Bẽe
de bene, Bõo, de Bono, Afii de Affinis, Hu-o de Uno,
Lũa
de Luna. Commummente forão mais exactos escrevendo
o til (~) sinal do som nasal, sobre a vogal,
que o é, e não na outra vogal, de que se forma
o ditongo, v. g. Joaõ, Naõ, Maẽ, &c. o que é
erro. (V. Leão Ortogr. f. 211. 216. 230. Lusiada 10.
88. bõos, ediç. de 1783. 5. volum. 8.°) Duarte Nunes
de Leão justamente reprova escrever os ditongos
nasaes por am em vez de ão : as nasaes simples em
ã assim se escrevem melhor, porque o m em am indica,
que se pronuncie fexando a boca, contra o
som aberto e final das nasaes. V. Ortogr. de Leão, e
Barros, Gram. f. 105.

5(b) Ácerca dos accentos circunflexos, v. o cit. Leão
Ortogr.
f. 188. e 217. ediç. de 1784.

6(c) Na ortografia vulgar temos casos, em que que,
e qui soão como ke, ki ; outros em que soão kue,
kui
, e estes de commum não se distinguem, devendo
notar-se com dois pontos qüe qüi : em gue, gui
tambem soão hora como senão tivera u, outras vezes
soa o u, e deve haver a mesma distinção com
os (¨) sinal que não se ditongão as vogaes.

7(*) O nh, não fere as vogaes das palavras compostas,
v. g. in-habil, in-habitado, in-herencia, in-hibir,
&c.

8(d) 1. O Alfabeto Portuguez é, como outros mũitos,
em partes redundante, em partes falto de lettras ;
e talvez tem, e usa caractéres equivocos, exprimindo
as mesmas lettras sons differentes ; e talvez
differentes lettras representão o mesmo som.

2. Redunda em C antes de a, o com som de Q,
ou K : no H antes das vogaes, que não aspiramos :
e c antes de e, homònimo de se, si : em Ç soando
como S.

3. Tem falta de caractéres simples, que representem
os sons Lh, Nh : X suppre a Ch, mas não sempre.

4. Exprimem se sons differentes com as lettras C,
e G, que antes de a o u soão Ka, Ko, Ku,
Ga, Go, Gu
, e antes do é, i soão se, si, je, ji ;
e aqui mesmo temos diversas lettras G e J com os
mesmos sons, assim como em ph com som de f ; e
ch de x, e de que. Outra incoherencia é o x com
som de iz em exemplo, que se diz eizemplo ; ou
com som de is, v. g. em sexto, texto, que se lem
seisto, teistó, como mũitos Classicos escrevèrão.

5. O Y usão mũitos por i nas palavras derivadas
da lingua Grega, v. g. hydra, synodo : mas é superfluidade.
O uso, que d'elle se deve fazer, é como de
consoante entre vogaes, que tem semelhante som ; v.
g. pra-ya, idé-ya, vè-ya, vè-yo, cor-rèyo, vi-ya, bri-yo,
eu ri-yo, o ri-yo corre ; por differença de elle ri-o-se,
e d'o ri-o corre, como hoje se escrevem ; e de veo
para véo, e para „elle veyo‟ de vir, &c. Receo e Orfeo
(na Lusiada 3. est. 2.) não são consoantes, pois
que soão receyo e Orfeu, e a rima pede Orfeyo. O a
de cria, lia, comia, elegia, &c. não he puro, mas
ouve-se precedido de ye cri-ya, comi-ya, li-ya ; elegi-ya
(elegeia Latino). Quando a estes verbos se segue
a relativo, v. g. leste a carta ? li-ya ; viste-a ? vi-ya ;
assim se tirará o hiyato dentre as vogaes ; nós o tiramos
com n em virão-no, busquem-no ; e por eufonia
dizemos tu busca-lo, em vez de búscas-o ; vè-lo, por
ves-o ? buscá-lo, por buscar-o, &c.

6. Concluiremos esta nota observando, que nos
livros antigos se achão vogaes dobradas, para indicar
se, que são agudas, ou que é aguda a simples, v. g.
faraa, por fará ; outras vezes para mostrar que havia
duas vogaes na lingua, donde se derivou a Portugueza,
v. g. pòboo, pòvoo, de populo, Cidadãno de Cibdadano,
vós farees de faredes mais antigo, como amaaes
de amades do Latim amatis, que dizemos amáis. Assim
dobrando consoantes no principio das dicções, v.
g. sseendo, sendo ; rreegno, reino, e isto talvez porque
S e R tem sons siversos. V. as Ordenações Afonsinas,
e os Ineditos da Academia, 3. vol. fol. &c.

9(*) Donde se vê, que a sentença é proposição,
ou exposição com palavras do que passa na nossa
alma, quando julgàmos, ou queremos ; numa palavra
só, como amo, amas, ama tu ; ou dividindo, e analisando
o que ellas contem, por palavras equivalentes,
eu sou amante ; tu és amante ; tu sè amante.

10(**) Não amo, é, existo não amante, sem amar :
„A Egypcia foi bella, e não pudica, ou impudica
existiu com belleza, e sem pudicicia : „Não sofre o
peito forte‟ o peito forte é insofrido, intollerante ;
não-sofrido
. O verbo sempre affirma a existencia do
attributo, que a negação exclue, ou nega : não fiquei
bom
„não nega que fiquei, mas o modo‟ i. e. fiquei
não-bom, sem bondade fisica, ou moral
.

11(a) Os adjectivos articulares indicão o modo, em
que a alma vê a extensão individual dos nomes de
classes, generos, especies, i. é, a quantos individuos
estende a significação do nome.

12(b) Os adverbios são destas palavras compostas, v.
g. agora de hac hora Latinos ; hoje de hoc die ; ogano
de hoc anno ; boamente de bona mente ; &c. : Outrem outra
pessoa ; Ninguem nenhũa pessoa (de neminem Latino).

13(a) Os substantivos proprios de coisas, que existem
por si, significão obscuramente um sujeito, ou
base de attributos indivuduáes, ou communs aos individuos
de uma classe, genero, especie, e por isso se
chamão concretos, á differença dos que significão os
attributos separados pelo nosso entendimento das coisas,
em que estão, e se dizem nomes abstractos, i. é,
separados, de qualidades separadas dos individuos.

14(*) Eu indica mais e melhor o individuo, que
affirma de si algũa coisa, que o nome proprio do
sujeito, o qual póde ser ignorado da pessoa, a quem
falamos ; e ao mesmo tempo que individúa tanto, é
commum a todos os que o dizem de si. Tu quasi
sempre requer nome adjunto, quando ha varias coisas,
ou pessoas presentes, a quem falamos, v. g.
Tu só, tu puro amor, &c.

15(b) Se alguem fala a si mesmo trata se como a
segunda pessoa. Socrates (dizia elle entre si) conheces
o teu engano ? Se fala de si pelo seu nome proprio,
considera se como terceira pessoa, v. g. Socrates
(escrevendo a outrem) vos envia saudar ; ou,
eu vos saudo.

16(c) Os Grammaticos dividem os nomes em collectivos,
partitivos
, &c. mas todas as divisões, que fazem
não influem nada, nem servem na composição Grammatical,
senão o que vai no § 1. do Liv. II. C. I.
na nota.

17(a) Quando o nome individual não basta, usamos
do artigo posposto, com algũa circunstancia individuante,
v. g. Lucullo o rico ; D. Jorge de Menezes
o Baroche ; D. Sancho o Capello ; D. Afonso o bravo ;
Catão o Mayor.

18(b) Assim lemos nos classicos de Asia, de Egito,
de Ethiopia, de Grecia, de Melinde, de Africa
sem artigos :
e logo que o nome é mũito usual perde o artigo :
antigamente dizia se o Pombal ; hoje, o Marquez
de Pombal
 ; o mosteiro das Cellas (junto de
Coimbra) ; hoje dizem todos : fui a Cellas ; venho de
Cellas
 : d'antes dizia se „o Secretario do estado da guerra,
dos negocios do Reino
, &c. hoje o Secretario d'Estado
(V. do Arceb. L. 6. C. 3. no fim, e Orden. L.
3. T. 5. princ. e § 7.) Lucena diz de Japão, em que
tantas vezes fala ; e dizemos de Torres Novas, de Alhos
vedros
, &c. o Rio de Tourões ; e na Lusiada 4. 28.
vẽi Guadiana sem artigo ; Douro, e Tejo com elle.
Veja se toda a Egloga I. de Ferreira, e Lusitan. Transf.
f. 131. Palmeir. p. 4. f. 25. V. „pelo rio Tejo acima

19(c) Este modo de usar da palavra homem imitámos
do Francez antigo hom, que se corrompeu em on (V.
a Grammaire Générale & raisonnée, Part. 2. chap. 19.
pag. 574. & Condillac, Grammaire, chap. 7. pag. 125.
edit. de Genève, 1780.) „Cá sem razom seria ao afflicto
accrescentar hom afflicçom.‟ (Orden. do Sur. D.
Duarte
.) Neste sentido o dizem as mulheres de si. V.
Camões, Anfitriões A. I. Sc. 2. „Ha-os homem de trazer
nos amores assi mornos‟ e no Filodemo, A. 12,
Sc. 5. : Barros, Clarim. L. 2. C. 22. : Ulissipo de Jorge
Ferreira, f. 38. Inedit. Tom.
3. f. 6. „Homem não
pòde jurar por ninguem‟ (Eufros. 1. 6. f. 52. V.
A. 3. Sc. 1. Ferreira Comedias, f. 24. 31. Ulisipo Comed.
f. 118. e 191. edições alt.) Os editores ignorantes
accrescentárão o artigo em semelhantes modos de
dizer, o que não vẽi nas antigas edições.

20(d) A natureza do artigo parece que foi inteiramente
desconhecida dos nossos Grammaticos, um dos quaes
diz, que delle usamos antes dos nomes proprios, v.
g. o Tejo, o Mondego, porque soaria mal dizer, v.
g. eu navego Tejo ; navego Mondego. Mas dizem os
nossos Poetas „Tejo leva na mão o grão Tridente
(Ferr. Egl. 1. personificando o Rio. „Ouviu-o o
monte Artabro, e Guadiana atrás tornou as aguas de
medroso.‟ (Lusiada) „entre Tejo, e Guadiana‟
(Ulisipo Com. f. 352.) „Danubio enfreaCamões
Egl.
1. Outro Grammatico nos diz, como advertencia
sua mũi especial, que De é artigo ás vezes : mas
De sempre foi, e é uma preposição ; e ésta falsa noção
veyo-lhe de ler em alguns Grammaticos Francezes,
que Du, e Des são artigos, no que elles errárão ;
porque Du equival a de le, Des a de les, isto é,
equivalem á preposição de, e ao artigo le, ou les no
plural (V. Grammaire Générale & raisonnée, chap. 7.
Des Articles, pag. 96. e 105. édit. de 1780
.) O nosso
Barros tambem desconheceu a natureza do artigo, e
chama d'os, e d'as artigos, que são combinações da
preposição de, com os artigos os, as, como é visivel.
Duarte Nunes do Leão atinou melhor : Compare
se o que elle diz na Ortografia a f. 306. com a Grammatica
de Barros a f. 99. 100
. ; e la Grammaire Générale &
raison. Pag. 105. & pag. 459
. (édit. de 1780,
à Paris.) & 478. 479. Condillac, pag. 164. Os artigos
não mostrão casos dos nomes, que os não tem, nem
se ajuntão a Eu, e Tu que os tem ; o genero do nome
governa o do artigo, e não o artigo ao genero
do nome, pois o substantivo governa as variações
do adjectivo respondentes aos generos, e numeros dos
substantivos. Na lingua Latina a falta do artigo simples
dava occasião a modos de falar equivocos, v. g.
Filius Dei tu es‟ que póde significar „Tu és filho
de Deus
‟ e „Tu es o Filho de Deus‟ duas sentenças
de mũi diverso sentido ; porque a primeira póde
dizer se de todo o homem por graça de adopção ;
a segunda só do Unigenito de Deus.

21(e) Isto, Isso, Aquillo dizem alguns Grammaticos,
que são variações neutras de Este, Esse, Aquelle. Mas
isto, isso, aquillo nunca se ajuntão a nomes, ou substantivos,
antes estão per si sós na sentença, v. g.
isto, que aqui tenho, e não sei, ou não quero nomeyar ;
isso que ai tens com tigo, e não quero, ou
não sei nomeyar ; aquillo, que além vès, que é ? Isto,
Isso, Aquillo
é lindo ! concordão com lindo na forma
masculina ¿ E temos nós variações adjectivas para
nomes neutros, que não conhece a nossa lingua ? Um
a, um b
não tem differença sexual, ou generica ; e
com tudo dizemos um a, um b, como um homem,
um boi
 ; e um pomo, (que tambem é masculino, e sem
sexo. „Mas isto, (assi não fosse elle verdade !) sabei,
que Amor usa de manha‟ (Sá Mir.) „Não
podéra isto tão facilmente desejar, como lhe elle succedia‟
(Clarim. L. 1. C. 1.) Nestes exemplos elle
masculino trás á memoria, e refére se a isto ; logo
ou elle é neutro, ou isto é masculino. Por onde devemos
concluir, que Isto, Isso, Aquillo, equivalem
a varios elementos da Oração ; isto a este objecto proximo
a mim
 ; isso a esse objecto proximo a ti, ou que
nomeyaste
 ; aquillo áquelle objecto remoto. Assim mesmo
Outrem quer dizer outra pessoa ; Ninguem, nenhũa
pessoa, isto é ; equivalem a nomes combinados com articulares.
„Bem sei que outrem ninguem póde valer-me‟
(Lobo, Peregr.) V. aqui o Cap. 4. § 2. n. 15.
nota (e). „De ninguem outrem se poderão aceitar suas
coisas‟ (Ulisipo, 3. Sc. 2.) Tudo não é variação
neutra de Todo ; mas uma palavra, que significa toda
coisa, ou todas as coisas, v. g. „tudo nesta casa
respira governo‟, e ordem „tudo é bem feito.‟

22(f) Em Portuguez, dizemos „aquelles, d'onde venho‟
por de quem descendo, como Horacio disse :
Laevinum Valeri genus, unde Superbus regno pulsus
fuit
 : e Terencio ; e Latronibus, unde emi : unde
por ex quibus ; e Philosophos domi habuit, unde disceret,
&c. por, e quibus disceret.

23(a) Este superlativo é classico ; mas de commum
usamos de Optimo tomado do Latim Bonus, Melior,
Optimus
, alterados em Bom, Melhor, Optimo. Assim
dizemos Sumo por o mayor de todos, v. g. o Sumo
bem
, e Infimo, Intimo, Ultimo, Extremo.

24(b) Camões dice, que o ser preso de tão formosos
olhos, cantálo bastaria a contentar-me : e Jorge
Ferreira
na Ulisipo, At. 5. Sc. 7. „Pessoa, e ser é
o de Florença, para um Principe a tomar por mulher.‟
Canta-lo, i. é, cantar o ser preso : ser é o de Florença,
i. é, o ser de Florença.

25(*) Em outras linguas os nomes, e adjectivos tem
terminações fináes diversas, a que chamão casos, e
são mais ou menos ; nas linguas vivas pela mayor
parte só tem casos os nomes respondentes a Eu, Tu,
Elle
 ; e alguns adjectivos articulares possessivos.

26(*) Heit. Pinto, D. da Relig. C. 3. „Em mim há
dous eus, hum segundo a carne, outro segundo o espirito.‟

27(a) V. a Grammatica de Barros, pag. 97, e o Dial.
da Viciosa vergonha, f.
304. Os antigos dicerão melles
de mel. Ineditos, 2. pag. 116.

28(b) Duarte Nunes de Leão, Ortogr. f. 315, e Ferreira,
Carta
9. do L. 2. trazem no singular a féx, e Leon.
da Costa, Terenc. Tom.
1. f. XLVIIIda féz‟ e „os
Athenienses untavão o rosto com fézes : a quem te
não roga, nem voga, não lhe vás á voda :‟ Farello,
Mend. Pinto, C.
104. „para mal de costado é bom o
abrolho
‟ (Eufr. 2. Sc. 4.) „Dar-te-ia o pái boa alviçara
(Ferreira, Bristo, 5. Sc. 3.) o bofe ; ésta viscera :
prece é pouco usado.

29(c) Todos dizemos as benções do Ceo. (Souza, V.
do Arceb. l. 4. C. 15. Elegiada, f. 283
.) e os Classicos
dicerão benções da Igreja, (Ined. 2. pag. 123.)
que hoje dizem bençãos. Peões de Pedones barbaro,
é mais usual, que peãesinnumeros peões.‟
(Lusiada) Peães é variação feminina (V. Eufros. A.
3. Sc. 2. pag. 115
. „as outras peães.‟) e será peões
para homens. Aldeão, áldeães : Os Cãos perto de Lisboa ;
os velhos encanecidos, com cãs ; „velhas cãs ;‟
palavras cãs, mũi idosas, antigas. Alão tem no plural
alães, alãos, e alões. V. o Dicconario.

30(*) Quem é singular, e plural : obrão como quem
são : Quem erão ? (Lusiada
I. 50.) Ninguem, no figurado :
„são uns ninguens.‟ Alguem, Outrem não se
usão no plural. A analogia da nossa lingua na corrupção
dos vocabulos Latinos, que tem n entre duas
vogáes, é tiralo, fazendo nasal a vogal, que precede
ao n : v. g. bene bẽe ; rationes razõ-es ; venit, ponit,
vẽi, põi : Romano, Romã-o ; tertiana, terçã-a ;
bono, bõ-o ; Luna, Lũ-a
 ; por onde se vè, que o til deve
ir sobre a nasal, que precede á ultima vogal,
quando se ditongão.

31(d) Outros usaõ Felice, Infelice, Felices, Infelices ;
Feroces
, e Ferozes ; Atroces, &c.

32(e) Os classicos usárão os pluráes Alferezes, Ourivezes ;
simplices
, e simples ; Cáezes.

33(f) Couto, 8. C. 33. „vierão mũito gentil homens.‟
Vieira, Carta, 107. tom. 1. „pareceremos pouco gentil
homens
a essa Senhora :‟ mas dizemos os Gentis homens
da Camara. Arraes, D. 9. C. 3. e Couto, D. 10. L.
4. C. 1
. dizem vaisvens no plur. de vai verbo, e
vem tambem verbo, declinando vais como plural de
vai, segundo a analogia dos nomes, e não como é
o verbo no plural, que seria vão-vem, e se não diz.

34(g) Duarte Nunes diz expressamente, que Gran,
e Sant são contracções de Grande, e Santo : mas a
tendencia da Lingua para fazer terminações masculinas
em ão fez Grão, e São para algumas composições,
e conservou Gran, e San noutras : v. g. San Pedro,
San-João, San-Joaquim, San-Telmo, Sant'Iágo, San-Joaneiras
,
&c. Grão Turco, grão destroço, grão trabalho,
&c. (V. Leão, Ortogr. f. 221. e 238. ediç.
de 1784
.)

35(*) Quando se appõi um nome, como attributo
modificante, os adjectivos concordão com o principal :
v. g. „Aquelle fonte de eloquencia Tullio‟ (Resende,
Prol. do Lelio
). „Morto aquelle peste do Mundo
Herodes‟ (Paiva, Serm. T. 1.) „Veyo Francisco de
Tavora em a sua Rei grande (sc. nau).‟ Barros
2. 3. 6
.

36(*) F. Mendes, C. 107. huma Roma, huma Veneza,
huma Constantinopla, hum Paris, hum Londres
.

37(a) A plebe dis certas tafulas, devendo dizer certas
tafues
 : e já se lê na tradução do Gilbras. Dizemos
a juiza de irmandade : e porque não diremos a Monarcha,
como a Soberana, a Regente, &c. ?

38(b) Alguns dão variações em o a homicida, e hypocrita :
v. g. desejos homicidos ; hypocrito verdugo ; mas
é improprio. „Ferro homicido passa ao Rei homicida.‟
é uma incoherencia, sendo ferro e Rei masculinos
(Elegiada, f. 19.).

39(c) Nos livros classicos, e nas Leis vemos fiador
mascul. e feminino, e assim Prégador, Autor, Servidor,
Devedor, Inventor, Senhor, Juis
 : v. g. eu
sou má Juis ; Infante. Mas já os classicos mesmos dicerão
Moradora, Tragadora, &c. Hoje geralmente damos
variações em a femininas a todos ; e no femin.
tambem dizemos a Poeta, ou Poetiza ; a Profeta, ou
Profetiza ; o e a Martir, &c.

40(d) Nos Livros classicos vemos femininos Clima,
Cometa, Diadema, Estratagema, Maná, Mapa ; Scisma
 ;
nós dizemos o Scisma do Oriente ; e „metteu-se-lhe
aquella scisma na cabeça‟ erronia, má opinião.

41(e) „Não havia ali ninguem isenta d'estas coisas :
alguem andava então bem saudosa : ella é a quem amo.‟
(V. Barros, Clarim. L. 3. C. 18.) „outrem mais bem
prendada.‟ Vieira, Serm. 11. 3. 3. n. 96.)

42(*) E é de notar, que o adjectivo, que se refere
ás pessoas do infinito pessoal, concorda com ellas
em genero, e numero, como vimos ; se se refere ao
infinito puro, usa se na variação masculina singular :
v. g. o ser infinito, o ser árduo : „o sermos sós‟ sós
concorda com nós subentend. (Costa, Terenc. tom. 2.
f. 237
.) „O ser eu cativa tua : Letrados, que o
são fracos‟ (Veiga Ethiop.) : o ser vista, deixada
(Cam. Eleg. 8.) ; está por o seres tu Belisa vista,
deixada
. (V. o Diccionar. art. Infinitivo.)

43(*) Souza, V. do Arceb. 2. c. 32. dis a erege
(ediç. de Paris) ; Cafra (Castanheda.).

44(f) O som nasal d'estes femininos assim se deve
escrever, que termina com a boca aberta, e não por
am, pois que o m faz cerrar a boca ; e mais absurdo
é escrever am por ão (V. Barros, Gram. f. 105. e
Leão, Ortogr. f. 219. e seg. ediç. 1784
.).

45(g) Alguns dizem ainda bõa como Barros escreveu
(Gram. f. 18. e 119.).

46(h) Paiva, Serm. 1. f. 344. Eufr. A. 2. Sc. 1. f.
53. v. e A. 5. Sc. 5. f. 183. v. Elegiada, f. 139
. v.
trazem commũa, e outros classicos : mas geralmente
não guardárão a analogia dos adjectivos em um ; e a
mayor parte usão de commum com nomes femininos :
v. g. communs opinião ; mulheres cõmuns.

47(i)Lettras conservadores de todas as boas obras‟ traz
Barros no Prol. da Dec. 1. edições de 1552. e 1628.
(V. Ined. 3. f. 84.) mas o mesmo Barros (no Clarim.
L. 3.) dice : „a Loba marinha grã tragadora :‟ e
CamõesEternas moradoras do Parnaso :‟ e ésta é a
variação, que gérálmente se usa com os nomes femininos.
Alguns dizem a Priora das Ordens terceiras,
que as tem ; e a Prioreza do Mosteiro, de Ordem
Religiosa : foi juiz da pendencia a mulher do alcaide :
e a juiza da festa : a mentira autor de
toda maldade (Eufros. I. 4. f. 40.) : bom pacificador
d'arruidos está ésta (ibid. f. 38.). Eu sou má lédor
de letra tirada (f. 70.) peccador (ibi.).

48(a) Os Gregos tem um Optativo proprio, que os
Latinos não tem. Veja se a Grammaire Générale &
Raisonnée, Part. 2. Ch. 16. n. 1. pag. 177. édit. de
Paris, 1780
. Os nossos Grammaticos referem ao modo
Subjunctivo variações dos verbos, que são do modo
indicativo
 : v. g. se eu amára, quizera, &c. eu iria,
faria
se podesse : iria, viria são visivelmente compostas
de ia vir, ia ir, como irei, virei de hei e vir,
ir
 ; ir-me-hás, por irás-me, prová o que digo ; ir-hei,
hei tensão d'ir, ellipticamente hei-d'ir ; tenho d'ir. Far-me-has
por farás-me é analogo, e tudo do Indicativo,
como se lá vou : se sei, &c. com conjunções. (V.
Leão, Orig. C. 19.)

49(b) Quando dizemos : Venha a nós o teu Reino ;
seja feita a tua vontade
 : faltão os verbos do Indicativo
Peço, Rogo, Desejo, que venha,… que seja
feita &c. Peço vos que me ampareis, ou me matai
(Clarim. L. 2. c. 21. pag. 217.). Sobre os Modos
dos verbos
veja se a Short Introduction into the
English Grammar, pag. 66. (Lond. 1784.) not. (7) e
pag. 52. nota (4).

50(c) Os Infinitos puros, e pessoáes, são sujeitos
de proposições, e são regidos de preposições ; e por
consequencia são palavras, que exprimem um objecto
abstracto ; e modificado por um articular possessivo
nos infinitivos pessoaes. Assim dizemos : v. g. „o serem
feyas
não as deve desconsolar :‟ onde o serem é
sujeito precedido do artigo o ; e é sujeito do verbo deve.
„Tentárão diffamarem de mim, para indinarem a
V. Alteza (Couto) :‟ diffamarem é paciente de tentárão,
e indinarem regido da preposição para. „Aquelle
seu dizerem
, e fazerem não se acha nestes dias :‟ são
infinitivos modificados por aquelle, e seu. Donde se vê,
que nestas palavras prevalece o caracter de substantivos,
os quaes sós são sujeitos de proposições, e regidos
pelas preposições. É de notar porém, que os artigos,
que se lhes ajuntão concordão no singular masculino ;
como com os infinitos, mas os attributivos accrescentados
aos infinitos pessoáes concordão cõ a pessoa,
ou pessoas, a que se refere o attributo : v. g.
„Presumimos de honrados, e de gente de primor ; e
queremos ser tidos por esses :‟ i. é. presumimos de
ser homens honrados &c. onde honrados concorda modificando
o infinitivo com o nome nós ; e assim tidos
junto a ser : „O serem feyas : O ser de tão formosos
olhos preso &c.‟ i. é, o serem ellas feyas : o ser
eu preso
. Assim mesmo os Latinos usavão dos seus infinitivos :
Nam istud ipsum non esse, cum fueris, miserrimum
puto (Cicer. Quaest. Tuscul. L. 1. n. 12.) :
e Horacio dice : nescius uti ; metuens contingere ; recitare
timentis ; culpari dignos ; piger scribendi ferre
laborem ;
&c. V. Severim de Faria, Discurso 2. pag. 65.
ult. ediç. 1791
.

51(d) Os nossos mayores usárão das palavras em ante,
ente, inte
, como de participios á maneira dos Latinos :
v. g. „Eu o Conde D. João Afonso temente
(por temendo) minha morte.‟ (Monarch. Lus. 1. 6. f.
30. v.) „Rompente o alvor da manhã.‟ (Nobiliar.
do Conde, f. 33
.) Camões dice : „as perlas imitantes a
côr da Aurora :‟ e Ferreira : „a aguia mais voante.‟
(tom. 2. f. 118.)

52(e) Na Cron. ant. do Condestavel, Capit. 9. 10. 12.
15. 59. 63. na Monarch. Lus. t. 6. f. 506 e 512 em
Fernão Lopes, Cron. de D. João I. e Camões, tomo IV.
pag. 54. 55. ediç. de 1783. Ulissea, 7.° 13, e 15. vẽi
os gerundios com preposições mũi frequentemente, á
imitação do que se usa nas Linguas Francesa ; v. g. en
riant, tout em jouant
 ; e na Ingleza : v. g. in acting,
em representando ; in raising, em excitando. (V. Spectator,
n.° 510
) Animus in consulendo liber : é de Sallust.
Bell. Catil.
Na fala de Catão. (V. Terent. Andr.
act. IV. Sc. IV. V. 32. in pariundo
) Na Lingua Ingleza
o gerundio serve de sujeito de proposições acõpanhado
do artigo the : „the making of war :‟ o fazendo,
ou fazer d'a guerra (Spectator, n.° 73.)
. Nós dizemos
semelhantemente : „E sabendo elles, que me hão-de achar
com sigo, quando menos o esperarem, bastará para andarem
espertos :‟ onde sabendo elles está como o saberem
elles
… bastará para &c. i. é. o gerundio personalisado
por sujeito do verbo (Souza, V. do Arceb.
Lobo, Cort. Dial. 9. f. 176
. „porque nomeando estas
partes diante das mulheres, não é cortezia.‟) V. a Ordenaç.
L. 4. 1. 100
. §. 5. „E que por tanto ajuntando-se
duas casas
, e morgados em ũa só pessoa, &c.
será causa, &c.‟ V. Barros, Gram. pag. 12. no fim. D'estes
exemplos temos mũitos outros nos bons autores ;
e que os gerundios se personifiquem é vulgar : v.
g. „em eu o vendo : em tu saindo :‟ onde a preposição
em affecta os gerundios, e não aos nomes eu, e tu,
que se fossem complementos da preposição irião aos
casos mim, e ti. Assim mesmo, quando personificamos
os infinitos, as preposições não affectão os nomes :
v. g. „para tu saires ; para tu veres :‟ e „por eu
dizer a verdade :‟ &c. A'cerca dos Adjectivos verbáes
em ante, ente, inte, dos Participios, e Gerundios, e
Supinos vejão-se as notas de Duclos à la Grammaire
Générale & Raisonée, part. 2. chap. 21. pag. 201. e
Condillac, Grammaire, Part. 2. chap. 21. pag. 203. édit.
de 1780 à Genève
. Dos Participios, e Supinos direi
nas Taboas das Conjugações, no fim d'esta Grammatica.

53(f) Então é incorrecto usar do verbo na segunda
pessoa do singular : v. g. „Porque a vós vos importa
seres boas :‟ por, serdes. (L. da Costa, Terencio,
Heautont. At. 2. sc. 4. f. 67
.) Outros dizem mal sèreis,
vèreis, buscàreis
 ; por serdes, verdes, buscardes.
Negar porèm, que os Infinitivos Portuguezes tenhão
propriamente variações pessoáes, ou sejão pessoáes,
é negar a existencia do que se vé ; e nasce de se não
considerar o que é essencial ao verbo ; e como d'elle
se vão derivando palavras complexas em quanto ao
sentido, que representão per si sós coisas, que podemos
significar por outros elementos, ou partes da
oração : v. g. em tu saindo, que equival ao saires, á
tua saïda
 ; bem como amo a eu sou amante ; onde amo
significa syntheticamente, o mesmo que analysamos
com as palavras eu sou amante. (V. Severim, Discurs.
2. pag. 65. tom. 3. ediç. de 1791
.) O que não póde
representar se, senão por outro verbo, é a affirmação,
que por isso se reputou entre os melhores Grammaticos
por o caracter essencial do verbo, ou palavra
por excellencia, porque elle só ás vezes contèm
uma sentença perfeita. V. Harris Hermes, pag. 164.
Grammaire Générale & Raisonée, Part. 2. Chap. 13.
Condillac
dis, que se os verbos affirmassem, nunca
poderiamos fazer proposições negativas ; mas não advertiu,
que o não affecta o attributo annexo ao verbo :
eu não amo é eu existo não-amante : o verbo sẽpre affirma
o attributo mais geral, que é a existencia, privada,
ou descõpnahada de outros attributos por meyo
do adv. não, que se ajunta aos adjectivos attributivos,
e nomes usados attribututivamente : „Não fiquei
homem
‟ é „fiquei não-homem ;‟ como Young dice em
Inglez : I was undone, I was unmaned : Eu fui
desfeito do ser de homem. os adverbios affectão o
attributo verbal : eu não minto, quer dizer, eu sou,
existo não mentirozo : não temo, sou sem temer, sou impavido
.
V. Grammaire Générale & Raisonée, pag. 541.
Le verbe est donc le signe de l'existence &c. Condillac,
Grammaire, pag. 90
. V. aqui o cap. 6. do Adverbio.

54(*) Assim dizemos doer se de algũa parte, ou
causa, por queixar-se ; magoar se, por dizer magoas : mas é
improprio dizer ; „a avesinha se caiu morta, ou morreu-se
(V. Men. e Moça, f. 9. e 153.) :‟ nenhũa
destas acções é espontanea. Finou-se, acabou ; porque
finar é ativo, acabar, posto que antiquado : „adormeci-me
cansado‟ é igualmente improprio, quando
alguem não se agita, ou faz algũa diligencia por adormecer-se :
este menino adomece-se cantando elle mesmo‟
é direito : „Eu te fico‟ tem diverso sentido,
e é : „eu te fico fiador, assegurador, ou me obrigo,
que assim se faça :‟ onde te é termo, como lhe em
tudo lhe succede bem :‟ aconteceu-se é igualmente improprio,
posto que este, e caiu-se, morreu-se, e semelhantes
se achem nos bons autores imitando os Castelhanos.

55(**) Quando os verbos se apassivão de qualquer
dos dois modos, os sujeitos concordão com o verbo
em numero, e pessoa ; e sendo os sujeitos infinitivos
apassivados, os verbos da sentença ficão no singular.
Assim diremos vem-se homens, como são vistos homens,
e não vê-se homens ; porque homens é paciente
aqui ; e qual será o sujeito, sem o qual não se dá sentença
perfeita ? „Os progressos firão quaes se devia esperar :‟
é erro, deve ser : quaes se devião esperar,
ou devião ser esperados. Quaes se devia esperar, é má
imitação de um Gallicismo correcto : on devoit les attendre,
ou d'attendre ; onde on é home sujeito, e tem
o verbo devoit no singular. (V. nesta Grammatica o
L. 1. capit. 2. n. 9. o que notei á cerca de homem,
e on) „Porão as penas, que virem, que é necessario
pòrem-se
 :‟ é correcto (Orden. 5. Tit. 136.)
„Fará as citações, que forem necessarias fazer se :‟
é incorrecto (na Orden. 1. f. 24. §. 28.) : „as coisas,
que por cumprimento é necessario fazerem se :‟
bem. (Filosof. de Principes, tomo 1. f. 65.) Quando
se apassivão os Supinos, são invariaveis : v. g.
Tem se impresso livros ; sentido falta de gente ; tem se
feito mũita obra : tem-se idos mũitos
 ; é erro : mas é
correcto, são idos, vindos, o verbo ser com participios :
as casas tem-se avaliado, ou, tem sido avaliadas por
vezes
 ; são exemplos correctos, porque os adjectivos,
que modificão o infinito ser, e os seus gerundio, e
supino concordão com o sujeito : v. g. o seres bella ;
em sendo minha te servirei melhormente ; as casas tem sido
avaliadas
. Quando se dis : tem se feito soldados ; tem
se feito fortes
 : damos dois sentidos ; o activo significando,
que alguns se exercitárão na milicia, e se fizerão
fortes ; outro passivo, soldados tem se-feito, ou reclutado,
como „honrão se Venus e Amor cõ sacrificios‟
por, são honrados. V. o num. 26. aqui.

56(***) Talvez se cala o infinito substantivo ser, ou
serem : v. g. „de que maneira podião escapar, de mortos,
ou cativos ?‟ i. é, de serem mortos, ou cativos.
(Jornada d'africa, f. 80.) „em moços lá se forão :‟
i. é, em sendo elles moços : „em ligeiro é uma aguia :‟
sc. em ser ligeiro &c. Onde ha adjectivo só cõ preposição,
deve subentender se nome : „segundo os
cavalleiros d'esta casa são pouco costumados a ociosos :‟
i. é, a serem, ou estarem ociosos (Palmeirim, P. a.
e. 134
.)

57(g) Haver sempre é activo, e nunca significou existir,
como dizem Argote, e outros. tanto é incorrecto
dizer =Ha homẽs = por existe homens ; como supor,
que na significação de ter é idiotismo Portuguez
concordar com sujeitos do plural. Ha homens é uma
sentença elliptica, cõ sujeito do singular ; i. é, o
mundo, a especie humana
tem homens : „nesta terra
ha boas frutas
 ;‟ i. é, a especie das frutas (ha) tem,
contém. „Em mim ha dois eus ;‟ i. é, o meu individuo,
sujeito, supposto contem dois eus. „Duas
coisas se hão de notar no texto ;‟ i. é, duas coisas
hão lugar de notar se no texto. „Hão na Logica outros
termos
‟ é erro, porque o sujeito proprio d'esta
sentença é : Linguagem Filosofica, ou Scientifica ha,
ou tem na Logica outros termos. „Póde haver homens
tão grandes, como os que já forão ;‟ i. é, a
especie humana póde ter homens, &c. „Repugna
haver em hũa alma, no mesmo tempo, duas consolações
contrarias ;‟ i. é, é repugnante ter a natureza
humana em ũa alma, ao mesmo tempo duas consolações
contrarias
. Todas as vezes pois, que o verbo se
usa no singular, deve supprir se a sentença com um
sujeito nome no singular ; porèm quando o sujeito é
do plural, o verbo haver vai ao plurar : v. g. „homens,
que hão visto ; que hão de saber :‟ i. é, que
hão razão, ou motivo de saber, &c. „artes, que os homens,
os maos
hão inventado. Após mim não ha
outro mim (Men. e Moça, L. 1. c. 18.) ;‟ i. é,
depois de mim (por minha morte) o mundo, ou a
especie humana não ha (tem, possue) outro eu. V.
o cap. 6 das Preposições, nota (d). „Os homens, que
ha visto o mundo :‟ o mundo é sujeito, e nunca homens
ali o póde ser ; ao contrario de „Os homens,
que hão visto o mundo civilisado : a ceya, que esta
noite haveis de haver :‟ i. é, tendes destino, ou sorte
de ter (Clarim. 2. c. 23.) V. abaixo o cap. 7.
nota (d)

58(h) Do que fica dito se vê, que o verbo exprime
juntamente o sujeito, a asserção ou dezejo, ou attributo,
e o tempo, a que referimos a sua existencia, e
tem uma significação mũi complexa. D'aqui as diversas
definições, que se derão d'elle : todavia o seu caracter
essencial, e distinctivo é significar o que a nossa
alma pensa á cerca das coisas, e seus attributos. Em
outras Linguas tem os verbos variações derivadas da
mesma radical, para lhe dar um sentido dobradamente
activo ; ou de uma acção reflexa sobre o sujeito
mesmo &c. tem variações, que indicão o sexo do
sujeito, e cõpõem se mesmo com a negação &c. O
mais notavel é, que em mũitas Linguas falta verbo
correspondente ao substantivo ser, como é na Chinesa,
e na dos Indios Galibis, e na Lingua geral dos
Brasis ; e quando querem affirmar ajuntão o sujeito ou
nome com o adjectivo : v. g. „Francici irupa :‟ Francezes
(sc. são) bons ; e negão por meyo do adverbio :
Francici irupa ua :‟ Litteralmente ; Francezes
bons não
 ; sem verbo, (V. Harri's Hermes, pag. 164.
Grammaire Générale & Raisonée, Part. 2. Ch. 13.
Encyclop. Articl. Construction, par Du Marsais
. A theorica
dos tempos dos verbos assas engenhosa, mas difficil
na Gram. Génér. de Bauzée, achase mais simplificada
no Hermes de Harris, L : 1. c. 8.

59(i) Procede isto de que o presente cõpõi-se de parte
do passado, do momento, que corre, e do que vai
a passar ; ou porque damos uma certa latidão ao tempo
do momento á hora presente, ao dia de hoje,
este mez, a este anno, a este século, e em fim á eternidade.
Assim é improprio dizer, das maximas sempre
verdadeiras, e perpétuas, com as linguagens do
imperfeito : v. g. „dizia um Sabio, que o bom Rei
devia ser um bom pai :‟ dizia está bem ; mas houvera
de dizer deve ; porque o bom Rei em todo tempo
deve ser bom pai ; &c. „Dizia elle, que não havia
mór vileza, que ser avaro ;‟ deve ser, que não
ha ; porque é uma verdade moral perpétua, ou que
se inculca como tal. „Affirmava não existirem, antipodas ;‟
é correcto, porque os infinitivos não referem
o attributo a época algũa ; i. é, affirmava a não-existencia
dos antipodas.

60(a) Alguns pertendem, que mente vem do Latim
mente, bonâ mente ; outros que do Celtico ment, que
significa modo (Bullet, Memoires sur da Langue Celtique,
article Ment
). Como quer que seja, Latino, ou
Celtico, mente é um substantivo. D'antigamente (Orden.
3. 21. §. f. Ferreira, Ecloga, 1
.)

61(b) Nos classicos acha se y, i, ou hi relativo a
lugar com, ou sem preposição : v. g. i estavas tu ?
li, té qui, para qui, per hi ; que à i ? âi. V.
Ferreira, Cioso, At. 2. sc. 3. e 5. e no tomo 1. f. 149,
hi, li
. „Hi-vos d'hi, boca de praga :‟ ide-vos
d'esse lugar (Cam. Filod. A. 2. sc. 5.). Este i, ou hi
adoptâmos do Francez y, como hu (onde), ou antes
u, antiquado, de  : „non cries gallinhas, hu
raposa mora.‟ Ende antiquado (d'ai) do eu Francez,
ou inde Latino, corrupto o in em en á Franceza,
como Sengradura de singler, &c. „Sem quedar ende por
contar hi rem :‟ sem ficar d'isso por contar ahi coisa.
(Ferr. Sonet. 34. L. 2. Barr. Gram. f. 193.)

62(*) Os Latinos dicerão ubinam gentium ; ubique terrarum ;
Credo ego inesse illic auri, & argenti largiter.
Plaut. Rudens, A. 4. sc. 4. v. 146
. V. Barros,
Gram. f. 158
. da regencia dos Adverbios. Dentro de
ou em ; a dentro, a fora, &c. a fora esse ; i. é, ficando
esse a fora do conto, ou numeração.

63(c) Analogas são : vender barato, comprar caro : tocada
junto foi de medo e de ira (Lusiada, 6. 65.) de
contino
, &c. Os classicos tãbẽ dizem : v. g. paredes
meyas desfeitas (Barros, Clarim. L. 2° c. 28.) : Louvores
justo devidos (Seg. Cerco de Diu, f. 236.) : Palavras
meyo-formadas : troncos meyo-seccos (Cruz, Poes.
f. 18
.) : Paredes meyas ; i. é, cõmũas aos donos de
duas casas contiguas, travejadas na mesma parede
meya, ou media : „Os menos conhecidos são os melhores
parados :‟ é erro ; deve ser melhor adverbialmente,
como os mais bem parados. (V. Vasconcel.
Sitio, f. 84. „os melhor cõpostos corpos
.‟

64(*) „O coração não-senhor de si… é uma das
cousas, que mais privão a luz do entendimento (Barros,
Panegir. f. 185
.).‟ Os não-cidadãos (Arraes, 4. c.
9
.) : „Tornar tão cordeiro quem tão leão viera (Sousa).‟

65(d) Acarão, Adrede, Adur, Quiçais, e outros são
adverbios antiquados, cujo sentido se verá nos vocabularios ;
quiçais é rusticidade, vista a sua origem de
Chi sá, quem sabe. (V. o numero 10. d'este Capit.)
Camanho, ou Quamanho alterou a inorancia dos editores
em Tamanho no Clarim, tomo 2, pag. 35. e 43. ediç.
de 1791
. São antiquados , porque ; alhures ; a osadas,
&c. Sa micas do Italiano Sà mica.

66(a) A Preposição, dizem os nossos Grammaticos,
serve para mostrar os casos dos nomes. E que casos,
ou diversas terminações tem os nomes Portuguezes,
á excepção de Eu, Tu, Elle ? D'estes mesmos as preposições
todas só se ajuntão a mim, ti, si ; e a prepos.
com a migo, tigo, sigo. Se pois temos preposições, que
pedem genitivos, dativos, accusativos, ablativos, ou
mi, ti, si são todos estes casos, ou não sabemos
que todas as preposições rejão senão um caso (á excepção
de com) de cada um dos pronomes pessoáes.
No Latim, e mais linguas, cujos nomes tem casos,
estes se conhecem pelas declinações ; a preposição rege
tal, ou tal caso, ou segundo a relação, que significa,
ajunta se lhe o nome em tal, ou tal caso. As preposições
de algũas Linguas pospõem-se aos nomes regidos
por ellas ; v. g. na Lingua Persiana, e na Geral
Brasiliana ; os Latinos dizião quicum, mecum ; os Inglezes
pospõem mũi frequentemente as preposições ;
nós rarissima vez : v. g. „Impor-te o jugo eu bem
sei quem ha-de :‟ i. é, eu bem seu quem ha (sc.
poder) de impor-te o jugo.

67(b) Quando a preposição concorre com a artigo,
contrahem se ou ajuntão se em á com accento agudo :
se concorre com o artigo , perde se ás vezes, e ó faz
se agudo ; v. g. fui ó templo, bradei ós Ceos. De concorrendo
com o artigo perde o e, e fica d'a, d'o, d'as,
d'os
. Em com o artigo perde o r, ou muda se
este em l : v. g. po-lo campo, ou por o campo ; Per em
Pel, pela casa.

68(c) Os Hebreus tinhão o mesmo uso. V. Oleastri,
Hebraism. Canon. 5
. Non auferetur sceptrum de Jehudáh,
& Scriba
de inter pedes ejus, donec veniat Silóh,
& ei obedientia gentium
. Os Latinos usárão o
mesmo : v. g. in ante diem ; insuper rogos ; desuper :
nós dizemos d'entre muros ; perante, empós, após de ;
Dêsno tempo, Dèsde, de Des e De. „forão-me tirar
dos claustros, e de sobre os livros (V. do Arceb.) :‟
De sob as arvores (Men. e Moça) : mora a Sobripas.‟

69(d) „Ajuntai-me dita, e saber, vereis um eu :‟ e não,
um mim (Ulisipo, At. 5. sc. 6.) : O que com outro
eu
sómente ousára (Ferr. Carta 4. L. 2.) : Por outro
tu
teu filho (id. Castro) : V. Caminha, Ode 3.
Toda via dizemos : andas tão outro de ti : Heit. Pinto
dice ; apartado d'aquelle outro si, que traz de Adão :
e na Men. e Moça vem (L. 1. c. 18.) : Que após mi
não ha outro mi. Este ultimo exemplo mostra, que
ha significa tem, e não existe ; alias dir se hia : não
ha outro eu ; como, não existirá outro eu : lá anda outro
eu
, outro Sósia.

70(*) Já apontei, que isto não se entende, quando
Eu e Tu se ajuntão aos infinitivos pessoáes, e gerundios,
regidos o infinitivo, e gerundio de preposições :
v. g. para eu ir comtigo : em tu saindo. Toda preposição
deve ter depois de si nome claro, ou occulto,
que é o segundo termo em relação com o antecedente ;
e todas as palavras acima apontadas se usão adverbialmente,
com nomes depois, regidos de outras preposições,
ou sem outra regencia : v. g. estavão mortos ;
ou a cerca (ou quasi).

71(e) Barros confunde Ante, que é preposição, com Antes
adverbio. V. Grammatica, f. 296. e noutros lugares ;
f. 45. ante Deus, e ante do prefaço.

72(f) De al pello se derivou a pello, opposto a após-pello.
V. Cruz, Poesias, Egl. 10. f. 66. „Que a pello
me não falta na amizade &c.‟ i. é, liza, direita, e
não revessamente : outros interpretão a pés e pello,
descalço, ou a pé, e nu ; ou mal roupado. „a pese-pello
vir da sua aldeya.‟ (Garção, Epist. 2. vẽi errado
apassapello).

73(g) Assim mesmo se diz Sótavento, por Sotovento
do Italiano Soto. Todos sabem, que os Peçanhas primeiros
almirantes do mar, e sua tripulação, que elles
assoldadavão, erão Italianos, d'onde ficárão termos
Italianos na Nautica : v. g. galeote, Comitre, gúmena,
e outros. (V. Severim, Noticias, Disc. II. § XIII.)

74(h) E com sentido absurdo, porque Substar é estar
debaixo da Lei, ou execução ; assim mesmo dizem Desfeyar
por affeyar, devendo ser o contrario ; desfeyar,
desfazer, diminuir a feyaldade. (V. Cruz, Poes. Egl.
10
. „Queres que nosso cabto sobreesteja em quanto
vou buscar que cozinhemos ?‟ Neste sentido não
ha exemplo classico de Substar, senão de Sobr'estar. V.
Orden, 3. 20. 26. Arraes, 3. c. 3.

75(a) Que é o articular usado com ellipse de verbo :
v. g. „Digo que és bom :‟ i. é, digo isto, que
é, tu es bom : „quero que venhas :‟ quero isto,
que é, a tua vinda, ou o vires.

76(a) Assim mesmo dizem os Latinos Vae tibi, ai de
ti : vae vobis, ai de vós ; por onde se vê, que as interjeições
pedem ou regem o seu complemento, ou as
palavras, que completão a sua significação. (V. Barros,
Gram. f. 160
.) „Ai de ti‟ dirão que é „por
amor de ti :‟ mas quem rege a por amor ? ou a quem
serve por amor de complemento, senão a ai, tenho
dor ? Os Grammaticos Gregos confundem os adverbios
com as interjeições ; mas éstas equivalem a uma sentença
perfeita com verbo ; os adverbios a uma frase modificativa
do attributivo verbal, de adjectivos ; e nomes
attributos.

77(b) Assim, ó Thais, os Deuzes bem me queirão
Que já te quero bem :

(Costa, Terenc. Eunuch. A. 5. sc. 2.)

Assim, ou tanto é certo, que te quero bem, quanto
dezejo, que os Deuses me queirão bem. veja se o Indice
da Lusitania Transformada
, nova ediç. art. Assi.
„Peço-vos, Senhor, assi Deus proveja sempre com
prosperidade vossas coisas, que me queiraes ajudar.‟
(Barros, Clarim. 1. e 6.) Peço-vos exprime claramente
o dezejo, que vai por ellipse nas outras sentenças.
Assim sejas de Filis sempre amado como, ou que
me digas os versos, que cantaste :‟ assim desejo
(tanto), que sejas sempre amado, como dezejo que me
digas
&c.

78(*) A tento é frase adverbial derivada do uso de contar
por tentos ; d'onde dizemos contou tudo tentim,
por tentim
 : os editores ignorantes o confundirão com
attento adjectivo : tal é a sinte (de a sciente) ; a torto,
a drede ; estar a direito ; á conta, á razão com alguem :
„Dizei a tento
 ;‟ como quem calcúla (Ulisipo,
Com. A. 2. sc. 4
.) de vagar : „Vai-me Amor matando
tanto a tento.‟ Cam. Son. 11.

79(*) V. g. „estive no theatro quando tu lá estavas :‟
i. é, no tempo, quando, ou no qual. Quando
vẽis
 ? i. é, dize me o tempo, quando vẽis ? O como,
o quando
 ; é o modo, como ; o tempo, quando. „Ensinai-me
o como :‟ i. é, o modo, de como, &c. donde
se vê, que como sempre pertence a uma proposição incidente,
que modifica uma palavra subentendida, ou
clara da proposição principal : alguns Classicos escreverão
quomo, de quo modo Latinos.

80(**)Pedro ama a João :‟ a correlação entre João
como objecto amado, ou paciente a respeito de Pedro
agente resulta de amãte attributo unido ao verbo é,
pois ama val é amante : em, „homẽ habil para as lettras ;‟
a correlação entre homem e lettras mostra-a a
preposição para, que indica o fim, e que cõpleta o
sentido vago de homem habil, o qual o póde ser para
mũitas coisas : „homem de lettras‟ de indica a possessão
da Litteratura competente ao homem, que a
possúe.

81(***) Em Inglez usa-se de preposição of ; ou de ajuntar
um s ao nome : v. g. house of Peter, ou Peter's
house ; casa de Pedro
, ou de Pedro casa, imitando o
genitivo Latino.

82(a) Os bons autores dizem variamente : „eu sou
o que fallei, ou o que fallou :‟ o primeiro é mais
classico, e conforme á rasão ; porque que refere se, ou
substitue se a eu, e vale tanto como, e eu fallei : „eu
sou
uma dona, que venho aqui :‟ „eu fui aquelle,
que menos senti :‟ „eu sou a que ando nas mexiricadas.‟
(Barros, Clarim. L. 2. c. 2. e 19. Sá Miranda,
Egl. V. Lusiada, 5. 50
.) „Quem es a que me
fallas ?‟ é analogo. „Esse tu, que lá estás.‟ (Men.
e Moça, L. 2. c. 22. e Camões, Anfitriões
) Com tudo,
nos mesmos classicos se acha : „eu sou a que lhe
mayor bem quer :‟ e „perdeis a mim vosso irmão,
que vos tanto bem quer :‟ parece que em ambos deve
ser quero. (Clarim, L. 2. c. 21, e 26.) Na Ulissea,
3. 82. Lava
, e estou fazẽ parecer diversos sujeitos
das incidentes, sendo um só.

Quando as proposições determinão uma
classe de individuos, o verbo d'ellas deve ir ao plural :
v. g. „João e um dos homens, que se portárão melhor
naquella acção.‟ Por tanto é incorrecto dizer : „Esta
Cidade foi uma das que mais se corrompeu da heresia :‟
devia ser ; das que mais se corrompèrão. Outra coisa
seria, se a classe fosse já determinada, por qualquer
attributivo, e a incidente explicasse só o sujeito da
principal : v. g. „Eu sou um d'aquelles infelices, e
o que mais sofri nessa desgraça.‟ V. Leão, Cron. T.
1. f. 230
. „Foi um dos Reis mais liberaes… e
d'os que mais Villas, e Castellos derão, e que a ida
d'elRei seu irmão a Castella tomou por grande afronta :‟
é um exemplo correcto, o primeiro que determina
a classe geral dos Reis, o segundo dá mais attributos
a um dos Reis.

Ha homens, ha frutas não são concordancias irregulares :
nestas sentenças, e semelhantes falta um sujeito
do singular ; e os nomes do plural são a coisa possuida
pelo verbo activo Haver : „acabadas as inimizades,
que havia entre Deus, e os homens :‟ i. é,
as inimizades, que o peccado havia posto, feito, causado,
entre Deus, e os homens, &c. (V. o Capit. 5.
L. 1. num. 32. nota (g)

Povo, Gente, Parte, e outros nomes, que significão
mũitos individuos, levão o adjectivo, e o verbo
ao plural : v. g. „Gente cega nem os estimo, nem
me vão movendo.‟ (Ferreira, Carta 8. L. 1.) Quando
falamos a um por cortezia como a mũitos : v. g.
vós estais mũi ancho, e contente : o verbo vai ao plural ;
os adjectivos ficão no singular. O mesmo é se alguem
fala de si, com verbo no plural : v. g. „mũi
largo temos sido : quando d'isso formos sabedor.‟
Sendo o sujeito e attributo nomes, o verbo concorda
com o sujeito : v. g. O dote, ó Pamphilo, é seis mil escudos.
As armas do Imperador é uma aguia.‟ (Lobo,
Corte na Ald.
) Mas disto direi mais na Sintaxe
figurada.

83(*) „Por salvar mi offereceo si :‟ (Ineditos, T.
3. pag. 370
.) é uma antigualha desusada : o mesmo
são migo, tigo, sigo sem com.

84(**) O sujeito do infinitivo em Portugues tambem
é o nome Eu nesta figura : v. g. „Todos sabem
ser eu dos teus mayores amigos Fazem-se temer :‟
é, fazem temer a si, causão temor a si ; porque
o nome abstracto, e os infinitivos são identicos :
„Ver-me-has do Reino ser privada‟ é „verás a
mim o ser privada do Reino‟ sendo o ser privada
paciente de verás, e me o termo, como quando se diz :
vi-lhe uma espada ; viu-me a cabeça ferida ; &c.‟
„Se faz temer ao Reino de Granada‟ e „faz temer
se ao Reino :‟ sendo temer paciente de faz, se paciente
de temer ; ao Reino termo de faz temer, como fez
temor a todos
 : ou temer se, ser temido, paciente ; ao
Reino
, termo á maneira dos Latinos, que dão um dativo
ao verbos passivos, a que arremeda a o Reino.
Isto lhe fez deter-se ali.‟ (Clarim. T. 2. f. 224.)
„o tempo, e a idade te fazem desconhecer-me :‟ causão
a ti o desconheceres-me. (Ferreira, Bristo, 5. 2.)

85(a) Limita-se quando aos nomes eu, e tu se ajuntão
os adjectivos um, e outro, como já apontei no Capit.
7. nas notas ao numero 14, e 16 (d) e (*).

86(***) Mũitos autores usão de se, si, sigo impropriamente :
v. g. „Saiu o Grão Duque a esperá-lo, e tres
Cardeaes com sigo :‟ devia ser com elle ; i. é, e tres
Cardeáes sairão cõ elle : „o grão Duque levou com sigo
tres Cardeáes
‟ é correcto. (V. do Arceb. L. 2. c. 20.)
„eu ando mal com elle‟ elle anda mal com sigo, desavindo
com sigo, aborrido de si mesmo. „elRei saiu
com a gente, que ficou com sigo‟ é erro ; deve ser
que ficou com Elle, ou que Elle deixou com sigo, &c.
„a virtude por si mesma é respeitavel‟ e não por ella
mesma
. Será proprio „Tu amas o saber por si sómente ?‟
(Ferreira : V. do Srceb. L. 2. c. 25.)

87(b) O caso lhe, e lhes é termo, e não paciente : v.
g. „tomou-lhe a noite com historias velhas ; tomou-o a
noite ali :‟ i.é, sobreveyo lhe naquelle lugar. „Tomou-lhe
a noite ali :‟ no mesmo sentido de tomou-o a
noite
, é incorrecto ; e assim o são : „a Duqueza, que
em extremo lhe amava :‟ por, o amava (Palmeir. P.
2. c. 74
.) : „tomou-lhe tanta dor : tomou-lhe medo :‟
por, tomou o tanta dor ; e tomou-o o medo : „tomar-lhe
medo
 :‟ é concebê-lo de alguem. (V. Men. e Moça,
L. 2
. „o tomou ali a noitec. 9. ec 36. „tomou-lhe
tanta dor
 ;‟ mal, pois dizemos : tomou-o um
accidente
 ; tomou-o a nova dor sobre a afflicção ainda recente,
&c. Eu lhe amo, lhe adoro : são erros das Colonias :
quero-lhe como á minha vida ; sc. quero-lhe bem,
como
&c. é correcto.

88(c) Os nossos bons escritores mũitas vezes
ommitem as preposições, que havião de preceder aos nomes,
e indicão depois as relações d'estes, usando dos casos
dos pronomes referidos aos nomes, ou do articular relativo
com preposições, ou junto ao verbo : v. g. „O
menino, que quem o afaga, o choro lhe accrescenta :‟

Bromia, quem com vida ter (por a quem)
Já da vida desespera,
Que lhe poderas dizer ? (Camões)

„Regida pela lei das mulheres, que lhes parece merecer
mais o tempo, que a vontade :‟ por, a quem parece.
(Clarim. 2. c. 6. pag. 57.) „Quem tão confiado
he em seus guardadores, escusado lhe seria eu.‟
(Barr. Clarim, 2. 19.) „Que, porque do salgado mar
nasceu ; Das aguas o poder lhe obedecia‟ (Lusiada)
„Vereis este, que agora presuroso por tantos medos
o Indo vai buscando, tremer d'elle Neptuno.‟ (Lusiada)
„Em Diu não estavão as armas ociosas, porque
Rumecão valeroso, e constante, não o assombravão
os damnos recebidos.‟ (Freire) „Aquelle, em
quem ponho a vista, por esse dou a sentença.‟ (Camões,
Anfitr. e V. Lusiada, 2. 40
.) „De Subdiácono
não seja ordenado quem lhe faltar ésta qualidade.‟
(Souza, V. do Arceb.) „Uma vida de quem lhe não
lembra nada da outra.‟ (V. Paiva, Serm. 1. f. 74.)
Até qui bem ; mas é incorrecto dizer : Que eu em sangue,
e nobreza, o claro Ceo me estremou
(Camões, Filod.) :
devia ser : Que a mim, em sangue, e nobreza,
o Ceo me estremou
 : alias eu será sujeito sem verbo.
„Da cavalgada ao Mouro já lhe peza :‟ o lhe escusado
serve d'encher o verso. (Lusiada, 1. 90.) „Com
os quaes lhe pareceu a D. João Mascarenhas, que podia
intentar coisas mayores (Freire) :‟ o lhe é superfluo.

89(d)Após de mim virá quem melhor me fará :‟
„Vem logo após de mi, por aqui dentro.‟ (Costa,
Terenc. 2. pag. 281
.) Nestes exemplos após se usa como
adverbio, como depois, atrás ; em todos é visivel
a combinação das preposições a e de com pós, que os
antigos dicérão espós, empós (como os Latinos inante,
insuper, desuper
) e talvez pós : v. g. „claro após
chuva o Sol, pós noite o dia.‟ (Ferreira, Ode 2. L.
2
.) V. a Histor. dos Varões Illustr. do apellido de Tavora,
f. 156. e 157
. e o Diccionar. art. Pós, e Após.
Sousa, Hist. P. 2. L. 2. c. 18. f. 94. v. Inedit. 1.
f. 531. Diante mim, diante si
vem nos classicos ; e
diante Reis, diante Imperadores ; outras vezes diante de
Deus e dos homens
. (V. Sagramor, 1. 17. Palmeir. 1.
c. 35. Bernard. Flores do Lima
.)

90(e) Até ás vezes parece adverbio, tambem : „Foi
tão grande o contentamento, que até a Pradelio, que
tão lastimado ia, coube parte d'este gosto.‟ (Lus.
Transf. f. 140
.) „E dó que até nos agros se sente
falta.‟ (Lobo, Corte, D. 3. f. 61.) „E até a sua presença
lhe valeu pouco.‟ (Id. Primav.) Nos Livros
antigos vem atá por até (Orden. Afons. Azurara,
Cron. do Condest.
)

91(f) Quando pois queremos indicar o objecto do
amor, e semelhantes qualidades energicas, é menos
equivoco usar de a, ou para ; v. g. o seu amor ás lettras,
e para o proximo
. Diremos bem geralmente falando :
o amor do proximo é dever essencial ;‟ porque
é um dever mutuo, de que devemos ser sujeitos,
e objectos. „Para que juntos dispozessem a resistencia
do commum inimigo :‟ seria melhor ao cõmum inimigo
(Freire). „Não sei, se do amor á patria, ou da benevolencia
ao Governador nascerião estes estremos :‟ é
mais claro que do amor da patria ; e da benevolencia do
Governador
, de que este era objecto.

92(g) Dès i ácha se nas reïmpressões dos Livros Classicos
escrito assim de si com sentido absurdo ; dès i
quer dizer depois d'isso, d'esse lugar, passo, época.
Vejão se as obras de Barros, o Lelio de Resende, e
outros.

93(h) Em não se muda em n ; mas cála se antes do
artigo, e a este ajunta se n por eufonia ; os antigos
dicérão „em no tempo : em no eu vendo : Em nhas
assenhas :‟ (Foral de Tomar de 1162. traduz) por que
escrevião ho, ha artigo : „Dà poder aos Judeos sobre
os Christãos em nas suas ovenças pruvicas : em nas
possissões : em no termo : reduzer em na servidom. (Orden.
Afonsina, L. 2. T. 1. 65
.) Tem por injuria fazerem-no
(H. Pinto, pag. 418.) „Quem n'á-de
lograr ?‟ por, quem a hade lograr ? (Cruz, Poesias,
f. 115
.) „Tanto é mór a dor Quanto é mór quem
na
deu.‟ (Men. e Moça, Egl. 3.) Em todos os exẽplos
precede o n ao artigo, que devia seguir se a em :
outras vezes dizemos ; v. g. de o fazerem, para evitar
o hiato de fazerem-o ; „sofrião mũito mal terem no por
Regedor.‟ (Leão, Cron. T. 1. f. 218. ediç. de 1774.)

94(i) Pinto Pereira, L. 2. f. 13. diz mal : „para entre
el Rei de Portugal, e eu :‟ devia ser e mim.

95(k) Tras usão os Classicos hora como preposição ;
v. g. tras mim, tras elle ; hora como adverbio ; v. g.
atras de mim, de ti, delle ; e assim o usamos hoje. Salvo
é o verbo Salvar por exceptuar : e salvo eu é ficando
eu salvo
, ou exceptuando, onde salvo é adjectivo.
Excepto alguns, como preposição, acha se nos Livros
classicos ; outros o usão melhor como participio : „exceptas
as cartas
do Marquez (Vieira, Cart. T. 2. f.
103
.) :‟ o mesmo é Mediante, e Obstante, e Durante :
mas é mais correcto usá-los como participios : v.
g. „mediantes as quaes promessas : não obstantes quaesquer
leis
em contrario :‟ e „durante o Concilio‟ mas
durando as festas‟ e presentes ellas. V. Barros, Gram.
f. 71. Monarch. Lus. T. 2. f. 6. e 284. Ulisipo, A.
1. sc. 1. Resende, Cron. J. II. c. 117. Souza, V. do Arceb.
L. 5. c. 24
. „As coisas tocante a Religião‟ é erro
de concordancia, e um Gallicismo ; deve ser tocantes
como pertencentes.

96(l) Este modo de expor a cõposição dos nomes cõ
os nomes (por si sós, ou acõpanhado o primeiro de
adjectivos, e verbos) explicando em geral as relações
d'elles, que as Preposições, declarão, parecerá difficil ;
mas qualquer meyã capacidade entenderá o que é resolução
entre dois termos
, começando a explicar-lhes das
fizicas, e passando ás semelhantes incorpóreas : v. g.
sobre a terra, sobre mim, sobre minha palavra, fé, verdade,
&c. Alias que quer dizer : tal nome, adjectivo,
verbo, ou preposição rege em Portuguez genitivo,
dativo, accusativo
 ? Isto é dar idéyas falsas, porque
não temos táes casos ; e se o quizermos explicar
por meyo dos casos Latinos, e seus usos, daremos outras
idéyas falsas, e explicaremos o que se ignora, e
é dificil, por meyo de outras coisas mais ignotas, e
difficeis : e com tudo os nossos Grammaticos reconhecendo,
que não temos casos, todos torpeçárão nos
Nominativos, Genitivos, Dativos, &c. V. Duarte Nunes,
na Ortograf. f. 306. ult. ediç. Clava de ferro
dizemos,
e de ferro dirão os Grammaticos é genitivo : mas
em Portuguez não, porque ferro só se varia em ferros ;
em Latim menos, porque lá dizẽ ferrea clava, ou de
ferro
, como de duro est ultima ferro : onde está logo,
ou como está de ferro em genitivo ? Outros exemplos
vem analogos : v. g. Evandrius ensis, espada d'Evandro,
&c.

97(a) V. Sá e Miranda, Vilhalp. At. 1. sc. 1. e 3.

98(b) Eufr. At. 1. sc. 1.

99(c) Nossos mayores dicerão fazer fim. V. do Arceb.
L. 5. c. 29. fez fim á sua escritura : que forão daquelles
Cavalleiros ? Ineditos, T. 3. f. 323
.

100(d) „O que queira dizer a nossa Eunuco ;‟ i. é,
a nossa Fábula, ou Comedia intitulada Eunuco : „morto
aquelle peste do mundo‟, i. é, aquelle homem
peste do Mundo Herodes : „aquelle fonte da Eloquencia
Cicero ;‟ aquelle Cicero fonte da eloquencia : o
serdes feyas ; i.é, mulheres feyas : eu sou o fóra de mim ;
i. é, o que estou fora de mim. (Camões, Anfitr.)
„Outros Reis os seus estados guardão de armas rodeyados ;
vós rodeyado de amor ;‟ vós guardais os vossos
rodeyado de amor (Sá e Mir.)

101(e)Ventos e aguas sempre se mostrão duras para
maguas :‟ sc. duros e duras : „Entre as hervas do
prado não ha machos (sc. individuos) e femeas conhecidas ?‟
(Camões) Daqui se vè, que os adjectivos
modificando dous nomes, não se usão sempre no plural
masculino, nem por ser mais nobre (como os
Grammaticos dizem) : exprimem se numa forma, e
subentendem se noutra.

102(f) „Que bem lembrado estaria S. Santidade.‟ „Pedia
a S. Majestade (elRei), que fosse servido.‟ (Souza,
V. do Arceb. L. 4. c. 16. e 17. e L. 5. c. 25
.) Concordar
o adjectivo com o titulo feminio é erro, salvo
quando o titulo convèm, e se dá a Senhora. Na
Dedicat. ao Principal vem erradamente : „V. Excellencia,
gozando ella :‟ deve ser elle. (V. Duarte Nunes,
Descripç. de Portug. ult. ediç. de Borel
) V. Camões,
Filodemo, 1.° sc. 2. e 2° sc. 3
. e Barros no Panegir.
delRei
a cada passo tras : V. Alteza… Elle : e Souza,
V. do Arceb. L. 5. c. 25. V. Senhoria…elle
, e
não ella ; que fora Gallicismo, ou Italianismo. V. Couto,
Dedicat. da 4. Decada
.

103(g) O artigo o, todas as vezes que se refere a um
adjectivo attributivo, ou a nome usado como attributo,
nunca varia daquella figura respondente ao genero
masculino no numero singular : v. g. „As feyas, nem
por o serem, é razão que vivão descontentes :‟
Um dos respeitos, que o barbaro teve „para matar
tão cruelmente os Christãos, foi porque depois
de o serem, já os havia mais por vassalos de Portugal,
do que seus : Forão-no, e são-no para morrerm,
e não a serão para os defendermos ?‟ (Lucena) „Os
seus doutores, que o são fracos.‟ (Veiga, Ethiop. f.
47
. v.) „Foi ver a sepultura de seu irmão, que o
havia de ser sua.‟ (Pinto Pereira, 1. c. 24.) „Tirando-a
de mulher de quem o era, fez que o fosse, de
quem o não queria ser.‟ (Idem) „Todos tem recebido
de vós obras de grande amigo, e eu (Lindarifa)
ainda livre d'ellas, como se o eu não fosse grande
vossa.‟ (Clarim. 2. c. 6.) Em todas estas frases ha
ellipse do infinitivo ser, puro, ou pessoal, com que
concorda o artigo o, como quando dizemos o ser douto :
quanto o serem (meus males) por ti me de gloria.
(Camões, Eleg. 8.) O seres feya ; o serdes discretos ;
o ser, ou não ser oiro, e prata, é o tudo &c. Quando
pois vẽi o artigo só, subentende se o infinito puro,
ou pessoal : v. g. „querião, que os ordenandos conhecessem
a dignidade (sacerdotal), e a estimassem pelo
que ella é
 :‟ i. é, pelo ser que ella é (V. do Arceb.
L. 1. c. 17. c. 3. c. 15
.). Mas os adjectivos, que se
ajuntão, quando é pessoal, concordão cõ a pessoa em
genero, e numero : v. g. „consultão os seus doutores,
que o são fracos ; » i. é. Que são o ser doutores fracos :
„as feyas nem por o serem feyas ;‟ e ellipticamente
nem por o serem. Dirão que não dizemos ser o ser feya ?
Mas o infinitivo ser a cada passo se acha sujeito cognato
de si mesmo modificado por outros attributivos : v. g.
„que seria, serdes tanta gente… e leixardes vos assi
vencer ?‟ (Ined. 3. f. 26.) „As condições do Reino
forão sempre serem os vassallos filhos, e o Rei (sc. ser)
pai, e Senhor.‟ (Jornad. d'Africa, f. 73.) „Ser
Principe é ser o que tu és.‟ (Caminha, Epist. 12.)
„Grande dignidade é ser mãi de Deus, e é propriedade
,,sua ser advogada, o qual (sc. ser advogada)
,,Ella mostrou nas vodas de Caná.‟ (Flos Sanctor.
V. de N. Senhora, c. 16. ediç. de 1567.) „O ser do
homem são honras, riquezas.‟ (Férr. Carta 9. L. 2.)
Igualmente dizemos : v. g. „A ilha era de Mouros
(Mourisca) e tambem o era toda a Costa.‟ (Castan.
L. 1. c. 8.) „Não seja o amor com tanto excesso (tão
excessivo), porque se o for.‟ (Paiva, Cas. Perf.)
„Tudo nas mulheres é suspeitoso, até o serem virtuosas,
e para o serem sem perigo requer se mũita prudencia :‟
„Pessoa, e ser é o (sc. ser) de Florença,
para um Principe a tomar por mulher.‟ Ulissip. Com.
A. 5. sc. 1. f. 355
.) „A condição, que mais lustra em
Principes, é ser liberáes.‟ (ibid. f. 326. e V. f. 327.)
„Nobreza é ser rico, e vir de pais, que o fossem.‟
(V. Ulisipo, f. 357. ult. ediç.) „Isso é serdes senhor
absoluto, e dissoluto.‟ (Vida do Arceb.) : „Quem
negará serdes, meu Deus, um ser infinitamente bom,
e que o sois de toda a Eternidade ?‟ Com ésta mesma
analogia dizemos nas cõparações : « é mais moça, mais
formosa, mais mulher do
que tu :‟ aqui o artigo refere se
a attributos : „tem mais antiguidade, da que lhe dão :‟
chorou mais lagrimas d'as que lhe viste chorar : mais enlevada
Filosofia, da que tratarão todos os Gentios escritores
(Barros, Vic. Verg.) : inda são mais embaraços
dos
que eu quizera comigo (Sa de Mir. Egl. 8. Vasconc.
Sitio, 67
.). Nestes exẽplos o artigo refére se a substantivos
táes, antiguidade, lagrimas, Filosofia, embaraços ;
e por isso o artigo se varia segundo o genero,
e numero : „nós somos mais amigos do que eramos
dantes :‟ amigos attributivamente tem o referido : „nós
somos mais amigos (em numero) dos que cuidavamos,
que aqui seriamos nestas vodas :‟ aqui amigos é substantivo.
Assim mesmo o é invariavel referido a attributos
com verbos neutros : v. g. „dizeis, que ides,
vindes, estais, ficais saudosa
, e eu tãbem o estou, vou,
fico, venho de vós
, como irmã, que mũito vos amo :‟
contra este uso tão constanse se le no Triunfo do Sagro
Amor, L. 1. c. 29. f. 125
. v. „Pedragonte partiu mũi
saudoso, de quem a não ficava d'elle ;‟ (era uma dama)
e deve ser : de quem o não ficava. „Pobres donzellas
postas em risco de deixar de sê-las :‟ é erro ;
devia dizer, de o serem, ou de sê-lo, mas não rimava
donzellas. V. Lusiada, 4. 17. verso 2. e 3. est. 3.
a mãi, que tão pouco o parecia :‟ onde a precede
a mai substantivamente ; o parecia, sc. o ser mãi, attributivamente.

104(h) V. o cap. 5. do L. 1. n.° 13. d'esta Grammatica :
outro exemplo vẽi na Eneida de Barreto, 9. est. 171.
„A alta ilha de Prochina retina ;‟ em vez de retine
no indicativo, que o sentido pede ali.

105(i) Estas Enallages são de Camões, no Filod. e Anfit.
e na Ode 1. de Ferr. no Bristo, AT. 2. sc. 4. e Cioso, f.
177. Sa Mir. Estrang. scena ult
. onde quasi sempre
falão criados, e os Poetas imitarião, ou remedarião a
incorrecção da frase ; porque quando no Bristo fala o
Cavalleiro Annibal diz : „Todos querias, que fossem
como eu ? Então para que prestava ?‟ Responde o parasito :
„Para o que elles prestarião, se fossem como
ti
.‟ (V. Bristo f. 17. A. 2. sc. 1. e f. 40. e 47.)

106(k) Nós dizemos correctamente se tu foras eu, porque
o verbo concorda com o nome tu sujeito, em numero,
e pessoa ; logo invertendo diremos se eu fora tu :
como : suppõe, que eu sou tu, e que tu és eu : que tu
és elle, e que elle é tu
. „Que eu em sangue e nobreza
o claro Ceo me estremou :‟ devia ser : „que a mim
em sangue &c. o claro Ceo me estremou.‟ V. aqui
o Cap. 1. § 2. num. 12. nota (a). „Discipulos Santos,
quem vos fez mais maviosos, que a vosso Divino
Mestre ?‟ é correcto, sendo a sentença supprida ; do
que fez mavioso a vosso Mestre : e é igualmente correcto :
„Para mim não vejo mayor perigo que a
mim
 :‟ i. é, do que vejo a mim : em ambas o verbo
supprido tem os pacientes mostrados pela preposição
a, e os sujeitos são diversos, e incluidos nas variações
pessoáes, ou antes em quem fez, e eu vejo.

107(l)Dormimos sonos alheyos, os nossos não os dormimos ;
rimos os risos alheyos
 :‟ dis Sa de Mir. pintando
o caracter servil, e lizongeiro ; e para ajuntar os
epitetos expressa os pacientes cognatos sonos, e risos
juntos a dormimos, e rimos. Semelhantes a estes são :
por seculos dos seculos ; esta é a verdadeira verdade ; pelejar
as pelejas
do Senhor ; &c.

108(m) „Lhe refere o que pede, e o a que vinha.‟
(Eneida, 10. 35.) „Nunca me esquecerá Alfeu o
(sc. perigo) a que te aventuraste por meu respeito.‟
(Lobo, Primav. f. 100.) „Tudo o, a que te inclinas.‟
(Caminha, f. 32. Leão, Cron. T. 1. f. 109.
ediç. 1774
.)

109(n) Nas Linguas, que tem casos, onde a transposição
das palavras é mais livre, póde ser a construcção
indirecta sem hyperbato, figura mais ordinaria nas Linguas
mais sujeitas á collocação directa. V. a Lusiada,
2. est. 87. 90. e 91
. e Lusit. Transform. f. 83. „E assi
o nosso rustico Pão a teu cantar não invejoso &c.

110(*) Assim o escreverão Resende no Lellio, Goes nas
Cronicas, e outros derivando-o de hac, e hoc Latinos.

111(a) Nos dizemos correctamente eu quero-lhe bem :
gabo-lhe a paxorra : onde lhe é termo ; bem, e paxorra
pacientes. Este equivoco é talvez inevitavel : v. g. tirei-lhe
o chapéu
, por cortejei-o ; e tirei-lhe o que elle tinha ;
comprei-lhe a casa ; para elle, ou a elle. As circunstancias
tirão a duvida : „indo S. Geraldo dedicar-lhes
um templo
 :‟ não a elles mas para uso d'elles, e
sua casa d'oração. (Descripç. de Port.) „O Capitão…
Recebendo o Piloto, que lhe vinha, Foi delle alegremente
agasalhado :‟ quem foi agasalhado, o Piloto
por Vasco da Gama, ou este pelo Piloto ? (Lusiada,
1. 95
.)

112(*) „Ama o povo o bom Rei, e he d'elle amado :‟
deixa em duvida quem é o sujeito, que ama ;
(Ferr. Carta 1. do L. 2.) mas o equivoco aqui é feliz,
e a sentença verdadeira de qualquer modo. V. a
Ulissea, 10. est. 78. „Astrea &c.‟

113(**)Que um bosque sobre as ondas parecia‟ refere
se à armada, precedendo uma incidente (que partia)
e uma principal „E as proas para Tenedo inclinárão.‟
Outro exemplo vẽi no Tomo I. das Cron. de
Duarte Nunes, pag. 208. ediç. de 1774
. onde dis : „stava
neste tempo
&c. ali se acolheu parece referir se a S.
Luis, que herdára o Reino, aonde de Roma se acolheu
&c. mas é do Papa. (V. Freire, pag. 398. ediç. de Paris :
despachou algũas espias &c.‟)

114(b) Má versão de „negotium facesseret‟ em o Lellio
de Resende
.

115(c) Os Infinitos, Supinos, e Gerundios são nomes
verbáes invariaveis, com estas differenças, que o Infinito
significa o attributo verbal, sem relação a tempo
algum ; v. g. ler, escrever : o Gerundio designa o
mesmo attributo, ou acção abstracta actual, e imperfeita ;
v. g. em lendo, entre lendo : o Supino é outro
nome, que significa a acção em abstracto referida ao
passado, ou completa : v. g. „tenho lido, escrito ;‟
que é lição feita, escritura acabada : temos rido mũito,
dançado : temos jogado
 ; &c. „Os que havendo posto
sua confiança em Deos, desanimárão c'os trabalhos, e
a tem posta nas ajudas do mundo, conhecerão o seu
erro :‟ é um exemplo correcto : „As prisões, em que
os temos atados :‟ (Freire) „Instituiu-nos a observancia,
que a maldade dos tempos tinha esquecida, e
caida :‟ (Hist. de S. Domingos, Tom. 3. f. 148. ult.
ediç.
) São exemplos certos da coisa possuida modificada
por participios : „Tenho a fortaleza de Diu derribada
até o cimento
 :‟ (Freire) „os inimigos tem derribado
a fortaleza até o cimento :‟ são correctos, o Governador
tinha a fortaleza ; o inimigo tinha-a só derribado.

Como pois sejão nomes abstractos verbáes, servem
de segundos termos de relações, com as preposições :
v. g. a ler, para ler, entre lendo, sem sabendo ;
e quando lhes ajuntamos os nomes, eu, ou tu como
personificando os infinitos, e gerundios, as preposições
não fazem mudar os ditos nomes : v. g. e por eu saber,
para eu ver, em eu sabendo
, como por tu saberes,
ou para tu ; e não por ti saberes ; salvo se ti fosse
complemento de saberes : v. g. „bem obraste, se o fizeste
para saberes por ti mesmo a verdade, e não d'ouvida ;‟
onde por ti indica o meyo, ou pessoa, por quem
se faz a acção saber, com sentido diverso de por tu saberes,
frase, na qual não se exprime o meyo, ou modo
de saber, mas só o motivo. „D'aqui dou o viver
já por vivido :‟ é participio cognato do nome infinito
viver.

116(d) Com a mesma differença e de sentido dirião os
Francezes elle est sortie, e elle a sorti.

117(a) O accento circumflexo dos Antigos era sinal de
levantar o tom da vogal, e logo abaixá-lo ; nós não
temos semelhantes vogáes, e o accento circumflexo
nos é desnecessario ; os nossos Grammaticos accentuão
com elle vogáes graves : v. g. vêo, fêo, por vè-yo,
fè-yo
, &c. Commũmente não usamos de accentos prosódicos,
se não é para distinguir palavras homominas,
ou da mesma escritura, e diversos sons e sentidos : v.
g. ésta a casa de Pedro ; está a casa de Pedro ; azèdas
adject. de azédas verbo ; ímpio de impío com licença
poética ; tòrno nome, de tórno verbo ; saúda dividindo
o a do u, ou ditongando em lauda, e pauta, &c.
sem o accento, ou ápices : v. g. saüda, graüda, mïuda.

118(b) Duarte Nunes, e outros adoptarão na divisão
das palavras as razões da Ortografia Latina, onde aspero,
v. g. no fim da regra se dividiria a-spero, porque
ha palavras Latinas, que começão por sp, e assime
a-specto, &c. Mas isto é inapplicavel ao Portuguez,
contra a razão Filosofica. Toda consoante deve ser
seguida de vogal, ou de um e mudissimo ; e onde elle
não se escreve, tanto importa que a consoante fique
com a vogal antecedente, como que acompanhe outra
consoante : v. g. es-creve, que soa e-se-ke-re-ve, porque
se dividirá ao modo Latino e-screve (prae-scribo)
e não es-creve, e-spelho (speculum) e não es-pelho. (Ortogr.
pag. 237. e seg.
)

119(1) Nos antigos acha se Som, Sam, São, por Sou :
„ainda que eu pèca são :‟ (Camões, Tom. 4. f. 55.
pesa
tras por erro a ultim. Ediç.) Eres por Es.

120(2) Vulgarmente se escreve he com h contra a Etimologia
Latina, e o uso de alguns Authores Classicos,
que escreverão é.

121(3) Tẽes, Tẽe escrevèrão os Classicos conforme à
pronúncia, e á etimologia de Tenes, Tenet, Latinos.

122(4) Ha ou á nunca foi variação do verbo Ser ; na
frase „Que como dès gran tempo ha fosse contenda‟
ou dès, ou ha se devia ommittir ; ficando, que
como dès gran tempo fosse contenda, ou que como há
gran tempo fosse contenda
. (V. Elucidar, de Palav. Ant.
art. A
)

123(5) Os Antigos diçerão haviades, tinhades, &c. Barros,
e outros ommittirão o d, e dicerão tinhais, haviais,
&c. V. o Clarim. L. 2. c. 32. f. 377. e varios outros lugares :
faziais, f. 384. e 417. queriais, f. 420. „Já vós
jazedes (jazeis) peixes nas redes‟ é um resto daquelle
uso antigo nesta frase proverbial. Mũitos dos antigos
escrevèrão haver sem h, e dicérão ai por á i, ou
ha hi. V. a Ulisipo, f. 15. 86. 312. Barros, Gram.

124(6) Mas impropriamente se dizem tempos dos verbos ;
são frases ellipticas, Hei de ser, é hei tensão,
designio, esperança, intento, resolução de ser
.

125(7) Eu quero que sejas : Deus quiz que tu fosses.
Quando a acção do Subjunctivo ainda não é completa,
feita, mas actual, ou futura, ajuntamos aos preteritos
do Indicativo as variações de futuro : v. g. Deus quis
que sejas a victima d'este sacrificio. (V. Lus. 3. 20.)
„Este quiz o Ceo justo que floreça.‟ Ulissea, 7. 68.
„João escreveu-me, que lhe appromte umas casas‟ quando
inda não as appromtei, se houvesse appromptado
diria : „escreveu-me que lhe appromtasse as casas ;‟ e nestas
mesmas variações tambem indicamos a perfeição da
acção, i. é, que lhe tivesse promptas. (V. Lusiada, 2.
est. 83
.

126(8) Estè, Estès, Estè, Estemos, Esteis, Estem, do
Subjunctivo são antiquados, e Siádes por estejáes.

127(9) Tambem cõbinamos os Infinitos auxiliares com
os Gerundios, ou Participios, e Supinos : v. g. Estar sendo,
lendo, ouvindo
 ; e com os Supinos : v. g. Ter sido,
Lido, Estado, Ouvido
 : mas éstas cõbinações não se
referem a tempo, senão ao estado de imperfeição, ou perfeição ;
e são os participios concordando com as pessoas,
a quem se attribue a acção, v. g. „estar eu lendo então,
ou a ler, me fez não advertir, que passavas.‟ Ter
lido
, é ter o attributo ler completo, acabado, v. g. „o
ter lido agora, hontem, o ter lido á manhã, quando vieres,
é o menos, o mais é, ou será ter decorado.‟ Havendo
de haver algum risco (Lobo, C. Dial. 20) é, em
havendo caso de haver algum risco
 ; havendo d'haver ;
i. é, razão, direito, caso. Inedit. Tomo 3. f. a ceia
que haveis de haver, sc. destino, sorte de haver. (Clarim.)

128(1) Os Verbos em or antigamente tinhão o infinitivo
em er, e erão irregulares da 2.ª Conjugação, porque
dizião Poer Compoer, Propoer &c. agora fiz delles uma
quarta conjugação, ou exemplar de Por, e seus derivados,
que como elle se conjugão.

129(a) A mesma incerteza se denota com o futuro absoluto
do Indicativo fallando directamente…

Que gente será ésta (em si dizião)
Que costumes, que Lei, que Rei terião.
Lusiada, 1.° 45 e 2.° 3.

„Lá estarão tres até quatro mil homens. Quando
fui ao campo, estarião lá perto de tres mil homens,‟
Dice que virião, absolutamente ; e, que virião, se podessem :
a condicional se faz o virião incerto.

130(3) Os Antigos dicérão no plural do Imperativo Amade,
Defendede, Applaudide
, conforme á Etymologia Latina ;
depois tirarão o d, e ficou amae, defendee, applaudie.
Nas Ordenações Afonsinas se achão exemplos. V.
o L. T. 55. §. 5. „antes lha comprie, e guardaae.‟

131(4) Na Taboa dos Auxiliares dice o uso das variações
subjunctivas ; as primeiras usaõ se, quando o verbo
no Indicativo está no presente : v. g. quero que defendas ;
as segundas quando o verbo principal está no
preterito : v. g. quis que defendesses : eu queria, que
amasses a Deus : mũito favor me farias agora, se fosses
comprar-me isso. V. Lusiada, 2. est. 7. „d'alguns, que
trazia, porque podessem ser aventurados, manda dois
porque notem.‟ (V. a Estança 83. de cit. Cant. 2.)

132(5) Mas éstas variações requerem um tempo futuro :
v. g. manda, que amanhã lhe tenhas aparelhado a casa :
mas na Lusiada, 1. 74. „Está determinado que
tamanhas victorias hajão alcançado os Portuguezes das
Indianas gentes‟ é improprio, e devia ser que alcancem,
que não rima com determinado, e por isso o Poeta
não usou da variação, que o sentido pede ; hajão
alcançado
suppõe uma época futura determinada, dentro
da qual deve ester perfeita : v. g. que amanhã
por noite hajas acabado
.

133(6) Dizemos : exceptos Pedro e Francisco : excepto
eu
 : foi exceptuado deste numero ; ficou exceptuado : o
excepto (no Foro) contra quem se allegou excepção.

134(7) V. g. este anno tem professado mũitos noviços,
i. é, feito profissão : „este P. tem professado mũitos noviços‟,
por, tomado a profissão : como, mũita gente tem
hoje cõmungado
, recebido a communhão ; este P. tem
commungado hoje a mũitos, por, dado a Communhão, ou
recebido á Communhão Sacramental : o homem está confessado,
e commungado
, de quem commungou : faleceu
confessado, e commungado.

135(1) Quere é desusado, salvo no Imperativo.

136(2) Alguns escrevem Vèem, e assim o pronuncião para distinção de Vem do Verbo Vir, que
melhor se distingue com Vẽi conforme ao som, e á Etimologia de Venit Latino.

137(3) Alguns escrevem Pudeste, &c. mas Podeste é conforme a Potuisti, Poteram, &c. e conforme
á pronuncia mais exacta.

138(4) Barros escreveu Creïa, evitando a homonimia de cria, terceira pessoa do presente do Indicativo
do verbo criar ; mas o uso geral diz : eu cria, elle cria, de crer, e eu crio, elle cria de crear ;
o contexto tira o equivoco.

139(*) Com a differença dos accentos, que no plural são agudos, ou graves, conforme são no singular :
v. g. Crèssomos Fizèssemos, Quizéssemos, Trouxéssemos, Podéssemos, &c.

140(5) Os Antigos formarão os Participios em udo : v. g.
Temudo (hoje appellido, que por ignorancia escrevem
Themudo) Creádo, por Temido, Crido (ainda hoje dizemos
Teúda e Manteúda manceba, cavallo manteúdo ;
o conteúdo da carta, fardo, caixa) : reteúdo, retido ;
tendudo pendão, tendido, &c. são archaismos.

141(6) O estomago accendido, accesa a guerra. Lus.
1. est. 48. e 51. e 57. Dardania accesa, abrasada :
accendido em sanha (Clarimando) a alma accesa de
paixão (Camões, Ode 6.) vontade, olhos accesos (Palmer.
e SáMir.) palavras accesas de S. Cypriano (Arraes).
febre accesa (Hist. Naut. T. 2. f. 68.) accesa caridade
(Flos Sanct. f. 254. v. 1567.)

142(1) Medir como Pedir.

143(2) Outros escrevem Vens, e Vem no singular, e plural, relativo ás terceiras pessoas ; mas
o som, e a Etimologia de Venis, Venit, pedem Vẽis e Vẽi.

144(3) Os antigos dizião Induze, Produze, Reduze, Conduxe, Reluze.

145(4) Outros dicérão Sirves, Sirve. (Camões, Filod.)

146(5) Imos dicerão os Autores classicos, e hoje se usa ainda : Fr. Luiz de Souza, V. do Arceb ; „de
que vamos (por imos) historiando.‟

147(6) Is por ides, antiq.

148(7) Vulgarmente se escreve hia com h desnecessario, e contra a Etimologia de ibat.

149(6) E assim os derivados Avindo, convindo, &c. v. g. são vindos, estão avindos, donde se derivou
Avindeiro, que faz avenças, e pacificações. „deu elRei D. Manuel regimento aos Avindeiros aos
10. de Janeiro de 1519.‟ outros dicerão Avindores.

150(7) Já apontei, que os nossos mayores usarão dos
adjectivos verbaes em ante, ente, inte, como de participios
á maneira dos Latinos ; estes mesmos usavão
delles como de adjectivos. nós recebemos alguns dos
Verbos Latinos, que não adoptamos ; v. g. coruscante,
trepidante, insolente
(Lusiada, 2. est. 52.) por extraordinario,
não vulgar, nem costumado : adjacente,
excellente, fulgurante, continente
 : outros com algũa differença ;
v. g. obediente do Latim obedio, que imitámos
em obedecer, mas não dizemos obedecente ; penitente, &c.
de potens derivamos potente, e possante : „Se acabante
aquelle feito o Governador se fora logo surgir :‟ por
acabando, ou acabado, diz Couto, D. 4. L. 7. c. 4.
tremante
tomámos do Italiano tremare. (Ulissea, 6. 94.)

151(8) „E tu mesmo a ti mesmo desaprazes.‟ (Caminha,
Epist. 19
.)

152(9) „Contando as maravilhas, que deixava feito
deixar lhe queimado a cobertura.‟ (Pinto Pereira, L. 2.
f. 63. e 87
) „Deixando Bertolomeu Dias descoberto
350 leguas
.‟ (Barr. D. 1. L. 3. c. 4. ) Hoje diriamos
feitas, queimada, descobertas.