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Barbosa, Jerónimo Soares. Grammatica philosophica da lingua portugueza – T01

Grammatica
Philosophica
da
Lingua Portugueza.

Grammatica he a Arte de falar e escrever correctamente
a propria Lingua. A Lingua compõe-se
de Orações, as Orações de palavras, as palavras de
sons articulados, e tudo isto se figura aos olhos, e
se fixa por meio da escriptura.

Daqui as quatro partes naturaes da Grammatica,
a saber : a Orthoepia, que ensina a distinguir,
e a conhecer os sons articulados, proprios da Lingua,
para bem os pronunciar ;

A Orthographia, que ensina os signaes Litteraes,
adoptados pelo uso, para bem os representar ;
A Etymologia, que ensina as especies de palavras,
que entrão na composição de qualquer Oração,
e analogia de suas variações e propriedades geraes ;

E a Syntaxe finalmente, que ensina a coordenar
estas palavras e dispol-as no discurso de modo,
que fação hum sentido, ao mesmo tempo distincto,
e ligado : quatro partes da Grammatica Portugueza,
que farão a materia dos quatro Livros desta obra.1

Livro I.
Da Orthoepia, ou Boa Pronunciação da Lingua
Portugueza.

Para bem pronunciar he precizo distinguir, e conhecer
os sons articulados, proprios da Lingua, que
se fala. Estes sons articulados, ou são fundamentaes,
assim chamados, porque fazem a base da boa pronunciação,
como são as Vozes e as Consonancias,
os Diphthongos, e as Syllabas ; ou accidentaes, assim
chamados, porque se ajuntão aos primeiros, e
os modificão, ja extendendo, mais ou menos, a sua
duração ; ja augmentando ou diminuindo a sua elevação :
e taes são as modificações Prosodicas, accrescentadas
aos mesmos sons fundamentaes, ou pela
Quantidade, ou pelo Accento.

Os sons fundamentaes, ou são simples, ou compostos.
Os simples não tem mais que hum som elementar.
Taes são as Vozes e as Consonancias : os
compostos contêm dois ou mais sons em huma so
emissão. Taes são os Diphthongos e as Syllabas. De
todos estes passamos a tractar nos capitulos seguintes.

Capitulo I.
Das Vozes Portuguezas.

Chamão-se Vozes as differentes articulações e modificações,
que o som confuso, formado na glottis,
recebe na sua passagem, das differentes aberturas, e
2situações immoveis do canal da bocca. Este canal
bem como hum tubo ou corda, póde ser tocado em
differentes pontos e aberturas desde sua extremidade
interior até á exterior ; e daqui a multidão e variedade
de vozes nas Linguas das Nações. As Letras, que
na Escriptura as figurão, chamão-se vogaes.

A Lingua Portugueza conta por todas, vinte vozes,
segundo as vinte situações differentes que a bocca
toma para as pronunciar, independentemente da sua
quantidade e accento. Doze destas são Oraes, e
oito Nasaes. As primeiras são as que se formão no
canal direito da bocca, e as segundas as que se formão
no mesmo e junctamente no canal curvo do nariz,
por onde reflue parte do ar sonoro.

As vozes Oraes, segundo a ordem da sua mesma
geração, principiando desde a garganta ate á extremidade
dos beiços, são :

1.° Á Grande, como á primeira Letra do Abecedario,
e o á do adjectivo feminino do plural más.

2.° A Pequeno, com o a artigo feminino, e o
a da Conjuncção mas.

3.° O É Grande Aberto, como em , nome.

4.° O Ê Grande Fechado, como em , verbo.

5.° O E Pequeno, como em Se, Conjuncção,

6.° O I Commum, quer breve, quer longo, como
em vicio.

7.° O Ó Grande Aberto, como em , adjectivo,
e em o substantivo Avó, feminino.

8.° O Ô Grande Fechado, como no Substantivo
Avô, masculino.

9.° O O Pequeno, como o O, artigo masculino.

10.° O U Commum, quer breve, quer longo,
como em Cumulo, Tumulo. Esta divisão das vozes
Portuguezas he a mesma com pouca differença, que
3a de João de Barros na sua Grammatica da edição
de Lisboa 1785, pag. 186.

A Lingua Portugueza porêm toca mais dois pontos
ou vozes na sua corda vocal ; huma entre o E
Pequeno e o I Commum ; e outra entre o O Pequeno
e o U Commum, as quaes, por serem surdas e pouco
distinctas, se podem chamar Ambiguas, e por
isso não tem signal Litteral proprio, e se notão na
escriptura, a primeira ja com e ja com i, e a segunda
ja com o ja com u. Taes são as que mal se percebem,
quando estas mesmas vogaes se achão em
qualquer palavra, ou antes de alguma voz grande
immediata, ou depois da mesma nos Diphthongos,
e no fim das palavras. Assim e parece ter o mesmo
som que i nas palavras Cear, e Ciar (ter zelos)
e nos diphthongos destas Paes, Pai ; e pelo mesmo
modo o tem o mesmo som confuso que u nas finaes
de Paulo, Justo, Amo, e nas palavras Soar,
e Suar, e nos Diphthongos, como em Pao Paulo,
Seo Seu
.

Ajuntando pois estas duas vozes Ambiguas ás
10 antecedentes, são por todas 12 as vozes Oraes
Portuguezas. A nossa Orthographia não tem para as
distinguir senão cinco letras vogaes, a saber : a, e,
i, o, u
. Porêm servindo-se das mesmas figuras a, e,
o
, distingue-as, quando são grandes, ou dobrando-as,
como fazião nossos antigos, escrevendo Maa em lugar
de má, See em lugar de Sé, Leer ou Ler em
lugar de Lêr, Sóo em lugar de , e Avoo em lugar
de Avô ; ou marcando-as com os accentos vogaes,
ja agudo para as abertas, ja circumflexo para as fechadas,
como se vê acima.

Alêm das vozes Oraes tem a nossa Lingua oito
Nasaes, assim chamadas, porque nas Oraes, saindo
todo o ar sonoro pelo canal direito da bocca, nestas,
parte delle sae pelo mesmo, e outra parte refluindo
4pelo canal curvo, que communica da garganta
com o nariz, sae pelas duas aberturas das ventas, e
nesta passagem recebe da elasticidade e sinuosidade do
canal huma especie de resonancia, que distingue essencialmente
as vozes Nasaes das puramente Oraes.

Destas oito vozes Nasaes, cinco são claras,
porque a nasalidade cahe toda sobre ellas, e por isso
se costumão escrever, ja com Til por cima, ja com
n, ou m adiante, sendo finaes, ou seguindo-se consoante,
o que então val o mesmo que o Til. Taes são,
por exemplo, o A til, nasal claro, em ou
Sam, Irmã ou Irmam ; o E til, nasal claro, em
Tẽpo ou Tempo, Dẽte ou Dente ; o I til nasal,
como em ou Sim, Lĩdo ou Lindo ; o O til,
nasal claro, como em ou Som, Põto ou Ponto ;
e o U til nasal, como em ũ ou hum, ũto ou
unto.

Outras tres são Nasaes Surdas, ou menos sensiveis.
Porque, achando-se com o accento agudo e
predominante, e sendo seguidas immediatamente de
alguma das tres consoantes nasaes m, n, nh, pertencentes
á Syllaba seguinte ; participão destas alguma
parte da sua nasalidade, qual hum ouvido fino percebe
no a da primeira Syllaba de Ama, Anna, Sanha ;
no e da primeira Syllaba de Penna, Temo,
Tenho
 ; e no o da primeira Syllaba de Somma, Sonho.

Taes são as vinte vozes Portuguezas, que para
se verem todas em hum ponto de vista, representamos
na Taboa seguinte com sua figura, nome, e valor.
As vozes Oraes grandes, e todas as Nasaes sempre
são longas : as Oraes pequenas sempre são breves,
menos por posição ; e as Oraes communs, como
o i e u, ja são breves, ja longas, segundo nellas
cahe o accento predominante, como veremos adiante,
quando tractarmos da quantidade.5

Taboa das Vinte Vozes Portuguezas com todas a suas
escripturas.

Corda vocal portugueza.

tableau Oral pura | Oral nasal Figura | Nome | Valor | Figura | Valor 1. A’, aa | Grande Aberto. | Ma’s, nome. | 1. Ã, am, na | A til claro | Lã 2. A, a | Pequeno. | Mas, conj. | 2. Ã. | A til surdo | Lama 3. E’, ee | Se’ nome | 3. Ẽ, em, en | E til claro | Sẽmpre 4. Ê, e | Grande Fechado. | Sê, verbo | 4. Ẽ | E til surdo | Senha 5. E, e | Se, conj. 6. E / I | Ambiguo ou Surd. | Cea’r / Cia’r 7. I, i | Commum. | Vi’cio. | 5. Ĩ, im, in | I til claro | Sim 8. O’, óo | Avó, femin. | 6. Õ, om, on | O til claro | Som 9. Ô, ou | Avô, masc. | 7. Õ | O til surdo | Sono 10. O, o | O, artigo. 11. O / U | Soa’r / Sua’r 12. U, u | Tu’mulo. | 8. Ũ, um, un | U til claro | Um6

Capitulo II.
Das Consonancias Portuguezas.

Assim como as Vozes articulão e modificão o som
confuso ou estrondo, formado pela Glottis ; assim
tambem as Consonancias articulão e modificão as vozes
mesmas, que sendo continuadas farião igualmente
hum som indistincto e confuso. As Consonancias
por tanto são as Articulações, e modificações da voz,
que reprezada na bocca, e largada de repente, recebe
na passagem as impressões do movimento oscillatorio
das partes moveis da mesma bocca.

Os Grammaticos modernos chamão Articulações
a estas consonancias. E com effeito o são. Mas,
como as vozes tambem são articulações, não he este
nome proprio para distinguir humas das outras. O
de Consonancias caracteriza melhor a natureza particular
destas modificações, que nunca soão persi, mas
so junctas ás vozes, que modificão ; e he outro sim
mais analogo á nomenclatura ja recebida das vozes ;
as quaes, chamando-se assim porque as Letras, que
as figurão, se chamão vogaes ; tambem aquellas se
devem chamar Consonancias ; porque as Letras, que
as representão, se chamão Consoantes.

Humas e outras se differenção essencialmente 1.°
Porque as vozes são articulações do som informe
da Glottis, as Consonancias são articulações do mesmo
som ja formado em vozes. 2.° Porque aquellas são
produzidas pelas aberturas e situações immoveis do
orgão ; e estas são produzidas pelo movimento das
partes moveis do mesmo orgão, que as intercepta e
desintercepta, 3.° Porque o som das vozes pode-se
fazer durar por todo tempo, que dura a abertura e
posição do canal, que o produz ; o das Consonancias
7sempre he instantaneo, como o movimento dos orgãos,
que reprezão e largão a voz. Solta esta, a Consonancia
desapparece, e a voz fica.

Sendo pois as Consonancias produzidas pelo movimento
das differentes partes moveis, ou teclas do
orgão vocal ; quantas forem estas partes moveis, tantas
serão as classes de Consonancias. Ora estas partes
moveis são so duas, a saber : os Beiços e a Lingua,
e daqui as duas unicas especies de Consonancias,
que são ou Labiaes ou Linguaes. Todas ellas
compõem huma oitava no Teclado vocal.

As primeiras ou são Labiaes Puras, produzidas
por ambos os beiços, que se unem para interceptar
a voz, e se abrem para a soltar ; ou são Labiaes
Dentaes
, produzidas pela interceptação do beiço inferior
com os dentes superiores. As primeiras são tres,
a saber : huma Labial Branda, porque o seu toque
he menos forte como B em Bála ; outra Labial Forte,
assim chamada, porque não tem differença da
primeira senão no gráo maior de força, com que se
exprime, como P em Pála ; e a terceira em fim Labial
Nasal
 ; porque o seu mechanismo faz refluir
pelo nariz parte do som, que sae pelo canal da bocca,
tal como M em Mála.

As Labiaes Dentaes, são so duas, huma Branda
como V em Viga, e outra Forte como F em Figa.
Estas Consonancias chamão-se Infantis ; porque,
sendo de hum mechanismo o mais facil, por ellas principião
as crianças a fazer os primeiros ensaios da
Linguagem articulada.

As Consonancias Linguaes são todas produzidas
pela Lingua, que para interceptar e tapar a voz,
ou faz encontro na sua extremidade interior contra a
garganta, ou na exterior contra os dentes superiores,
ou no meio contra varias partes do paladar, chamado
Ceo da bocca. As primeiras, chamadas por isso
8Linguaes Gutturaes, são duas, huma Guttural Branda,
como G em Gállo, e outra Guttural Forte, como
C em Cállo. As segundas, chamadas por isso Linguaes Dentaes,
são tambem duas, a Lingual Dental
Branda
D, como em Dála, e a Lingual Dental
Forte
T, como em Tála.

As terceiras, chamadas Linguaes Palataes, tem
mais variedade em razão da maior extensão do ceo
da bocca e dos muitos pontos de apoio, que por isso
offerece á Lingua para interceptar a voz.

Humas fazem huma especie de assobio, chamadas
por isso Sibilantes, o qual assobio he produzido
na fisga dos dentes pela ponta da Lingua, que com
elles quasi cerrados ja faz menos esforço para interceptar
a voz, e assim produz a Palatal Sibilante
Branda
S (quando tem vogal diante), como em Sêllo ;
ja faz mais esforço, e produz Palatal Sibilante
Forte
Z, como em Zélo.

Outras fazem huma especie de Chio, chamadas
por isso Chiantes ; porque a Lingua apoiada em toda
a sua circumferencia contra as gengivas superiores,
tufando-se na ponta mais ou menos, deixa escapa
por ella e pela fisga dos dentes o ar coado com este
som. Os quatro gráos de maior ou menor quantidade
de ar, e de maior ou menor força, com que ahi
o intercepta, produzem as quatro differenças, que o
ouvido sente nas nossas quatro Palataes Chiantes, S
(quando não tem vogal diante), como em Sciencia ;
X como em Xara ; J como em Jarra ; e CH como
em Charra. A primeira he Liquida, a segunda Forte,
a terceira Branda, e a quarta Forte, porque
nesta se intercepta a voz inteiramente.

O differente som do S Chiante, quando não tem
vogaI diante, do do S Sibilante, quando a tem, se
sente claramente nas palavras Sciencia e Nascer,
onde o ci, ce valendo o mesmo na pronunciação que
9si, se, o S que precede não se confunde com elles :
antes tem hum som mui differente, que se achará menos
nas dictas palavras, pronunciando-as, e escrevendo-as
sem elle deste modo : Ciencia, Nacer.

Outras Linguaes Palataes tem hum som Nasal ;
por que a Lingua fincando a ponta contra a entrada
do ceo da bocca, comprime ao mesmo tempo com
a sua reigada os musculos da cortina do Paladar, e
o ar reprezado deste modo, ao largar-se reflue, parte
pelo canal do nariz, e parte pela bocca ; e produz
assim as duas Palataes Nasaes, huma Branda,
como N em Náfete (Neophyto), e outra
Forte, como NH em Nhafete (o mesmo).

Outras finalmente tem hum som puramente Palatal ;
porque a Lingua, complanando-se em toda a
sua extensão, e apoiando-se em roda contra as gengivas
dos dentes superiores, deixa passar o ar ao longo
della e de todo o ceo da bocca : e se tapando o
ar em roda, o deixa so escapar com hum golpe de
sua ponta naquella parte do ceo da bocca, que está
vizinha aos dentes incisores de cima, produz a Palatal
Pura Liquida
L como em Lama : e se o desintercepta
ao mesmo tempo em toda sua redondeza,
produz a Palatal Pura Forte LH, como em Lhama
(tela de fio de prata).

Se a mesma Lingua porêm, formando dois arcos
contrarios á maneira de hum s tombado, não
intercepta totalmente o ar, e este saindo por succussos
causa em sua ponta hum movimento tremulo ; he
a nossa Palatal Tremolante Liquida R, como em
Caro : e se o tremor se faz em todo o comprimento
da Lingua e com maior força, he a Palatal Tremolante
Forte
RR, como em Carro.

Todas estas consonancias da nossa Lingua fazem
o total de 21, e dispostas segundo a ordem mesma
de sua geração e da gradação do mechanismo mais
10facil para o mais difficil, que a natureza segue, quando
pouco a pouco vai desenvolvendo os orgãos infantis,
são da maneira seguinte.

Taboa ou Teclado

Das 21 Consonancias da Lingua Portugueza,
5 Labiaes, e 16 Linguaes
.

Tecla Labial Pura | Branda . B | Bála / Forte. P | Pála / Nasal. M | Mála

Tecla Labial Dental | Branda. V | Válla / Forte. F | Fála

Tecla Lingual Guttural | Branda. G, GU | Gállo, Guêto / Forte. C, QU | Cállo, Quêdo

Tecla Lingual Dental | Branda. D | Dála / Forte. T | Tála

Tecla Lingual Palatal Sibilante | Branda. S, Ç | Sácco, Çumo / Forte. Z | Záco

Tecla Ling. Palato Chiante | Liquida. S | Sciencia / Forte. X | Xára / Branda. J, G | Jarra, Gêsso / Forte. CH | Charra

Tecla Ling. Palat. Nasal | Branda. N | Náfete / Forte. NH | Nháfete

Tecla Ling. Palatal | Pura | Liquida. L | Lama / Forte. LH | Lhama / Tremolante | Liquida. R | Caro / Forte. RR | Carro

De todas estas Consonancias humas são Mudas,
e outras Semivogaes. As primeiras são aquellas, em
que a voz se intercepta totalmente, de sorte que não
11se sentem, senão ao abrir da bocca, taes como estas
treze B, P, M, V, D, T, G, C, N, NH, CH,
L, LH. As segundas são aquellas, em que o som se
intercepta so parcialmente, de sorte que seu sonido
se faz perceber surdamente ainda com o orgão meio
fechado, e taes são o F, as duas Sibilantes S, Z,
as tres Chiantes S, X, J, e as duas Tremolantes R,
RR. Os que dividem as mudas das Semivogaes segundo
seus nomes tem ou não e atraz, guiarão-se pela
divisão Latina, que he errada, applicada ás nossas
Consonancias.

Ainda ha outra differença notavel entre estas
Consonancias. Humas são Liquidas, isto he, Correntes ;
porque seu mechanismo he tão facil, e para
assim dizer, tão fluido, que na composição das Syllabas
complexas se associão tão amigavelmente com
as outras Consonancias, que parecem fazer com eIlas
hum mesmo corpo. Taes são, o nosso S Solitario
(quando não tem vogal diante), e as duas Palataes
Brandas L e R. Outras porêm são Fixas, assim chamadas,
porque seu mechanismo não soffre associação
immediata com outras da mesma especie para fazer
Syllaba com ellas ; e taes são a fóra as tres Liquidas,
todas as mais.

Finalmente cumpre advertir que todas estas Consonancias
Portuguezas são sons simples, quer se escrevão
com huma letra so, quer com duas, quer com
as letras dobradas dos Gregos, e Romanos. Taes são
as tres CH, LH, NH (que os nossos antigos Grammaticos
chamavão Prolações) ; as duas Gutturaes GU,
QU, que assim se escrevem quando vem antes de
e e i ; a Tremolante Forte RR, quando no meio das
palavras se acha entre vogaes ; e as duas Palataes
Fortes Z, e X, que entre os Gregos, e Romanos
erão dobradas.

Nem as primeiras, por levarem H, são por isso
12aspiradas, ou fazem hum som composto ; nem as segundas
tem outro som, escriptas com duas letras, do
que tem, escriptas com huma so, como G, e C antes
de a, o, u. Da mesma sorte a tremolante forte,
quando no meio das palavras se escreve com dois
RR, e no principio das mesmas com hum so R ;
e bem assim, quando o S Sibilante se escreve com
C, ou cedilhado ou sem cedilha antes das vogaes e
e i ; e o J Chiante se escreve com G antes das mesmas
vogaes : não se segue que sejão differentes Consonancias ;
mas sim que são differentes escripturas do
mesmo som, que o uso introduzio, e que podéra não
ter introduzido, se quizesse ; nem talvez devêra, se
fosse mais coherente comsigo mesmo. Quanto ás dobradas
X e Z, ellas não o são na nossa Lingua, excepto
quando pronunciamos o X á Latina em lugar
de C S como em Reflexão etc.

A nomenclatura vulgar de muitas destas Consonancias
como são eMe, U, eFe, Gê, Cê, eSe,
Xis, I, Ce Hàgá, eNe, eNehagá, eLe Hagá,
eRRe forte, eRRe
brando, de que se servem ordinariamente
os Mestres para ensinarem aos principiantes
o Abecedario da Lingua, e depois a Soletração e
Syllabação ; he de hum grande embaraço para o seu
aproveitamento. ElIe dá a muitas letras hum valor e
som, que ellas não tem ; a outras accrescenta outros,
que as mesmas não tem, e que não servem senão
para embrulhar e confundir-se o som proprio e
verdadeiro.

Todas as Nações Civilizadas tem ja largado,
ha muito, este methodo ; e dando ás Consoantes o
seu valor proprio e uniforme por meio do Seheva,
que ajuntão a cada huma, deste modo : Be, Pe, Me,
Ve, Fe, Gue, Que, De, Te, Se, Ze, Xe, Je,
CHe, NHe, Ne, Le, LHe, Re, RRe ; tem conseguido
facilitar grandemente os methodos de soletrar,
13de Syllabar, e da Leitura, em que os mininos
gastão tanto tempo nas escholas com muito trabalho,
e mui pouco fructo. Quem quizer ver este methodo
desenvolvido, e explicado em todas as suas partes,
póde consultar a Eschola Popular das primeiras Letras,
impressa em Coimbra em 1796 : Parte Primeira.
Ate aqui tractámos dos sons simples da
nossa lingua. Passemos ja aos sons compostos.

Capitulo III.
Dos sons compostos so de vozes, ou Diphthongos
da Lingua Portuguesa.

Os sons compostos, o podem ser, ou de vozes
tão somente, ou de vozes e Consonancias. Os primeiros
chamão-se Diphthongos, os segundos Syllabas.
Destas falaremos no Capitulo seguinte, agora
dos diphthongos.

Diphthongo quer dizer hum som feito de dois,
isto he, duas vozes unidas em hum som. Mas duas
vozes nunca se podem unir em hum som, sem que
huma dellas pela sua brevidade e rapidez se acoste
á outra, dando-lhe parte de sua quantidade, e esta
fique muito mais longa em comparação da outra.
Huma pois necessariamente ha de ser mais longa e
outra brevissima. A primeira na ordem das duas,
que compõem o Diphthongo, chama-se Prepositiva,
e a segunda Subjunctiva.

Nos Diphthongos Portuguezes as Prepositivas
sempre são as longas e as Subjunctivas as breves.
Pelo que, como as nossas cinco vozes Oraes grandes,
e as nossas cinco Nasaes claras sempre são longas ;
e as Communs i e u o podem ser tambem ainda fóra
do caso de posição : as Prepositivas dos nossos
Diphthongos sempre são tiradas destas duas classes
14de vozes ; e se são Oraes, formão os nossos Diphthongos
Oraes
, e se Nasaes, formão os nossos
Diphthongos Nasaes, chamados tambem Finaes,
porque ordinariamente so se achão no fim das palavras.
Quanto ás Subjunctivas, como estas devem ser
rapidas e brevissimas a respeito das Prepositivas, e
nós não temos outras desta especie senão as duas vozes
surdas ou ambiguas, que mal se percebem na
passagem do e breve para o i tambem breve, e do o
breve para o u tambem breve : segue-se que toda subjunctiva
dos nossos Diphthongos necessariamente ha
de ser alguma destas duas vozes surdas, ou a primeira,
exprimida por e ou i, ou a segunda, exprimida
por o ou u. E como não ha razão para preferir
huma vogal mais que outra para representar estes
sons ambiguos : daqui veio a variedade do uso em escrever
as Subjunctivas dos mesmos Diphthongos promiscuamente
ja com e ou com i, ja com o ou com
u ; o que se não deve criminar, visto não terem estas
vozes ambiguas caracter algum proprio e particular.

Isto supposto, a nossa Lingua conta, nem mais
nem menos, que 16 Diphthongos, dos quaes 10 são
Oraes e 6 Nasaes, que escriptos conforme as differentes
Orthographias, usadas dos nossos antigos e
modernos Escriptores, são da maneira seguinte.15

Taboa

Dos 16 Diphthongos Portuguezes com todas suas
escripturas
.

Diphthongos Oraes 10.
Escripturas | Exemplos.
ái, ay, a | Pái, Páy, Páes
áo, au | Páo, Páuta.
éi, éy | Papéis, Réys.
êi, êy, hêi | Rêi, Lêy, Hêi.
éo, | Céo.
êo, êu | Mêo, Êu.
ío | Ouvío.
ói, óe, óy | Heróis, Heróe, Combóy.
ôi, ôe, ôy | Bôi, Pôes, Môyo.
úi, úy | Fúi, U’yvo.

Diphthongos Nasaes 6.
ãi, ãe, aen, ain, | Mãi, Mãe, Maens, Mains.
ão, hão, am, aon | Mão, Hão, Mam, Maons.
ẽe, ẽi, em, en | Bẽe, Bẽis, Bem, Bens.
õe, õi, oin, oem, oen, | Põe, Põi, Poins, Poem, Poens.
õo, om, on | Bõo, Bom, Bons.
ũi, uim, uin | Rũi, Ruim, Ruins.

Sobre o que cumpre advertir que ninguem se engane
com a nossa Orthografia vulgar, que póde
muito facilmente induzir em erro, quando escreve os
Diphthongos Nasaes humas vezes com a Prepositiva
so sem a sua Subjunctiva, como Pam, Bem, em
lugar de Pão, Bẽe ; e outras com ambas as vozes
sim, mas com a modificação Nasal fóra do seu lugar,
16como em Mains, Maons, Sermoens, Bens,
Ruins
. Porque a nasalidade, marcada por nós com
o Til por cima da vogal, cahindo sempre nos nossos
Diphthongos Nasaes sobre a prepositiva dos mesmos ;
a Orthographia vulgar a vem a pôr no fim das duas
vozes, fóra do seu lugar, figurando-a com N, que
tambem tem este valor, quando não he seguido de
vogal. Este N, em lugar de Til, teria o seu lugar
proprio immediatamente depois da prepositiva, se em
vez de escrever Mains, Maons, Sermoens, Beens,
Ruins
, escrevessemos Manis, Manos, Sermones,
Benes, Runis
. Mas esta escriptura tinha o inconveniente
de fazer do N, signal de nasalidade, hum N
Consoante pela vogal que se lhe segue, como fazem
os Hespanhoes. Para evitar pois este absurdo, cahio
no outro de pôr o signal nasal fóra do seu lugar. Porêm
quem escrever os Diphthongos Nasaes constantemente
com o Til por cima da prepositiva, evitará
hum e outro desacerto.

Repararão alguns em não ver na Taboa dos nossos
Diphthongos Oraes o chamado Diphthongo ou.
Porêm o som destas duas vogaes he simples, e não
composto das duas vozes, que se offerecem aos olhos
para se dever pôr no numero dos Diphthongos. O
som delle nenhuma differença tem do nosso Ô grande
Fechado, como se pode ver escutando sem prevenção
as primeiras Syllabas do nome ôsso, e do
verbo ouço. Se fosse differente seguir-se-hia outrosim
o absurdo de admittir nas Linguas verdadeiros Triphthongos,
isto he, tres vozes unidas em hum so
som, o que he contra todo o mechanismo da Linguagem.
Por exemplo a palavra Couza, que assim se
pronuncía na Extremadura, na Beira pronuncia-se
Côiza. Se pois o ou da primeira pronunciação fosse
Diphthongo ; não mudando de som na segunda, como
17não muda ; e unindo-se em Diphthongo com o i,
como se estivesse Couiza : seguir-se-hia que o que he
Diphthongo na Extremadura passaria a ser triphthongo
na provincia da Beira. Devemos pois dizer que
o Ô Grande Fechado tem duas escripturas, huma
com o signal circumflexo ou v ás avessas por cima, e
outra com o mesmo v ás direitas adiante. Ora ter o
mesmo signal por cima, ou adiante he couza indifferente ;
o som he o mesmo.

Alêm dos Diphthongos ha outros sons compostos
de vozes, chamados Synereses ; quando de duas
vozes consecutivas e de sons distinctos se faz huma
so Syllaba em razão de serem ou ambas muito breves,
ou a primeira brevissima a respeito da segunda.
Assim os Poetas fazem dissyllabas as palavras Gloria,
Agoa, Lacteo, e ajuntão muitas vezes em huma
Syllaba so as primeiras vozes de Theatro, Fiado,
Fiança, Boato, Suave
&c. Na nossa prosa so faz
synerese o u brevissimo seguido de outra voz longa
depois das Consoantes G, e Q, como Güarda, Güela,
Igüal, Qüal, Quasi, Equestre, Qüinario,
Qüinqüagesima
&c.

Capitulo IV.
Dos sons compostos de vozes e de Consonancias,
ou das Syllabas da Lingua Portugueza.

Syllaba quer dizer Comprehensão ; porque he
o ajuntamento de huma, ou mais Consonancias com
huma voz, Diphthongo, ou Synerese, comprehendido
tudo em numa so emissão. Huma voz pois, hum
Diphthongo, huma Synerese val por Syllaba ; porque
tambem se pronuncião de hum so jacto, ou emissão :
18mas não são propriamente Syllabas, ou ajuntamentos ;
nome que não póde convir ás vozes per si, e
que unidas em hum so som, tem ja seu nome proprio,
e particular.

Como pois as Syllabas comprehendem vozes e
Consonancias ; por ordem ás vozes dividem-se em duas
especies. Hum as são Simples, e outras Compostas. As
Simples são as que tem huma so voz, ainda que tenhão
muitas Consonancias, como Má, Más. As
Compostas são as que tem duas vozes unidas, quer
em Diphthongo, como Pai, Pito, quer em Synerese,
como a primeira Syllaba de Guarda, e de Qual.

Por ordem ao numero das Consonancias as Syllabas
são ou Incomplexas, isto he, que não levão
se não huma unica Consonancia, assim como Lá, al,
que são ao mesmo tempo Simples e incomplexas ; ou
Complexas, isto he, compostas de muitas Consonancias ;
e estas podem ser, ou duas somente como Gal,
ou tres como Gral, ou quatro como Fróes, e mais
não. Esta ultima Syllaba he complexa e ao mesmo
tempo composta por causa do Diphthongo.

Todas as nossas Syllabas Analogicas, isto he,
cuja combinação não repugna ao mechanismo, e uso
da nossa Lingua, porque tem no mesmo uso exemplo
de semelhantes combinações ; sobem ainda a cima de
duas mil. Porêm as nossas Syllabas usuaes, cujas
combinações se provão com exemplos em algumas
palavras Portuguezas, andão por 1800 pouco mais
ou menos. Vejão-se os nossos Syllabarios completos,
dados á luz na Eschola Popular das Primeiras Letras
em Coimbra em 1796.

Como estas Syllabas se pronuncião seguidamente,
e assim mesmo se escrevem em cada hum dos vocabulos ;
mal se podem distinguir nos mesmos sem saber
por onde ellas partem ; o que comtudo he necessario,
assim para as soletrar e syllabar, como para
19as dividir, quando for precizo partir o vocabulo. Esta
partilha porêm se facilitará com as quatro observações
seguintes.

1.ª Que toda voz, Diphthongo, ou Synerese val
como Syllaba ainda per si so, sem consonancia alguma ;
e que assim, quantas forem as vozes, ou simples,
ou combinadas em Diphthongo, ou Synerese,
que houver em qualquer vocabulo, tantas serão as
suas Syllabas. Por este modo he facil de ver, que
a palavra Incomprehensibilidade tem nove Syllabas,
porque tem nove vozes ; que a palavra Feição tem
duas, porque tem somente dois Diphthongos ; e que
a palavra Güarda tem outras duas, porque tem huma
Synerese, e huma voz.

2.ª Que as Nasaes M, e N, quando não tem
vogal diante si, pertencem sempre á voz antecedente,
servindo-lhe de signal de nasalidade do mesmo
modo, como se tivesse o Til por cima. Assim Canto,
Campo, Tanto, Tempo, Tinta, Timbre, Tonto,
Tombo, Tunda, Tumba
, valem o mesmo que Cãto,
Cãpo
, &c. e tem cada hum duas Syllabas ; porque
tem duas vozes, huma nasal, e outra oral. Isto, pelo
que pertence ás vozes.

3.ª Agora pelo que pertence ás Consonancias ;
quando as Syllabas são incomplexas, nenhuma difficuldade
podem causar. Ellas são as que ordinariamente
extremão as Syllabas, formando cada huma hum
membro, ou Syllaba com a voz, Diphthongo,
ou Synerese, a que precede ou se segue. Assim nesta
palavra Insensibilidade as Consonancias mesmas separão
as Syllabas deste modo In-sen-si-bi-li-da-de.

4.ª Porêm, quando as Syllabas são complexas de
muitas Consonancias, póde haver duvida sobre quaes
dellas devem hir para a voz antecedente ; e quaes
para a seguinte. Mas neste caso pode-se seguir a regra
seguinte.20

Se no principio, ou meio do vocabulo se encontrarem
duas ou tres Consonancias, todas por via de
regra pertencem á voz seguinte, excepto sendo alguma
dellas da classe das nossas tres liquidas L, R, S ;
porque estas sempre pertencem á voz immediata antecedente,
com que fazem Syllaba, quer no meio,
quer no fim do vocabulo, não sendo este composto ;
porque então o S ás vezes pertence á voz seguinte.
Assim nestas palavras Trado, Strado, Construir,
Constrangimento, Damno, Digno
, as duas e tres Consonancias,
junctas no principio e meio do vocabulo,
fazem huma Syllaba com a voz seguinte deste modo :
Tra-do, Stra-do, Con-stru-ir, Con-stran-gimento,
Da-mno, Di-gno
. Ja nestas Astro, Alto, Transporte,
as liquidas S, L, R he que partem as Syllabas
deste modo : As-tro, Al-to, Trans-por-te. Veja-se
adiante na Orthographia Cap. I, a Regra XII. da
Divisão dos vocabulos.

Capitulo V.
Dos Vocabulos da Lingua Portugueza, e das alterações,
que soffrem na Pronunciação.

Assim como dos nossos 41 sons elementares, differentemente
combinados, se formão as 1800 Syllabas
Portuguezas : assim destas mesmas Syllabas, variamente
combinadas, se formão todos os vocabulos da
Lingua Portugueza, que compõem o seu vocabulario,
e que passão de 400000.

Vocabulo não he outra couza senão hum composto
de sons, ou de syllabas graves, subordinados
todos a hum som, ou Syllaba aguda e predominante ;
que he como o centro de união, ao qual todos os mais
se reportão.21

Os Vocabulos, por ordem ao numero das Syllabas,
são de quatro formas, ou Monosyllabos, isto
he de huma so Syllaba, como Der ; ou Dissyllabos,
isto he, de duas Syllabas, como Prender ; ou
Trisyllabos, isto he, de tres Syllabas, como Aprender ;
ou Polysyllabos, isto he, de mais de tres até
nove Syllabas, para cima do qual numero não sobem
os nossos vocabulos. Assim Comprehensão he
de quatro, Comprehensivel de cinco, Incomprehensivel
de seis, Insensibilidade de sete, Comprehensibilidade
de oito, e Incomprehensibilidade de nove.

Os Vocabulos alterão-se na pronunciação de
dois modos, ou accrescentando-lhes Syllabas, para
lhes accrescentar, ou diversificar as ideas accessorias,
que com estas mudanças accrescem á significação principal
da palavra ; e estas alterações, como se fazem
por meio da declinação dos nomes, da Conjugação
dos verbos, e da dirivação ou composição das palavras,
pertencem á Etymologia : ou accrescentando-lhes, diminuindo,
e transpondo Syllabas para abbreviar, e
facilitar mais a pronunciação dos vocabulos,
sem lhes alterar a significação ; e estas alterações são as
que propriamente pertencem á Orthoepia.

Estas alterações, como acabamos de dizer, fazem-se
de tres modos, ou por Accrescentamento de
alguma Syllaba, ou por Diminuicão della, ou por
Transposição, e todas estas mudanças pódem acontecer
ou no principio do vocabulo, ou no fim, ou
no meio.

1.° Accrescentamento.

Se no principio do vocabulo se accrescenta huma
Syllaba sem nada mudar na significação, he o que
os Grammaticos chamão Prothese, isto he, Apposição.
Assim ás palavras Portuguezas Cantar, Chegar,
Costumar, Lembrar, Levantar, Mostrar, Pastar,
22Recear, Socegar, Voar, Credor, Fóra, Lagoa,
Roido, Tambor, &c
. accrescentavão no principio os
nossos antigos, e ainda agora os Poetas e a gente
rustica (que he a que mais conserva a antiga pronunciação)
hum Syllaba de mais dizendo : Descantar,
Achegar, Acostumar, Alembrar, Alevantar, Amostrar,
Repastar, Arrecear, Assocegar, Avoar,
Acredor, Afora, Alagoa, Arroido, Atambor
, &c.

Se este mesmo accrescentamento de huma Syllaba
se faz no fim do vocabulo, chama-se Paragoge,
isto he, Posposição. Tal he o de Felice, Fugace,
Infelice, Joanne, Isabella, Martyre, Mobile, Pertinace,
Produze, Reluze em lugar de Feliz, Fugaz,
Infeliz, João, Isabel, Martyr, Mobil, Pertinaz,
Produz, Reluz
, &c.

Se o Vacabulo se accrescenta no meio, intercalando-se-lhe
huma Syllaba, chama-se Epenthese, isto
he, Entreposição, como de Marte, Pagão fazendo
Mavorte, Pagane.

2.° Diminuição.

Da mesma sorte se no principio do vocabulo se
tira huma Syllaba, chama-se Apherese, isto he Abstracção.
Com esta mudança se vem ja inteiras, ja
descabeçadas nos nossos Escriptores muitas palavras,
como : Abobedas, e Bobedas, Adelgaçar e Delgaçar,
Imaginação e Maginação, Relampejar e Lampejar,
Aliança e Liança, Arrependimento e Rependimento,
Aventurar e Venturar &c. Adiante, Ainda,
Aonde, Até, Atraz &c. Ante, Inda, Onde,
Té, Traz
&c.

Pelo contrario se no fim do vacabulo se faz esta
mutilação da Syllaba, tem o nome de Apocope, isto
he, Mutilação. Assim os nossos vocabulos Des,
Estê, Gram, Guarte, Lisonge
são mutilados de
23Desde, Esteja, Grande, Guardate, Lisongêe. As
Synalephas ou Elisões da voz final de hum vocabulo
para a consoante que a articulava, articular a voz
inicial do vocabulo seguinte, tambem pertencem a
esta especie de alteração, quando estas mesmas Elisões
passão á Escriptura usual, e nella as duas palavras
se costumão escrever junctas em huma, como da
nossa preposição De costumamos de ordinario elidir
o e, e ajuntar o D com o Artigo, e com os Demostrativos
deste modo : dó, dá, dós, dás, d’este, d’esse,
d’elle, d’aquelle
&c. em lugar de de o, de a,
&c.

Finalmente esta mesma diminuição de Syllabas,
que se faz no principio e fim dos vocabulos, se acha
tambem no meio dos mesmos, e então tem o nome
de Syncope, isto he, Concisão, como quando em lugar
de Adormecido, Cuidadoso, Desaliviar, Desapparecer,
Differente, Estejaes, Ides, Inimigo, Luminoso,
Maior, Perola, Reprehensão, Saboroso,
Soledade, Spirito, dizemos Adormido, Cuidoso,
Desalivar, Desparecer, Diffrente, Esteis, Is, Imigo,
Lumioso, Mór, Perla, Reprensão, Sabroso,
Soedade, Sprito
&c. Da mesma sorte, quando na
pronunciação corrente dizemos : Dirte-hei, Far-te-hei,
Trar-te-hei, Diria, Jaria, Faria, Traria
,
são Syncopes em lugar de Dizer-te-hei, Fazerte-hei,
Trazer-te-hei, Dizeria, Fazeria, Trazeria, Jazeria
.

3.° Transposição.

O terceiro modo, porque se alterão os vocabulos,
he a Transposição, chamada Metathese pelos
Gregos. Faz-se esta, quando as letras ou Syllabas,
de que se compõe a palavra, se põem em huma ordem
differente daquella, em que se achão no vocabulo
primitivo, donde o mesmo se dirivou. Esta transposição
24póde ser, ou total da palavra inteira pela
inversão de todos seus caracteres radicaes : como Frol
de Flor, Clergo de Clerigo : ou parcial so de alguma
Syllaba, ou Letra : como Contrairo de Contrario,
Bolra
, de Borla. Esta transposição parcial ha tambem
na nossa preposição em, quando na pronunciação
e na escriptura mesma se troca o m em n, e elidido
o e, se incorpora com o nosso Artigo, e com
os Demostrativos deste modo : n’o, n’a, n’os, n’as,
n’este, n’esse, n’elle, n’aquelle
, etc. em lugar de em
o, em a, em os, em es, em este, em esse, em elle,
em aquelle etc
.

A’ mesma Metathese, ou Transformação se
podem referir as trocas, accrescentamentos, e contracções,
que fazemos de humas letras com outras
por amor da Euphonia, ou maior facilidade da pronunciação,
evitando os hiatos, e o concurso das Consonancias
asperas. Temos para isto duas Consonancias
Euphonicas
, que costumamos metter entre as
palavras consecutivas, quando sua junctura he de hum
som desagradavel.

Huma destas he a Palatal Liquida L, que costumamos
substituir ja ao R final dos infinitivos dos
Verbos, e das Preposições Per, Por ; ja ao S ou Z
final de algumas pessoas dos Verbos, acabadas em ás,
és, ís
, com accento agudo, quando se lhes seguem
immediatamente os casos obliquos do Determinativo
Pessoal da terceira pessoa o, a, os, as. Assim nos
infinitivos em lugar de dizer : Amar-o, Querer-a, Ouvir-os,
Dispor-as
, dizemos com mais suavidade
Amal-o, Querel-a, Ouvil-os, Dispol-as ; e nas Preposições
em lugar de Per o, Per a, Por os, Por as,
dizemos melhor Pel’o, Pel’a, Pol’os, Pol’as. Da
mesma sorte nos verbos irregulares Dizer, Fazer,
Trazer
, que acabão as terceiras pessoas do Presente
e do Preterito em ás, ês, ís agudo, ou em az, ez,
25iz
, dizemos melhor Fal-o, Dil-a, Tral-os, Quil-as,
Pol-as
, do que Faz-o, Diz-a, Traz-os, Quiz-as,
Poz-as
. Os nossos Orthographos costumão na escriptura
juntar o L Euphonico ao Pronome : mas está
claro que, como elle substitue o lugar do R, ou S
final da primeira palavra, nesse mesmo se deve pôr.

A outra Consonancia Euphonica he a nossa Palatal
Nasal N, que costumamos metter entre todos os
Diphthongos finaes, porque terminão sempre todas as
terceiras pessoas dos pluraes do verbo, e o mesmo
Pronome, quando se lhe segue immediatamente, dizendo
e escrevendo : Amão-no, Temem-na, Louvarão-nos,
Ouvissem-nas
 ; e não Amão-o, Temem-a, Louvarão-os,
Ouvissem-as
. Aqui o N junta-se ao Pronome,
porque o modifica, e não se põe em lugar de
outra Consoante, como se põe o L Euphonico, mas
se entrepõe somente.

Para o mesmo fim de procurar á Lingua a mór
euphonia possivel, e evitar os hiatos, que nascem
do concurso e collisão das vozes finaes e iniciaes de
duas palavras consecutivas ; fazemos frequentemente
na pronunciação e na escriptura a Crase, ou mistura
de Preposição a com o Artigo feminino e com o
Demostrativo Aquelle, tanto do singular como do
plural, contrahindo em hum so á longo os dois, da
preposição, e da palavra seguinte deste modo : á moda,
ás avessas, áquelle, áquella
, em lugar de a a
moda, a as avessas, a aquelle, a aquella
. Na pronunciação
so, e não ja na escriptura fazemos a mesma
Crase da preposição a com o Artigo masculino ;
escrevendo a o, a os separadamente, e pronunciando
tudo juncto e confundido no mesmo Artigo alongado
deste modo ó, ós, como : Dado ó estudo, Dado
ós negocios
em lugar de ao estudo, aos negocios.26

Capitulo VI.
Das Modificações Prosodicas, accrescentadas aos
Vocabulos ; e 1.° das que nascem da
quantidade.

Os sons fundamentaes, assim vogaes, como consoantes
formão-se todos no canal da bocca, onde so
se articula e forma em vozes o som informe, e confuso
da Glottis pelas differentes posturas immoveis
da mesma bocca, e estas mesmas vozes se articulão
e formão em Consonancias pelo movimento oscillatorio
das partes moveis da mesma, quando reprezão
a voz e de repente a soltão. A bocca pois he o orgão
proprio, assim das vozes, como das Consonancias.

As modificações Prosodicas porêm, nascidas,
ou da maior e menor duração das Syllabas, a que
damos o nome de Quantidade ; ou da sua maior,
e menor elevação, ou aspiração, a que damos o nome
de Accento ; tem outro orgão, que he o da Glottis,
em que se termina o tubo interior da Trachia
Arteria
, e em que se forma o som ; ou mais breve,
se a fisga da Glottis persiste aberta pouco tempo ;
ou mais longo, se persiste aberta por mais tempo ;
ou mais grave, se as cordas da mesma Glottis
se entezão menos ; ou mais agudo, se se entezão
mais ; ou menos aspirado, se por ella se deixa passar
hum menor volume de ar ; ou mais aspirado, se
o volume he maior. Dos Accentos tractaremos no Capitulo
seguinte, agora da Quantidade.

A Quantidade he a medida da duração, que
damos á pronunciação de qualquer Syllaba. Esta duração
he toda relativa, bem como o he a das notas
da Musica, em que huma não he mais longa senão
27comparada com outra, que o he menos. Assim como
pois na Musica as notas tem a mesma quantidade
relativa nos Allegros, que tem nos Adagios, comparadas
entre si, dentro do mesmo ar de compasso ;
posto que huma nota da mesma especie gaste mais
tempo realmente no Adagio, que no Allegro : assim
na pronunciação de huma Lingua as Syllabas medem-se,
não pelo vagar, ou pela velocidade accidental da
mesma pronunciação ; mas relativamente ás proporções
immutaveis, que as fazem, ou longas, ou breves.
Dois homens, hum dos quaes he summamente
veloz no falar, e outro por extremo vagaroso e compassado,
não deixão por isso de observar a mesma
quantidade, ainda que o primeiro pronuncie mais depressa
huma longa que o outro huma breve. Ambos
dois não deixão de fazer exactamente breves as que são
breves, e longas as que são longas, so com a
differença que hum gasta duas, tres, e quatro vezes
mais tempo, que o outro para as articular.

A medida por tanto da quantidade de cada Syllaba
he a proporção invariavel, que humas tem com
outras : proporção incommensuravel, que nunca se
póde determinar exactamente ; porque em todas as
Linguas, e na Portugueza tambem ha Syllabas breves,
mais breves que outras ; e longas, mais longas
humas que outras ; e isto consideradas, ou sos por
ordem ás vozes, ou tambem por ordem ás Consonancias,
que se lhes ajuntão.

Quem póde duvidar que as nossas vozes grandes,
e os Diphtongos, sons todos de sua natureza
longos, se não fação mais longos cahindo sobre elles
o accento predominante do vocabulo, e que, por exemplo,
a ultima de Táfetá não seja mais longa que
a primeira tambem longa ; e que a ultima de Leráõ
(Legent) não seja tambem mais longa que a mesma
de Lêrão (Legerunt) ? Quem outrosim póde duvidar
28que a primeira Syllaba longa destas quatro palavras
A’ve, Cávo, Crávo, Escrávo, se não va fazendo cada
vez mais longa á proporção que se vai carregando
de novas Consonancias, das quaes cada huma,
para se articular, gasta por certo algum tempo, por
minimo que seja.

O mesmo se deve observar a respeito das breves.
Humas o são mais que outras. As nossas vozes
surdas ou ambiguas e ou i, o ou u, quando se achão
immediatamente ou antes, ou depois de Syllaba aguda,
sobem tão depressa para ella, ou depois de sobir
se precipitão com tanta velocidade, que o ouvido
apenas as reconhece ; razão, porque não fazem de
ordinario Syllaba per si, mas com outra voz juncta
em Synerese, ou Diphthongo. Estas pois são muito
mais breves que as vozes pequenas, que sempre são
breves, e que as Communs i e u, quando o são.

Mas estas mesmas nas cadencias esdruxulas são
menos breves, quando estão articuladas com Consonancias
do que quando não. Por exemplo : o i e o
de Pallido são menos breves que em Pallio ; e o o e
a em Tabola menos que em Taboa : e huma prova
disto he, que os Poetas ajuntão as duas vozes em
huma Syllaba, quando não tem Consoante no meio,
e tendo-a, não.

Mas, ainda que por esta desigualdade entre as
mesmas Syllabas breves, e entre as mesmas longas,
se não possa achar entre humas e outras huma proporção
exacta ; comtudo, não fazendo caso dos quebrados,
e por hum calculo de aproximação, ou orsamento
geral representando-se as breves iguaes entre
si e da mesma sorte as longas entre si : achou-se que
a proporção destas para aquellas era dupla, e que
assim, dando á breve hum tempo so, a longa a respeito
della vinha a ter dois. Esta he a proporção
que os Gregos e Romanos achavão entre humas e outras ;
29e nós devemos-nos contentar com a mesma nas
Syllabas Portuguezas. O que preposto, passemos ja
ás regras de sua quantidade.

Huma Syllaba póde ser breve, ou longa por
duas razões, ou por Natureza, ou por Uso. He breve,
ou longa por natureza, quando os sons, de que
se compõe, dependem de algum movimento organico,
cujo mechanismo natural se não póde executar senão,
ou com presteza, ou com vagar, segundo as
Leis Physicas o dirigem. He breve ou longa por uso
somente, quando o mechanismo da pronunciação per si
não pede, nem presteza, nem vagar ; mas que o uso
fez breves ou longas a seu arbitrio, pondo em humas
o accento predominante, e em outras não. Tractarei
primeiro das Syllabas por natureza longas e
breves, cujas regras são, com pouca differença, as
mesmas em todas as Linguas. Depois falarei das que
o uso da nossa tem alongado, ou abbreviado.

§. I.
Syllabas Longas por Natureza.

Regra I.

Todas as nossas vozes grandes, quer abertas, quer
fechadas, são de sua natureza longas
.

Demostrção.

Por que todas estas vozes na sua origem não são
outra couza se não humas verdadeiras Crases, ou
contracções de dois aa, de dois ee, e de dois oo,
como he facil mostrar do modo, com que nossos Antigos
assim as costumavão escrever. Ora toda a Crase
de duas breves he de sua natureza longa ; porque os
30dois tempos das duas breves unidos em huma so voz,
fazem-na necessariamente longa. Assim são longas,
prescindindo ainda da posição e do accento predominante,
as primeiras Syllabas das palavras seguintes :
Tāfetá, Sādío, Vādio, Tēdôr, Vēdôr, Vēdoria,
Sēteíra, Prēgár, Lêr
(e todas as terminações
do infinito dos verbos da segunda Conjugação) Ōptár,
Ōmnipoténte, Cōrádo, Mōrgádo, Toūtíço, Foūcínho,
Oūvido, Loūvádo, assim escriptos ou Tôtíço, Fôcínho,
Ôvido, Lôvádo
.

He verdade que, quando o accento predominante
do vocabulo cahe fóra destas vozes grandes, como
algumas vezes succede, não temos então signal algum,
com que as caracterizemos, por se achar o accento
agudo ou circumflexo preoccupado pela Syllaba predominante.
Porêm isto he defeito, não da Lingua,
em cuja pronunciação nunca se confundem ; mas sim
da nossa Orthographia, que não tem tantas vogaes
quantas são as vozes. A Grega tinha esta vantagem
sobre a nossa e a Latina. Pois tinha caracteres apropriados
para as mesmas vozes, quando erão grandes
e longas, e quando pequenas e breves de sua natureza.
Os nossos Antigos remediavão esta falta de
vogaes, ou dobrando a mesma vogal para a fazer
longa, como Páa, Pée, Lêer, Sóo, Avôo, ou pondo
por haixo do e longo outro com esta figura ę,
como se póde ver na escriptura original de João de
Barros, e em outros.31

Regra II.

As nossas oito vozes Nasaes, quer claras, quer
surdas, sempre são longas por natureza
.

Demostração.

A demostração desta Regra tira-se do mechanismo
mesmo, precizo ao orgão para articular esta especie
de vozes. Para a sua formação he necessario
que o orgão deixe sair parte do som pelo canal direiro
da bocca, e parte reflua pelo canal curvo do
nariz. Ora está claro que esta operação mechanica deve
levar mais tempo do que, quando o ar sae livremente
so pelo canal direito da bocca. Isto, e a resonancia
mesma, que as vozes adquirem na concavidade
da bocca e das ventas, e com a qual se fazem
mais cheias, e corpulentas, tudo concorre para de
sua natureza serem mais longas. Não so por estas
causas, mas ainda em razão da posição erão sempre
longas estas vozes para com os Romanos, que fazendo
das Nasaes M, N, não signaes de Nasalidade,
como nós, mas consoantes ainda quando se seguia outra
consoante, ficava a voz sempre antes de duas
consoantes, e por consequencia longa por posição.

São por tanto longas, ainda sem serem agudas,
as primeiras Syllabas, Nasaes claras de ancião, entendimento,
pintura, zombar, funcção
, e longas e
ao mesmo tempo sempre agudas as primeiras Syllabas,
Nasaes surdas, de amago, temo, tenho, sono,
somma, sonho &c
.32

Regra III.

Todo Diphthongo, quer seja real, quer facticio,
he de sua mesma natureza longo
.

Demostração.

E a razão está clara. O som composto destes
Diphthongos reune na sua duração os dois tempos dos
sons elementares, que o compõem ; e he impossivel fazer
soar em huma so emissão as duas vozes, que requerem
para se executarem, duas situações successivas
do mesmo canal, sem gastar em cada huma ao menos
hum tempo. Por esta razão tem a primeira longa,
sem comtudo ser aguda, as palavras Pairár, Auctôr,
Feitôr, Côiteíro, Uivár, Ruĩdade
, e a ultima longa
tambem sem ser aguda, as palavras Rábão, Orgão,
Benção, Homẽe, Ordẽe etc
.

São tambem longos os Diphthongos facticios,
quando os Poetas por Synerese ajuntão em huma Syllaba
as duas primeiras vozes de Guarda, Guardar,
Quanto, Quantidade, Qual, Qualquer, Viado,
Dieta, Viola, Ciume, Coar, Coelho, Soir, Cair,
Paul
, e outros semelhantes.

Regra IV.

Toda Syllaba, feita por Crase, ou Contracção de
duas ou mais vozes em hum unico som, he de
sua naturessa longa
.

Demostração.

Ainda que huma das dictas vozes, e ordinariamente
a primeira se supprima quanto ao som, seu
33tempo comtudo se conserva e se ajunta ao da voz seguinte
de modo que esta fica valendo dois tempos, e
he por consequencia longa. Taes, entre muitas, são
as Syllabas, contrahidas da nossa preposição a com
o artigo feminino, quando dizemos e escrevemos : á,
ás
em lugar de a a, a as ; e as da mesma preposição
com o artigo masculino, quando na pronunciação
so dizemos ó, ós, em lugar de a o, a os ; e bem
assim do o e a ultimo das Linguagens dos verbos,
quando se lhes segue o pronome, como : Louv-ō,
Louvar-ā, Amar-ōs, Amar-ās
em lugar de Louvo-o,
Louvara-a, Amara-os, Amara-as
.

§. II.
Syllabas Breves por Natureza.

Regra V.

Todas as nossas vozes Oraes Pequenas a, e, o, e
as Surdas, ou Ambiguas, como e ou i, o ou u,
são breves de sua mesma natureza
.

Demostração.

Por que de cada huma destas vozes, duas junctas
equivalem a huma das grandes, como fica mostrado
na Regra I. e por consequencia a huma longa. Ora
huma longa equivale a duas breves. Logo cada huma
das duas pequenas, que se contrahem na longa, per
si he breve.

Não ha couza mais facil de reconhecer em
qualquer vocabulo do que são estas vozes pequenas,
e breves. Note-se nelle a Syllaba, em que está o accento
agudo, ou predominante. Todas as vozes, que
o precedem, ou seguem, não sendo da classe das
34longas notadas nas quatro Regras antecedentes, são
pequenas e consequentemente breves, como se vê nestas
palavras Atabále, atabafadôr, generál, célebre,
povoádo, ociosidáde
.

Nem so são breves as que se achão dentro do
vocabulo ; mas ainda todas as que se lhe ajuntão como
Encliticas, as quaes, não tendo nunca accento proprio
se acostão na pronunciação ás palavras, que o
tem, formando, para assim dizer, hum mesmo corpo
com ellas debaixo do mesmo accento dominante,
que constitue centro commum da união de todas estas
Syllabas. E taes são o Artigo o, a, os, as, e os
pronomes obliquos das tres pessoas me, nos, te,
vos, se, o, a, os, as, lhe, lhes
 : como veremos no
Capitulo seguinte.

§. III.
Syllabas Cammuns, feitas longas, ou breves
pelo uso.

Regra VI.

São Communs as duas vozes Portuguezas i e u ;
e so o uso da Lingua he que as faz ja longas
pelo accento agudo, com que as pronuncía,
ja breves, pronunciando-as sem elle
.

Demostraçao.

A razão he ; porque o som destas duas vozes,
e por consequencia o mechanismo de sua formação
he o mesmo, quer sejão longas, quer sejão breves,
e não varia com a sua quantidade, como varía o
som das outras vozes, quando são grandes, e quando
pequenas. De sua natureza pois não podem ser
35longas, nem breves, e so se fazem taes pela maior
demora do mesmo som em humas do que em outras.

Esta demora pois não póde ser produzida por
outra causa se não pelo accento agudo, quando o uso
da Lingua accentua huma e não accentua outra. O
accento predominante he capaz de produzir esta mudança
temporal, ainda quando as Syllabas a não tem
de sua natureza e formação mechanica. Nas Syllabas
agudas a voz eleva-se sensivelmente mais do que nas
graves, e nas não agudas. Esta elevação requer mais
esforço no orgão e mais contensão nas fibras do mesmo.
Para tomarem pois este tezão, necessitão de mais
algum tempo do que he necessario para entoarem as
Syllabas, que não são agudas ; que por isso o orgão
se apressa a passar ligeiramente por estas para sobir
á aguda, e desta maior elevação tornar-se a precipitar
pelas graves até o fim do vocabulo.

Alêm do que o tom agudo faz huma maior impressão
no ouvido, e quanto maior he a impressão,
mais tempo durão as oscillações, que ella produzio
nas fibras auditorias. Não he pouco para admirar,
que a mesma voz ja seja longa, quando he aguda,
ja não, quando o não he, ou he grave. A aguda
sempre he longa, mas a longa nem sempre he aguda.
O que daqui se segue he, que quando o accento
cahe sobre huma Syllaba de sua natureza longa, esta
fica mais longa do que quando cahe sobre huma Syllaba
commum.

Pelo que nestas palavras spirito, mutuo, os dois
ii da primeira, e os dois uu da segunda nenhuma differença
de som tem entre si. A unica que se sente he
a maior demora do mesmo som, que tem as primeiras
por serem agudas, e a menor que tem as segundas
para por ellas a voz descer com mais presteza. O
uso de agora he quem deo a agudeza á primeira de
36Spirito, e o uso de outro tempo a deo á segunda,
pronunciando Sprito em lugar de Spirito,

Excepções.

As primeiras quatro Regras nenhuma excepção tem ;
estas duas ultimas so tem huma, que he a da
Posicão ; quando as Syllabas breves de sua natureza
ou communs se achão no vocabulo antes de duas
Consoantes ; porque então ficão longas.

Esta Regra de Posição he fundada no mechanismo
mesmo da palavra. Quando nella se achão duas
Consoantes seguidas, a primeira não tem voz diante
de si que haja de modificar : mas tambem se não póde
articular sem ter ao menos hum e mudo, ou Scheva,
sobre que caia o seu som. Mas este Scheva, fazendo-se
mais alguma couza sensivel, degeneraria no e
pequeno e viria a tirar a contiguidade das duas Consonancias,
mettendo-lhes em meio huma voz, que as
separasse em Syllabas. Para evitar pois este inconveniente,
quanto he possivel ; o pouco tempo que neste
e mudo se poderia gastar, deita-se á conta da vogal
antecedente, que por esta razão fica mais longa do
que o sería, se não estivesse d’antes das duas Consoantes
seguidas.

Por esta razão Fôlgo, Folgár, Polgár, Polgáda
(que tambem se escrevem Fôlego, Fâlegár, Pôlegár,
Pôlegada
) tem a primeira longa por Posição. Porque
o tempo, que se havia de dar á pronunciação mais
sensivel do e, que se vê depois do L nas mesmas palavras,
escriptas do segundo modo, toma-se para o
o antecedente, que sendo ja grande e longo em fôlgo,
fica mais longo pela Posição, e sendo breve de
sua natureza nas palavras Folegár, Polegár, Polegáda ;
passa a ser longo por Posição nas mesmas supprimindo-se
o e, e escrevendo-se : Folgár, Polgár,
Polgáda
. O mesmo se deve dizer da primeira Syllaba
37de Parte, Partida, Ermo, Ermida, Triste, Tristeza,
Furto, Furtar
, e outras semelhantes.

Deve-se porêm notar que para haver Posição, he
precizo que as Consoantes sejão ao menos duas, e
essas consecutivas, e pronunciadas immediatamente
depois da voz antecedente, e que huma dellas pertença
á Syllaba antecedente, e outra á seguinte ; e
bem assim que a voz antecedente seja huma, ou das
grandes, ou das pequenas, ou das communs.

Se as Consoantes escriptas são dobradas da mesma
especie, mas na nossa pronunciação presente valem
por huma, como abbade, accasião, addição,
affeição, aggregar
&c. : então não ha Posição. Pelo
contrario quando a Consoante figurada he huma, mas
val por duas, como o x Latino nas nossas palavras
Sexo, Reflexão, pronunciadas como Secso, Reflecsão,
val a regra.

Se ambas as Consoantes pertencem á voz seguinte,
como quasi sempre acontece, quando a primeira
dellas não he alguma das nossas Liquidas S, L, R :
então está claro, que hindo com ellas o som de seus
Sehevas para a Syllaba seguinte, mal podem influir
na antecedente. Assim são breves, e não longas as
primeiras de Abraçar, Adregar, Afrouxar, Affligir,
Agreste, Reprovar
, e outras semelhantes.

Por esta mesma razão de o nosso S Liquido no principio
de muitas palavras Latinas pertencer a voz
seguinte ; e o e surdo, que muitos lhe costumão
ajuntar d’antes, não ser da classe das nossas vozes
pequenas, ou communs : tambem este e nunca se faz
longo por Posição em Estado, Estudo, Estipendio,
Estupendo, Esplendido
e nas mais palavras semelhantes.

De tudo isto, que temos dicto, e dos exemplos,
com que o comprovamos, se póde ver a falsidade,
com que Antonio Jose dos Reis Lobato diz em sua
38Arte de Grammatica da Lingua Portugueza, reimpressa
em Lisboa em 1771 no Liv. VI. da Prosodia :
“ Que a Syllaba longa he aquella, em cuja pronunciação
se levanta a voz ferindo-se a vogal… e
Syllaba breve pelo contrario aquella, em cuja pronunciação
se abaixa a voz sem ferir a vogal” affirmando
na Nota (b) ao mesmo lugar que “ Nas
Linguas vulgares, rigorosamente falando, não ha
Syllabas longas nem breves, por se distinguirem
pelo accento.” Elle, como outros, confundio a
quantidade com o Accento, couzas mui differentes,
como ja vimos, e passamos a ver no Capitulo seguinte.

Capitulo VII.
Das Modificações Prosodicas, accrescentadas aos
vocabulos, e 2.° das que nascem do Accento.

ACcento, que quer dizer Canto accrescentado á
palavra
, ou Tom, he a maior, ou menor elevação
relativa, com que se pronuncião as vozes, nascida
da maior ou menor intensidade, que as fibras da
Glottis dão a seu som. A mesma differença, que ha
entre hum som mais, ou menos intenso, e hum som
mais, ou menos extenso ; ha tambem entre Accento
e a Quantidade de huma Syllaba. Esta Syllaba
póde ser longa e tão extensa como duas breves ; e
comtudo não ser intensa, como o he a que tem accento
agudo. O’rgão, por exemplo, tem a ultima longa ;
porque he hum Diphthongo, comtudo o seu som não
he tão intenso e agudo como o da primeira tambem
longa. He pois certo não so nas Linguas, Grega, e
Latina, mas tambem na Portugueza que o accento
das Syllabas he couza muito distincta da sua quantidade.39

Os Accentos simples são dois, Agudo, e Grave.
O Agudo he aquelle, com que levantamos o tom
da voz sobre qualquer Syllaba, e a apoiamos com
mais força. O Signal, com que os Gregos, e Romanos
notavão este Accento agudo, era huma pequena
linha vertical, lançada da direita para a esquerda sobre
a vogal deste modo (´), como em Chinó.

O Accento grave pelo contrario he aquelle, com
que, depois de levantar o tom da voz, o abaixamos
em huma, ou mais Syllabas, pronunciando-as com
menos força e intensidade. O seu signal era a mesma
linha vertical, porêm com direcção contraria á da
aguda deste modo (`), como em Chinò.

Destes dois Accentos he composto o Accento
Circumflexo, que he aquelle, com que sobre a mesma
Syllaba em differentes tempos levantamos, e abaixamos
successivamente o tom da voz. A sua figura
he igualmente composta das duas linhas verticaes,
que servem de nota ao Agudo e Grave, unidas em
cima e abertas em baixo em fórma de augulo agudo
deste modo (^) como em Mêo. O Grave he menos
hum accento, do que huma privação do accento Agudo.
Porque a voz nunca se abaixa senão depois de
se ter levantado. Pelo que nas Syllabas, que se seguem
á que tem o accento Agudo, se entende sempre
o accento Grave, e por isso não se costuma escrever.
As Syllabas, que no vocabulo precedem o
accento Agudo, nem são Agudas nem Graves, e chamão-se
Não Agudas, ou Indifferentes.

Nós fazemos dos signaes dos Accentos differente
uso do que fazião os Gregos e os Romanos. Como
não temos tantas vogaes, quantas são as vozes
Portuguezas, servirmos-nos dos Accentos para com as
mesmas vogaes, diversamente accentuadas, distinguirmos
as vozes grandes das pequenas ; daquellas, notando
as que são abertas com Accento Agudo, e as
40que são fechadas com Accento Circumflexo ; e estas
sem nenhum. Porêm, como succede ordinariamente
cahir o Accento Agudo, e o Circumflexo sobre as
mesmas vozes que o tem realmente, ficão tendo dois
usos entre nós os signaes do Accento Agudo e Circumflexo ;
hum para indicar a qualidade da voz, e
outro para mostrar que he Aguda, ou Circumflexa.
No primeiro são Accentos Vogaes, no segundo Accentos
Prosodicos
.

Alêm destes tres Accentos ha outro de Aspiração,
que os Gregos notavão ao principio com dois
EE virados hum para outro, ou unidos deste modo
H, e depois com a figura de huma virgula ás avessas,
lançada por cima da vogal ; e os Romanos com
o primitivo H dos Gregos, posto na mesma linha
antes da vogal aspirada.

Este Accento de Aspiração he a maior affluencia
e volume de ar, que o pulmão faz sair com impeto
pela Glottis, quando esta fórma o som, que
depois se converte em voz. A Lingua Portugueza differença-se
muito nesta parte da Lingua Castelhana,
que he abundantissima de aspirações, e por isso se faz
algum tanto aspera e fatigante. A nossa não usa
dellas se não nas Interjeições, em que são mui proprias
para exprimirem o desafogo das paixões, pronunciando
com ellas, e escrevendo ás vezes ah ! oh !
hui ! &c.

Usa porêm frequentemente do H para outros
fins ; ja para figurar algumas Consonancias suas proprias,
que os Romanos não tinhão, quaes são as Prolações
CH, LH, NH ; ja para conservar as etymologias
Gregas e Latinas, como em Hypothese, Homem ;
ja para distinguir os sons semelhantes, como
verbo de á preposição, hi adverbio de i vogal,
e hum nome de um vogal nasal. Como pois o Accento
Aspirado tem pouco uso entre nós, e o Grave
41se entende em todas as Syllabas depois da Aguda :
tractaremos so dos Accentos Agudo, e Circumflexo,
pondo primeiro os principios geraes, sobre que se
fundão as Regras dos nossos Accentos, e depois as
Regras mesmas.

§. I.
Principios Geraes.

I.°
Não ha palavra alguma, que per si faça corpo,
a qual não tenha Accento Agudo, ou Circumflexo.

A Natureza (diz Cicero Orat. 58) tomando,
para assim dizer, a seu cargo o modular a Lingua
dos homens, quiz que em toda palavra houvesse huma
voz Aguda e não mais
. Se a não houvesse, as
palavras ficarião monotonas, isto he, serião todas pronunciadas
com hum mesmo tom, ou tezão das fibras
da Glottis, que as cançaria logo. Alêm do que toda
palavra, para ser huma, deve reunir todas as suas
Syllabas em hum ponto commum de apoio, e este he
a Aguda, para cuja elevação preparão as que precedem,
e da mesma descem as que se seguem. Huma
oração, composta de vocabulos mcnotonoa, seria
mais huma fiada de Syllabas, do que hum tecido de
palavras.

II.°
O Accento Agudo nunca tem lugar senão em
huma das tres ultimas Syllabas de qualquer vocabulo,
ou a ultima, ou a penultima, ou a antepenultima.
Para traz não póde passar.

Se passasse para traz, a pronunciação das Syllabas
que se lhe seguissem, sería tão veloz e precipitada
42que humas atropelarião as outras, como se
póde ver por experiencia.

III.°
Depois da Syllaba Aguda as que se lhe seguem
são sempre graves, quer sejão breves, quer longas.

Depois da voz sobir na Aguda, necessariamente
ha de descer a não ter de acabar nella. Ora as Syllabas,
pelas quaes a voz desce e se abate, chamão-se
graves. Logo as Syllabas, que se seguem á Aguda,
necessariamente devem ser graves, quer sejão breves,
quer longas ; porque huma Syllaba póde ser extensa,
sem ser intensa.

IV.°
A Syllaba Aguda sempre he longa, ou por natureza,
ou por uso. Mas a longa nem sempre he
Aguda.

Veja-se atraz a demostração deste principio,
Cap. VI, e Regra VI.

V.°
Da Syllaba Aguda nunca se desce pelas Graves,
se não ou por tres tempos em duas Syllabas,
huma longa e outra breve ; ou por dois tempos em
duas breves ; ou por hum so em huma breve, quer
separada da Aguda, quer juncta com ella em Diphthongo,
e neste ultimo caso o Accento he então
Circumflexo.

Desce-se da Aguda, correndo tres tempos em
duas Syllabas, somente com as Encliticas junctas ás
fórmas dos verbos, que acabão por Diphthongo,
tendo a Aguda na penultima, como : Lóuvão-me,
Louvárão-se, Louvássem-nos
. Desce-se por dois tempos
em duas breves em todas as cadencias esdruxulas
43como Pállido, Pállio, Contínuo. Desce-se em fim por
hum tempo em huma Syllaba breve, ja separada da
Aguda, em todas as palavras que tem o Accento na
Penultima, como Ponta, Ponte ; ja juncta com ella
em Diphthongo, como em Pão, Pãô, Lêi, Louvarêi,
Louvâis
 ; e então elevando-se a voz na Prepositiva
e descendo na Subjunctiva dentro da mesma Syllaba,
he o Accento Composto, ou Circumflexo,

VI.°
As palavras, que per si não fazem corpo à parte,
como são as Encliticas, estas não tem, nem
podem ter Accento Agudo.

Chamão-se Encliticas as palavras ou particulas,
que se acostão a outras no fim para com ellas serem
pronunciadas continuadamente, debaixo do Accento
Agudo das mesmas, quaes erão entre os Latinos as
particulas Que, Ne, Ve, e entre nós todos os casos
oblíquos dos Determinativos Pessoaes, chamados
Pronomes, quer da 1.ª pessoa me, nos, quer da 2.ª te,
vos
, quer da 3.ª, ou reciproco se, ou directos o, a,
os, as, lhe, lhes
 ; quando se ajuntão immediatamente
aos verbos. Vejão-se adiante as razões deste principio.

§ II.
Regras dos Accentos.

Regra I.

Tem Accento Agudo na ultima Syllaba todas
as Palavras, quer sejão Nomes, quer Verbos, quer
Particulas, que acabarem, ou em alguma das nossas
cinco vozes grandes á, é, ê, ó, ô ; ou nas duas
communs i, u ; ou em alguma das quatro nasaes
44Claras ã, ĩ, õ, ũ, quer se escreuão assim, quer
com m deste modo am, im, om, um ; ou em algum
dos Diphthongos oraes ái, áo, éi, êi, éo, êo, ío,
ói, ôi, úi, ou dos Nasaes ãi, ão, ẽe, õi, õo, ũi,
quer se escrevão assim, quer de qualquer outro modo ;
e bem assim tem a ultima aguda todas as palavras,
ou sejão nomes ou verbos, que acabarem no
numero Singular por alguma das nossas tres Liquidas

L, R, S, ou esta ultima se escreva assim,
ou com
Z, como o uso introduzio.

Demostração.

Assim tem a ultima Aguda as nossas palavras
acabadas em á grande como Acolá, Alvará, Cá,
Dá, Está, Já, Há Lá
com suas compostas, e Má,
Maná, Oxalá, Pá, Pará, Piaçá, Quiçá, Tafetá
,
e todas as terceiras pessoas do Singular dos Futuros
Imperfeitos Amará, Lerá, Ouvirá &c.

E bem assim as acabadas em é Grande Aberto,
com Alquilé, Até, Boé, Boldrié, Bujamé, Cachondé,
Café, Chaminé, Fricasé, Galé, Libré, Maré,
, com seus compostos, e Polé, Ralé, Salé, Sé,
Sodré
&c. : ou em ê Grande Fechado como Estê,
Lê, Vê
, e outros Imperativos semelhantes ; Mercê,
&c.

Os que acabão em ó Grande Aberto são : Alijó,
Avó, Beilhó, Chinó, Dó, Eiró, Enchó, Filhó,
Ilhó, Linhó, Mantó, Mó, Nó, Notibó, Passó, Pó

com seus compostos, e Portaló, Roqueló, Teiró,
Tremó, Ventó, Vinhó
&c. E em ô Grande Fechado,
como Avô com seus compostos, e todas as terceiras
pessoas do Singular no Preterito Indicativo dos
verbos em ar, como Amou, Dou, Estou, Sou,
Vou
&c. Em fim todos os monosyllabos, que não
são encliticos.45

Excepções.

Esta Regra não tem excepção alguma senão 1.°
Nas palavras acabadas em i e u, das quaes se tirão
Quasi, e Tribu, com accento na penultima.

2.° Nas acabadas em ão, das quaes se tirão Bénsão,
Frángão, O’rgão, Rábão, Sótão
, e todas as
fórmas dos verbos em ão (excepto as do Futuro Imperfeito)
como Loúvão, Louvávão, Louvárão, Louvaríão.

3.° Nas acabadas em ẽe ou em, das quaes se tirão
Hómem, O’rdem, Imágem, com todos os que
tem G antes de em, e todas as formas dos verbos
acabadas em em como Loúvem Louvássem, Louvárem,
Temem, Pártem
, que tem o accento na penultima.

4.° Nas acabadas em L, R, S, das quaes se tirão,
das primeiras Tentúgal, Setúval, todos os
Adjectivos em vel, como Admirável, Possível &c.
e os em ul e il como Cônsul, Procônsul, Dócil,
Débil, Fácil, Diffícil, Fértil, Habil, Verosímil,
Portátil, U’til
 : das segundas Aljófar, A’mbar,
Açúcar, Néctar, Mártyr
 : e das terceiras Alféres,
Cális, E’rpes, Ouríves, Símples
com todos os Patronymicos
em es, como Domíngues, Gonçálves,
Fernándes
&c. os quaes todos tem o accento na
penultima,

Regra II.

Todas as palavras esdruxulas, isto he, de
tres ou mais Syllabas com a ultima, e penultima
breves, tem o accento agudo na antepenultima
.

Taes são 1.° todas as fórmas dos verbos acabadas
em mos, como Armávamos, Recebéramos, Ouviríamos,
Amássemos
. Exceptuão-se as do Presente, e
46e Preterito Perfeito do Indicativo, como Amãmos,
Amámos
&c.

2.° Todos os Superlativos, dirivados dos Latinos
em imus, como O’ptimo, Brevíssimo &c. e bem assim
todas as palavras, dirivadas das Gregas e Latinas,
que acabão em pe Dactylo como Geómetra, Número,
Pérfido
, e infinitas outras.

3.° Grande parte dos nomes Trisyllabos e Polysyllabos,
que tem a ultima e penultima breves, acaba
em as vozes pequenas a-o, e-a, e-o, i-o, o-a,
u-a, ou puras, ou articuladas com consonancias, como
Maníaco, Pífano, Nêspera, O’pera Bêberas,
Náfego, Sôfrego, Tráfego, Fôlego, Cáfila, Dádiva,
Dúvida, Angústia, Brévia, Alívio, Annúncio,
Sítio, Amêndoa, Anágoa, Frágoa, Légoa,
Mágoa, Névoa, Nódoa, Póvoa, Táboa, Trégoa,
Abóbora, Pólvora, Rémora, Têmporas, Contínuo,
Assíduo, Resíduo, A’rduo
&c.

Regra III.

Todas as mais palavras a fóra as das duas
Regras antecedentes, ou sejão dissyllabas, ou trisyllabas,
ou polysyllabas, tem Accento Agudo na
penultima sem excepção alguma, como Vóto, Virtude,
Humanidáde
.

Na Lingua Portugueza o Accento nunca muda
da Syllaba em que está com o incremento das palavras,
se não nos Adverbios de modo, e qualidade,
formados dos Adjectivos com a addição mente adiante :
porque então ou o Accento esteja na ultima, ou
na antepenultima, sempre passa para a penultima,
como Magnífico, Magnificaménte, Particulár, Particularmente.
Nos mais incrementos do plural, ou dos
nomes, ou dos verbos, ainda que o Accento fique
mais atraz relativamente á Syllaba do incremento :
47fica comtudo immovel na mesma Syllaba, em
que estava. Assim o á Agudo no Singular de Capáz
fica igualmente Agudo no Plural Capázes, e o á
Agudo de Amára fica o mesmo em Amáramos, so
com a differença de ficar, ou na penultima, ou na
antepenultima.

§ III.
Das Palavras Encliticas, que não tem Accento.

Chamão-se Encliticas as particulas de huma Lingua,
que se encostão sobre a palavra antecedente, e
se unem com ella de tal sorte, que não parecem fazer
na pronunciação senão huma unica palavra com
aquella, a que se ajuntão. Esta sociabilidade procede
ja da sua pequenhez e brevidade, que não excede a
duas Syllabas, e essas breves ; ja por que occorrendo
a cada passo no discurso estas Encliticas, se fizessem
corpo á parte, obrigarião a fazer pausas mui curtas
e repetidas, que fatigarião o pulmão em demazia ; ja
em fim, porque sendo destinadas para indicar as differentes
relações das ideas, não ha couza mais conforme
á razão do que ajuntar, para assim dizer, em
hum corpo os termos das ideas, e os das suas relações.

He verdade que os Grammaticos dão o nome
de Encliticas so áquellas particulas, que se ajuntão,
não d’antes, mas depois das palavras para fazer
com ellas hum como unico vocabulo debaixo do mesmo
accento, taes como as Latinas Que, Ne, Ve, e
as Portuguezas Co, Go, com os casos obliquos dos
Pronomes Migo, Nosco, Tigo, Vosco, Sigo. Mas
he porque o uso da Lingua não permitte estas particulas
senão pospostas aos vocabulos. O uso porêm da
nossa admitte as Encliticas tanto depois como antes dos
vocábulos, Quintiliano mesmo (Inst. or. I, 9) reconhece
muitas palavras, que pronunciadas separadamente
48terião o seu accento proprio, junctas traz outras
o perdem, fazendo com ellas hum como mesmo
vocabulo sem distincção de pausas, como Circum
Litora
.

Seja como fôr, huma das propriedades destas
palavras Encliticas, quer estejão antes, quer depois,
he não terem accento proprio, e communicarem-se o
da palavra a que se aggregão. As que sempre precedem
os Nomes, são o nosso Artigo, e algumas Preposições,
que não so a pronunciação, mas ainda a
escriptura mesma costuma incorporar á palavra seguinte.

As Encliticas dos Verbos são todos os casos obliquos
dos Pronomes, a saber me, nos, te, vos, se,
o, a, os, as, lhe, lhes
. Todos elles, segundo mais
convem ou ao sentido, ou á collocação, podem, ou
hir diante os Verbos, como Louvo-me, Louvamos-nos,
Louva-te, Louvai-vos, Louvar-se, Louval-o,
Louval-a, Louval-os, Louval-a, Fazer-lhe, Fazer-lhes
 :
ou atraz como : Eu me Louvo, Tu te Louvas,
Elle se Louva
&c. ou no meio, como Louvar-me-ia,
Louvar-te-êi
&c.

Outra propriedade destas Encliticas he não se
poderem ajuntar depois dos Verbos, senão quando elles
tem o accento na ultima, ou na penultima. Se
elles porêm o tem na antepenultima, de necessidade
os devem então preceder, para o accento não ficar para
traz da antepenultima, como ficaria se dissessemos :
Amáramos-te, Amaríamos-o, Louvássemos-lhes. Pois,
como as Encliticas fazem hum mesmo corpo com
as palavras a que se acostão, e debaixo de cujo accento
vão ; se nestes casos se podessem pospôr, seguir-se-hia
que o accento poderia retroceder para traz
da antepenultima : o que he contra o Principio II,
que atraz puzemos. Comtudo o uso da nossa Lingua
faz huma excepção nesta regra, ajuntando algumas
49vezes duas Encliticas aos Participios Imperfeitos,
chamados Gerundios, na sua voz Reflexa Passiva,
não obstante terem sempre o accento na penultima,
dizendo : Dando-se-me, Ensinando-se-lhes &c.

Capitulo VIII.
Dos Vicios da Pronunciação.

Entre as differentes pronunciações, de que usa
qualquer Nação nas suas differentes provincias, não
se póde negar que a da Corte, e territorio, em que
a mesma se acha, seja preferivel ás mais, e a que
lhes deva servir de Regra. Os Gregos, e Romanos
assim o julgavão ; aquelles a respeito de Athenas, e
estes a respeito de Roma ; e nós o devemos igualmente
julgar a respeito de Lisboa, ha muitos annos Corte
de nossos Reis, e centro politico de toda a Nação.
O maior numero de gente, que habita nas Cortes ;
a variedade de talentos, estudos, e profissões ;
a multiplicidade de necessidades, que o luxo nellas
introduz necessariamente ; as negociações de toda a
especie, que a dependencia do Throno a ellas traz ;
o seu maior commercio, policia, e civilidade : tudo
isto requer hum circulo maior de ideas, de combinações,
de raciocinios do que nas provincias, e por consequencia
tambem hum maior numero de palavras,
de expressões, e de discursos, cujo uso frequente
e repetido emenda insensivelmente os defeitos, que
são custosos ao orgão, e desagradaveis ao ouvido,
e fixa os sons da Lingua, que a falta de uso e de
tracto deixa incertos e inconstantes nas provincias, e
lugares menos frequentados.

O uso porêm da Corte não he o uso do Povo ;
mas sim o da gente mais civilizada e instruida. Entre
aquelle grassão pronunciações não menos viciosas,
50que nas provincias ; mas que os homens polidos estranhão.
O que não succede nas das provincias, com
que são criados aquelles mesmos que bem o são ; e
por isso não as emendão senão com o tracto da Corte,
ou de pessoas, que falão tão bem como nella.

Reduzindo ja a certos pontos os vicios da pronunciação ;
estes procedem ou da Troca das vozes,
das Consonancias, dos Diphthongos, e das Syllabas,
humas por outras ; ou do Accrescentamento, Diminuição,
ou Transposição dos sons, de que se compõem
os vocabulos da Lingua.

Assim, trocando o a Grande em pequeno, dizem
os Brazileiros vădio, sădio, ătivo em lugar de
vādío, sādío, āctívo ; e ás avessas, pondo o á Grande
pelo pequeno, pronuncião āqui em lugar de aqui.

O mesmo fazem com o e ; ja pronunciando-o como
e pequeno breve em lugar do Grande e Aberto em
Prěgar por Prēgár ja mudando o e pequeno e breve
em i, dizendo Minino, Filiz, Binigno, Mi dêo,
Ti dêo, Si firio, Lhi dêo
.

Os Algarvios tambem dizem Pidaço, Çigueira,
Pidir
&c. e ás avessas mudão o i em e, pronunciando
Dezêr, Fezêra em lugar de Dizer, Fizera
&c.

Os Minhotos trocão tambem o ô Grande Fechado
pelo õ til Nasal, e o ũ Oral pelo mesmo Nasal,
dizendo : Bõa em lugar de Bôa, e Hũa em lugar de
Huma.

Porêm ninguem, como os Rusticos, faz tantas
trocas de vozes humas por outras dizendo : Antre, Precurador,
Proluxo, Rezão, Titôr
em lugar de Entre,
Procurador, Prolixo, Razão, Tutôr
, e outros
muitos.

Mas não são so os Rusticos os que se enganão
nisto. Muita gente polida pronuncia no plural com
ô Grande Fechado, como no singular, os nomes que
51tem dois oo na penultima e ultima dizendo : Soccôrro
Soccôrros
, e não Soccórros, Gostôso, Gostôsos, e não
Gostósos ; ou não fazendo excepção da regra, dizem
pelo contrario : Espôso Espósos, Gôsto Góstos,
Lôgro Lógros
&c.

O mesmo vicio, ou ainda maior ha na Troca
das Consonancias, pondo huma por outras. Os Minhotos
trocão por habito o B por V, e o V por B
dizendo : Binho, Lovo, Vraço em lugar de Vinho,
Lobo, Braço
 ; e pelo contrario S. Vento em lugar
de S. Bento, Vondade em lugar de Bondade.

Os Brazileiros pronuncião como Z o S liquido,
quando se acha sem voz diante, ou no meio, ou no
fim do vocabulo, dizendo : Mizterio, Fazto, Livroz
novoz
, em vez de Misterio, Fasto, Livros
novos
.

E os Rusticos mudão o Z em G, quando dizem,
Vigitar, Fagêr, Heregia, e bem assim o D em
L, o X em V, o S em X, e o R em L, e ás avessas,
quando dizem : Leixou, Trouve, Dixe, Priol,
Negrigente
em vez de Deixou, Trouxe, Disse,
Prior, Negligente
. Tambem mudão frequentemente
em lhe, lhes a palatal forte na sua liquida L dizendo :
Le disse, Les disse em lugar de Lhe disse,
Lhes disse
.

O mesmo vicio, que ha na troca das vozes e
das Consonancias humas por outras, ha tambem na
troca de huns Diphthongos por outros, e de humas
Syllabas por outras. Os Minhotos mudão sempre o
nosso Diphthongo Nasal ão em om, dizendo : Sujeiçom,
Razom, Amarom, Fizerom
em lugar de
Sujeição, Razão, Amarão, Fizerão, e pronuncião
ou como ão, v. g. São certo em lugar de Sou certo,
Estão bem
em lugar de Estou bem.

Os Algarvios, e Alemtejãos dão êi por êu dizendo :
Mêi Pai, Mêis Amigos ; e os Rusticos das
52Provincias e ainda dos arrabaldes de Lisboa trocão
os Diphthongos Nasaes ão, õe em ãe, dizendo : Tostães,
Grães
em lugar de Tostões, Grãos.

Outro modo de errar na pronunciação da Lingua
he, ou accrescentando mais vozes áquellas, de
que naturalmente he composto o vocabulo ; ou diminuindo-as ;
ou conservados os mesmos sons, invertendo-lhes
a ordem de sua composição. Os Beirões
desfigurão muitas palavras com estes accrescentamentos
superfluos. São muito amigos de ajuntar hum i,
ja ao ô Grande Fechado, dizendo : Côive, Ôivir em
lugar de Couve, Ouvir ; ja ao Artigo feminino a, e
á 3ª pessoa do verbo ser , dizendo : ai agua, hay
alma
 ; ja ao é Grande Aberto dizendo : héi justo,
héi certo
 ; ja ao u, dizendo Fruita, Fruitas. Os
Algarvios, e Alemtejãos tambem tem este vicio. Pois
dizem : Seis i horas, Hé i bom &c. e o Povo rustico
accrescenta hum a ao principio de muitas palavras,
e outras consoantes pelo meio dellas, pronunciando :
Adeão, Alanterna, Avoar, Ouvidio, Astrever-se
em lugar de Deão, Lanterna, Voar, Ouvido,
Atrever-se
, e assim outras muitas.

Pelo contrario o mesmo Povo rustico tira muitas
vezes as vozes precizas ás palavras, pronunciando :
Cal, Calidade, Maginação por Qual, Qualidade,
Imaginação
&c. e os Brazileiros tambem subtrahem
ao Diphthongo ai a prepositiva dizendo Pixão em
lugar de Paixão.

Mas o peior vicio de todos, e o que mostra mais
rusticidade, he o de inverter os sons das palavras,
perturbando a ordem de suas Syllabas, e dizer, por
exemplo : Alvidrár por Arbitrár, Crélgo por Clérigo,
Frôl
por Flôr, Contrairo por Contrario, Maninconia
por Melancolia, Pouchana por Choupana,
Fanatego
por Fanatico, Percissão por Procissão,
53Preguntar
por Perguntar, Prove por Pobre, e Socresto
por Sequestro, e assim infinitas outras.

O meio unico e o mais geral para emendar no
Povo estes e outros vicios da Linguagem, e rectificar
a sua pronunciação he o das Escholas Publicas das
Primeiras Letras ; onde a Leitura e Pronunciação se
aprende por principios, conhecendo e distinguindo
practicamente os sons elementares da Lingua, e ensaiando-se
debaixo da direcção de bons Mestres a
pronuncial-os com toda a certeza, e expressão, e a
combinal-os depois, ja soletrando-os, ja syllabando-os,
ja pronunciando-os junctamente nos vocabulos,
e no discurso, e ligando tudo por meio de huma Leitura
certa, desembaraçada, e elegante ; o que nunca
se conseguirá com os methodos e cartas informes, e
mais escriptos de letra tirada, de que até agora se
tem usado ; mas sim com Abecedarios e Syllabarios
exactos e completos, e principiando a Leitura por cartas
e livros de letra impressa, mais regular, mais
uniforme, mais certa, e por isso mesmo tambem
mais facil, e mais propria para dar o leite das Primeiras
Letras á tenra idade. Os Meninos, em quanto
tem os orgãos flexiveis, facilmente contrahem o
habito de pronunciar bem a sua Lingua, ouvindo-a
falar assim a seus Mestres, e Condiscipulos ja adiantados ;
e quando vem a ser pais de familias, communicão
a seus filhos a mesma Linguagem ; porque
não sabem outra.

Mas “ nem todolos que ensinam a ler e escrever
(diz João de Barros Dial. em louvor da nossa
Linguagem
, edic. de Lisboa 1785 pag. 131) nã
sã pera o officio que tem, quãto mais entẽdella,
por crara que seia. E ainda que isto nã seia pera
ty ; dilloey pera quem me ouvir, como homẽ zeloso
do bem comũ. Hũa das couzas menos olhada,
que á nestes reinos é consentir ẽ todalas nobres
54villas, e cidades qualquer idiota, e nã aprovado
em costumes de bõo viver, poer escola de
insinár mininos, E hũ çapateiro, que é o mais baixo
officio dos macanicos, nã põem tẽda sem ser
examinado, e este todo o mal que faz é danár a
sua pelle, e nã o cabedal alheo ; e máos mestres
leixão os discipulos danados pera toda sua vida,
nã sómente com vicios d’alma, de que poderamos
dar exemplos ; mas ainda no modo de os ensinar.

Porque avendo de ser por hũa cartinha que
ahy á de letra redonda, porque os mininos levemente
sôberão ler, e assy os preceitos da nossa fe,
que nella estã escriptos ; convértem-os a estas doutrinas
moráes de bõos costumes : Saibão quantos
esta carta de venda
. E depois disto Aos tãtos dias
de tal mes &c. e perguntado pelo costume disse
nichil
. De maneira que, quando hũ moço say da
escola, nã fica cõ nichil ; mas pode fazer milhor
hũa demanda, que hũ solicitador dellas ; porque
mãma estas doutrinas Catholicas no leite da primeira
idade. E o que pior é, que per letera tirada
andã hũ anno aprendendo por hũ feito : porque a
cada folha começa novamente a conhecer a diferença
da letera, que causou o aparo da pena, cõ
que o escrivam fez outro termo judicial.”

E com isto concluimos as Regras, e observações
da Orthoepia Portugueza, que a Orthographia
representa por meio dos caracteres Litteraes, como
passamos a ver no livro seguinte.

Fim da Orthoepia.55

Livro II.
Da Orthographia, ou boa Escriptura da Lingua
Portugueza.

A Orthographia he a Arte de escrever certo, isto
he, de representar exactamente aos olhos por meio
dos caracteres Litteraes do Alphabeto Nacional, os
sons, nem mais nem menos, de qualquer vocabulo, e
na mesma ordem, com que se pronuncião no uso vivo
da Lingua : ou bem assim os que o mesmo vocabulo
em outro tempo teve nas Linguas mortas, donde
o houvemos.

Assim o vocabulo Ortografia, escripto por este
modo, representa ao justo os sons de sua pronunciação
viva na Lingua Portugueza. Porêm escripto, como
se vê ao principio, representa, não so os sons,
que tem presentemente, mas tambem os que teve em
outro tempo no uso vivo da Lingua Grega, donde o
houvemos.

A primeira Orthographia chama-se da Pronunciação ;
56porque não emprega caracteres alguns ociosos
e sem valor : mas tão somente os que correspondem
aos sons vivos da Lingua. A segunda chama-se
Etymologica, ou de Dirivação ; porque admitte letras,
que presentemente não tem outro prestimo senão
para mostrar a origem das palavras.

Entre estas duas Orthographias caminha a usual,
assim chamada, porque não tem outra auctoridade
se não a do uso presente e dominante ; ja para seguir
as Etymologias, e introduzir arbitrariamente escripturas
mui alheas da pronunciação presente ; ja para
não fazer caso da dirivação mesma, e incoherente em
seus procedimentos escrever, por ex : He, Huma com
H, que não ha na origem Latina ; e Filosofia, e Fyzica
com F e Z, que não ha nas palavras Gregas.

Ja se vê que as Orthographias, Etymologica e
Usual estão totalmente fóra do alcance do Povo illitterato.
Porque nenhuma regra segura se lhe póde
dar, ou elle perceber para deixar de errar a cada
passo, que não seja a de largar a penna a qualquer
palavra, que queira escrever, para consultar o vocabulario
da Lingua.

Porêm a Orthographia da Pronunciação não he
assim. Rectificada que seja esta ; não tem elle mais
do que distinguir os sons, quer simples, quer compostos,
de que consta qualquer palavra, e figural-os com
os caracteres proprios, que os Alphabetos Nacionaes
para isso lhe dão.

Mas esta Orthographia, ou por facil, ou por
estranha ao uso presente da Nação, não he do gosto
dos homens Litteratos, que não tendo a mesma difficuldade
que tem os idiotas, para escreverem segundo
as Etymologias, julgarião ter perdido seus estudos,
se por isto se não distinguissem do vulgo imperito.
Eu, para satisfazer a todos, porei primeiro
as Regras communs a todas as Orthographias, e depois
57ás proprias a cada huma dellas. Quem quizer
poderá escolher.

Toda Orthographia tem duas partes. A primeira
he a união bem ordenada das Letras de qualquer
vocabulo, correspondentes aos sons, e á sua ordem
na boa pronunciação do mesmo. A segunda he a separação
dos mesmos vocabulos e orações na Escriptura
continuada, segundo a distincção, e subordinação
das ideas e sentidos, que exprimem. Aquella he objecto
da Orthographia, tomada em hum sentido mais
restricto ; e esta he objecto da Pontuação. Do que
tudo passo a tractar por esta mesma ordem.

Capitulo I.
Regras Communs a todas as Orthographias.

Regra I.

Todos convem que, para escrever as palavras,
que são proprias e nativas da Lingua Portugueza,
não se deve usar de outros caracteres, se não dos
que o uso da Nação adoptou para isso
.

O uso da Nação adoptou para isto 31 Caracteres
fundamentaes, a saber : 5 vogaes oraes A, E,
I, O, U ; 5 Nasaes Ã, Ẽ, Ĩ, Õ, Ũ ; e 21 Consoantes
B, P, M, V, F, G, C, D, T, S (com
vogal diante) Z, S, (sem vogal diante), X, J,
CH, N, NH, L, LH, R, RR, como se póde ver
no Livro I. da Orthoepia, Cap. I, e II. Para exprimir
as duas Gutturaes antes de E e I ajuntou ás Consoantes
simples as duas Prolações GU, QU, e usa
muitas vezes do Ç cedilhado em lugar do S, e do
G em lugar do J antes de E e I.

Este he o verdadeiro Abecedario do uso Nacional.
58O Abecedario vulgar, ou Typographico de 23
Letras, a saber : A, B, C, D, E, F, G, H, I,
K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, X, Y,
Z, por huma parte he incompleto e falto não menos
que de onze Letras, a saber : das cinco Nasaes
Ã, Ẽ, Ĩ, Õ, Ũ ; das duas Consoantes J, e V, e
das quatro Prolações CH, NH, LH, RR, que são
humas verdadeiras Consoantes, posto que figuradas
com duas Letras : e por outra parte o mesmo Abecedario
vulgar he sobejo de tres Letras, a saber : o K,
e Y, que são Gregas, e o H, que, ainda sendo signal
de aspiração, não deve ter lugar entre as Consoantes,
mas sim entre os Accentos Prosodicos, aonde
pertence. Não falo ja na desordem fortuita do
mesmo Abecedario vulgar, em que as vozes se vem
misturadas com as Consoantes, e estas sem ordem
alguma entre si ; antes contra toda a serie de sua geração,
e dos orgãos, a que pertencem.

Regra II.

Todos presentemente concordão em que nenhuma
das Letras, ou Vogaes, ou Consoantes se deve dobrar
no principio e fim das palavras
.

Os nossos antigos dobravão no fim as vogaes grandes
e as Nasaes, escrevendo : Sáa, Sée, Sóo, Caiir,
Crúu, Maçãa, Sõos, Malsĩis
. Mas huma vogal so
accentuada val o mesmo. Ja em Arrazôo, Môo, Vôo,
e outras semelhantes dobrão-se as vogaes ; porque as
duas vozes são differentes.

Regra III.

Todos ainda os mais apaixonados pelas Etymologias,
assentão não ser justo metter na escriptura
59das palavras Portuguezas Letras desnecessarias,
e que lhes não competem, nem em razão
da pronunciação, nem em razão da dirivação
.

Como : escrever com H He, Hum, e com E no
principio Esparto, Espaço, Estatua, Espirito, Especie,
Estudo
&c. quando nem a pronunciação o
pede, nem as palavras Latinas Est, Unus, Spartum,
Spatium, Statua, Spiritus, Species, Studium
o
tem, nem o mesmo se practíca em outras semelhantes,
como em Scena, Sciencia, Scipião &c.

Regra IV.

Todas as nossas Letras, tendo no presente uso
da escriptura duas figuras ; huma grande como
A,
B, C, D, E
, &c. E outra pequena como a, b, c,
d, e
, &c. he practica conforme não metter nunca
Letra grande no meio das palavras, e pol-a sempre
no principio
.

1.° Dos Frontispicios, dos Livros, dos Capitulos,
&c. e da primeira palavra de qualquer oração depois
de ponto final, ou simples, ou de Interrogação e de
Exclamação : e bem assim no principio de qualquer
verso, ou de qualquer discurso que se relata de outrem,
ainda que precedão so dois pontos ;

2.° Dos Nomes proprios, quer sejão de pessoas,
como Alexandre, Cesar ; quer de animaes como Bucephalo ;
quer de couzas, como Portugal, Brazil,
&c.

3.° Dos nomes ainda communs, quando como titulos
de honra e de dignidade são applicados a pessoas
particulares, como Papa, Bispo, Rei, Desembargador ;
e bem assim quando são nomes patrios e
gentilicos : Os Portuguezes, os Menezes, ou fazem
o objecto principal do discurso, como Philosophia,
Rhetorica, Poesia, Pintura, Lei, Decreto, Alvará

&c.60

Regra V.

Todos convem em que, para representar todas
as nossas 10 vozes oraes, mostradas na Taboa Cap.
I. da Orthoepia, nos sirvamos so das cinco vogaes

a, e, i, o, u ; porêm com a differença dos Accentos
vogaes, com que se distinguem, todas as vezes
que esta distincção for necessaria para huma palavra
univoca se não confundir com outra, como sem
elles se confundirião
Pára verbo com Para preposição,
nome com verbo e Se conjuncção, Avó feminino
com
Avô masculino, e Amárão preterito com
Amaráõ futuro.

As nossas duas vozes Grandes Fechadas ê, ô
nunca occorrem nas palavras sem nas mesmas vozes
cahir o accento agudo, e assim o seu mesmo accento
vogal serve tambem de acccnto prosodico, como
em Barrête, Môco. Porêm não succede ja o mesmo
com as nossas tres vozes Grandes Abertas á, é, ó,
quando nas palavras se achão antes da Syllaba aguda
como em Vadio, Pregar, Sozinho e outras muitas.
Preoccupado o accento pela Syllaba aguda, ja
com elle se não podem notar as vozes abertas, que
o precedem.

Havendo porêm necessidade de distinguir com
isto duas palavras equivocas como Prégar (praedicare),
e Pregar (figere) : seria bom para estes casos
tornar a introduzir o ę dobrado de que usa para os
mesmos casos o nosso João de Barros, ou dobrar a
vogal, escrevendo Vaadío, Prégar, ou Preegar,
Sosínho
. Pelo que pertence ás duas escripturas do ô
Grande Fechado, figurando-o, ou com o accento circumflexo
por cima, ou com o u adiante deste modo
ou : quando elle he final, pode-se adoptar a primeira
para os nomes, escrevendo Avô, e a segunda para
61os verbos, escrevendo Amou, Dou, Sou, Vou, &c.
e geralmente quando o au Latino se converte no ou
Portuguez, como Ouço, Pouco, Rouco.

Regra. VI.

Para na escriptura distinguir as vozes, que
na pronunciação são surdas e ambiguas, e saber
se havemos de escreuer i ou e, o ou u : ou estas
vozes vem antes da Syllaba aguda, ou depois. Se
vem d’antes, não ha outro meio para as conhecer
e determinar se não o de variar com outra formação,
ou declinação a mesma palavra de sorte que a
voz ambigua passe a ser huma das grandes ; e então
o seu som confuso se fará distincto para se escrever
com a sua vogal propria
.

Assim, para eu saber com que vogal hei de escrever
as primeiras vozes surdas dos dois verbos Cear,
e Ciar, e dos dois Soar e Suar ; não tenho mais
do que pol-as no presente do Indicativo Cêo, Cío,
Sôo, Súo
, e logo vejo a vogal com que os devo escrever
nas mais fórmas dos mesmos verbos. O mesmo
succede nos nomes. Assim, por ex : Asseado,
Fofice
sei que se hão de escrever deste modo ; porque
digo Assêo, Fôfo, donde os primeiros se dirivão.

Se porêm as dictas vozes surdas vem depois da
Syllaba aguda ; a que sôa como i, deve-se escrever
com e como Coíme, Prudénte, Sángue, Ténue ; e a
que sôa como u deve-se escrever com o como António,
Márcos, Affécto, Amamos, Lemos, Ouvimos
 ;
e sendo duas as que sôão como u, a primeira deve-se
escrever de ordinario com esta vogal, e a segunda com
o, como Continuo, Assiduo, Arduo. Nos Diphthongos
o uso mesmo não tem feito escrupulo em escrever
as subjunctivas surdas de hum mesmo Diphthongo
ja com e, ja com i em Bôi, Poes ; e ja com o,
62ja com u, como Eu, Mêo, Têo. Mas da Orthographia
destes Diphthongos falaremos logo.

Regra VII.

Todos concordão em que as nossas cinco vozes
Nasaes claras se podem escrever ou simplesmente
com o til por cima deste modo
 : ã, ẽ, ĩ, õ, ũ ; ou
com
M ou N adiante : com a differença porêm que
sendo finaes, ou ficando antes de
B, P, M, sempre
se devem escrever com
M, e em todos os mais casos
com
N, como , ou São, Santo, Campa, Tenro,
Tempo, Sĩ
ou Sim, Sinto, Simples, Sõ ou Som,
Sonda, Zombo, Ũ
ou Um, Atum, Tunda, Tumba.

Regra VIII.

A respeito da Orthographia dos nossos 10 Diphthongos
oraes, nenhuma discrepancia ha pelo que
pertence á escriptura das suas prepositivas, qual
se vê na Taboa do mesmo Cap. III. Da Orthoepia.
Pelo que pertence porêm á das suas subjunctivas,
que sempre são surdas, póde haver duvida se se
hão de escrever com
e ou com i em huns Diphthongos,
e em outros se com
o ou com u.

Todos porêm concordão que, escrevendo-se as
primeiras uniformemente com i deste modo ai, éi,
êi, ói, ôi, ui, nenhum inconveniente ha nisto : e a
respeito das segundas o uso concorde de todos he escrevel-os
com u estando no principio, ou meio do
vocabulo, e com o, sendo finaes deste modo : Páuta,
Páo, Céo, Cêuta, Lêo, Ouvío
. O mesmo uso
porêm, escrevendo o pronome Eu sempre com u,
não obstante vir do Latino Ego varía nos possessivos,
escrevendo ja com o Mêo, Têo, Sêo, segundo a Analogia
Orthographica dos mais adjectivos em us ; ja
63com u Mêu, Têu, Sêu, apegando-se á origem e
conformando-se com a escriptura do primitivo Eu.
Quem seguir constantemente qualquer destas duas Orthographias,
escreve bem.

Regra IX.

Pelo que pertence á Orthographia dos nossos 6
Diphthongos Nasaes ; as escripturas são varias e
desconformes, como se póde ver na mesma Taboa.
Porêm todos assentão não haver inconveniente algum,
em as suas prepositivas se escreverem uniformemente,
quer no singular, quer no plural dosnomes e dos
verbos com o til por cima. E pelo que pertence ás
vozes surdas e ambiguas que compõem as suas subjunctivas,
nas que tem o som confuso de
o ou u escrever
sempre
o, assim ão, õo, e nas que soão entre
e, e i por e no Diphthongo de õe e ẽe ; e i nos
de
ãi, e ũi, deste modo : Mão, Mãos, Bõo, Bõos,
Põe, Pões, Lição, Lições, Bẽe, Bẽes, Mãi, Mãis,
Rui, Ruis ; escripturas as mais auctorizadas pelo
uso de nossos antigos Escriptores
.

Todos pelo contrario assentão haver nas mais
escripturas estes tres grandes inconvenientes, a saber :

1.° O de equivocar a escriptura dos Diphthongos
Nasaes com a das Nasaes simples, e por consequencia
as palavras, que nada tem de equivoco na
pronunciação, escrevendo por ex : Irmão como Irmam,
Bõo
com a pronunciação da Extremadura como
Bom com a do Minho, e Bendizer como Benzêr.

2.° A de pôr nos pluraes dos Nomes o N, signal
de Nasalidade, fóra do seu lugar, depois do Diphthongo,
quando, como o Til, devia cahir sobre a
prepositiva do mesmo, escrevendo deste modo Saons,
em lugar de Sãos, Bons em lugar de Bõos, Tostoens
em lugar de Tostões, Refens em lugar de Refẽes,
64fẽes, Caens em lugar de Cães, e Ruins em lugar
de Rũis.

3.° O de furtar a alguns Diphthongos a sua subjunctiva
com escrever com huma vogal so Pam, Bom,
Bem
, que val o mesmo que Pã, Bõ, Bẽ, em lugar
de duas Pão, Bõo, Bẽe &c.

Regra X.

Nenhuma Orthographia dobra nas palavras as
quatro consoantes
V, Z, J, X nem tão pouco as
cinco prolacões
CH, LH, NH, GU, QU. As mais,
fóra estas nunca se dobrão, se não entre vogaes,
como o
R quando he forte e aspero escrevendo Carro,
Carregar com dois
RR ; porque está entre vogaes
e pelo contrario Abalroar, Honra, Genro com
hum so
R, porque não se acha entre vogaes.

Regra XI.

Como, para figurar cada huma das nossas duas
consonancias Gutturaes, temos dois caracteres Litteraes,
hum simples
G, C, dos quaes nos servimos
como Gutturaes so antes de
a, o, u ; e outro composto
como
GU, QU, dos quaes usamos so antes de
e, e i : todas as Orthographias convem neste uso.

Porêm todas tambem deverião na escriptura fazer
distincção do U quando he mudo, como o he em
Quatorze, Gueto, Quoto, Quita, e quando o não
he, mas sim vogal, como em Qual, Guarda,
Equestre, Quinquagesima
&c. E para tirar toda
a equivocação bem seria introduzir na nossa Orthographia
o signal da Dierese chamado Trema pelos
Francezes, que são dois pontos horisontaes sobre o ü
quando tem valor, e fazer o mesmo no concurso das
duas vogaes, quando fazem Diphthongo ; e quando
65não : usando do mesmo signal na primeira vogal,
quando não faz Diphthongo, como em Rîo (Fluvius)
e não, quando o faz, como em Rio (Risit)
O que se deverá practicar sempre que o accento agudo
esteja na primeira vogal. Estando porêm na segunda
o mesmo accento tira toda a duvida como em
Caia, Caía, Teu Teúdo, Môio Moído, Lauda Alaúde,
Rui Ruína etc
.

Regra XII.

Para partir as palavras pelas Syllabas, e não
partir nunca estas ; póde servir de Regra geral na
Orthographia Portugueza o seguinte
 : ou a palavra
se parte entre vogaes, ou entre vogal e consoante, ou
entre consoantes.

Se se parte entre vogaes, huma deve ficar no
fim da regra e outra vir para o principio da regra
seguinte, excepto havendo Diphthongo, ou Synerese ;
porque então huma couza e outra deve ficar inteira
no fim da regra, ou vir inteira para o principio
da outra. Assim partiremos Leal, Joia, Luar, Joeira,
Qualidade
deste modo : Le-al, Joi-a, Lu-ar,
Jo-eira, Qua-lidade
.

Se a palavra se houver de partir entre vogal,
e huma consoante ; a vogal ficará no fim da regra,
e a consoante, não sendo final, passará para a regra
seguinte para fazer Syllaba com a voz, que se
lhe seguir, deste modo. A-mi-go, A-mi-za-de.

Se a palavra se houver de partir entre muitas
consoantes continuadas de differente especie, e a primeira
dellas for huma destas sete B, D, L, R, S,
e tambem M, N, não tendo vogal diante ; por esta
mesma se dividirá, ficando no fim da regra, e
trazendo as mais para o principio da regra seguinte,
como pertencentes á voz immediata, deste modo :
66Ob-rigar, Ab-soluto, Ad-mittido, Con-stante, Comprehender,
Al-tar, Ar-ma, As-tro, Inde-mnizar,
O-mnipotente
. Em Obra ha syncope de Obera. (opera).
Por isso o B vai para a vogal seguinte como em
O-peração. Se as consoantes são da mesma especie ;
huma fica no fim da regra, e a outra passa para o
principio da outra.

Esta regra não tem se não huma excepção, que
he nos vocabulos compostos de duas ou mais palavras,
nos quaes, como se devem partir so pelas junctas
dos membros de sua composição, ás vezes succede
pertencer o S ao seguinte membro, e não ao antecedente
como : em De-struir, Re-stituir, Re-star,
Pre-star, Pre-screver, De-scender, In-sculpir, Obscurecer,
Con-spirar, Re-sponder, Re-splendecer,
A-spergir
&c. Mas isto acontece em mui poucas
palavras, e em todas as mais a excepção mesma entra
na Regra geral da sua divisão. Taes são as regras
communs a todos os Systemas de Orthographia.
Passemos ja ás que são proprias a cada hum delles.67

Capitulo II.
Regras proprias da Orthographia Etymologica,
e Usual.

Regra Unica Geral.

Toda a palavra Portugueza, que for dirivada ou
da Lingua Grega, ou da Latina, deve conservar
na escriptura os caracteres da sua origem, que
se poderem representar pelos do nosso Alphabeto,
e forem compativeis com a nossa pronunciação.
Mas o uso faz nesta regra todas as excepções,
que quer
.

Demostração.

Os Caracteres proprios da Lingua Grega, que
não entrão no nosso Alphabeto Nacional, mas que
se podem substituir com as nossas Letras, são sete,
a saber : dois simples que são o Kappa e o Ypsilon ;
quatro aspirados a saber o Théta, o Phi, o Rho, e
o Chi, e hum duples que he o Psi ; porque o X he
commum á Lingua Latina.

Os proprios desta com o valor, que lhes deo a
pronunciação corrupta da inferior idade, são outros
sete, a saber : o H sem valor algum de aspiração ;
o duples X, valendo ja por CS como entre os Gregos
e Latinos, ja por IS no uso da nossa pronunciação ;
o C sem cedilha, valendo por S antes de e, e
i ; o mesmo Ç com cedilha valendo tambem por S
mas so antes de a, o, u ; o G valendo por J antes de
e, e i ; o S entre vogaes, valendo por Z ; e em fim
as 12 consoantes dobradas entre os Latinos com o
valor de simples entre nós, quaes são BB, CC, DD,
FF, GG, LL, MM, NN, PP, RR, SS, TT.68

Disse na Regra : Que se poderem representar
pelos caracteres do nosso Alphabeto
 : porque algumas
não se podem ; ou por não termos nelle letra propria
para isto, como o K antes de e, e i, que substituimos
com a Prolação Latina QU : ou por termos ja preoccupado
para alguma das nossas consonancias proprias
as Letras que competirião ás Gregas e Latinas, como
o CH, que servindo-nos para figurar a nossa chiante
muda, como em Cha, ja a não podemos empregar
sem equivoco em Archãjo, Architecto &c.

Disse mais : E forem compativeis com a nossa
pronunciação
 : porque nada podia mostrar melhor a
origem e genio das palavras Gregas e Latinas do que
as combinações particulares, que estes dois povos fizerão,
assim das vogaes como das consoantes, para
a pronunciação e Orthographia das suas linguas, como
por exemplo os Diphthongos Gregos e Latinos oe, ae
e as terminações PS, BS, CS e outras ; as quaes
comtudo repugnão ao mechanismo dos nossos orgãos,
e por isso ou as ommittimos nas palavras dirivadas,
ou as mudamos em outras ao nosso modo.

Isto supposto, a Applicação da Regra geral ás
Orthographias proprias da Lingua Grega e da Latina
nas palavras, que das mesmas dirivámos, e alterações,
que o uso lhes deo, farão a materia dos dois
§§ seguintes.

§. I.
Da Escriptura dos sete Caracteres Gregos K, Y,
TH, PH, RH, CH, PS.

Posto que o Kappa Grego entrasse no nosso Abecedario
antigo, e ainda subsista no Typographico ;
justamente foi em fim desterrado delle. Porque o seu
som guttural se representa muito bem com a nossa
consoante C antes de a, o, u, e com a prolação QU
69antes de e, e i, escrevendo nós Calendario, Quyrios,
e não ja Kalendario, Kyrios.

Usamos do Ypsilon so nas palavras de origem
Grega, que são menos trilhadas do Povo, como Hyperbole,
Lyra
. Nas que porêm tem passado ao uso
vulgar, o mesmo uso disfarça ja o servirmos nos do i
pelo y e escrever por exemplo Giro, Pigmeo, Jacintho,
Labirintho, Abismo, Crisol, Piramide, Rima,
Martir, Sindicar, Jeronimo, Hippolito
&c. He
porêm abuso empregar o Y em palavras, que o não
tem na sua origem, como Ley, Rey, Moyo, Comboy
&c.

O TH aspirado, ainda que o não seja por nós,
conserva-se na escriptura das palavras, que o tem na
Lingua Grega, como Antipathia, Orthodoxo, Timotheo,
Thesouro, Theatro, Thuribolo, Throno, Theologia,
Mathematica
&c. Comtudo não se repara que
alguns escrevão Asma, Catarina, Cantaro, Citara,
Catolico, Tio
, que na sua origem tem o th aspirado.
Escrever Theúdo, Contheúdo he contra a Etymologia.

Das consoantes Gregas aspiradas, a que o uso
está mais propenso a largar da nossa Orthographia
he o PH, que elle sem rebuço ja escreve com F em
Filosofia, Fysica, Metafysica, Profeta, Triumfo, e
podia escrever da mesma maneira Antiphona, Aphorismo,
Blasphemo, Phantasma, Philippe, Camphora,
Diphthongo, Phebo, Phaetonte, Alphabeto
&c. O
RH aspirado he mais raro nas palavras Gregas, e muito
mais nas poucas, que com elle passárão ao Portuguez
como Rhetorica e não Rethorica, como alguns
escrevem, Rheumatismo, Catarrho, que ja muitos
escrevem Reumatismo, Catarro.

Não usamos ja de CH aspirado pelas razões,
que apontei no principio do Capitulo. Em lugar delle
pomos C simples antes de a, escrevendo Arcanjo,
Monarca
 ; e QU antes de i, escrevendo Arquitecto,
70Monarquia
, e não Archanjo, Monarcha, Architecto,
Monarchia
, como antes se escrevia. O mesmo uso
tem ja adoçado a pronunciação do PS Grego, tirando-lhe
o P, e escrevendo so com S as palavras de
Origem Grega, que assim principião, deste modo :
Salmo, Salterio em lugar de Psalmo, Psalterio.

§ II.
Da escriptura dos seis caracteres latinos h, x,
c, ç, g, s, e das letras dobradas.

Ainda que o H não tenha valor algum entre
nós fóra talvez das Interjeições, comtudo deve-se
conservar na escriptura das palavras, dirivadas do
Latim para mostrarem a sua origem e com ella sua
significação primitiva. Pelo que devemos escrever com
elle Habil, Habitar, Habito, Haver, Herdar,
Historia, Hombro, Honesto, Honra, Horror, Hospede,
Homem, Humor, Hora
, e outros semelhantes.

Porêm não havendo H nas palavras Latinas
Unus, Est, Cadere, Salire, Ibi, e sendo puramente
Portuguezas Baía, Baú ; não sei a razão, porque
se escrevem com elle deste modo : Hum, Hé, Cahir,
Sahir, Ahi, Bahia, Bahú
. Nas Interjeições ah !
oh ! hui ! ha a razão de serem estas vozes naturalmente
aspiradas ; para o que he muito proprio o H.

O X tem no uso da nossa Orthographia tres significações.
Elle serve de consoante Portugueza para
figurar o som Mourisco da Chiante Semivogal branda
nas palavras de origem Arabe, como Xacoco,
Xadrez, Xarel, Xergão
, e por imitação nas de outra
origem, como Frôxo, Côxo, Báxo, Paixão &c.
Mas desta e da Chiante muda forte CH teremos occasião
de falar mais largamente no Capitulo seguinte.

A segunda significação, ou valor do X he o
71mesmo da duples Latina CS, qual algumas pessoas
polidas lhe dão nas palavras Fluxo, Refluxo, Fixar,
e Sexo
, que pronuncião á Latina Flucso, Reflucso,
Ficsar, e Secso
.

Mas, como esta combinação de CS não he muito
do genio da nossa Lingua ; esta a costuma adoçar,
mudando o C em I quasi sempre que o X he
precedido de E, e o S em Z, de sorte que lhe vem a
dar o valor de IZ pronunciando Exactidão, Exordio,
Exequias
como se estivesse escripto Eiz-acti-dam,
Eiz-ordio, Eiz-equias
, quando se lhe segue vogal ;
e quando não, da-lhe o valor de IS, como em
Sexto, Explico, Exceder que pronunciamos, como
Seisto, Eisplico, Eisceder. E este he o terceiro uso
que fazemos do X. Ainda que quando elle he final se
pronuncia como S ; comtudo, para conservar a origem
Latina, se costuma escrever com o mesmo X
nas palavras, que não tem a ultima aguda, como em
Felix nome proprio, Simplex, Duplex, Index, Appendix,
e poucos mais.

Huma das maiores difficuldades, que tem a Orthographia
da dirivação, he a do C sem cedilha antes
das vogaes e, e i, e a do Ç com ella antes de
a, o, u. Porque tendo ambas o mesmo valor que o
simples S ; não se póde saber senão pela origem Latina,
quando havemos de usar de S, e quando de C
simples, ou cedilhado. Assim so pelo Latim Sine,
Centum, Cera, Sum, Cedo, Sericum, Cilicium, Sigillum
,
he que podemos escrever certo as nossas palavras
dirivadas Sem preposição, e Cem numero, Cera
nome, e Será verbo, Ceda verbo, e Seda nome,
Cilicio, Sello. Da mesma sorte não escrevemos Acção,
Lição, Solução
com Ç cedilhado, e Conversão,
Expulsão, Summersão
com hum S, e Oppressão,
Submissão
, e Remissão com dois, senão porque as
primeiras palavras Latinas Actio, Lectio, Solutio se
72escrevem com TI na penultima, as segundas Conversio,
Expulsio, Submersio
com hum S so ; e as ultimas
Oppressio, Submissio, e Remissio com dois.

Se alguma regra se póde dar para isto he 1.°
Que quanto ao C sem cedilha antes de e, e i, se se
hade escrever com elle, ou com S, so se póde determinar,
combinando as nossas palavras dirivadas com
as Latinas, donde se dirivárão. Sendo porêm as nossas
puramente Portuguezas, como são Seifar, Sevar,
Siume, Serzir, Sisco, Sedenho, Sedula, Selga, Sigano,
Selada, Sima
he bem excuzado escrevel-a
com C, como muitos fazem.

2.° Que, quanto ao Ç antes de a, o, u ; nunca
se deve pôr no principio da palavra ; e que aquelles
que escrevem Çafira, Çanfonina, Çafar, Çapato,
Çafra, Çamarra, Çanefa, Çarça, Çorda, Çorça,
Çotea, Çumo, Çurriada
não tem porsi nem a dirivação,
nem a razão : Que no meio, ou no fim da palavra
se costuma pôr o mesmo Ç em lugar de S quasi
em todos os nomes substantivos acabados em aça,
êça, iça, oça, uça, e em aço, êço, iço, ôço, uço

como : Ameaça, Cabeça, Cortiça, Carroça, Escaramuça,
Braco, Adereço, Feitiço, Pescoço, Rebuço
 ;
e em os que tendo no Latim a penultima
em TI, acabão no Portuguêz em ão, ia, io, como :
Oração, Prudencia, Obrepticio.

A mesma difficuldade ha a respeito do G e J,
que sendo a mesma consonancia, e tendo o mesmo valor
antes de e, e i ; não se sabe qual das duas consoantes
se hade pôr. Mas, como nas palavras Portuguezas
nunca se põe J consoante antes de i vogal :
a duvida entre o G, e J he so com o e ; e como as
palavras que principião por Je são so Jejum, Jerarquia,
(e seus dirivados,) Jeroglyphico, Jenolim,
Jellála, Jentar, Jeropiga
, todas as mais não podem
principiar senão por Ge.73

E pelo que pertence ao meio das palavras, todas
as palavras dirivadas do verbo Latino Jacio tem
no Porruguez J antes de e, como Adjectivo, Conjecturar,
Objectar, Projectar, Rejeitar, Sujeitar
, &c.
com seus dirivados Abjecção, Objecto, Sujeito &c.
E pelo que pertence ao fim, os verbos em Jar conservão
sempre o J em todas as suas fórmas, e os verbos
em Gêr, Gir mudão o G em J, todas as vezes
que na sua conjugação o G fica antes de a ou o. Nas
palavras puramente Portuguezas deve-se usar sempre
de J e não de G, e escrever Jeito, Jerselim, Jeira
e não Geito, Gerselim, Geira.

Quanto ao S, para se saber quando nas palavras
dirivadas do Latim se hade pôr S so, ou dois
SS, ou Ç com cedilha ; a regra mais geral, que para
isto se póde dar, ainda que sujeita a muitas excepções
he : que todas as vezes que o som desta letra
não estiver entre vogaes, ou estando entre ellas se
pronunciar como Z ; empreguemos sempre o S simples :
e se se pronunciar como S entre as mesmas
vogaes, não tendo a palavra Latina TI, ou C na
penultima, usemos do SS dobrado, e tendo-o, usemos
do Ç com cedilha.

Conforme á primeira parte desta regra escrevemos
com hum S so Falso, Absolver, Conselho,
Manso, Conseguir, Conservar, Dispensar, Verso,
Corso
&c. e bem assim Caso, Causa, Visivel,
Rosa, Musa, Formoso, Gostoso
&c. Conforme
á segunda parte da regra escrevemos Amassar, Cassar,
Cessar, Fossar, Passar, Possivel, Possuir,
Tussir, Disse, Dissesse
e todas as mais fórmas dos
verbos em asse, esse, e isse. E conforme á terceira
escrevemos Spaço, Negocio, Graça, Prudencia, Oração,
Faço
&c.

Isto pelo que pertence ás palavras dirivadas do
Latim : que quanto ás puramente Portuguezas, estas
74quando de huma, ou outra sorte soão na pronunciação,
como Casa (venatio), Caza (domus) Braza,
Brasa
(medida) Prezente, Presentir, Azado, Dansa,
&c. O escrever com Z as finaes agudas do Singular,
como : Fáz, Fêz, Fíz, Capáz, Capúz,
Felíz, Retróz
e outras semelhantes pela razão da
maior facilidade na formação dos pluraes dos nomes,
he desamparar a regra da dirivação por huma razão
frivola. Nenhuma destas palavras tem no Latim Z no
fim, mas ou X, ou S, ou T. O S final, ficando nos
pluraes destes nomes entre vogaes, pronuncia-se como
Z segundo a analogia Latina. As vogaes finaes accentuadas
ficão sendo signal proprio para mostrar a
sua agudeza ; e ha muitas palavras de semelhantes finaes
agudos, que nem por isso escrevemos com Z,
como Pés, Dés, Sés, Três, Vês, Más, Aliás. Sería
por tanto mais coherente o escrever Fás, Fês,
Fís, Capás, Capús, Felís, Retrós
.

Resta falar das Consoantes dobradas nas palavras
Portuguezas dirivadas das Latinas, que as tem.
Os Latinos dobravão-nas ; porque as pronunciavão
ambas ; e huma prova disto era ficar a vogal antecedente
sempre longa por posição. Nós porêm pronunciamol-as
como se fosse huma so. Comtudo, para
conservar este vestigio da etymologia Latina, querem
os apaixonados della que assim se escrevão.

Pela pronunciação pois não podemos saber quando
havemos de dobrar as consoantes, excepto o R quando
he brando e quando forte, e o S quando se pronuncia
como Z, e quando como Ç. Porque no primeiro
caso usamos no meio das palavras da consoante
simples, e no segundo da mesma dobrada. As mais
ou se escrevão sos ou dobradas, pronuncião-se do
mesmo modo. Assim não póde haver regra alguma
segura, que nos dirija nesta escriptura, se não a Orthographia
75Latina principalmente nas Syllabas medias
das palavras.

Para as do principio pôde dar algum soccorro a
observação das preposições compositivas ad, con, in,
ob, e sub
, pelas quaes começão infinitas palavras compostas,
que dirivámos do Latim. Como de ordinario
a consoante ultima destas preposições se muda naquella,
porque começa a palavra, a que serve de composição ;
o D da preposição AD ja se muda em C
antes de outro, ja em F, G, L, P, como Acceitar,
Affecto, Aggravo, Allegar, Applicar
 : o N das preposições
con, e in se muda em M antes de outro,
como Commoda, Immovel : e o B das preposições ob,
sub
, em P antes de outro, como Opportuno, Supposto.

Tambem toda a palavra, que principia por DI
E, O, e SU seguindo-se-lhe immediatamente F, dobra
esta consoante v. g. Differir, Effeituar, Offender,
Suffocar, Difficil, Efficaz, Officio, Suffragio
.
Mas estas mesmas observações de pouca utilidade
podem servir aos que não tem hum bom conhecimento
da Lingua Latina. Para estes e para o povo illitterato
so a boa pronunciação da propria Lingua he
que lhes póde ensinar as Letras, com que o hão de
escrever, como se verá no Capitulo seguinte.

Entretanto hum mui justo e razoado meio de
conciliar os dois systemas oppostos da Orthographia
Etymologica com o da Pronunciação, sería escrever as
palavras Gregas e Latinas com as Letras das suas
origens, em quanto ellas são so do uso dos Sabios e
não tem passado ao do povo ; e com as do nosso
Alfabeto e pronunciação, huma vez que passão ao
uso vulgar, como tem passado as de Filosofia, Fisica,
Metafisica, Matematica, Teologia
&c.76

Capitulo III.
Regras proprias da Orthographia da Pronunciação.

Regra Unica Geral.

Qualquer palavra, que se queira escrever, pronuncie-se
primeiro bem, e distinguidos todos os
sons, de que he composta, estes se escrevão pela
mesma ordem com os caracteres, que lhes competem
nos Abecedarios completos, e exactos, que
ficão lançados nos Capitulos
I. e II. da Orthoepia,
e no Cap. I. Regra I. da
Orthographia, e a palavra
assim escripta ficará sem erro de Orthographia
.

Esta regra não tem excepção alguma. Pelo que
não necessita senão de se demostrar, applicando-a a
todos os sons da nossa Lingua, quer simples, como
Vozes e Consonancias, quer compostos, como Diphthongos
e Syllabas ; o que passamos a fazer nos
dois §§ seguintes, practicando ja a mesma Orthographia
da Pronunciação, que nos mesmos se ensina.

§. I.
Aplicasão da Regra Geral ás Vozes, e Ditongos
da Lingua Portugueza.

Esta aplicasão : da Regra ás Vozes e Ditongos,
tanto Oraes como Nazaes da Lingua Portugueza,
fica ja feita no Cap. I. Das Regras Communs
a todas as Ortografias
, Regr. V, VI, VII, VIII,
e IX, e por iso é scuzado repetil-a aqui.77

A Ortografia uzual não discorda em nada da
Ortografia da pronunsiasão no que pertense á scritura
das nosas 12 vozes Oraes, e das nosas 5 Nazaes claras.
Se á alguma discrepansia, é na eispresão das
nosas quatro vozes surdas, ou ambiguas, e na do ô
Grande Fechado, que umas vezes se screve asim, outras
com ou.

Os omens doutos tem na analogia das palavras
dirivadas do Latim com as Latinas, dados, pelos
quaes determinão fasilmente a escolha da vogal surda,
que ao de preferir, e a que ão de rejeitar. Os
que não são Letrados stão privados deste socorro.
Podem pois seguir as saidas, que lhes demos na Regra
VI. Cap. I.

Mas se asim mesmo ficarem ainda indesizos sobre
se ão de uzar de e ou i, e de o ou u ; qualquer
das duas vogaes que eles escolhão, terão desculpa na
mesma imposibilidade, onde se achão para escolher
melhor. Pelo menos o screver o som do ô Grande
Fechado, ou asim ou com ou, é couza indiferente para
o ouvido, que não sente diferensa alguma, quer se
screva Louvár, quer Lôvar. Quando porêm ao ô
se segue alguma das liquidas L, R, S como taes,
é melhor uzar do ô do que do ou, e screver Louvôr,
Sôldo, Gôsto
do que Louvour, Souldo, Gousto.

As vozes Nazaes claras screvem-sc como fica dito
na Regra VII. do Cap. I. Quanto ás Nazaes surdas,
para mostrar a sua Nazalidade, e ao mesmo tempo
indicar que sobre elas cai o asento predominante,
será bom asentual-as sempre com o Til, deste modo :
ãmo, ãno, sãnha, pẽna, lẽnha, sõma, sõnho.

Nas Regras comuns VIII e IX do mesmo Capitulo
I. ensinámos qual era a genuína Ortografia
dos nosos Ditongos, tanto Oraes, como Nazaes,
quanto as suas prepozitivas ; e a variedade, que o
uzo punha na scritura das subjuntivas de uns e outros,
78por elas serem todas voz es surdas, e ambiguas,
cujo som confuzo se não póde bem determinar. Mas
esta mesma inserteza e variedade autoriza asás a
Ortografia da pronunsiasão para uzar, como quizer
ou do e, ou do i nos Ditongos, que tomão uma
destas vogaes ; do o, ou do u nos outros, a que estas
servem de subjuntivas, e screver ai ou ae, au ou
áo, éo ou éu, êo ou êu, io ou iu, oe ou oi, e
bem asim ãi ou ãe, ão ou ãu, ẽe ou ẽi, õe ou
õi. Para variar porêm as vogaes é melhor não screver
os Ditongos com duas da mesma figura, mas
de diferente, como por eisemplo : éi, êi, úi, ẽi,
ũi
, e não com e. Mas quem quizer conformar-se
mais com o uzo, póde seguir o temperamento, que
propuzemos nas ditas Regras.

§. II.
Aplicasão da Regra Geral ás Consoantes, e Silabas
Portuguezas.

As Consoantes, que mais embaraso cauzão na
Ortografia por eisprimirem uma mesma consonansia,
sendo diferentes carateres do mesmo som, são
as quatro Guturaes ; duas brandas G, GU, e duas
fortes C, QU ; as tres Sibilantes brandas SS, C, Ç ;
as duas Sibilantes fortes Z, e S entre vogaes ; as duas
Chiantes fortes J e G. ; e as duas Chiantes, branda
e forte X, e CH. Como estas Consoantes nas suas
respetivas clases se pronunsião do mesmo modo, mal
se póde saber pela pronunsiasão qual delas avemos
de tomar, e qual deixar para screver serto.

Porêm esta inserteza póde embarasar mais aos
que seguem a dirivasão, como unica regra da Ortografia,
do que áqueles que tomão a pronunsiasão
atual da Lingua viva como a unica segura guia da
sua scriptura. Pois que os carateres não forão inventados
79se não para reprezentarem os sons ; e quando
para cada um se destinou sua Letra propria, quem
uza dela cumpre com o fim da scritura, e não deve
ser taxado de imperito por não uzar para o mesmo
som tambem de outras, que depois ou a ignoransia,
ou o capricho acresentárão.

Em conformidade desta Regra uzar-se-á das
Guturaes simples G, C, todas as vezes que stiverem
antes das vogaes a, o, u, ou antes de qualquer das
duas liquidas L, R, ainda que se sigão outras vogaes,
como Galo, Gola, Gula, Calo, Cola, Cume, Gleba,
Grelha, Clima, Crime
 ; e das Guturaes Compostas
GU, QU, todas as vezes que stiverem antes
das vogaes e, e i, como Guêto, Guia, Queda,
Quita
, com a diferensa porêm, que ouvindo-se o
som de u entre a Consoante e Vogal seguinte, como
em Güárda, Güéla, Qüál, Eqüéstre, Güilhérme,
Qüinqüagesima
, se notará o u com dois pontos
por sima.

As tres Sibilantes brandas, a saber, os dois SS
entre vogaes, o C sem sedilha antes de e e i, e o Ç
com sedilha ficarão desterrados para sempre da Ortografia
da Pronunsiasão, como Letras inuteis, equivocas,
e embarasozas para quem quer screver serto,
e não sabe o Latim. Todas elas serão substituidas
pela nosa consoante S, ou o seu som se ousa antes
de qualquer das vogaes, ou no meiodelas screvendo-se :
Serto, Asêrto, Sino, Afino, Corasão,
Asougue, Sumo
em lugar de Cérto, Acêrto, Cino,
Assigno, Açougue, Çumo
. Os que sabem Latim podem
fazer degráo para esta scritura, uzando sempre
do Ç sedilhado, que é um verdadeiro S, e
Sigma Grego, em lugar do C sem sedilha, como :
Çerzo, Çino, Çumo, Ortografia uzual de João de
Barros. As palavras, que prinsipião, ou tem no meio
SC, como Sciencia, Scena, Nascer, poder-se-ão screver
80com hum S so deste modo : Siensia, Sena,
Naser
 : e do mesmo modo as que tem e Gutural antes
do S, como Acção, Reflexão screvendo-se Asão,
Reflesão
.

Com isto que acabamos de dizer ja não fica confundido
o uzo do noso Z com o Z Latino, que os
Romanos, por não terem esta letra, eisprimião com
o simples S entre as vogaes. Os sons do Z e S ficão
distintos, uzando nós daquele todas as vezes que
ele soar na pronunsiasão, e deste em lugar dos dois
SS, e do Ç sedilhado e sem sedilha, e screvendo
sem scrupulo algum : Cazar, Caza, Prezo, sem
perigo de se equivocarem com Casar, Casa, Preso,
ainda que se não screvão como se costuma Caçar,
Caça, Preço
 : e bem asim Gostôzo, Gloriôzo, Tranzito
&c. Por esta Regra o mesmo S liquido, que
sempre o é quando não tem vogal diante, como em
Eiscelente ; Desmedido, Desconertado ; pasará a
screver-se, como sôa, com Z, logo que se lhe seguir
vogal ; deste modo : Eizemplo, Dezamôr, Dezandar,
Dezobediente
, e asim constantemente nas mais
palavras, onde seu som se ouvir.

O G Latino, valendo como J antes de e e i, fica
tambem desterrado da Ortografia da Pronunsiasão,
como origem de mil insertezas, e dezasertos. Todas
as vezes que se ouvir o som desta Consoante forte,
quer steja antes de a, o, u, quer antes de e, i,
sempre se screverá com a sua Consoante propria, que é
o J, deste modo : Jente, Jiro, Jiesta, Jenero,
Jeito, Jerzelim, Majestade, Majisterio
, e asim
as mais. Os que sabem a lingua Latina reconhesem
fasilmente nesta mesma scritura a origem destas palavras,
e não disputaráõ se Jeito se deve screver
asim por vir de Jactus, ou Geito por se dirivar de
Gestus ; e se Jerzelim se deve screver deste modo ou
com G, huma vez que a palavra Latina Sesamum não
deside a questão.81

A duvida maior, ainda entre os que screvem
como pronunsião, é sobre as duas Consoantes Portuguezas
X, e CH, que paresem ter o mesmo som na
nosa pronunsiasão uzual. Digo : Portuguezas. Porque,
ainda que a primeira é Latina, e a segunda
Grega, ou equivalente a ela ; nós lhes damos significasões
mui diferentes, servindo-nos da primeira, não
como duples por CS, mas como Chiante Semivogal
com um som Mourisco ; e da segunda, não como
aspirada, mas como Chiante muda com o som de
TCH á Italiana.

Os que melhor falão a Lingua Portugueza distinguem
na pronunsiasão estas duas Consoantes, dando
ao Xis hum Chio semivogal, que se deixa perseber
ainda com o orgão scasamente fechado, como em Xofre ;
e ao CH hum chio mudo, que se não persebe,
se não no instante mesmo da dezinterseptasão da voz,
que o mesmo orgão reprezava, como em Chove. O
vulgo pelo contrario confunde ordinariamente estas
duas Consoantes, pronunsiando ambas como X.

Porêm como a genuina pronunsiasão do CH ainda
subsiste em parte, e não é justo que se perca do
uzo da Lingua, e do noso Alfabeto ; apontarei as
palavras, que tem X no prinsipio, e no meio ; e conhesidas
elas, todas as mais se screverão com CH,
onde se ouvir o mesmo som equivoco.

As palavras Portuguezas, que prinsipião por X,
são poucas, e quazi todas de origem Arabe. Taes são :
Xaca, Xaque, Xacoco, Xadrês, Xalmas, Xara,
Xarel, Xaretas, Xergão, Xerife, Xarópe, Xarouco,
Xira, Xiró, Xofre, Xué
, e as dirivadas destas.
Isto, pelo que pertense ao prinsipio.

Para saber, quando no meio das palavras avemos
de uzar de X, e não de CH, serviráõ estas duas
observasões. A 1.ª que, ocorrendo o tal som depois
de alguma vogal Nazal, com an, en &c. ordinariamente
82se eisprime com X, como Enxaca, Enxacouco,
Enxaquequa, Enxada, Enxaguã, Enxarsia,
Enxerir, Enxertar, Enxofre, Enxovalhar, Enxugar
,
e dirivados.

A 2.ª Que O mesmo susede ordinariamente todas
as vezes que o som das mesmas Consoantes vem
imediatamente depois de Ditongo, como em Ameixa,
Baixo, Caixa, Queira, Deixar, Deleixo,
Faixa, Feixe, Paixão, Peixe, Reixa, Seixo, Taixa,
Troixa
, e dirivados. Alêm destas á mais algumas,
como Bexiga, Bocaxim, Bruxa, Buxa, Buxo,
Cartaxo, Côxa, Coxia, Coxim, Côxo, Frouxo,
Graxa, Lixa, Lixo, Mexer, Puxar, Róxa,
Roxinol, Rôxo, Vexar
, e dirivados.
A fóra estas, todas as mais palavras, em que
se ouvir o som do X, quer no prinsipio, quer no
meio, e no fim se pronunsiaraõ com o som do CH,
e se screveraõ asim, como Chacóta, Chegar, Cheirar,
Chiar, Chorar, Chusma, Chumbo, Achar, Caprichar,
Despachar, Encher, Fechar, Inchar, Manchar,
Petrecho, Rinchar, Sachar, Tinchar
, e infinitas
outras.

Na Ortografia da Pronunsiasão não se empregará
letra alguma, que não steja no Alfabeto Nasional
do uzo, qual é o que propuzemos asima Cap.
I. Reg. I. Ficão por consequensia eiscluidas dela
todas as vogaes, e consoantes Gregas, asim simples,
como duplises, e aspiradas, quaes são o Ypsilon,
o Kapa, e o Csi, Psi, Chi, Phi, Rho, e
Theta. O H Latino, como aspirasão, não entrará
se não nas Interjeisões ; e so como parte de consoante
terá lugar nas prolasões Portuguezas CH, LH,
NH. Isto é o que tinhamos para dizer a respeito
das letras.

Pelo que pertense ás Silabas Portuguezas, e
sua scritura ; todas as finaes, que na nosa Lingua
83terminão por consoante, acabão sempre por alguma
das nosas tres liquidas L, R, S. Qualquer outra
consoante final é stranha á nosa Lingua, como Jacob,
Abimelech, Magog, David, Nazarreth
&c.
So duas palavras nosas acabão em N, que são
Iman e Canon. As que o uzo costuma screver no fim
com X, ou Z, como Index, apendix, e as finaes
agudas em az, ez, iz, oz, uz todas se devem
screver com S, e asento na vogal antesedente. Veja-se
asima Cap. II. §. II.

As nosas Silabas complecsas são compostas de
duas consoantes seguidas, e ao muito de tres, e mais
não. Em todas elas huma sempre é Fixa, a outra,
ou as outras sempre são Liquidas. Quando a
Silaba é composta de duas consoantes, a fixa sempre
é alguma das liquidas L, ou R, como Flor,
Cravo, e a liquida S sempre presede á fixa, de sorte
que, sendo a Silaba de tres consoantes, a fixa sempre
vai no meio das duas como Stada, Strado,
Scravo
.

Todas as mais combinasões de consoantes são
stranhas ao noso orgão e pronunsiasão, como estas :
PT, PS, CS, CT, GM, GN, MN v. g. em Scripto,
Psalmo, Acsão, Acto, Augmento, Digno, Damno
,
O noso orgão bem mostra a violensia, que tem
na eispresão destas Silabas. Pois na pronunsiasão corrente
as costuma adosar, tirando-lhes uma das duas
consoantes, e dizendo : Scrito, Salmo, Asão, Ato,
Aumento, Dino, Dano
. Se alguem asim as screver,
como as pronunsía I creio não cometerá grande
crime. A respeito da divizão das Silabas, e uzo das
letras grandes na cabeseira das orasões e das palavras,
ja fica dito o que cumpria nas Regras cummuns
IV. e XII. Cap. I. para não ser nesesario repetil-o
aqui. Pasemos á pontuasão, em que tornaremos a
tomar a Ortografia do uso.84

Capitulo IV.
Da Pontuação.

A Pontuação he a Arte de na escriptura distinguir
com certas notas as differentes partes, e membros da
oração, e a subordinação de huns aos outros a fim
de mostrar a quem lê as pausas menores e maiores,
que deve fazer, e o tom e inflexão da voz, com que
as deve pronunciar.

Daqui se vê que ninguem poderá perceber bem,
e executar as regras da pontuação sem ter algumas
noções, ao menos superficiaes, das partes da oração
e de sua Syntaxe e construcção, que não damos aqui,
por que pertencem á Etymologia e Syntaxe, de que
tractaremos nos dois Livros seguintes, donde as poderão
haver os que dellas necessitarem.

Os Signaes recebidos no uso geral para a pontuação
são : os Espaços em branco entre palavra, e palavra ;
o Ponto, ou Simples (.), ou de Interrogação
(?), ou de Exclamação (!), a Virgula (,) ;
o Ponto e Virgula (;) ; Dois Pontos (:) ; a Parenthese
(…) ; a Risca de União (-) ; o Viraccento
(’) ; o Trema (¨) ; o Accento Agudo (´) ;
o Accento Grave (`) ; e Accento Circumflexo (^).
O uso de todos estes signaes na escriptura he o objecto
dos dois §§. seguintes.85

§. I.
Das Regras Geraes, e Particulares da Pontuação.

Regras Geraes.

I.

Toda a parte da Oração se deve distinguir e
separar na escriptura com hum pequeno espaço em
branco entre cada huma das palavras
, como se vê
aqui entre as palavras desta mesma Regra.

II.

Toda a Oração, que faz sentido perfeito, e
grammaticalmente independente de outra, quer seja
pequena, quer grande, quer conste de huma so proposição,
quer de muitas ; tem hum ponto simples
no fim : se he simplesmente enunciativa
. O que aqui
mesmo se vê.

Se a Oração porêm não affirmar simplesmente,
mas perguntar alguma couza ; tem ponto de Interrogação,
como : quem fez o Ceo e a Terra
 ?

E se ella não affirmar, nem perguntar, mas
exclamar, tem ponto de Admiração, como : Oh Ceos
 !
Oh Terra !

Para levar a frase desde seu principio com o
tom Interrogativo, ou Exclamativo, costumão agora
pôr o ponto de Interrogação, ou de Exclamação não
so no fim della, mas tambem ao principio, usando
do mesmo signal ; porêm ás avessas, deste modo :
¿ Dize-me, que heide fazer ? Esta practica não he
desacertada, quando a frase interrogativa, ou exclamativa
86he alguma couza mais comprida para se poder
abranger toda a huma vista d’olhos.

III.

Nunca se use de ponto e virgula, sem que de
antes haja virgula ; nem tambem de dois pontos,
um que d’antes preceda ponto e virgula : porque a
pontuação mais forte suppõe d’antes a mais fraca
.
A pontuação desta mesma Regra serve de exemplo.

IV.

As Orações, que se podem distinguir com virgula
somente, não se devem pontuar com ponto e
virgula ; e as que se podem distinguir so com ponto
e virgula, não se devem pontuar com dois pontos
 :
porque a pontuação nunca deve ser superflua, e o
que se póde fazer com menos, não se deve fazer com
mais
. A regra mesma serve de exemplo practico.

V.

A mesma razão dicta que entre as palavras
que se modificão, ou concordando humas com outras,
ou regendo-se, não deve haver pontuação alguma
.

Assim na escriptura desta mesma regra não se
vê virgula, nem antes do primeiro Que por ser huma
conjuncção que ata a oração seguinte á antecedente,
como objecto accusado, e pedido pelo verbo Dicta ;
nem antes do segundo Que, por ser hum adjectivo
conjunctivo que concorda com Palavras ; nem tambem
nas mais palavras, que são regidas : e so as proposições
subordinadas ou concordando &c. ou regendo-se
estão entre virgulas, porque nem modificão,
nem são modificadas.87

He por tanto errada a regra da pontuação, que
alguns dão, mandando pôr sempre virgula antes de
Que ; quando pelo contrario nunca se deve pôr, se
não quando a oração principal, e a incidente são tão
extensas, que vem a exceder a medida de huma pausa
ordinaria, que he a de hum verso de treze até dezesete
Syllabas.

Regras Particulares.

Da Virgula.

Regra I.

Todos os sujeitos, todos os attributos, todos
os verbos da proposição composta, e mais partes
da oração continuadas que se não modificão, nem concordão,
nem se regem mutuamente ; querem virgula
depois de si ; porque cada huma com o verbo commum,
e os verbos cada hum persi, fazem sua oração
distincta
.

Na Regra mesma se vê o exemplo. Todos os
sujeitos, todos os attributos, todos os verbos da proposição
composta, e mais partes da oração continuadas
,
tem virgula ; porque são differentes sujeitos
do verbo Querem. As incidentes Nem concordão, nem
se regem mutuamente
são verbos e orações continuadas,
e ligadas pelo demostrativo conjunctivo Que ;
e por isso tem tambem virgula. A primeira Que se
não modificão
não a tem antes de si ; porque he huma
incidente que modifica todos os sujeitos antecedentes,
e por essa razão não he continuada.

Regra II.

Toda Oração encravada, isto he, mettida
88entre outras, sem as modificar, nem ser modificada,
deve estar entre virgulas ; e tem assim toda a
addição, que não faz parte de sua constituição
grammatical. As Parentheses, vocativos, exclamações,
e interrogações entrão nesta regra ; as primeiras ;
porque não so não fazem parte da sua constituição
grammatical, mas nem ainda de seu sentido
(que por isso se mettem entre semicirculos servindo-lhes
de virgulas), e os vocatiuos, exclamações,
e interjeições ; porque são humas orações ellipticas
.

Assim na pontuação desta mesma Regra se acha
entre virgulas a oração Isto he ; por que está encravada
na principal sem della depender para a sua perfeição
grammatical. Entre virgulas se achão tambem
as duas orações Sem a modificar, nem ser modificada ;
porque são addições, ou complementos accrescentados
á mesma oração principal sem comtudo fazerem
parte de sua composição grammatical. Ali se vem
tambem entre semicirculos as orações Que por isso
se mettem entre semicirculos, servindo-lhes de virgulas
 ;
porque contêm hum sentido, qual não pedia,
nem o pensamento da oração antecedente, nem a
sua grammatica.

Regra III.

Antes das conjuncções e, nem, ou, como, que
e outras semelhantes so se põe virgula, quando as
palavras e frases que ellas atão excedem a medida
commum de huma pausa ordinaria pelas orações incidentes,
e complementos que trazem comsigo : quando
porêm as palavras e frazes são curtas e simples,
as virgulas são desnecessarias ; porque as mesmas
conjuncções servem de separação aos differentes
sentidos parciaes
.

Repare-se na conjuncção e repetida cinco vezes
89nesta Regra e tres a conjuncção Que, e saber se ha a
razão, porque humas vezes se achão virguladas, e
outras não.

Regra IV.

A todas as palavras e orações transpostas da
sua ordem natural, he de razão por-se-lhes virgula,
como tambem ás palavras ambiguas, de dois sentidos,
referiveis a dois objectos differentes
.

Por esta razão na Regra acima se vê virgula depois
da palavra natural, por que tudo o que precede
deveria pela ordem grammatical direita estar depois
do verbo Pôr. Da mesma sorte se a palavra referiveis
não estivesse virgulada d’antes ; não se saberia
se pertencia e devia concordar com o substantivo sentidos,
ou com o substantivo palavras ; mas a virgula,
posta antes della, tira toda a ambiguidade.

Do Ponto, e Virgula.

Regra Unica

Em qualquer ponto ou periodo, onde houver
duas proposições totaes, dependentes huma da outra,
e compostas de varias orações parciaes, entre
huma e outra se porá ponto e virgula, se ambas
não necessitarem de outra pontuação, se não de virgulas,
para subdivirem as suas orações parciaes
.

Onde ha so duas proposições totaes, isto he,
que não fazem parte de outras ; ha so dois membros,
de que he composto o corpo do Periodo. Se estas
duas proposições são simples, e incomplexas, não
ha que subdividir. Bastará pois entre ellas huma virgula
so. Porêm se as duas proposições totaes são compostas
de varios sujeitos ou predicados, e complexas
com outras proposições Incidentes ou Integrantes ;
90como para distinguir e subdividir todos estes sentidos
parciaes bastão as virgulas : a pontuação mais forte
do ponto e virgula se faz então necessaria para a
divisão principal dos dois membros do periodo, e a
mais forte dos dois pontos he escusada segundo a
Regra IV. Geral, que manda que a pontuação seja
gradual, e que se não passe de huma inferior a outra
superior, saltando a do meio.

Por esta razão na pontuação da Regra a cima se
vêem no 1.° e 2.° membro do periodo que a compõe
quatro virgulas, que são as sufficientes para distinguir
os sentidos parciaes, de que os mesmos se
compõem e ponto e virgula entre os dois membros ou
proposições totaes. Porque o ponto e virgula aqui he
signal da divisão principal, e as virgulas simples notão
as subdivisões parciaes de cada hum dos membros.

Dos dois Pontos.

Regra Unica.

Assim como quando em hum ponto, ou periodo
ha huma unica divisão de orações simples, esta se
nota so com virgula ; mas quando se passa a huma
segunda divisão de membros compostos de varias
orações, esta ja se deve marcar com ponto e virgula :
assim tambem, quando succede haver huma
terceira divisão das duas partes principaes do periodo,
chamadas antecedente e consequente, que
comprehendem em si varios membros ; esta não pode
ser marcada se não com dois pontos, para se ver
que ella he a divisão mestra e principal do sentido
total, á qual todas as mais ficão subordinadas
.

Esta regra contem o summario de todas as mais,
que demos até aqui ; contêm a regra dos dois pontos,
e contêm o exemplo practico de todas ellas. As primeiras
91subdivisões parciaes das orações, ou juizos que
fazem parte de outros, são marcadas pelas virgulas,
que he a pontuação mais fraca e inferior.

A segunda divisão do periodo em membros ou
proposições totaes, que contêm em si as primeiras
subdivisões parciaes, he marcada com o ponto e virgula.

E a divisão mestra, ou principal das duas partes
de qualquer periodo, antecedente e consequente,
que comprehendem em si todas as outras subdivisões
e divisões subalternas, he marcada com dois
pontos
.

Isto mesmo se vê practicado na pontuação da
mesma Regra. As subdivisões portanto e as suas virgulas
ficão subordinadas ás segundas divisões, indicadas
pelos pontos e virgulas, e ligadas pelas conjuncções
Quando, Mas ; e estas segundas divisões
ficão outrosim subordinadas á primeira e principal divisão
do periodo nas suas duas partes, antecedente e
consequente, ligadas entre si pelas conjuncções comparativas
Assim como, Assim tambem, e separadas
pelos dois pontos, de sorte que a pontuação não so
serve para mostrar a distincção das partes menores e
maiores de hum pensamento total ; mas tambem a
sua ordem e dependencia mutua para a pronunciação
a poder expressar com as varias inflexões, tons, e cadencias
da voz, que lhes competem.

Tambem he costume pôr dois pontos no fim da
oração, quer grande quer pequena, que annuncia qualquer
discurso direito, ou palavras de outrem que vamos
a referir, como Deos disse : Faça-se a Luz,
e foi feita
. A oração, que prepara e annuncia a fala
de huma terceira pessoa, he como o antecedente do
periodo ; e a fala, que se relata, he como o seu consequente.
Huma e outra póde ter, e tem ordinariamente
suas divisões e subdivisões subalternas, que demandão
92ponto e virgula, e virgulas so, que ficão subordinadas
á divisão principal dos dois pontos.

§ II.
Dos mais Signaes da Pontuação.

Da Parenthese.

A Parenthese (palavra Grega, que quer dizer
Interposição) he o signal de dois semicirculos oppostos,
dentro dos quaes se costuma metter alguma oração,
que interrompe o sentido de outra, dentro da
qual está ; mas que he necessaria para a intelligencia
da mesma. Nesta mesma definição se vê o exemplo.

Da Risca de União.

A Risca de união (-) serve para distinguir, e
ao mesmo tempo ajuntar na escriptura duas palavras
a fim de se pronunciarem junctas como se fossem huma
so ; ou dois membros da mesma palavra, que foi necessario
dividir. Na Orthographia Portugueza usamos
deste signal em dois casos. O primeiro no fim da regra
para dividir as palavras, e servir de reclamo para
a regra seguinte. O segundo para separar os verbos
dos pronomes encliticos, que lhes costumamos ajuntar
immediatamente para se pronunciar tudo seguido,
como Louvo-me, Louvo-te, Louvo-o, Louvamo-nos,
Louvão-se, Loavão-no
. E não so nos servimos de
huma risca de união para este fim ; mas ainda de
duas, quando queremos ajuntar, os dois membros da
Linguagem, que desconjuntamos para no meio lhes
mettermos algum destes pronomes, como Louvar-me-hei,
Louvar-te-has, Louvar-se-ha, Louvar-nos-hemos,
Louvar-vos-heis, Louval-os-hão, Louval-o-hia,
93Louval-as-hias
&c. E bem assim, quando aos
mesmos verbos ajuntamos duas Encliticas seguidas,
como Tirar-m’-o, Tirar-t’o, Tirar-lh’-o, Tirar-n’-os,
Tirar-t’-as, Tirar-lh’as, Tirar-se-lhes
. Mas ja o uso
costuma na escriptura unir em huma as duas Encliticas
deste modo ; mo, to, lho, ma, ta, lha &c.

Do Viraccento.

O Viraccento, ou Apostophe (’) he huma virgula,
não ja posta em baixo para signal de pausa,
mas no alto de huma consoante para mostrar que se
lhe supprimio a sua vogal final antes de outra inicial
da palavra seguinte, com a qual vogal se ajunta
a mesma consoante, pronunciando-se juntas as duas
palavras, como Minh’alma.

Estes Viraccentos são pouco usados na escriptura
da nossa prosa, não obstante serem frequentes estas
elisões, ou synalephas, principalmente nas preposições
De, Em, Per, Por, Com antes do artigo, e
dos demonstrativos, como do, da, dos, das, delle,
daquelle
&c. em lugar de d’o, d’a, d’os, d’as, d’ elle,
d’aquelle
 : e do mesmo modo no, na, nos,
nas, neste, nesse, naquelle, pelo, pela, polo, pola
,
em lugar de n’o, n’a, n’os, n’as, n’este, n’esse, n’ aquelle,
pel’o, pel’a, pol’o, pol’a
. Como estas preposições
com o artigo, e demonstrativos occorrem a
cada passo na escriptura ; o uso do viraccento
em todas, alêm de impedir a facilidade da escriptura
cursiva, retalha muito a sua continuação, e desfigura
a sua belleza ; e por isso a Orthographia presente o
tem desterrado da prosa, e largado ao verso ; onde
so se costuma tambem escrever com elle a preposição
com tirando-lhe o m deste modo Co’elle, Co’esse,
Co’este
&c.94

Do Trema.

O Trema, ou Dierese (¨) são dois pontos,
postos horizontalmente sobre a prepositiva das duas
vogaes, que costumão fazer Diphthongo, para mostrar
quando o não fazem, ou no ü das prolações
GU, QU, para mostrar, que não he liquido, ou
mudo, e que faz Synerese com a voz seguinte. Assim
nestas palavras Rio (Rideo, e Fluvius) e Seqüestro
a pronunciação ficaria duvidosa, tendo-se o
io por Diphtongo, como o he no preterito do mesmo
verbo Rio ; e o U depois de Q como liquido e
sem valor, assim como em Questão : se os dois pontos,
postos em cima da primeira vogal ï não mostrassem
que as duas vogaes não fazem Diphthongos
na primeira palavra ; e postos sobre o ü da segunda
não mostrassem que elle tem valor para fazer Synerese
com a vogal seguinte.

Quando no concurso de duas vogaes, que costumão
fazer Diphthongo, succede cahir o accento
agudo na segunda ; he de necessidade pôr então este
accento. Porque elle mesmo mostra que as duas vozes
não fazem Diphthongo Portuguez, cuja prepositiva
sempre he aguda e a subjunctiva grave, e então
o mesmo accento suppre o Trema ; como em caío
preterito, o accento posto no i he signal de que não
faz Diphthongo, como em caio, presente do mesmo
verbo ; em que o faz.

Dos accentos.

Os Accentos figurados, que tomámos dos Gregos
e dos Romanos, são tres, Grave (`) Agudo
(´), e Circumflexo (^). Estes accentos para com
aquelles Povos sempre erão prosodicos, isto he, destinados
para mostrar nas Syllabas o tom ou de elevação
95da voz, ou de abatimento da mesma em differentes
Syllabas, ou ambos os tons na mesma. Neste
sentido, que uso elles tenhão na nossa Lingua, ja
o deixamos mostrado no Cap. VII. da Orthoepia.

Porêm estes mesmos accentos para com nosco
não são so prosodicos, mas tambem vogaes. Pois nos
servimos do accento agudo e circumflexo, não so
para notar a prosodia das Syllabas, mas tambem differentes
especies de vogaes com a mesma letra differentemente
accentuada, visto não termos no nosso Abecedario
tantas vogaes, quantas são as vozes da nossa
pronunciação. Com o accento agudo e circumflexo,
postos sobre a mesma vogal, ou com a privação
delles, chegamos a multiplical-a, fazendo de cada a
dois
, e de cada e e de cada o tres, a saber : o
á grande, o a pequeno ; o é grande aberto, o ê
grande fechado
, e o e pequeno ; o ó grande aberto,
o ô grande fechado, e o o pequeno.

Na escriptura ordinaria faz-se mui pouco caso
destes accentos vogaes na certeza de que o uso mesmo
da pronunciação viva distinguirá na leitura o differente
som destas vogaes. He porêm certo que,
quando se tracta de ensinar e firmar a boa pronunciação
da Lingua a quem não tem ainda todo o uso
precizo para a saber, como são os Meninos e os Estrangeiros ;
estes accentos vogaes não se devem desprezar
principalmente nos livros que se destinão para
a primeira instrucção da mocidade e para o uso do
Povo ; e mui particularmente quando estes accentos
fazem mudar de especie, de caso, e de numero o
mesmo vacabulo, e por consequencia tambem de significação,
como nestas palavras Pára, Para, Bésta,
Bêsta, Bestial, Gósto, Gôsto, Gostôso
, e infinitas
outras. Veja-se o que a este respeito fica dicto
na Orthoepia Cap. I., e na Orthographia Cap. I.
Regra V.96

Livro III.
Da Etymologia, ou partes da Oração Portugueza.

NOs dois Livros antecedentes da Orthoepia e da
Orthographia tractámos da parte mechanica da Lingua
Portugueza, considerando nella as partes da oração
so pelo que tem de physico e material, como
meros Vocabulos, compostos de sons articulados, ou
so pronunciados para serem ouvidos, ou tambem representados
aos olhos para serem vistos ; mas sem
respeito algum ao que significão.

Nestes dois Livros, que se seguem tractaremos
da parte Logica da mesma Lingua, considerando as
mesmas partes da oração, pelo que tem de metaphysico
e espiritual, não como vocabulos, mas como
Palavras isto he, como signaes de nossas ideas e
de nossos pensamentos, ou considerados separadamente
para exprimirem aquellas, o que he objecto da
97Etymologia, ou junctas em oração para formarem estes,
o que he objecto da Syntaxe e Construcção.

A Etymologia pois, que em Latim se diz Veriloquium,
tem por objecto averiguar a verdadeira
natureza de cada palavra por ordem e representação
analytica do pensamento, os seus differentes misteres
e usos na enunciação de nossas ideas, e descobrir
na analogia, ou diversidade de suas funcções
communs o fundamento, e caracteres de cada classe
primitiva ou subalterna, a que todos os Elementos do
discurso se devem reduzir.

Estes Elementos da Oração, como são signaes
das ideas, não podem ser, nem mais, nem menos
em numero, nem de outra especie, que não sejão os
Elementos do pensamento, que os mesmos exprimem.
As ideas de qualquer pensamento são simultaneas no
espirito, que mal as poderia comparar sem as ter
presentes ao mesmo tempo, bem como os olhos, que,
para fazerem idea de huma perspectiva, devem abranger
com a vista todas suas partes, e perceber ao mesmo
tempo todas as suas relações mutuas para dellas
poderem formar a idea de hum todo.

Esta vista simultanea, apprehendida pelos olhos,
e depois pelo espirito, não pode deixar de ser confusa.
Onde não ha successão, não pode haver distincção.
Esta somente nasce da attenção que nossa alma
dá mais a huma parte que á outra, abstrahindo-a de
todas as mais ; e esta attenção, correndo de objecto
em objecto, necessariamente ha de ser successiva.

Nós não poderiamos ser Senhores desta attenção
e da faculdade de abstrahir sem ter á nossa disposição
hum meio prompto para fixar o espirito sobre
hum objecto com exclusão dos mais ; e este meio
prompto de que Deos fez presente ao homem, he o
das Linguas, que não são outra couza senão huns
Instrumentos Analyticos, que separão as ideas simultaneas
98do painel confuso do pensamento, que as põem
em ordem, e as fazem succeder humas a outras no
discurso para se verem distinctamente, e poderem ser
vistas por aquelles a quem falamos. As Linguas não
são huns instrumentos de communicação, se não porque
primeiro o são do Raciocinio.

Destes principios certos se segue que o systema
Etymologico de qualquer Lingua está necessariamente
fundado sobre o systema Logico das Ideas, o qual
he o mesmo fundamentalmente em todos os homens
de qualquer idade e paiz que sejão. Ainda que os
seus conhecimentos sejão differentes em numero, qualidade,
e perfeição ; todos comtudo pensão do mesmo
modo : porque não podem pensar sem ter ideas, e sem
as combinar.

Estas ideas, e estas combinações, he verdade
são representadas por differentes signaes segundo as
differentes Linguas dos povos. Porêm a differença está
toda no material dos vocabulos, e não na significação
das palavras, a qual he a mesma em todas as
Linguas. Porque todas tem as ideas por objecto, e
por fim a sua combinação e comparação. Conceber,
e Julgar são duas operações do entendimento, communs
a todos os povos ainda selvagens.

Sobre estes principios da Grammatica Geral passamos
a estabelecer o systema Etymologico das Partes
da Oração Portugueza, distribuindo-as primeiro
nas suas Classes mais geraes, e depois nas suas especies
principaes, e tractando de cada huma dellas
separadamente nos Capitulos seguintes.99

Capitulo I.
Divisão Geral das Palavras, e em especial das Interjectivas.

EM consequencia do que fica dito, não pensando
nós, nem podendo pensar, se não em quanto percebemos
a identidade, ou differença dos objectos ; e
não podendo existir em nós semelhante percepção
sem ao mesmo tempo estarem presentes ao espirito
muitas ideas : tractando-se de exprimir estas mesmas
ideas simultaneas por meio do discurso ; dois modos
ha de o fazer. Hum representando tambem junctas todas
estas percepções e sentimentos, que a nossa alma
experimenta tumultuariamente ; e outro separando-as, e
fazendo-as succeder humas ás outras.

O primeiro methodo he Natural e Summario,
o segundo Artificial e Analytico. Destes dois modos
contrarios de dar a conhecer pela Linguagem os
nossos pensamentos nasce a Divisão a mais geral das
palavras em duas classes. Huma das palavras Interjectivas,
ou Exclamativas, e outra das Discursivas,
ou Anayticas.

Artigo I.
Das Palavras Interjectivas, ou Exclamativas.

As Interjeições são humas particulas, desligadas
do contexto da Oração, exclamativas, e pela
maior parte monosyllabas e aspiradas, que exprimem
os transportes da paixão, com que a alma se acha occupada.
Ellas são a Linguagem primitiva, que a natureza
mesma ensina a todos os homens, logo que
nascem, para indicarem o estado, ou de dôr, ou de
100prazer interior, em que sua alma se acha : e por isso
devem ter o primeiro Lugar na ordem das Partes da
Oração, e antes mesmo dos Nomes, e mais partes
discursivas, que os Grammaticos costumão pôr primeiro.

He impossivel assignar as differenças especificas
de cada huma destas Interjeições. Estas differenças
são tão variadas, ligeiras, e fugitivas, como os movimentos
interiores do coração humano. Assim como
huma mesma palavra, segundo he pronunciada differentemente,
pode ter differentes significações ; assim
huma mesma Interjeição, segundo o tom e circumstancias,
em que he proferida, serve para exprimir diversos
sentidos de dôr, ou de alegria &c. No estado
de perturbação, em que estas Interjeições se empregão,
ninguem está capaz de as observar miudamente.
Ao sentimento pois pertence o proferil-as a proposito,
e á Grammatica o recebel-as do uso, contal-as,
e notar algumas differenças mais geraes, que as distinguem.

Em geral pode-se dizer que humas indicão so o
estado de commoção em que se acha a alma, e que
as circumstancias e contexto da Oração determinão,
ja a huma paixão, ja a outra. Taes são as tres : AH !
que como Interjeição de admiração, ja serve para exprimir
o gosto, ja o desprazer ; HAI ! a mesma que
a antiga GUAI ! que sendo signal de hum sentimento
doloroso interior, tambem ás vezes se emprega
para exprimir o contrario ; e OH ! que sendo expressão
natural do desejo, tambem ás vezes serve para
exprimir o sentimento de lastima e de indignação.

Ja as onze Interjeições seguintes são mais apropriadas
para certos affectos, ou de Riso ás gargalhadas
como HA ! HA ! ou de Reparo, e Sobresalto como
AHI ! ou de signal para fazer Silencio como CHIST !
ou para Exhortar como HEIA ! ou de Aversão
101para arredar alguem, como a Interjeição chula HIRRA !
ou para chamar simplesmente por alguem,
como a Interjeição vocativa O’ ; ou para chamar com
reparo
e estranhamento, como HO’LA ! ou para exprimir
hum desejo ancioso, como OXALA ! ou
hum sentimento de dor e espanto, como HUI ! ou
para fazer parar TA ! ou para animar, como SUS !

Alguns cantão no numero das Interjeições tambem
estas palavras Alto ! Animo ! Fóra ! Jesu ! a
Deos
 ! Mas ellas são discursivas, e se algumas vezes
se empregão sos interjectivamente, he porque são
humas Orações ellipticas, que com o supplemento de
hum verbo se completão facilmente, e se reduzem ao
que são.

Sobre o uso, que nossa Lingua faz das verdadeiras
Interjeições, so direi que a maior parte dellas se
ajunta com os nomes em segunda pessoa, ou em
vocativo, posto que não levem a Interjeição do mesmo.
Exemplos :

Ab ! dotes naturaes, não vos entende
Quem menos vos estima, ou quem vos vende
. (1)1

Oh vida !… Ah quam comprida,
Do tempo, antes de tempo, consumida
 ! (2)2

Holá ! Velloso amigo, aquelle outeiro
He melhor de descer que de subir
. (3)3

Ora sus ! gente forte &c. (4)4

Outras vezes se ajuntão com o Relativo Conjunctivo
Que, e com os Comparativos Quam, Quanto
102v. g. Oh que entremezes da Fortuna ! Oh que
tragedias do Mundo
 ! (1)5

He porêm couza especial á Interjeição HAI ! o
juntar-se com a Preposição de e seu complemento,
como : Ai de mim ! Guai de nós ! Ai daquelles que
tem pouca fazenda ! e guai dos que a ganhão com
máo titulo
 ! E tambem he couza propria á Interjeição
Oxalá ! o construir-se sempre com os Preteritos
ou do Indicativo, ou do Subjunctivo : como Oxalá !
eu fizera, fizesse, ou tivera feito &c.

A Interjeição Vocativa O’ serve para dar a qualquer
nome a determinação de segunda pessoa, e mostrar
que he a com quem se fala. Quando o nome está
no principio da frase, e antes do verbo, costuma-se
exprimir, como : O’ Pedro, Vem cá. Porêm quando
vem no meio da frase e depois do verbo, muitas vezes
se supprime, como : Vem cá, Pedro. Esta he a
primeira classe geral das palavras Interjectivas. Passemos
á segunda das Discursivas, e suas especies.

Artigo II.
Das Palavras Discursivas, ou Anayticas.

Na Natureza não existe outra couza mais do
que Individuos, e as Relações, que os mesmos tem
ou comsigo mesmos, olhados por differentes lados,
ou com outros diversos, nascidas das suas mesmas
propriedades, ou naturaes, ou accidentaes : as quaes
relações fazem com que muitos de taes seres individuaes
formem differentes series parciaes, cada huma
com seu fim particular a que tendem, e todas estas
series parciaes formem huma cadeia e ordem geral,
103com hum fim commum, a qual se chama Ordem do
Universo
.

Do mesmo modo em nosso Espirito não ha senão
duas couzas, que são : 1.° Ideas, ou Sensiveis e
Directas, nascidas das impressões, que os objectos
causão nos nossos sentidos e que são as unicas imagens
naturaes dos mesmos objectos ; ou Reflexas, formadas
pela nossa alma ; ja por meio da abstracção,
com que a mesma dá mais attenção a huma parte,
ou qualidade do objecto do que a outra ; ja por meio
da comparação, que a mesma faz das propriedades
de differentes objectos, fixando sua attenção sobre o
que ellas tem de commum e semelhante entre si.

Todas estas ideas reflexas são abstractas, quer
sejão Parciaes abstrahindo a parte do todo, quer
Modaes abstrahindo o modo da substancia, quer Universaes
e analogicas, chamadas tambem Noções,
abstrahindo em huma idea geral o que os objectos
tem de commum e analogo entre si. Assim a idea
de Olho he huma idea parcial, a de Solidez huma
idea Modal, e a de Corpo huma idea Geral, ou Noção.
Todas estas ideas pertencem á primeira operação
de nosso Entendimento, que he a de Perceber,
ou Conceber.

A 2.a couza, que ha em nosso Espirito, he a
Combinação, ou Comparação, que elle faz destes mesmos
objectos e ideas, ou comsigo mesmas, olhando-as
por differentes faces, ou com outras differentes,
para perceber as diversas relações, que humas tem
com outras ou de Identidade, ou de Determinação,
ou de Nexo e de Ordem.

De Identidade, quando em huma idea se contêm
a outra, como por ex. : na idea de Deos se
contêm a de Ser ou Ente. De Determinação, quando
em huma idea não se contêm a outra, mas contêm-se
a razão sufficiente para a determinar, ou ser
104determinada por ella. Assim por ex. na idea de Filho
não se contêm a idea de Pai, antes são oppostas :
mas contêm-se a razão, que requer hum segundo
termo da sua relação v. g. Filho do Rei.

De Nexo e de Ordem em fim, quando huma
idea nem contêm a outra, nem a determina ; mas
huma está para a outra em razão ou parallela e de
igualdade, ou subalterna de principio, ou causa para
consequencia, ou effeito. &c. Assim quando digo :
Filho e Pai, Filho ou Pai, nem Filho, nem Pai ;
hum termo destes está para o outro em razão parallela :
porêm quando digo : Porque o filho deve a
seu pai a propria existencia, tambem lhe deve a
honra e assistencia
 ; o primeiro pensamento está
para o segundo em razão de principio, e o segundo
para o primeiro em razão de consequencia.

Esta he a segunda operação do nosso Entendimento,
chamado Juizo, na qual se inclue a do Raciocinio,
que he o mesmo Juizo, com que se comparão
não ja duas ideas entre si ; mas ambas duas
com huma terceira, como quando, julgando que Toda
a virtude he louvavel
, e que a Prudencia he
huma virtude
 ; concluo que a Prudencia he louvavel.
Donde se vê que esta terceira operação do entendimento
verdadeiramente não he senão huma extensão
da segunda, e não de differente especie. Pois
a comparação não muda de natureza com confrontar
duas ideas entre si, ou com as confrontar com huma
terceira. A comparação he a mesma. Os termos so
he que se varião e multiplicão. Concluamos pois que
tudo o que se passa em nosso entendimento ou são
Ideas, ou Combinações.

Ora não sendo as palavras senão signaes dos
nossos pensamentos, não podem constituir outras classes
geraes que não sejão as destes mesmos pensamentos ;
como estes não são senão Ideas, ou Combinações
105das mesmas : as palavras Discursivas, que os
exprimem, de necessidade se devem tambem reduzir
a duas classes geraes, como nos Methodos Analyticos
do Calculo ; humas que caracterizão e nomeião
as ideas, e outras que as combinão entre si. As primeiras
se podem chamar Nominativas, e as segundas
Combinatorias ou Conjunctivas.

Como porêm as ideas, que se nomeião, são de
differentes generos, e as combinações tambem de differentes
especies ; as duas Classes mais geraes das
Palavras Discursivas se subdividem em differentes especies,
cujo numero he precizo determinar para se
saber quaes são exactamente as Partes Elementares
e indispensaveis do discurso. Neste ponto tem havido
quasi tantas opiniões, quantos são os Grammaticos.
Creio porêm que nenhum delles contestará, que para
qualquer especie de palavras se reputar elementar da
oração, deva ter estes tres caracteres.

1.° Que seja Simples e Irresoluvel, quero dizer,
que a sua expressão não contenha em si clara ou implicitamente
outras palavras, pelas quaes se possa resolver,
e explicar ; antes pelo contrario, nella se venhão
a resolver todas as expressões compostas, ainda
que á primeira vista pareção simples.

2.° Que seja necessaria e indispensavel á enunciação
dos nossos pensamentos, e de tal sorte que não
haja lingua alguma, que a não tenha.

3.° Que exercite no discurso huma funcção essencialmente
differente das que exercitão as outras Partes
Elementares do mesmo ; e tal que não possa ser exercitada
por nenhuma dellas. Esta funcção, bem se vê
que não póde ser outra senão a de caracterizar e propor
as differentes especies de ideas, que entrão no painel
do pensamento, e as differentes especies de relações,
que as unem para dellas fazerem hum todo Logico.106

Ora estes tres caracteres não concorrem todos
junctos senão em cinco especies de palavras, que são :
Nome Substantivo, Nome Adjectivo, Verbo Substantivo,
Preposição, e Conjuncção
, cinco Partes
Elementares Discursivas, que com a Interjeição,
unica parte não discursiva, formão o systema completo
dos Elementos da Oração, ao qual se reduzem
todos os vocabulos, de que pode constar o diccionario
de qualquer Lingua, antiga ou moderna, e o da
nossa por consequencia. Os Substantivos propõem as
ideas principaes. Os Adjectivos as accessorias, como
objectos dos nossos discursos para se combinarem e
compararem. O Verbo Substantivo combina e ajunta
a idea accessoria com a principal, o attributo digo,
com o sujeito da proposição. A Preposição combina
entre si duas ideas principaes, fazendo de huma complemento
de outra ; e a Conjuncção combina, liga,
e ordena as orações entre si.

Comtudo muitos Grammaticos e os nossos especialmente
não contão os Adjectivos como especie
separada do nome, e contão os Pronomes, Artigo,
Participios, e Adverbios
como partes elementares
de especie differente da dos adjectivos e preposições.

O Adjectivo sim he huma parte Nominativa ;
porêm de differente especie da do nome Substantivo ;
assim como o Verbo, Preposição, e Conjuncção são
todas partes Conjunctivas ; porêm nem por isso deixão
de fazer cada huma sua especie differente. O Adjectivo
exercita huma funcção necessaria e indespensavel
na enunciação do pensamento. Porque, se não
pode haver proposição sem hum sujeito e sem hum
attributo ; e se o nome Substantivo he precizo para
exprimir aquelle, o Adjectivo não o he menos para
significar este. Estas duas funcções são inteiramente
distinctas. Porque a idea, que faz o sujeito da proposição,
107não pode deixar de ser huma idea de couza
que subsista per si ; ou na natureza, ou no nosso modo
de a conceber. Pelo contrario a idea que faz o
attributo da proposição necessariamente hade ser huma
idea de qualidade, ou couza que o valha, e que
per si não pode subsistir, mas necessita de hum sujeito,
em quem exista. Ora ideas tão differentes, e
ainda oppostas, não podião deixar de ter nas Linguas
differentes especies de palavras para se haverem
de representar sem equivoco no painel do pensamento.

Alem disto nenhum dos nomes, Substantivo,
e Adjectivo, pode trocar hum com outro estas duas
funcções, que lhes são proprias a cada hum ; tanto
assim que para o Adjectivo poder ser sujeito de huma
proposição, he necessario substantival-o por meio
do Artigo ; e para o Substantivo poder fazer as vezes
de attributo na mesma proposição, he precizo adjectival-o,
empregando-o sem Artigo, nem Determinativo
algum que o individue. Por ex : nesta proposição :
O verdadeiro sempre he bello, o falso nunca
o he
 ; os Adjectivos verdadeiro e falso estão substantivados
pelo Artigo o, e valem o mesmo que A verdade,
e A falsidade ; e nesta : Pedro he homem de
Letras
, os Substantivos Homem, Letras, estão adjectivados
pela falta do Artigo. Homem toma-se especificamente
por todas as propriedades, que constituem
a natureza humana, e he huma expressão abstracta
e abbreviada, que equival a todos os adjectivos,
que exprimissem as mesmas qualidades : e a
palavra Letras precedida so da preposição de, sem
Artigo, equival a Letrado.

Em todo o caso he certo que não pode ser sujeito
de qualquer proposição, se não hum Substantivo,
ou couza que o valha, nem attributo da mesma senão
hum Adjectivo, ou hum Substantivo appellativo,
equivalente a huma multidão de Adjectivos, que signifiquem
108as qualidades analogicas, que a sua noção
comprehende. Tanto he verdade que as funcções,
que hum e outro nome exercitão na enunciação do
pensamento, são differentes, e não permittem de modo
algum se arranjem debaixo da mesma especie.

Constituindo pois os Adjectivos huma especie
elementar de palavras, distincta da dos nomes
Substantivos ; he facil reduzir a ella os Pronomes, o Artigo,
e os Participios.

Todo o nome, que se ajunta a hum Substantivo
para o modificar, ou determinando-o, ou explicando-o,
ou restringindo-o, he para mim hum nome
Adjectivo quer seja declinavel, quer indeclinavel. Esta
he a idea, que leva comsigo todo o nome Adjectivo,
isto he, a de huma idea accessoria, que modifica
outra.

Ora os Pronomes referem-se sempre aos nomes
Substantivos, que trazem á memoria, e algumas vezes,
quando se faz precizo, se ajuntão immediatamente
a elles, como Eu Antonio, Tu Pedro, Elle
Sancho
. Em todo o caso elles modificão os Substantivos,
determinando-os a fazer na representação do
discurso o papel, ou da primeira figura e personagem,
que he a de quem fala ; ou da segunda, que
he a com quem se fala ; ou da terceira, que he a de
quem se fala
. São pois huns verdadeiros Adjectivos.
E para não haver nisto duvida alguma, o pronome
mesmo da terceira pessoa toma formas genericas para
poder concordar ; o que he outrosi hum caracter proprio
dos Adjectivos. E se este he manifestamente Adjectivo,
porque o não serão os outros, ainda que sejão
invariaveis ? O Artigo o, a ; os as ; tem tambem
estas formas genericas ; certo que para concordar
com os nomes appellativos, a que sempre se
ajunta para os modificar determinando-os a hum
sentido, não ja especifico, mas individual. He pois
109tambem hum Adjectivo da classe dos Determinativos ;
como são os Pronomes.

Os Participios Activos tanto os Imperfeitos em
ndo, como os Perfeitos em do, são huns verdadeiros
Adjectivos verbaes, indeclinaveis, como mostraremos
no seu lugar. Quanto aos Participios perfeitos passivos,
como Louvado, Louvada, Louvados, Louvadas,
não necessitão de demostração. As suas mesmas
formas adjectivas, para concordar com os Substantivos,
mostrão o que são.

Quanto aos Adverbios, estes são humas Expressões
compostas, equivalentes a huma Preposição com
seu complemento, que costuma ser hum Substantivo
ou so, ou acompanhado de hum Adjectivo. Devem-se
por tanto reduzir a estes elementos, dos quaes se
compõem, e em que por fim se resolvem. Os Adverbios
de qualidade formados da terminação feminina
dos Adjectivos com a Addicção mente, como Claramente,
Prudentemente
, e que nos vierão do Latim
corrupto da inferior idade Clara mente, Prudente
mente
&c. entendendo-se-lhes a preposição Latina
cum, são huma prova disto, ainda que não houvesse
outras.

Disto tudo se conclue que seis, nem mais, nem
menos, são as Partes Elementares da Oração Portugueza,
a saber : tres Variaveis, quaes são os Substantivos,
os Adjectivos, e o Verbo ; e outras tres
Invariaveis, quaes são as Preposições, as Conjuncções,
e as Interjeições. Destas seis partes, cinco são
Discursivas ou Analyticas, e huma Interjectiva
ou Exclamativa, que he a Interjeição. Das Discursivas
duas são Nominativas, porque nomeião e propõem
os objectos, quer reaes, quer abstractos, que
fazem a materia dos nossos pensamentos, e taes são
os Nomes Substantivos, e os Nomes Adjectivos, e
tres são Conjunctivas ou Combinatorias ; porque servem
110para ajuntar e comparar entre si os mesmos objectos,
e os juizos, que sobre elles fazemos.

Entre estas Partes Elementares da oração, são
muito para notar as differenças seguintes. 1.ª que humas
destas Partes são tão essenciaes a qualquer proposição,
ou oração, que sem ellas nenhuma pode
haver : e outras tão accidentaes á mesma, que a proposição
não. As primeiras são os Substantivos, os
Adjectivos, e o Verbo Substantivo, bem entendido
appellativos, quando se tomão adjectivamente, polas
razões que acima apontei.

A razão he, porque sem duas ideas não pode haver
comparação, e esta tambem não, sem hum termo
que as compare. A primeira idea e principal, que
faz o sujeito da proposição, necessariamente ha de ser
hum Substantivo, ou hum nome Substantivado. A
segunda, que faz o attributo da proposição, necessariamente
ha de ser tambem, ou hum Adjectivo, ou
hum nome Adjectivado. O terceiro termo, que serve
de Copula ás duas ideas, he o verbo Substantivo
Ser, ou o Impessoal Haver, ou O Auxiliar Estar,
todos na significação de existir.

Qualquer oração pode subsistir so com estes
tres termos, não tendo estes novas relações com outros
objectos extrinsecos. Tendo-as porêm, são precizas
outras partes da oração, que posto sejão necessarias
para o complemento do sentido, não o são
para a integridade da proposição, antes accidentaes
e accessorias a ella. Taes são as Preposições, que
indicão ou o objecto da acção do Verbo, ou o termo
da sua relação, ou suas circumstancias ; as Conjuncções,
que indicão as relações de nexo e de ordem,
que huma proposição tem para outra ; e as Interjeições,
que indicão, alêm do pensamento, o estado
111tambem de commoção, em que a alma se acha
a respeito do objecto, que a affecta.

A 2.ª differença he que humas destas Partes, e
as mesmas que são necessarias para integridade da
proposição, como Substantivos, Adjectivos, e Verbo,
são Declinaveis, isto he variaveis em suas terminações
segundo as differentes relações de Genero,
Numero, e Pessoas, com que representão os objectos,
que exprimem : outras indeclinaveis e invariaveis nas
suas terminações, quaes são asPartes accessorias da
proposição, que são as Preposições, Conjuncções, e
Interjeições.

E a razão está clara. Como as primeiras são essenciaes
á proposição, que não he outra couza, senão
a enunciação de hum juizo, ou percepção de conveniencia
e identidade entre duas ideas ; tanto estas, como
a da relação de coexistencia, significada pelo Verbo,
são tres ideas correlativas, humas ás outras. O
sujeito da proposição he relativo ao Verbo, o attributo
ao sujeito e o Verbo a ambos dous, tres
ideas que fazem huma so, qual he a do sujeito da
proposição, contendo em si a idea do attributo. A
mesma correlação pois, que ha entre as ideas, devia
tambem haver entre as palavras, que as representão,
variando de terminações á proporção que as mesmas
ideas varião de genero, e de numero, e concordando
entre si para mostrarem pela conformidade mesma
de sua forma exterior a identidade Logica do attributo
com o sujeito. As Partes indeclinaveis porêm,
como exprimem outras relações, que não requerem
extremos identicos, não estão sujeitas á regra da concordancia,
e por isso são invariaveis na sua fórma.

Huma 3.ª differença muito notável entre as Partes
Nominativas e as Conjunctivas he ser o numero
daquellas quasi infinito, e o destas muito pequeno.
Porque como as primeiras representão as ideas e
112projectos de nossos pensamentos, e estas ideas e objectos
são, a bem dizer, infinitos ; a quantidade numerica
destas palavras he imcomparavelmente muito
maior que a das da segunda classe, restringida a exprimir
poucas relações geraes, e estas quasi sempre as
mesmas ; para o que poucas palavras são precizas.

Assim observamos que os Vocabularios de todas
as Linguas se compõem quasi totalmente de Nomes
Substantivos e de Adjectivos, ou separados, ou incorporados
nos Adverbios e nos Verbos, chamados
por isso Adjectivos em contraposição do Verbo Substantivo,
que he o unico Verbo simples ; e que as
Preposições, Conjuncções, e Interjeições, se reduzem
a poucas dezenas.

4.ª Finalmente, como os Nomes Substantivos, e
Adjectivos, e consequentemente tambem os Verbos
Adjectivos, alêm das suas significações principaes,
que lhes são proprias, se encarregão de exprimir ao
mesmo tempo muitas outras ideas accessorias, que
modificão as principaes : vêem-se obrigados a augmentar
o volume material de seus vocabulos, accrescentando
Syllabas sobre Syllabas á proporção, que se
lhes accrescentão novas ideas. Daqui vem que as palavras
desta classe são mais compridas e polysyllabas,
comparadas com as da segunda classe.

Pois que o Verbo Substantivo, e as Preposições,
Conjuncções, e Interjeições não exprimindo outra
couza senão relações simplicissimas, e meras vistas,
com que o nosso espirito olha aquelles objectos
e ideas, ja combinando-as, ja ligando-as, ja ordenando-as,
ja mesmo confundindo-as em hum ponto
de vista e em huma sensação : as palavras de que se
serve para isto, alêm de serem muito poucas, são
tambem de ordinario muito curtas e quasi todas monosyllabas
em quasi todas as Linguas ; que por isso
se podem chamar Particulas em comparação das outras
113que mais merecem o nome de Partes. Assim
vemos que o nosso Verbo Substantivo Ser he monosyllabo
em quasi todas as Linguas, antigas e modernas,
e o mesmo he evidente nas Preposições, Conjuncções,
e Interjeições.

Por tanto determinado deste modo o numero
certo das Partes Elementares, de que se compõe toda
oração e discurso ; passemos ja a tratar de cada huma
dellas em particular nos Capitulos seguintes.

Capitulo II.
Do Nome Substantivo.

Na natureza não ha senão duas couzas, que possão
ser objecto de nossos discursos, que são Substancias,
e Qualidades. As primeiras subsistem per si
sem dependencia das segundas, e estas dependem das
primeiras para poderem subsistir. Hum corpo por ex ;
pode subsistir sem ser redondo ; porêm a redondeza
não pode existir sem ser em hum corpo. Se as Linguas
fossem simples representações dos objectos da
natureza, deverião exprimir sempre as Substancias
por meio de Nomes Substantivos, e as Qualidades
por meio de Nomes Adjectivos.

Mas como ellas são huns Instrumentos Analyticos,
dados aos homens, não so para exprimirem e
communicarem suas ideas ; mas ainda mais para poderem
discorrer sobre ellas ; e o não poderião fazer
a seu arbitrio sem ter hum meio de considerar os
objectos por todos os lados possiveis para os combinar
de todos os modos, fazendo dos mesmos, ja o
sujeito, ja o attributo dos seus juizos e comparações ;
e por outra parte não podendo ser sujeito de
huma proposição senão huma idea qualquer, considerada
como per si subsistente, nem attributo senão outra
114idea considerada como accessoria, e dependente
de hum sujeito para subsistir : daqui veio a necessidade,
em que se acharão as Linguas, como Instrumentos
de Raciocinio, de substantivar, quando lhes
fosse precizo, as mesmas qualidades insubsistentes,
como Extensão, Solidez, Dureza, Côr &c., e de
adjectivar as mesmas substancias fazendo, por ex ; de
Espirito Espiritual, de Corpo Corporeo, de Ceo
Celestial, e de Terra Terreste &c
.

Daqui se vê que a definição do Nome Substantivo
e Adjectivo não se deve tirar, nem da differente
natureza das substancias e qualidades physicas, nem da
differença de hum poder estar so na oração, e outro
não : mas sim do differente ministerio, que cada hum
exercita na enunciação analytica do pensamento.

O Substantivo pois, he hum nome, que exprime
qualquer couza como subsistente por si mesma,
para poder ser sujeito da oração, sem dependencia
de outra
.

E o Adjectivo, he hum nome, que exprime huma
couza como accessoria de outra para ser sempre
o attributo de hum sujeito claro, ou occulto,
sem o qual não pode subsistir
.

Todo o Nome Substantivo, ou he Proprio, ou
Commum, chamado tambem Appellativo. Nome Proprio
he aquelle, que convem so a huma pessoa, ou
couza, como Homero, Camões, Ceo, Terra, Portugal,
Lisboa
.

Se a cada individuo, ou couza se désse hum nome
proprio ; sendo os individuos infinitos, e mais
que as areias do mar ; seria preciza huma infinidade
de nomes ; a qual mesmo de nada aproveitaria ; assim
por ser incomprehensivel, como porque nada
adiantaria nossos conhecimentos. Pois, dependendo
estes da analyse e comparação dos objectos ; os nomes
proprios serião os mais improprios para isso,
115por presentar so individuos sem relações communs e
geraes, que são os mananciaes dos conhecimentos humanos.

Estes Nomes por tanto não pertencem propriamente
ás Linguas consideradas como Methodos vulgares
analyticos, e por isso não costumão ter lugar
nos Vocabularios das mesmas ; mas so nos Diccionarios
Historicos, e das Artes, aos quaes pertencem.
Nos das Linguas entrão so os nomes Appellativos, os
Adjectivos, os Verbos, e mais partes da Oração, que
são as unicas que servem para decompor os seres individuaes
e compostos em as suas ideas simples a fim
de se poderem comparar, e recompor depois.

Pode-se ainda dizer que todos os Nomes Proprios
não forão na sua origem senão nomes Appellativos,
e communs, como se vê em quasi todos os
Nomes Proprios Hebraicos, Gregos, e Romanos, e
ainda nos nossos, que sendo communs a muitas pessoas
e couzas, somos obrigados a individua-los com
os Sobrenomes, Appellidos, e outros caracteres, que
os especifiquem : como D. João Primeiro, Segundo,
&c. Viana do Minho, Viana do Alemtejo
&c. Substantivo
Commum ou Appellativo he aquelle que exprime
huma idea geral e abstracta, que convem a muitos
individuos, ou sejão pessoas, ou couzas, Digo : huma
idea geral e abstracta
 ; porque ella não existe na
natureza, como a dos individuos, significados pelos
nomes proprios ; mas so no entendimento humano e
na palavra a que se alligou.

Estes Nomes Communs, ou são Universaes e
Analogicos, ou Parciaes e Modaes. Os Universaes
exprimem huma noção, ou ajuntamento de qualidades
communs a muitas substancias que existem realmente
na natureza. São nomes de classes, que arranjão
os individuos debaixo de certos generos e especies.
Se elles classificão os seres segundo suas qualidades
116essenciaes e constantes, chamão-se Appellativos Physicos,
como : Espirito, Corpo, Homem, Bruto : e
se os classificão segundo as suas qualidades accidentaes
e variaveis, chamão-se Appellativos Moraes,
como : Rei, Magistrado, Sacerdote, &c.

Os Appellativos Parciaes, ou Modaes exprimem
huma qualidade so, porêm commum a muitos
individuos, a qual qualidade, assim considerada, não
existe senão no Entendimento, e são de dois modos,
ou Abstractos, quando exprimem as qualidades, abstrahidas
das substancias, como subsistentes por si
mesmas, v. g. Brancura, Belleza, Probidade ; ou
Concretos, quando exprimem as mesmas qualidades
como subsistentes em hum sujeito, porêm vago e indeterminado.
Taes são os Adjectivos substantivados
por meio do Artigo, como quando dizemos : o Elevado,
o Sublime dos pensamentos, o Justo, o Honesto,
o Bello
 ; e os Nomes Verbaes, ou Infinitos Impessoaes
dos Verbos, que exprimem indefinidamente a
coexistencia de huma qualidade, ou acção em hum
sujeito qualquer, como Louvar, Entender, Ouvir,
&c.

A distincção, que acabamos de fazer de varias especies
de Appellativos, abre caminho ás observações
seguintes. 1.ª Que, não tendo elles por si caracter algum
individual, por que se possão considerar como
substancias á maneira dos Nomes Proprios ; nunca se
podem empregar como sujeitos da Oração sem serem
precedidos do Artigo, ou de outro qualquer Adjectivo
Determinativo claro ou occulto, que lhes dê aquelle
caracter. Assim dizendo nós Pedro he mortal, ja
não diremos Homem he mortal, mas sim o Homem
he mortal
.

2.ª Que como os Appellativos Analogicos, e
Universaes, exprimem a somma total das qualidades
communs a muitos individuos, e são nomes de classes
117equivalentes a todos os Adjectivos, pelos quaes
poderiamos significar separadamente cada huma daquellas
qualidades : elles se podem empregar adjectivamente
como Attributos da proposição, porêm sem
Artigo, o qual lhes tiraria esta qualidade. A differença,
que ha entre hum Attributo enunciado por hum
Adjectivo, ou por hum Appellativo, como nestas
proposições Pedro he justo, Pedro he homem, consiste
so em se affirmar na primeira que a idea de Justiça
se inclue na idea de Pedro ; e na segunda que
a idea de Pedro se inclue na da classe humana. Porêm
se ajuntamos o Artigo ao nome Appellativo,
quando he attributo, então fica substantivado, e faz
a proposição identica e convertivel em seus termos.
Assim tanto importa dizer : D. João he o Principe
Regente, como o Principe Regente he D. João
.

3.ª Que por esta grande analogia entre os Appellativos
Universaes e os Adjectivos succede duvidar-se
se alguns Appellativos Moraes pertencem á classe daquelles,
ou á destes ; como os nomes Rei, Philosopho,
Letrado, Soldado, Pintor, Poeta, Cidadão,
Irmão, Fidalgo, Peão
, e outros muitos de que teremos
melhor occasião de falar, quando tractarmos
dos Adjectivos.

4.ª Que por esta mesma analogia entre os Appellativos
e Adjectivos se costumão aquelles substituir
muitas vezes em lugar destes com lhes ajuntar a
preposição de sem Artigo, como homem de probidade,
de predencia, de letras, de saber, em lugar
de homem probo, prudente, letrado, sabio
&c.

Até aqui considerámos os Nomes Substantivos
quanto á sua significação principal, e funcções essenciaes,
que exercitão na enunciação do pensamento,
sem respeito algum ás suas fórmas exteriores e ideas
accessorias, que em consequencia das mesmas lhes
provêm da sua dirivação, composição, genero, e numero.
118O que fará a materia dos tres Artigos seguintes.

Artigo I.
De varias fórmas de Substantivos.

Ainda que estas fórmas pertenção tambem em
parte aos nomes Adjectivos ; ellas comtudo são mais
proprias aos Substantivos, e por isso as collocamos
neste lugar.

Por respeito a ellas se dividem os Nomes em
duas classes geraes. Os que não nascem de outros da
nossa Lingua ; postoque tenhão origem da Latina, chamão
se Primitivos, como Terra, Mar, Pedra, &c. ;
e os que nascem dos primitivos chamão-se Dirivados,
como de Terra Terrestre, Terraqueo, Terreal,
Terreno, Terrenho, Terrão, &c., de Mar Maré,
Marezía, Marujo, Marisco, &c., de Pedra Pedreiro,
Pedreira, Pedraria, Pedrado ou Apedrado,
Pedral, Pedregal, Pedrêz, Pedroso ou Pedregoso,
Pedrouço, Pedregulho, Pedrada, Pedranceira,
Apedrejar, Empedrar, Desempedrar, Empedrenecer,
Empedrenido, &c
.

Os Dirivados, ou o são de Nomes proprios,
ou de Nomes communs. Dos proprios se dirivão os
Gentilicios ou Nacionaes, que declarão de que gente,
nação, ou patria cada hum he, como de Portugal
Portuguêz
, do Algarve Algarvio, do Alemtejo
Alemtejão
, da Beira Beirão, do Minho Minhoto,
de Traz-os-Montes Trasmontano, de Lisboa Lisbonense,
Lisbonêz, Lisboêta
, de Bragança Braganção
ou Bragancêz, de Coimbra Coimbrão, ou Conimbricense,
&c. : e os Patronymicos, que ao principio
erão huns Nomes Adjectivos, que so designavão
filiação, como Alvares, que queria dizer filho ou
filha de Alvaro, Sanches de Sancho, Fernandes de
119Fernando, Bernardes de Bernardo, Marques de
Marco, Peres de Pero ou Pedro, Soares de Soeiro,
Vasques
de Vasco, &. Depois passárão a ser appellidos
hereditarios, e proprios de certas familias.

Os Substantivos communs dirivados são, ou
Augmentativos, ou Diminutivos, ou Collectivos, ou
Verbaes, ou Compostos.

Os Augmentativos são os que com mudança na
sua terminação augmentão a significação de seus primitivos,
ou quanto á sua quantidade, ou quanto á
sua qualidade. Huns augmentão mais, outros menos.
Os que augmentão mais, acabão ordinariamente em
ão, como de Homem Homemzarrão, de Mulher Mulherão,
de Moço Mocetão, de Rapaz Rapagão. Os
que augmentão menos, acabão os masculinos em az
ou aço, como Beberraz, Belliguinaz, Ladravaz,
Linguaraz, Vilhacaz, Mestraço, Ministraço, Ricaço,
Soberbaço
 ; e os femininos em ona, como Mocetona,
Mulherona
, &c.

Os Diminutivos são os que mudando a terminação
de seus primitivos, lhes diminuem mais, ou
menos a significação. Os que diminuem menos, acabão
ordinariamente, os masculinos em ête, óte, ôto,
como Doudête, Escadête, Mocête, Panête, Pequenête,
Pistolête, Pobrête, Bacorête, Camaróte, Perdigôto
 :
e os femininos, em êta, óta, agem, ilha,
como Ilhêta, Mocêta, Villêta, Ilhota, Galeota,
Villota, Villagem, Camilha
, &c.

Os que diminuem mais, acabão ou em inho,
inha
, quando os primitivos terminão em vogal ou
consoante, como Filhinho, Filhinha, Mulherinha,
Rapazinho
 ; ou em zinho, zinha, quando os primitivos
terminão em diphthongo, como Homemzinho,
Leãozinho, Paizinho, Mãizinha
. O z euphonico
faz-se necessario na dirivação destes diminutivos,
para evitar o hiato, nascido do concurso de
120tres vogaes. Porêm, quando o mesmo z se emprega
sem esta necessidade nos que não acabão em diphthongo ;
parece fazer sua differença nos mesmos diminutivos,
como se vê nestes dois Mulherinha, Mulherzinha.

Seja como for, o que he certo he, que a nossa
Lingua he mui rica neste genero de dirivação, a qual
faz com que a significação de hum primitivo tome
hum augmento enorme, e delle va descendo gradualmente
até o extremo contrario de pequenhez, como
se pode ver nos dirivados destes tres Velhaco, Mulher,
Soberbo
, dirivando-se delles Velhacão, Velhacaz,
Velhaquete, Velhaquinho, Velhaquito ; Mulherão,
Mulherona, Mulherinha, Mulherzinha ; Soberbão,
Soberbaço, Soberbête, Soberbinho
.

Quanto ao uso destes augmentativos e diminutivos,
geralmente se póde dizer que elles se não empregão
se não no estylo familiar e chulo, e raras vezes
nos discursos graves e serios. Servimos-nos dos
augmentativos em vituperio para engrandecer a enormidade
e desproporção, ou do corpo, ou do vicio,
como Mulherão, Soberbão, Sabichão ; mas tambem
ás vezes para louvor, como a proposito se servio
Vieira dos augmentativos Valentão, Ministraço.

Servimos-nos outrosim dos Diminutivos ordinariamente
para ridiculizar, como se servio Garcia de
Rezende na sua Miscellanea contra a extravagancia
dos trajos de seu tempo, dizendo a fol. 163 col. 3.

Agora vemos capinhas,
Muito curtos pe’lotinhos,
Golpinhos
, e çapatinhos,
Fundas pequenas, mulinhas,
Gibõeszinhos, barretinhos
,
Estreitas cabeçadinhas,
Pequenas nominaszinhas,
121Estreitinhas
guarnições,
E muitas mais invenções ;
Pois que tudo são couzinhas.

Comtudo estes mesmos diminutivos fazem ás vezes
hum bom effeito, quando se tracta de objectos de
carinho, e se pertende excitar com elles a ternura,
e compaixão, do qual uso temos exemplo em Camões
Lusiad. III. 127.

A estas criancinhas tem respeito. C. IV. 28.
Aos peitos os filhinhos apertárão.

Chamão-se nomes Collectivos os que no singular
significão multidão, quer de pessoas, quer de cousas.
Elles são, ou Geraes, ou Partitivos. Os geraes são,
ou indeterminados, como : Nação, Cidade, Povo,
Exercito, Gente, Concelho, Congresso, Arvoredo,
Rebanho
, &c. ou determinados, como : huma Novena,
Dezena, Onzena, Duzia, Vintena, Quarentena,
Centena, Milhar ou Milheiro, Milhão
, &c. Os
Partitivos são, ou Distributivos, como : a Metade,
o Terço, o Quarto, o Quinto, o Oitavo, o Dizimo,
&c. ou Proporcionaes, como : o Dobro, o Tresdobro,
o Quadruplo, o Centuplo, &c.

Os Appellativos Verbaes Dirivados são os que
se formão dos verbaes primitivos, e fórmas infinitivas
dos Verbos em ár, êr, ir, e em do, como : de Andar
se dirivão Andarejo, Andarengo, Andarilho,
Andejo
 ; e de Andado se dirivão Andada, Andadeiro,
Andador, Andadura, Andança
, &c. Os acabados
em or, como : Amador, Ledor, Ouvidor, e outros
semelhantes, duvida-se se são Substantivos ou Adjectivos.
Quando destes tractarmos, diremos a que
classe pertencem.

Finalmente os Appellativos Dirivados Compostos
são os que se compõem de duas, ou tres palavras Portuguezas,
ou inteiras, ou alteradas com alguma mudança.
Compõem-se elles.122

Ou de dous Substantivos, como Arquibanco,
Ferropêa, Mestresala, Nortesul, Pontapé, Varapáo,
Usofructo
, &c.

Ou de Substantivo e Adjectivo, como Boquirrôto,
Cantochão, Lagartenente, Malfeitor, Manirroto
,
&c.

Ou de Adjectivo e Substantivo, como Altibaixo,
Centopea, Gentilhomem, Machafemea, Meiodia,
Menoridade, Salvoconducto
, &c.

Ou de Verbo e Nome, como Baixamar, Beijamão,
Botafogo, Catasol, Esfolagato, Fincapé,
Passatempo, Pintarrôxo, Pintasirgo, Sacabuxa,
Sacatrapo, Talhamar, Torcicollo, Gyrasol, Valhacouto

&c. ; ou de Verbo e Adverbio, como Passavante,
Puxavante
.

Ou de Preposição, e Nome, como Antemanhã,
Contramestre, Contratempo, Entrecasco, Parabem,
Parapeito, Semrazão, Sobresalto, Traspé
 :
ou de dous Verbos, como Corrimaça, Ganhaperde,
Mordefuge, Vaivem
&c.
Finalmente alguns ha compostos de tres palavras,
como Capaemcollo, Fidalgo, Malmequer, Ventapoupa
&c.

Artigo II.
Dos Generos dos Nomes Substantivos.

Genero quer dizer Classe, e esta he o arranjamento
de muitos individuos, ou couzas, que tem alguma
qualidade commum a todos ; e como todos os
animaes naturalmente se distinguem em duas Classes,
ou Generos segundo os dous sexos de macho e de femea :
os Grammaticos puzerão os nomes dos primeiros
na Classe, ou Genero Masculino, e os dos segundos
no Feminino. Estas são as Classes naturaes, em
que entrão so os animaes. Todos os mais seres, que
123não tem sexo algum, deverião ser arranjados na Classe,
ou Genero Neutro, isto he, formarem todos huma
terceira Classe, em que entrassem os nomes dos
individuos e das couzas, que nenhum sexo tem, nem
masculino, nem feminino.

Porêm o uso das Linguas, sempre arbitrario
ainda quando procura ser consequente, vendo que a
Natureza lhe tinha prescrevido a regra dos sexos na
Classe dos animaes, quiz seguir tambem a mesma
nos nomes das couzas, que os não podem ter, fazendo
por imitação huns masculinos, e outros femininos,
e por capricho outros nem masculinos, nem
femininos, mas Neutros. Das Classes naturaes, a significação
mesma determinava o seu genero : das arbitrarias,
so a terminação dos nomes, analoga á dos
primeiros, he que a podia determinar. Daqui a divisão
das Regras dos Generos dos Nomes, ou pela sua
Significação, ou pela sua Terminação.

Todas estas Regras serião escusadas, se não houvesse
a necessidade da concordancia, e os Adjectivos
todos fossem de huma so terminação, como ha muitos.
Porêm como a maior parte delles tornão formas
genericas, correspondentes aos generos dos nomes,
com que concordão ; foi necessario distinguir e saber
os generos dos nomes Substantivos para lhes applicar
as fórmas dos nomes Adjectivos, que o uso quiz
lhes correspondessem.

O Genero pois do nome Substantivo he quem
determina, e por consequencia mostra a fórma Adjectiva,
que com elle deve concordar, e não ás avessas.
Se o Artigo, que precede sempre o nome Substantivo,
e se o Adjectivo, que ordinariamente o segue,
tornão, segundo o seu genero, ou a fórma masculina,
ou a feminina, e digo, por ex : O homem Sabio,
A mulher Virtuosa
 ; o Artigo e os Adjectivos
tornão estas fórmas genericas, porque suppõem ja estabelecidos
124pelo uso da Lingua os generos destes dous
nomes Homem e Mulher, os quaes se alguem ignorasse,
mal poderia fazer a concordancia.

A regra summaria pois, que dá a Grammatica
da Lingua Castelhana
, Part. I. Cap. III. Art. IV.,
e que segue o auctor dos Rudimentos da Grammatica
Portugueza
Part. I. Cap. II. §. 3., para conhecer
os generos dos nomes pelos dos Artigos, e Adjectivos,
que se lhes ajuntão, he huma regra illusoria, que so
pode servir a quem ouve e a quem lê para saber de
que genero he o nome ; mas não a quem fala e a
quem escreve. Os primeiros conhecem logo o genero
do nome pela concordancia dos Adjectivos, que fez
aquelle, que falou, e que escreveo. Os segundos tem
elles mesmos de fazer esta concordancia, e facilmente
podem errar não sabendo primeiro de que genero
he o nome, com o qual devem concordar o Artigo e
os Adjectivos.

Pode-se dizer : que o uso vivo da Lingua ensina
tudo isto. He verdade. Mas o mesmo uso ensina tudo
o mais, e concluir-se-hia deste raciocinio que as
Grammaticas erão escusadas. Mas, a não o serem, he
precizo que, assim como ellas nos ensinão as mais regras
de falar e escrever correctamente ; nos ensinem
tambem as de não errar na concordancia.

Para isto passamos a dar as regras dos Generos
com mais brevidade, e simplicidade do que té ora
se fez, dividindo-as nos Generos Naturaes ou da
Significação, e nos Arbitrarios ou da Terminação.125

§. I.
Dos Generos Naturaes, determinados pela Significação.

Regra I.

São do Genero Masculino todos os nomes Substantivos,
que significão macho, assim proprios, como
appellativos, ou sejão de homens, como André,
Rei
, ou de brutos, como Bucephalo, Cavallo, ou
de profissões e ministerios proprios do homem, como
Propheta, Patriarcha, Magistrado, Sacerdote, e
ainda aquelles, que sendo femininos quando significão
couzas, ou acções, passão a designar varios officios
proprios do homem, como o Atalaia, o Cabeça, o
Guarda, o Guarda-Roupa, o Guia, o Lingua, o
Trombeta &c
.

E como na Linguagem Representativa da Pintura
e da Poezia, se costumão representar em figura de
homens os Deoses fabulosos, os Anjos, os Ventos,
os Montes, os Mares, os Rios, e os Mezes ; isto
bastou para se pôrem tambem na classe dos masculinos,
como Jupiter, Lucifer, Norte, Olympo, Oceano,
Tejo, Janeiro
, e outros semelhantes.

Regra II.

São do Genero Feminino todos os nomes Substantivos,
que significão femea, ou sejão proprios de
mulher, como Matildes, Ignez, ou Appellativos de
officios, e couzas, que lhes pertencem, como Rainha,
Mãi, Avó, Madrasta, Costureira, Tecedeira
 ;
ou de brutos, como Egoa, Vacca, Rapouza, Rata
&c
. ou em fim de couzas personificadas e representadas
126em figura de mulher, como as Deosas gentilicas
Pallas, Venus &c. ; as partes principaes da
Terra, Europa, Asia, Africa, America, as Sciencias
e Artes Liberaes, como Theologia, Philosophia,
Pintura, Poesia, Historia &c
. as virtudes e paixões,
como Justiça, Prudencia, Fortaleza, Temperança,
Soberba, Inveja, Fortuna, Fama &c
.

Regra III.

São communs de dous, ou pertencem ora a hum, ora a
outro genero os nomes, que ou com huma
so terminação (á maneira dos Adjectivos de huma
so fórma) se podem applicar ja a macho,
ja a femea, como Infante, Interprete, Hypocrita,
Martyr, Taful, Virgem &c
. : ou com huma so
terminação e debaixo de hum so genero ou masculino,
ou feminino, servem para signficar ambos os
sexos, no qual caso tem então o nome de Epicenos,
isto he, sobrecommuns. Taes são os nomes masculinos
Elephante, Corvo, Javali, Crocodilo, Rouxinol,
e muitos outros ; e os femininos Abada, Cobra, Codorniz,
Onça, Perdiz
, e outros infinitos. Quando
nos he precizo especificar o sexo do animal, ajuntamos
ao seu nome promiscuo, debaixo do mesmo Artigo,
o Adjectivo explicativo macho, ou femea, dizendo :
o Elephante macho, o Elephante femea, a
Onça macho, a Onça femea &c
.

§ II.
Dos Generos arbitrarios, dados a conhecer pela
terminação.

No uso presente de nossa Lingua não ha nome
algum Substantivo de genero incerto, isto he, de
127que se possa usar arbitrariamente, ou com o genero
masculino, ou com o feminino. Todos são ou masculinos,
ou femininos. Os que antigamente erão de
genero feminino, como Cometa, Eccho, Estrategema,
Extase, Fim, Mappa, Planeta, Synodo
, o uso
os fez constantemente masculinos, e os que erão masculinos
então, como Alleluia, Arvore, Bagagem,
Base, Coragem, Frase, Gage, Homenagem, Laudes,
Linguagem, Linhagem, Origem, Pyramide,
Villagem, Visagem
, passarão com mais razão a ser
femininos.

Em fim os que então erão incertos, e empregados
pelos nossos bons Classicos, ja em hum genero
destes, ja em outro, como Catastrophe, Diadema,
Phantasma, Metamorphose, Personagem, Scisma,
Torrente, e Tribu
 ; o uso vivo da Lingua os fixou
naquelle genero, que tinhão nas suas origens, fazendo
masculinos os que erão neutros no Grego, como Diadema,
Phantasma, Scisma
 ; e femininos os mais,
que o são em Grego, e no Latim. Todos portanto
entrão nas Regras Geraes das Terminações, das quaes
humas são masculinas, outras femininas, e outras
communs ao genero masculino, e ao feminino, como
se verá nas tres Regras seguintes.

Regra. I.

São masculinas as terminações seguintes : em
í, e ú agudos, como Javalí, Bambú ; em ó grave,
e ô grande fechado, como Aço, Baço, Brio, Avô,
e em im, om, um, como Brim, Dom, Atum.

E bem assim as terminações nos diphthongos
ái, áo, éo, êo, ói, ou óe, como Pai, Balandráo,
Céo, Brêo, Combói, Heróe
. Exceptua-se so Náo feminino.

São outrosi masculinas as terminações em al,
128él, il, ól, ul
, como Areal, Burel, Abril, Anzol,
Exceptua-se so Cal feminino.

E tambem são masculinas as terminações em
ár, êr, (com ê grande fechado) ir, ór (com ó
grande aberto) e ur, e ôz (com ô grande fechado),
como Ar, Prazer, Elixir, Bolôr, Catur, Algôz.

Regra II.

São femininas as terminações em à grave, como
Aba, Pada, Redea, Garrafa, Paga, Tia. Exceptua-se
Dia masculino.

As em ã, ou am nazal, como Anã, Irmã, Lã,
Maçã, Marrã, Romã
.

E as em ãi, e ê grande fechado, como Mãi,
Mercê
.

Regra III.

São communs ao genero masculino, e feminino
as terminações seguintes :

á agudo | M. Alvará, Maná, Pará, Tafetá. / F. .

é agudo | M. Café, Fricasé, Maré, Pé. / F. Fé, Sé, Ralé.

è grave | M. Bosque, Mote, Valle. / F. Arte, Neve, Sede, Saude.

ó aberto | M. Belhó, Dó, Nó, Rocló, Ternó, Ventó. / F. Avó, Enchó, Filhó, Ilhó, Mó, Teiró.

ão | M. Caixão, Colchão, Cabeção, Coração, Frangão, Escrivão, Feijão, Melão, Orgão, Pão. / F. Lesão, Lição, Mão, Multidão, Occasião, Opinião, Perfeição, Ração, Razão, Tensão, &c.129

ẽi, ou em | M. Armazem, Assem, Bem, Desdem, Homem, Pagem, Refem, Selvagem, Trem, Vintem. / F. Carruagem, Homenagem, Lavagem, Imagem, Ferrugem, Margem, Ordem, Ferragem, Marugem, Vertigem, Ventagem.

êi | M. Rêi, Bêi. / F. Lêi, Grêi.

ér | M. Dezér, Talhér. / F. Mulhér, Colhér.

ôr | M. Amôr, Ardôr, Calôr, Favôr, Fervôr, Licôr. / F. Côr, Dôr, Flôr.

éz | M. Convéz, Revéz. / F. Féz, Téz.

êz | M. Arnêz, Indêz, Mês. / F. Rêz, Torquêz, Vêz.

iz | M. Lapiz, Matiz, Nariz, Verniz. / F. Buiz, Cerviz, Matriz, Raiz.

óz | M. Aljaroz, Cóz. / F. Antroz, Foz, Noz, Voz.

úz | M. Arcabuz, Capuz, Cuscuz, Lapuz. / F. Cruz, Luz.

Por este modo ficão mais facilitadas do que até
agora as Regras dos Generos. De 43 terminações, que
os nossos nomes tem, 28 ficão fixadas para por ellas
podermos dizer ao certo, se hum nome he masculino,
ou feminino. O que se consegue por meio das duas
130primeiras Regras, ficando assim so 15 duvidosas,
quaes são as da III Regra.

Mas destas mesmas 15 tirando 4, as mais tem
tão poucos nomes na nossa Lingua, que poucos mais
seraõ do que aquelles, que se apontão para exemplo
na mesma Regra. So quatro destas terminações communs,
que são em e grave, e em ão, ẽi, e ôr, he que
são mais fecundas em nomes, tanto masculinos, como
femininos. Mas a duvida, que semelhantes terminações
poderião causar, se diminue consideravelmente, advertindo.

1.° Que a maior parte dos nomes femininos, acabados
em e grave tem antes deste hum d que lhes serve
como de caracteristica para os distinguir dos masculinos
da mesma terminação em e grave. Taes são
Bondade, Caridade, Saude, Saudade, Sede, Virtude,
e infinitos outros.

2.° Que hum signal para distinguir a maior parte
dos nomes femininos em ão dos masculinos da mesma
terminação he o ser naquelles o ão precedido ordinariamente
ou da vogal i, ou da sibilante s, quer se
represente assim, quer com dous ss, quer com c cedilhado,
como Occasião, Opinião, União, Sessão,
Concessão, Acção, Lição ; Perfeição &c
.

3.° Que da mesma sorte a maior parte dos nomes
femininos acabados no diphthongo ẽi, ou se escreva
assim, ou deste modo ẽe, ou deste em, se podem distinguir
dos masculinos da mesma terminação com observar
se antes do tal diphthongo vem a guttural g ;
porque a vir ordinariamente são femininos, como
Ferragẽi, Ferrugẽe, Imagem, e outros que se podem
ver nos exemplos da Regra.

4.° Em fim que o distinctivo entre os masculinos
e femininos, acabados em ôr, com ô grande fechado,
he serem os primeiros ordinariamente de duas e
131mais syllabas, e os segundos de huma so, como se
pode ver nos exemplos da Regra.

Artigo III.
Dos Numeros, e Inflexões Numeraes dos Nomes
Portuguezes.

Chama-se Numero a differente terminação de
hum nome, pela qual indica ser hum so, ou dous,
ou mais os individuos, ou couzas que elle significa.
Daqui a divisão dos Numeros em Singular, Dual,
e Plural
. Dos nomes Portuguezes, huns tem so Singular,
outros so Dual, outros so Plural, e outros Singular
e Plural ao mesmo tempo, debaixo da mesma
terminação, e os mais Singular e Plural com differentes
terminações.

Tem no Singular 1.° os nomes proprios ; como
Cesar, Cicero, Scipião, Lisboa &c. Se ás vezes dizemos
os Cesares, os Ciceros, os Scipiões ; e bem
assim se algumas terras tem nomes Pluraes, como Abrantes,
Alafões, Alagoas, Alcacevas, Alhos-vedros
&c
. ; ou he porque de proprios se fazem communs,
ou porque de communs que erão, se fizerão
proprios, e por isso são singulares com terminação
plural.

2.° Os nomes proprios das virtudes habituaes, das
Artes, e das Sciencias, e outras ideas abstractas, que
as Linguas costumão personificar, e olhar como singulares,
como a Caridade, o Pudor, a Prudencia,
a Justiça, a Fome, a Sede, o Somno, o Sangue,
a Grammatica, a Metaphysica, a Milicia
, e quasi
todos os nomes verbaes, como Amar, Querer, Ouvir
&c
., e tambem os nomes dos ventos principaes
132com todos seus rumos e partidas, em que os marinheiros
os dividem.

3.° Os nomes das Especies, e Substancias. Taes
são primeiramente os nomes de metaes, como Ouro,
Prata, Ferro, Lapis &c
. Que se nós dizemos varios
ouros, muitas pratas, posto a ferros
, he porque
empregamos estes nomes em sentido figurado por peças
de ouro, prata
, e por grilhões de ferro.

Em segundo lugar os nomes dos quatro Elementos
Terra, Mar ou Agoa, Fogo, Ar ; não obstante
dizermos andar muitas terras, os ares do mar, as
agoas ferreas ; mares nunca d’antes navegados, esta
villa tem mil fogos &c
. Porque nestes modos
de falar, estas palavras não se tornão como nomes de Substancias,
mas como partes do todo, e signaes pela
couza significada.

Em terceiro lugar os nomes de couzas, que tem
pezo e medida, e se considerão como Especies, e
Especiarias
, como Arroube, Azeite, Cal, Leite,
Mel, Mosto, Sal, Salitre, Vinagre, Vinho &c
.,
Trigo, Cevada, Centeio, Milho, Beijoim, Canella,
Cravo, Pimenta, Açafrão, Coentro, Hortelã, Incenso
&c
. Em fim alguns nomes collectivos, como Infantaria,
Cavallaria, Gentilidade, Christianismo,
Paganismo &c
.

Tem so Dual os nomes, que significão parelhas
de duas couzas juntas, como Andas, Andilhas, Alforges,
Algemas, Bofes, Bragas, Calças, Calções,
Ciroulas, Fauces, Gemios
(signo) Tizouras, Ventas,
Dous, Duas, Ambos, Ambas &c
.

Tem so Plural os nomes, que significão, ou
congestões de couzas da mesma especie, como Cominhos,
Ervilhas, Favas, Farelos, Grifos, Lentilhas,
Semeas, Termoços
 : ou misturas de couzas de differente
especie, como Fezes, Migas, Papas : ou aggregados
de couzas tendentes ao mesmo fim, como
133Alviçaras, Arredores, Arrhas, Cans, Completas,
Confins, Esgares ; Esponsaes, Exequias, Gages,
Grelhas, Herpes, Laudes, Matinas, Preces, Refens,
Reliquias, Trevas, Viveres &c
. Tambem
tem so plural todos os adjectivos numeraes para cima
de dous, como Tres, Quatro, cinco &c.

Tem em fim Singular, e Plural ao mesmo tempo,
e com huma so terminação os nomes seguintes :
Alferes, Arraes, Caes, Lestes, Ourives, Prestes,
Simples
. Nossos Escriptores antigos davão terminação
plural a alguns delles, dizendo : Alfêrezes, Arraezes,
Caezes, Ourivezes, e de Simpres
, antigo em lugar
de Simples, fazendo Simprezes em lugar de Simplices.
O uso depois fez huma apocope do es final nestes
nomes, servindo-se delles para o singular e plural.

A maior parte destes nomes se podem reputar
irregulares nas suas terminações numeraes. Os mais
todos, á excepção de poucos, seguem duas formações
regulares, segundo acabão ou em vogal, ou em consoante,
como se verá nas duas Regras seguintes.

Regra I.

Todo o nome acabado em vogal, ou diphthongo,
forma seu plural accrescentando hum s á terminação
do singular, como :

Hora Horas, Couve Couves, Povo Póvos, Pá
Pás, Pé Pés, Mercê Mercês, Javalí Javalís, Filhó
Filhós, Belhó Belhós
 ; (e não Filhóses, Belhóses)
Avô Avós, Nu Nus. E bem assim os que acabão
em vogal nasal, como Lã Lãs, Malsĩ Malsĩs,
Dõ Dõs
(antigamente Dões). Atũ Atũs ; ou se escrevão
assim, ou Lam Lans, Malsim Malsins &c.

A mesma regra geral milita nos nomes acabados
em qualquer diphthongo, quer oral, quer nasal,
134como Pai Pais, Páo Páos, Lei Leis, Ceo Ceos,
Mêo Mêos, Heróe Heróes, Mãi Mãis, Mão Mãos,
Bẽe Bẽes, Boõ Boõs, Rũi Rũis
 ; sem ser precizo fazer
excepções por causa da differente Orthographia,
com que vulgarmente se escrevem ; pois as formações
fazem-se pela pronunciação, e não pela escriptura.

Esta Regra padece huma unica excepção nos nomes
acabados no diphthongo ão, que alêm da formação
regular em ãos, tem tambem as irregulares em
ões, e ães, como Ancião Anciãos, Sermão Sermões,
Capitão Capitães
. A Regra, que dá Duarte Nunes de
Leão para conhecermos, quando havemos de dar aos
nomes em ão hum ou outro plural, he ; que, como á
nossa terminação em ão correspondem tres na Lingua
Castelhana, a saber ano, on, e an ; a primeira faz o
plural em ão, a segunda em õe, e a terceira em ãe,
como Mano Manos em Castelhano, Mão Mãos
em Portuguez, Oracion Oraciones em Castelhano, Oração
Orações
em Portuguez, Capitan Capitanes em Castelhano,
Capitão Capitães em Portuguez.

Porêm a não querer recorrer á origem Castelhana
(o que nem todos podem fazer) ; o mais commum
e ordinario ás terminações do singular em ão he
mudarem este diphthongo em õe no plural accrescentando-lhe
o s final, como Acção Acções, Lição Lições,
Tostão Tostões
. Esta he a regra mais geral.

Della se podem exceptuar os nomes Portuguezes
em ão, que em Castelhano acabão em an, que fazem
no plural em ães, como Alemão Alemães, Capellão
Capellães, Escrivão Escrivães, Tabellião Tabelliães,
Pão Pães, Cão Cães
, e poucos mais : e tambem os
que em Castelhano acabão em ano, que fazem no plural
em ãos, como Christão Christãos, Cortesão Cortesãos,
Grão Grãos, Irmão Irmãos, Mão Mãos,
Orfão Orfãos, Orgão Orgãos
, e poucos mais. Os
nomes Benção, Cidadão, e Villão, podem fazer de
135ambos os modos : Benções, ou Bençãos, Cidadões,
ou Cidadãos, Villões, ou Villãos.

Os nomes acabados em o grave, mas precedido
do ô grande fechado na penultima, não so tem terminações
pluraes, mas tambem Inflexões, mudando
no plural em ó grande aberto, o ó grande fechado do
singular, como : Cachôpo Cachópos, Avô Avós,
Ovo O’vos, Soccôrro Soccórros, Gloriôso Gloriósos,
Gostôso Gostósos
. Esta regra comtudo tem suas excepções.
Porque, se nós dizemos Fôrno Fórnos, Fôgo
Fógos, Pôvo Póvos
 ; ja não dizemos da mesma sorte
Contôrno Contórnos, mas Contôrnos, nem Pôtro Pótros,
mas Pôtros, e assim outros que o uso ensinará.
Mas desta observação se devião fazer cargo nossos
Grammaticos para ensinar a bem declinar estes nomes :
o que até agora não fizerão.

Regra II.

Todo o nome acabado em consoante forma o
seu plural do singular, accrescentando-lhe es do modo
seguinte.

Os que no singular acabão em r, e s, fazem o
plural com a simples addição do es ; e o s final, ficando
então entre vogaes, se converte em z, como :
Mar Mares, Mulher Mulheres, Prazer Prazeres,
Martyr Martyres, Flor Flores, Catur Catures,
Pás Pazes, Vês Vêzes, Perdís Perdizes, Nós Nozes,
Lús Luzes
. O nome Deos segue esta mesma
analogia fazendo no plural Deozes, e Calis tambem
fazendo Calises com s, ou Calices com c, que val
o mesmo.

Os que acabão em ál, ól, úl, tirada a consoante
final, com o accrescentamento do es se fazem pluraes,
como : Animál Animáes, Faról Faróes, Azúl Azúes.
Exceptuão-se Mal, Cal de Moinho, e Consul, que
136conservando o l, formão o plural Males, Cales, Consules.

Os que acabão em el, tirado do mesmo modo o
l, tem o plural em is, como Broquél Broquéis, Fiél
Fiéis
. A palavra Mel, segundo Barros, não tem plural ;
mas antigamente lho davão, e dizião Meles,
como tambem Méis.

Por este mesmo modo formão seus pluraes os nomes
adjectivos, acabados em il, quando este não he
agudo, como : Agil, Docil, Esteril, Facil, Habil,
Util
, e seus compostos Difficil, Inhabil, Indocil,
Inutil &c
. ; os quaes todos acabando antigamente em
e no singular deste modo Agile, Docile, Esterile &c.
formavão seus pluraes regularmente, accrescentando-lhes
hum s, pela Regra I. Agora porêm, tirando o l,
fazem em eis, como : Ageis, Dóceis, Estéreis, Fáceis,
Hábeis, Uteis
.

Aquelles nomes porêm, que acabão em íl agudo,
para conservarem no plural este mesmo accento,
mudão o l em s, como Ardíl Ardís, Ceitíl Ceitís,
Fuzíl Fuzís, Subtíl Subtís
. Temos tractado do
nome Substantivo, passemos ao Adjectivo.

Capitulo III.
Do Nome Adjectivo.

Ja dissemos no Capitulo antecedente que o Adjectivo
he hum nome, que exprime huma couza como accessoria
de outra, para ser sempre o attributo de
hum sujeito claro, ou occuto, sem o qual não pode
subsistir
. Expliquemos esta definição com hum exemplo.

Homem, Virtude, são dous substantivos, cujas
ideas existem cada huma separadamente no nosso espirito.
Ambos são sujeitos, e como sustentaculos, de
137hum certo numero de qualidades, e não se modificão
hum a outro. Mas se digo Homem Virtuoso, ou Virtude
Humana
 ; esta forma de discurso faz desapparecer
de repente hum dos dous sujeitos ; e na primeira expressão
reune no Substantivo Homem todas as ideas
incluidas no Substantivo Virtude ; e na segunda reune
no Substantivo Virtude todas as ideas incluidas no
Substantivo Homem.

Comparando-se pois os dois nomes Virtuoso e
Virtude, e bem assim Humano e Homem, se vê claramente
a differença dos Adjectivos aos Substantivos ;
a qual está no nosso differente modo de conceber os
objectos, e na ordem analytica do pensamento. Nesta
o Substantivo exprime sempre huma idea principal,
que he como o sujeito de certas qualidades, que nelle
existem e o modificão : e o Adjectivo pelo contrario
não exprime senão certas qualidades, e ideas accessorias,
que suppõem sempre outra idea principal, na
qual como em sujeito possão existir, e a quem sirvão
de attributo para a modificar.

Todo Adjectivo pois tem duas significações, huma
distincta, porêm indirecta, que he a do attributo ;
e outra confusa, porêm directa, que he a do sujeito.
Esta palavra Branco significa directamente hum sujeito
qualquer indeterminadamente, que tem brancura ;
e inderectamente, mas com toda clareza e distincção,
a qualidade da côr. Portanto todo Adjectivo indica
hum sujeito, qualquer ; e exprime huma qualidade,
que lhe attribue.

Ora está claro que o sujeito indicado não pode
ser senão hum Substantivo ; porque sobre este so he
que podem cahir as qualidades, que per si não podem
subsistir. Este Substantivo tambem não pode ser hum
nome proprio, ou de individuo. Porque como este
tem em si mesmo todas as determinações, e modificações
necessarias para ser o que he ; não pode ser modificado,
138nem por consequencia admittir hum Adjectivo,
que o modifique.

O sujeito pois que o Adjectivo indica, necessariamente
hade ser hum nome Commum, e Appellativo,
que so he susceptivel de modificações e determinações,
por ser de sua mesma natureza vago e indeterminado.
Assim quando digo : Pedro he bom ;
não quero dizer que Pedro he bom Pedro ; porque
isto daria a entender que ha Pedro bom, e Pedro
máo
 ; o que não podendo caber no mesmo individuo,
faria do nome proprio hum nome commum ; e se se
podesse dizer Pedro he bom Pedro, tambem se poderia
dizer Pedro he melhor Pedro, o que ninguem dirá.

Todo Adjectivo pois concorda necessariamente
com hum nome Appellativo do genero, ou especie a
que pertence o sujeito, sobre que elle cahe. Assim Pedro
he bom
quer dizer que Pedro he homem bom ; e da
mesma sorte nos mais. Concordando pois sempre o
Adjectivo com hum nome Substantivo, e esse commum,
e não podendo concordar sem que o nosso entendimento
perceba a conveniencia de hum com outro :
segue-se que todo Adjectivo com o seu sujeito, ou Substantivo
equival a huma proposição incidente, e por
esta se pode resolver, como : Deos invisivel creou o
mundo visivel
, se resolve nestas proposições Deos,
que he hum Ente invisivel, creou o mundo, que he huma
couza visivel
. Todo Adjectivo pois he huma
expressão abbreviada, que estando so na oração, ou
sendo apposto, contêm em si implicitamente huma
proposição com seu sujeito que indica, com seu attributo
que exprime, e com seu Verbo que se lhe entende.

Se o Adjectivo pois modifica sempre hum nome
Appellativo claro ou occulto ; vejamos de quantos modos
este pode ser modificado, para dahi deduzirmos
as differentes especies de Adjectivos. Todo nome Appellativo
139pode-se considerar, ou como nome de Classe,
ou como nome de Especie. Como nome de Classe
comprehende debaixo de si mais, ou menos individuos,
ou sua totalidade, vg. Hum homem, Muitos
homens, Todos os homens
, como nome de especie
comprehende todas as propriedades e qualidades que
compõem huma natureza commum. No primeiro sentido
he susceptivel de Determinação, a qual applica
o nome da Classe a mais, ou menos individuos, incluidos
nella, ou a todos. No segundo não he susceptivel
de determinação ; porque huma especie para o
ser, tem hum numero determinado de ideas fixas e essensiaes ;
mas he susceptivel, ou de Explicação, que
desenvolva estas ideas parciaes incluidas na idea geral,
ou noção significada pelo nome commum ; ou de Restricção,
que pela addição de alguma qualidade accidental,
accrescentada ás essenciaes, que formão a noção,
restrinja esta com hum maior numero de ideas
a hum menor de individuos.

Hum so exemplo aclarará tudo. Neste, Todo homem
he racional, mas nem todos os homens são razoados
,
o Adjectivo Todo he determinativo ; porque
não explica, nem restringe o nome Appellativo Homem ;
mas determina-o so, e applica-o a todos os individuos
da classe humana distributivamente ; e o mesmo
Adjectivo Nem todos, que val o mesmo que Alguns,
determina e applica o mesmo nome a huma parte
delles. O Artigo os tambem he determinativo ; porque
indica que o nome Homem se toma ali em hum
sentido individual e substantivo, e não como especie e
adjectivamente. O Adjectivo Racional he Explicativo ;
porque desenvolve huma qualidade essencial ao homem,
ja incluida na idea do mesmo ; e o Adjectivo Razoado
he restrictivo ; porque ajunta á idea do homem huma
qualidade accidental, que a mesma idea não comprehendia,
e que por isso a limita e reduz a huma classe
140muito menor, qual he a dos homens razoados em comparação
com a dos racionaes. Estas tres especies de
Adjectivos tem differentes propriedades e usos ; e por
isso vamos a tractar de cada huma dellas separadamente
nos tres Artigos seguintes.

Artigo I.
Dos Adjectivos Determinativos.

Os Adjectivos Determinativos chamão-se assim,
porque determinão e applicão os nomes de classes e
communs a certos individuos particularmente. Elles
tem tres caracteres, que os distinguem sensivelmente
dos outros Adjectivos, chamados Explicativos, e Restrictivos.

O primeiro he não causarem mudança alguma na
significação do nome commum, nem extendendo-a e desenvolvendo-a,
como fazem os primeiros, nem limitando-a
e restringindo-a, como fazem os segundos :
antes deixando-a em seu ser, o que fazem so he, applicalla
aos individuos da sua classe, ou tomando-os
todos junctos, quer collectivamente Todos os homens,
Nenhum homem
 ; quer distributivamente Todo homem,
cada homem
 ; ou em parte alguns homens ; ou singularmente
o homem, este homem &c.

O segundo caracter he precederem sempre o nome
Appellativo que determinão. Porisso esta proposição
Todo homem he mortal he verdadeira. Pospondo
porêm o determinativo Todo deste modo, O homem
todo he mortal
, ja fica falsa e impia. Não succede
assim com os Adjectivos explicativos, e restrictivos.
Aquelles podem-se pôr dantes ou depois, como o brilhante
sol
, e o sol brilhante ; e estes sempre depois,
como o homem justo, e não o justo homem.

O terceiro caracter he não serem susceptiveis de
141augmento e de gráos na sua significação, quer para
mais, quer para menos, como o são os Adjectivos
explicativos e restrictivos, que so podem ser positivos,
graduaes, e superlativos.

A isto accresce ser o numero dos determinativos
em todas as Linguas mui diminuto a respeito da multidão
innumeravel dos explicativos e dos restrictivos.
Porque o numero das relações, debaixo das quaes se
podem considerar os nomes Appellativos em respeito
aos individuos, he incomparavelmente mais restricto,
que o das qualidades, que os outros exprimem. As qualificações
de hum nome commum podem ser infinitas ;
as determinações são poucas, e as mesmas para com
todos os Appellativos ; que por isso todas as Linguas
tem quasi os mesmos determinativos.

Esta he a razão porque contentando-se os Grammaticos
com mostrar nas suas artes somente a differente
natureza daquelles, tractando delles em commum,
destes se costumão fazer cargo especialmente, tractando
á parte cada hum de per si, e com mais miudeza
por occorrerem a cada passo na oração, e influirem
muito na verdade, ou falsidade della. O que igualmente
passamos a fazer, classificando-os todos primeiramente,
e depois tractando de cada Classe separadamente.

Os Adjectivos Determinativos applicão os nomes
communs, e os determinão a hum sentido individual
de dous modos : ou caracterizando-os por certas qualidades
individuaes ; ou contando-os, e applicando-os a
certo numero, e quantidade de individuos. Daqui a
divisão mais geral destes Adjectivos em Determinativos
de Qualidade, e em Determinativos de Quantidade.
Quando digo : Hum de meus irmãos ; o Adjectivo
Meus determina o Appellativo Irmãos pela qualidade
de me pertencerem ; e o Adjectivo Hum determina
o mesmo pela quantidade numerica de hum entre
outros.142

Os Determinativos de qualidade se subdividem
em Geraes, e em Especiaes. Os geraes são os que
junctos a qualquer nome commum, indicão que elle se
toma individualmente em hum sentido determinado,
sem comtudo elles mesmos o determinarem per si ; e
taes são os nossos dous Artigos, hum vago e Indefinito,
como Hum homem, e outro Definito, como
O homem.

Os Especiaes porem determinão ja persi mesmos
o nome commum, individuando-o por alguma qualidade,
ou circunstancia particular, quer seja Pessoal,
como Eu Antonio, Tu Pedro, Elle Sancho, Nossos
Paes, Vossos Avós
 ; quer Local, que os mostra, como
Este homem, Aquella mulher, O qual sujeito ;
que por isso os primeiros se chamão Determinativos
Pessoaes, e os segundos Demonstrativos.

Os Determinativos de quantidade se subdividem
tambem em Universaes, e Partitivos. Os primeiros
são os que applicão o nome commum á totalidade dos
individuos, quer affirmando-a, como Todo homem, chamados
porisso Positivos ; quer negando-a Nenhum homem,
chamados então Negativos. Os segundos são
os que applicão o nome commum a huma quantidade
parcial de individuos, ou vaga como Muitos homens,
Alguns
homens, e estes chamão-se vagos ; ou exacta
e determinada, como hum, dous, tres homens, O
primeiro, O segundo Rei
 ; e estes chamão-se Numeraes.
De todos elles passamos a tractar por esta mesma
ordem nos §§. seguintes.

§. I.
Dos Determinativos geraes, ou Artigos.

A palavra Artigo vem do Verbo grego ἄςω, que
significa Adaptar, Preparar, e della se servirão os
143Grammaticos para designar certos Adjectivos determinativos,
monosyllabos, e frequentissimos no discurso,
que persi não tem significação alguma ; mas postos
antes dos nomes communs, dispõem de antemão, e advertem
o ouvinte para tomar os dictos nomes em hum
sentido individual, ou ja determinado pelo discurso e
pelas circunstancias ; ou que se vai a determinar ; ou
que se não quer determinar.

Quando por ex. ouço : O Principe ; o Artigo o
me indica que o nome commum de Principe se deve
tomar em hum sentido individual, que a circunstancia
do Reino e Nação, em que vivo, me determina : e
quando ouço : Hum Principe he digno de cazar com
huma Princeza. Hum crime tão horrendo merece a
morte
 ; o Artigo hum, huma me indica que se fala de
hum individuo, e de hum crime individual, mas vago,
e que se não quer nomear.

O officio pois dos Artigos não he, como ensinão
todos os nossos Grammaticos, para declinar os
nomes, nem para mostrar de que genero são. Os nomes
Portuguezes são indeclinaveis, e as preposições,
que se lhes ajuntão, he que supprem a declinação. Se
os Artigos tem formas genericas, como os mais Adjectivos,
he para concordarem, como estes com os
Substantivos ; e se pela concordancia mostrão o genero,
tambem os mais Adjectivos o mostrão. Não he pois
para indicar o genero dos nomes Appellativos, que
os Artigos forão inventados ; mas sim para os tirar da
sua generalidade, e mostrar que se tomão em hum
sentido individual.

Nós temos na nossa Lingua dous Artigos hum
Definito, que he o, a para o singular, e os, as para
o plural ; porque mostra que o nome commum, que
se lhe segue, se deve tomar individualmente no sentido,
ou ja determinado pelas circunstancias, e pelo discurso
antecedente, ou que se vai a determinar para
144diante : outro Indefinito, que he Hum, Huma para o
singular, e Huns, Humas para o plural ; porque mostra
tambem que o nome Appellativo a que se ajunta,
se toma individualmente, mas de hum modo vago, e
ainda não determinado, e que se vai a determinar
por alguma idea nova, que se lhe accrescenta para o
especificar mais.

Do primeiro destes dous Artigos ninguem duvida.
Porêm do segundo duvidão muitos, dizendo que he o
mesmo que o numeral Hum, ou que o determinativo
vago Hum certo (quidam). He verdade que elle tem
tambem estas accepções, e usos. Porêm quando elle
exprime ou a unidade numeral, ou a unidade de hum
individuo, certo e determinado em mente, que não
queremos nomear, nem determinar ; então não he Artigo ;
e so o he, quando toma o nome commum individualmente
sem o applicar a hum unico individuo,
ou a hum mais que a outros. Neste sentido he que
lhe damos plural, qual não tem nem pode ter como
numeral.

Nestes exemplos : Hum homem de Côrte, huma
mulher de Côrte tem mais espirito e viveza que hum
Aldeão = Hum vassallo deve obedecer a seu Rei=
Hum Rei deve ser o pai de seu povo =Hum homem
de juizo deve ser senhor de suas paixões = Antonio
he hum Cicero = Cicero he hum orador
 : o Artigo
Hum pode se substituir em alguns delles com o Artigo
o, porêm de nenhum modo com o Partitivo Hum
certo
(quidam). Isto se verá ainda com mais evidencia
nas observações, que passo a fazer sobre os usos
communs a estes dous artigos, e particulares de cada
hum.

1.ª Todo o nome Appellativo, cuja significação
geral he restringida, ou dantes pelo discurso, ou depois
por algum Adjectivo, ou Incidente restrictiva, a
não ter antes algum dos Determinativos especiaes, deve
145ter hum dos geraes ; ou seja o Artigo Definito para indicar
que aquelle nome se toma em huma significação
individual determinada ; ou seja o Artigo Indefinito
para indicar que o nome se toma em huma significação
tambem individual, porêm vaga e indeterminada.

Exemplo : Pedro foi tractado com honra. Aqui o
Appellativo Honra não necessita de Artigo, porque
se toma na sua significação geral, e val o mesmo
que honradamente. Porêm se lhe ajunto a restricção :
Devida a seu merecimento, deste modo : Pedro foi
tractado com honra devida, ou que era devida a seu
merecimento
 ; ja não posso empregar o mesmo Appellativo
sem Artigo : mas devo dizer : Pedro foi tractado
com a honra devida, ou que era devida a seu
merecimento
 ; se falo de huma honra determinada e
certa ; ou foi tractado com huma honra igual ao seu
merecimento
, se quero falar de huma honra qualquer
indeterminadamente.

2.ª Nenhum Appellativo pode ser sujeito de qualquer
oração sem ser determinado expressa ou implicitamente,
por algum dos Determinativos especiaes, ou
por hum dos geraes, quer o Definito quando se fala de
hum individuo certo, quer o Indefinito quando se fala
de hum individuo vago. Daqui a differença destas duas
proposições : O Principe justo, que nos governa, he
tambem pio e indulgente. Hum Principe, que he justo,
tambem deve ser pio e indulgente
.

3.ª O Artigo Definito o, indeclinavel, e no genero
neutro, precedendo ou seguindo-se immediatamente
ao Verbo Substantivo ser, ou outro equivalente ;
serve-lhe sempre de Attributo, trazendo á memoria o
nome da oração antecedente, de qualquer genero e numero
que seja, com todas as suas modificações, como
nestes modos de falar : Ha verdades, que a nós o
não parecem ; não pol’o não serem ; mas &c. (H.
Pinto) Hia todos os dias ver a sepultura de seu irmão
146e que
o havia de ser sua. (Lobo) - As feias
nem
por o serem, deixão de ter partes estimaveis.
Este uso do nosso Artigo neutro e indeclinavel he mui
elegante e frequentissimo.

4.ª O Artigo Definito substantiva qualquer parte
da oração e orações inteiras para poderem ser o sujeito
ou objecto do discurso. Substantiva os Adjectivos :
v. g. o licito e o illicito, o justo e o injusto. Substantiva
os verbos não so nas fórmas impessoaes, em
que são verdadeiros Substantivos, como A natureza
fez
o comer para o viver, e a gula fez o comer
muito para o viver pouco ; mas tambem nas pessoaes,
como : O gabares-te de sabio mostra seres ignorante.
Substantiva as Preposições, como : O amor não está
n’o por isso, está n’o porque. Substantiva os Adverbios
como : Nam sabemos o quando, o como, o quanto.
Substantiva em fim as orações inteiras, ou antecedentes,
quando, acabadas ellas, dizemos v. g. Pol’o
que, D’o que segue &c
. : ou seguintes, como : Nunca
o que de sua natureza he bom pode perder, ou
amnar-se por muito ; nem
o que he máo melhorar
por pouco
.

5.ª Os Artigos, por isso mesmo, que individuão ;
e os nomes proprios não podem ser individuados ;
quando se applicão a estes, fazem n’os passar de proprios
a appellativos para os poder determinar. Assim,
quando digo : Este homem he hum Cicero, e de João
de Barros, o Livio Portuguez, de Camões, o Homero
Lusitano
, e bem assim os Brazis, as Angolas, as
Goas, as Malacas, os Macaos &c
. todos estes nomes
proprios passão, por virtude dos Artigos, a tomarem-se
em sentido commum, e pelo genero mesmo
a que cada hum pertence. Todas estas observações
pertencem aos casos, em que se devem empregar os
Artigos. Passemos agora a ver em que nomes se não
devem empregar, que são :147

I.° Os mesmos nomes Appellativos, quando se
tomão adjectivamente em hum sentido geral, e como
qualificativos da especie. Assim quando digo : O macaco
não he homem, onde ha homens ha cobiça
 : os
Appellativos homem, homens, cobiça não tem Artigo ;
porque se tomão em sentido geral e indeterminado
em lugar de Animal racional, e do desejo das
honras e riquezas
.

II.° Os mesmos nomes Appellativos, quando são
precedidos de algum dos Determinativos especiaes, ou
de qualidade, ou de quantidade, que os determinão,
não se individuão : então, geralmente falando, não
precizão de Artigo, nem os bons Classicos lho costumão
pôr. Assim dizem elles sem Artigo Meu pai,
Minha mãi, Seu pai, Sua mãi, Nossos pais, Vossos
avós, Este homem, Aquelle sujeito, Muitos homens,
Alguns homens, Hum, Dous, Tres homens &c
.

Comtudo, como o Artigo não he propriamente
quem determina o nome Appellativo, mas quem indica
que se toma neste ou naquelle lugar, individualmente,
ou por estar ja determinado, ou porque se vai
a determinar : succede algumas vezes ajuntar-se com
outros Determinativos, e concorrer com elles tambem
a determinar hum nome Appellativo.

Por esta razão os Demonstrativos Mesmo, Qual
sempre levão Artigo : O mesmo homem, A mesma mulher,
O qual homem, A qual mulher
. O Demonstrativo
Conjunctivo Que não adrnitte Artigo senão no genero
neutro, como no exemplo acima O que de sua
natureza he bom &c
. Quando no masculino e feminino,
falando de pessoas, dizemos Os que, As que,
sempre se entende Os homens que, As pessoas que.

III.° Quando os mesmos nomes estão em vocativo,
não tem Artigo ; porque são determinados a fazerem
a segunda pessoa, a quem se dirige o discurso, assim
pela Interjeição Vocativa O’, como pelos Pessoaes
148Tu, Vós, que sempre se lhes entendem ; e quando dizemos
o méu tio, o tio, o Artigo serve so para substantivar
estes Adjectivos, como fica dicto acima
observ. 3.ª Isto pelo que pertence aos Determinativos
de qualidade.

Passando agora aos de quantidade, o universal Distributivo
Todo, Toda, em lugar de Cada, não quer
Artigo : Todo homem, Toda parte ; o universal Collectivo
Todos, Todas quer Artigo : Todos os homens,
Todas as partes
, ou com a consonancia euphonica,
como fazião nossos Antigos para evitar o echo da
mesma syllaba Todol’os homens, Todal’as partes. Os
Partitivos Cardeaes Dous, Tres, Quatro &c. não
tem Artigo, senão quando modificão algum nome Appellativo,
que queremos individuar mais, como : Os
dous exercitos inimigos, As tres armadas combinadas
.
Os Ordinaes Primeiro, Segundo &c. tem Artigo,
quando precedem aos Substantivos, como O primeiro
seculo, O segundo seculo
 ; porêm não o tem,
quando se lhes seguem, como D. João primeiro, D.
João quinto. Feitas estas excepções, os mais Adjectivos
Determinativos, por via de regra, não admittem
de companhia nosso Artigo.

IV.° Os nomes proprios de Divindades, de Homens,
de Cidades, Villas e Lugares, não tendo antes de si
modificativo algum, per si mesmos estão determinados
e individuados, e por tanto não precizão de Artigo.
Assim dizemos sem elle Deos, Alexandre, Augusto,
Portugal, Lisboa &c
. ; e com elle O bom Deos,
O grande Alexandre, O Imperador Augusto, O rico
Portugal, A nobre Lisboa &c
. porque o Artigo não
cahe aqui sobre os nomes proprios, mas sobre os Adjectivos,
e Appellativos, que o não são.

Isto não obstante, o uso de algumas Linguas
dá Artigo a muitos nomes proprios de Regiões, Provincias,
Ilhas, Cidades, e aos Montes, e Rios sempre
149e o da nossa costuma ás vezes dizer com Artigo
as quatro partes da terra, como A Europa, A Asia,
A Africa, A America
 ; as provincias, como O Brazil,
O Algarve, O Alemtejo, A Extremadura, A
Beira, O Minho
, e bem assim A Madeira, O Funchal,
O Porto, A Guarda, O Mogadouro, A Golegã
,
e sempre O Tejo, O Douro, O Mondego, O
Guadiana &c
.

Mas isto suecede, ou porque estes nomes ao principio
erão communs e foi necessario approprial-os com
o Artigo ; ou porque tem ellipse do nome commum,
que se lhes entende, e muitas vezes mesmo se expressa ;
ou porque, tendo huma significação mais ou menos
extensa, podem-se tomar ja determinada, ja indeterminadamente
dizendo humas vezes com o Artigo
A Hespanha, A França, A Inglaterra ; outras sem
elle, Vou para Hespanha, Fazendas de França, Venho
d’Inglaterra
 ; como tambem nos metaes, dizendo
com Artigo O Ouro, A Prata, O Cobre ; e sem elle
Caixa d’Ouro, Estojo de Prata, Pagar em Cobre ;
ou em fim porque se personificão, como quando dizemos
O poder d’a França &c.

De tudo o que fica dito, se vê claramente que o
offício dos Artigos não he para declinar os nomes,
nem para mostrar seu genero. Pois muitos delles, não
admittindo Artigo, como vimos, ou ficarião sem declinação
e sem genero, o que he absurdo : ou para evitar
este, seria necessario cahir no outro, em que cahio
o Auctor modernissimo da Arte da Grammatica Portugueza,
impressa em Lisboa em 1799 Part. I. Cap.
I. §. II., fazendo hum novo Artigo Indefinito, até
agora desconhecido, das Preposições De e A.

O destino dos Artigos he somente para indicar,
que os nomes geraes a que se ajuntão, se devem tomar
não em toda a sua extensão, mas em hum sentido
ou individual, ou substantivo ; tanto assim que, ou
150da sua apposição aos taes nomes, ou da sua ausencia,
ou da combinação de ambos dous resultão differentes
sentidos de huma mesma palavra, como se
póde vêr das nove traducções, que se podem fazer em
Portuguez dos dous Appellativos Latinos Filius Regis,
que podem significar ou Filho de Rei, ou Hum filho
de Rei
, ou Filho de hum Rei, ou Hum filho de hum
Rei
, ou Filho d’o Rei, ou O filho de Rei, ou O filho
d’o Rei
, ou Hum filho d’o Rei, ou emfim O filho
de hum Rei
.

§. II.
Dos Determinativos Pessoaes, assim Primitivos,
como Dirivados, chamados Pronomes.

Os Determinativos Pessoaes são huns Adjectivos,
que determinão os nomes a que se ajuntão, ou a que
se referem, pela qualidade da personagem ou papel,
que fazem no acto do discurso, ou da propriedade e
posse, relativa ás mesmas personagens.

Estas personagens, ou papeis, por ordem á representação
no discurso são tres, a saber : a primeira
pessoa
, que he aquella que fala no discuso ; a segunda,
que he aquella com quem se fala ; e a terceira,
que he aquella de quem se fala, ou seja pessoa ou
couza. Os Determinativos Pessoaes, que modificão os
nomes com estas tres relações por ordem ao acto ou
representação da palavra, chamão-se Primitivos. Destes
se formão os Pessoaes Dirivados, que determinão
os nomes pela qualidade de pertinencia, ou posse,
relativa a cada huma destas pessoas.

A nossa Lingua tem onze Determinativos Pessoaes,
a saber, 6 Primitivos, que são dous da I.ª Pessoa
Eu para o singular, e Nós (com ó grande aberto)
para o plural ; dous da II.ª Pessoa Tu para o Singular,
e Vós (com ó grande aberto) para o Plural ; hum
151Directo da III.ª Pessoa Elle, Ella, para o Singular,
Elles, Ellas, para o Plural, e outro Reciproco ou
Reflexo da mesma terceira pessoa para o Singular, e
para o Plural, que he se.

Os Dirivados destes são 5 a saber : Dous da
I.ª Pessoa falando de huma so Meu, Minha, para
o Singular, e Meus, Minhas para o Plural ; e falando
de muitas Nosso, Nossa para o Singular, e Nossos,
Nossas
para o Plural : Outros dous da II.ª Pessoa
a saber ; falando de huma so Teu, Tua para o
Singular, e Teus, Tuas para o Plural ; e falando de
muitas Vosso, Vossa para o Singular, e Vossos, Vossas
para o Plural : e hum em fim da III.ª Pessoa, falando
de huma so, ou de muitas Seu, Sua para o Singular
e Seus, Suas para o Plural. Tractemos, por esta
mesma ordem, primeiramente dos Primitivos, e depois
dos Dirivados.

Os Pessoaes Primitivos Eu, Tu, Elle são os
unicos nomes, que na Lingua Portuguesa tem declinação,
e Casos por consequencia : Para indicar estes não
me servirei dos nomes Latinos, que tem suas accepções
particulares ; mas sim dos que os Grammaticos
das Linguas modernas julgárão mais proprios para exprimir
as differentes relações, que hum mesmo nome
póde tomar para se ligar com outra palavra no discurso,
quer sejão significadas pelas suas differentes terminações,
ou casos dentro do mesmo numero, quer
pelas differentes Preposições que se lhe ajuntão em ambos
os numeros para substituirem os mesmos Casos.

Assim dão elles o nome de Sujeito á palavra,
que exprime o agente ou sujeito do Verbo, e que corresponde
ao Nominativo d’antes dos Latinos ; e de
Attributo ao Nominativo depois, que he o que exprime
a couza, que se attribue, ou affirma do sujeito.
Chamão Complemento Restrictivo ao nome, precedido
da Preposição De, que se põe immediatamente
152depois de hum Appellativo para lhe restringir
a sua significação vaga, ao que os Latinos chamavão
Genitivo ; Complemento Objectivo ao nome, quando
faz o objecto immediato da acção do Verbo, e Terminativo,
quando faz o termo da sua relação, e finalmente
Circunstancial, ou da preposição, quando o
nome juncto com ella explica alguma circunstancia da
acção do Verbo ; os quaes tres complementos correspondem
ao Accusativo, Dativo, e Ablativo dos Latinos.

Isto supposto, as terminações dos tres Pessoaes
Primitivos Directos, que servem de Sujeito, ou de
Nominativo nas orações, são as a cima mencionadas :
Eu no Singular, e Nós no Plural para todos os generos ;
Tu no singular, e Vós no Plural tambem para todos
os generos ; e Elle, e Ella no Singular, para o
Masculino e para o Feminino, e Elles, e Ellas, no
Plural para os mesmos generos.

Os Complementos Objectivos, e ao mesmo tempo
Terminativos, chamados Accusativos e Dativos
do Pessoal Eu, são Me para o Singular, e Nos (ambos
com e e o pequeno) para o Plural ; do Pessoal Tu
são Te para o Singular e Vos para o Plural (ambos
com e e o pequeno ; e do Pessoal Reciproco da III.ª
Pessoa se (tambem com e pequeno) para todos os
numeros.

O Pessoal Directo da III.ª Pessoa Êlle Êlla, Êlles
Éllas (com o ê grande fechado na masculina, e aberto
na feminina) tem differentes palavras e terminações
para estes dous casos, a saber : Para o Complemento
objectivo ou Accusativo, no Singular o para o
masculino e neutro, a para o feminino, e os, as no
Plural para os mesmos dous generos, todos com as
suas vogaes pequenas. Differenção-se do Artigo Definito
pelo seu differente ministerio, e pela sua mesma
posição. O Artigo serve so para individuar, e precede
153sempre, ou supõe depois de si hum Appellativo,
que determine. O complemento objectivo directo da
III.ª Pessoa o, a, os, as não determina os nomes, a
que se referem, individuando-os, mas sim dando-lhes
o caracter de huma III.ª pessoa ou couza, da qual se
tem falado e fala, e o seu lugar nunca he antes de
nome, mas sim antes, ou depois de Verbo activo.

Em fim para o Complemento Terminativo, ou
Dativo tem presentemente o mesmo Pessoal Directo
da III.ª Pessoa no Singular lhe para ambos os Generos,
e no Plural lhes para os mesmos. Digo presentemente,
porque os nossos bons Escriptores, tanto prosadores,
como poetas, usavão frequentemente do lhe
para ambos os numeros.

Os Complementos circunstanciaes, ou da Preposição,
que correspondem aos Ablativos dos Latinos, e
aos Genitivos dos Gregos, são ; do Pessoal Eu para o
Singular Mim, juncto com varias preposições, e Migo
so com a preposição Com, e para o Plural Nós (com
ó grande aberto como no Nominativo) juncto com varias
preposições, e Nôsco (com o primeiro ô grande
fechado) que se ajunta so com a preposição Com :
do Pessoal Tu he complemento circunstancial para o
Singular Ti com varias preposições, e Tigo so com
a preposição Com ; e para o Plural Vós (com ó grande
aberto como no Nominativo) com varias preposições,
e Vôsco (com o ô grande fechado) so com a preposição
Com. Em fim do Pessoal Reciproco da III.ª Pessoa
he Complemento Circunstancial para ambos os
numeros a terminação si, que se constroe com varias
preposições, e sigo, que se constroe so com a preposição
Com ; o que tudo se vê representado na Taboa
seguinte :154

Taboa

Da declinação dos Pessoaes Primitivos.

Sujeito, ou Nominativo | Complemento Objectivo | Complemento Terminativo | Complemento Circunstancial

da 1ª pessoa | S. | Êu / Pl. Nós | Mè / Nòs | Mè / Nòs | Mim, Migo / Nós, Nôsco

da 2ª pessoa | S. | Tú / Pl. | Vós | Tè / Vòs | Tè / Vòs | Tí, Tígo | Vós, Vôsco

da 3ª pessoa directo | S. | M. Êlle, F. Êlla / Pl. | Êlles, Êllas | M. O, F. A, N. O / Òs, Às | Lhè / Lhès

da 3ª pessoa reciproco | S. / Pl. | Sè | Sè | Si, Sígo

Falta nesta Taboa o Complemento Restrictivo,
ou caso de possessão correspondente ao Genitivo Latino.
Mas este complemento, que aliás se faz com o
nome e a preposição de, não se faz da mesma sorte
nos Pessoaes. Os dirivados destes, junctos com os nomes,
he que exprimem esta relação de possessão, e
servem elles mesmos de Complementos Restrictivos,
como logo veremos.155

Observações sobre o uso destes Complementos
Pessoaes, na Oração.

1.ª Eu, e Tu são sempre sujeitos em qualquer
oração, como tambem Nós, Vós, Elle, Elles, Ella,
Ellas
, quando não tem preposição antes ; e o reciproco
se, nunca. Todos elles, quando são sujeitos
da oração, precedem o verbo, menos na Linguagem
Imperativa, onde sempre o seguem Louva tú, Louvai
vós &c
.

Todos elles não se ajuntão se não com nomes
proprios ou appellativos, mas individuados. Ninguem
diz : Eu homem, Tu homem, Elle homem ; mas sim
Eu Elrei, Eu o Principe, Tu Antonio, Elle Sancho.
A razão he, porque a determinação pessoal, ou
do papel que cada hum faz no discurso, suppõe sempre
a determinação individual.

Nós, ainda que seja do numero plural, usa-se no
singular ou por auctoridade, quando os Prelados falão
em nome de sua Igreja ; ou por modestia, quando
alguem quer communicar com os outros seus louvores,
e quando hum Escriptor quer fazer sua obra commum
com o publico para quem a destina. Vós tambem,
posto que seja do plural, se emprega no singular,
quando se fala com huma pessoa so, ou por respeito
Vós poderoso Rei, ou por auctoridade, quando
hum superior fala com hum inferior, ou por carinho,
quando hum igual fala com outro.

2.ª Os Pessoaes Primitivos nunca servem de Attributos
na oração, e quando como taes entrão nella,
fazem-a identica, de modo que se podem trocar com
os sujeitos da mesma. Tanto importa dizer : Quem escreveo
isto fui eu, como Eu fui quem escreveo isto
.
Nesta expressão Meu amigo he outro eu, o pessoal
toma-se como appellativo, e neste mesmo sentido disse
156H. Pinto Dial 3. Em mim ha dous Eûs, hum
segundo a carne, e outro segundo o espirito
.

3.ª Os casos Me, Nos do Pessoal da I.ª Pessoa,
os da II.ª Te, Vos, e o do Reciproco da III.ª Se,
todos com accento grave e encliticos, nunca admittem
preposições, e são complementos ja objectivos, ja terminativos
segundo o demanda a significação do verbo
ou so activa, ou tambem relativa. São objectivos,
quando vem sos com os Verbos activos, como Louvo-me,
Louvas-te, Louva-se &c
. e são terminativos,
quando os Verbos tem outro objecto, sobre que cáe
sua acção, e os pessoaes indicão so o termo da sua
relação, como : Faço-te mercê, Da-me este gosto, Fico-te
obrigado
.

Porêm o Pessoal directo da III.ª pessoa tem casos
distinctos para hum e outro Complemento. Para o
objectivo tem no singular o masculino, a feminino, e
o neutro ; e no plural os masculino, e as feminino ;
e assim dizemos : Eu o louvo, ou louvo-o, Eu a reprehendo,
ou reprehendo-a, O ser bom, e o fazer
bem, tem n’o Deos de si, Não os louvo, Não as
louvo
, ou louo-os ; louvo-as : E para o complemento
terminativo tem para todos os generos no singular
lhe, e no plural lhes, como : Disse-lhe a verdade,
Contou-lhes couzas espantosas
.

Muitas vezes com hum mesmo verbo de significação
activa e ao mesmo tempo relativa concorrem
os dous Complementos, objectivo e terminativo, exprimidos
por dous Pessoaes, e então se costumão encorporar
hum n’o outro, elidindo-se a vogal ou consoante
do primeiro, como m’o, nol’o, v’olo, lh’o,
lh’a, lh’os, lh’as
em lugar de me-o, nos-o, vos-o,
lhe-o, ou lhes-o, lhe-a, lhe-os, lhe-as
, sobre o que
se pode ver o que fica dicto na Orthoepia Cap. VII.

Com os Complementos objectivos dos Pessoaes
da I.ª e II.ª Pessoa Me, Nos, Te, Vos, e do Reciproco
157da III.ª Se, junctos ás fórmas pessoaes e correspondentes
dos verbos, se fazem os verbos chamados
Reciprocos, os Reflexos, os Impessoaes Passivos,
alguns dos nossos Neutros, e outros, ou Activos,
ou Neutros, quando se querem reciprocar. Mas
disto tractaremos nós mais adiante em seu lugar.

4.ª Finalmente os Complementos circunstanciaes,
ou da Preposição são na I.ª Pessoa Mim, Migo para
o singular, e Nós, Nôsco para o plural ; na II.ª Ti,
Tigo
, para o singular, e Vós, Vôsco, para o plural ; e
na III.ª reciproca Si, Sigo para ambos os numeros.
Os casos Migo, Nôsco, Tigo, Vôsco, Sigo, nunca
são Complementos senão da preposição Com deste modo
Commigo, Comnosco, Comtigo, Comvosco, Comsigo ;
e os casos Mim, Nós, Ti, Vós e Si nunca o são
da preposição Com, mas sim de qualquer outra, como :
De mim se queixão, a mim me chamão, Vem commigo,
De ti murmurão, A ti te escutão, Comtigo falo,
Elle julga bem de si, Estima-se a si mesmo, Comsigo
traz tudo
, e assim com as mais preposições,

Observações sobre o uso dos Determinativos
Pessoaes dirivados.

Passemos ja dos Pessoaes primitivos aos Pessoaes
dirivados dos mesmos, que são para a I.ª Pessoa Meu,
Minha, Nosso, Nossa
 ; para a II.ª Teu, Tua, Vosso,
Vossa
 ; e para a III.ª Seu, Sua. Estes Pessoaes dirivados,
são, como seus primitivos, huns adjectivos
determinativos. Porêm os primitivos determinão so os
nomes proprios das pessoas, ou das couzas personificadas
a tomarem a relação, ou de I.ª ou de II.ª ou de
III.ª pessoa por ordem ao papel, que fazem na representação
do discurso, e no acto da palavra : e os dirivados
não dererrninão senão nomes appellativos, e de
couzas possuidas, e determinão-os não por ordem ao
158acto da palavra, mas por ordem ao acto ou direito de
dominio pertencente a huma das tres pessoas. Os Pessoaes
primitivos tem so huma relação e hum objecto,
e por isso se põem em lugar dos nomes proprios que
modificão. Os Pessoaes dirivados tem duas relações e
dous objectos, hum da pessoa a quem se referem, e
outro da couza, que lhe fazem pertencer.

A primeira relação pessoal he indicada pela primeira
voz ou syllaba, de que elles se compõem, e
que he sempre hum caso, ou recto ou obliquo do
primitivo, qual se vê nesta divisão Me-u, Mi-nha,
Nos-so, Nos-sa, Te-u, Tu-a, Vos-so, Vos-sa, Se-u,
Su-a
. A segunda relação real, ou da couza possuida,
he indicada pela segunda voz ou syllaba, que por isso,
segundo o genero, ou numero dás couzas pertencentes
a cada pessoa, varía de terminações, como os
mais adjectivos, para concordar com ellas em genero
e numero. E bem como os primitivos da I.ª e II.ª pessoa
tem cada hum dous nomes, hum para huma pessoa
so, e outro para muitas ; assim os seus dirivados
tem tambem duas formas para indicar estas relações
pessoaes : e como o reciproco da III.ª pessoa não tem
senão huma para o singular e para o plural ; assim
o seu dirivado não tem tambem senão huma para ambos
os numeros.

Por esta razão, relativamente a huma pessoa so,
se diz no singular Meu Reino, Teu Reino, e no plural
Meus Reinos, Teus Reinos ; e relativamente a
mais pessoas no singular Nosso Reino, Vosso Reino,
e no plural Nossos Reinos, Vossos Reinos ; e relativamente
ou a huma ou a mais pessoas, diz-se no singular
Seu Reino, e no plural Seus Reinos. Se falo
dos habitantes de Portugal, digo igualmente bem Seu
paiz he fertil
, como, se falando do seu Rei, disser
Seu reino he rico.

Aqui porêm tem lugar a mesma observação, que
159ja fizemos a respeito dos primitivos Nos, Vos ; que
assim como estes, sendo do plural, se tomão algumas
vezes singularmente, assim passa o mesmo com seus
dirivados Nossa, Vosso. Hum Rei diz : A todas as
Justiças de nossos Reinos
 ; e hum Bispo : A nossos
Veneraveis Irmãos
, e na oração dominical dizemos
todos Vosso nome, Vosso Reino, Vossa vontade.

Daqui se vê, que estes Possessivos substituem o
Complemento restrictivo, ou Genitivo, que falta nos
casos dos Pessoaes primitivos, quando queremos restringir
hum appellativo pela relação particular de seu
possuidor. Se, assim como dizemos O Livro de Pedro,
haviamos de dizer O Livro de mim, O Livro
de ti
 ; dizemos pelos possessivos O meu Livro, O teu
Livro &c
. Porque não he o mesmo dizer : Meu,
Nosso, Teu, Vosso, Seu
, que dizer : De mim, De
ti, De vós, De si
 ; por ex. : O meu amor, ou O
amor de mim
 ; O nosso medo, ou O medo de nós  ;
As tuas saudades
, ou As saudades de ti ; O Vosso
odio
, ou O odio de vós ; Seu senhor, ou Senhor
de si
.

Ambas estas expressões significão possessão, porêm
de differente modo. As primeiras exprimem huma
posse ou propriedade activa, que tem as pessoas, indicadas
pelos Possessivos ; as segundas huma propriedade
ou reflexa, ou passiva, que as mesmas recebem
ou de si ou de outro possuidor differente. E esta he
a razão porque, a fim de distinguir mais estas duas especies
de propriedade em respeito a differentes sujeitos,
ou ao mesmo : temos a cautella de ajuntar ás vezes
aos primitivos o demonstrativo Mesmo para mostrar
a reciprocidade do possuidor e da couza possuida, como
O amor de mim mesmo, O odio de nós mesmos.

Daqui he facil resolver a duvida de Antonio de
Moraes no seu Diccionario da L. P. vocabulo Meu
sobre as expressões de Jorge Ferreira na Eufrozina a
160saber : Minha mãi morreo do meu parto, isto he, do
parto que teve de mim, Fugio com meu medo, isto
he, com medo de mim ; e saudades minhas o matão,
isto he, saudades que tem de mim. Estas expressões
alem de serem improprias, são de sua natureza ambiguas ;
e isto bastaria para se deverem evitar, ou explicar,
bem como quando digo, O amor de Deos, devo
fazer ver se he o amor que tenho a Deos, ou o
que elle me tem
. Tambem usamos dos primitivos com
a preposição de nestas exclamações Ai de mim ! Infeliz
de ti ! Coitado d’elle
 ! Mas aqui a preposição
com seu consequente he hum complemento não restrictivo,
mas circunstancial do verbo, Falo, que por
ellipse se entende, como : Ai ! de mim falo, &c.

Sobre a outra questão, agitada entre nossos Grammaticos,
se os Possessivos tem vocativo ou não ? ella
he mais questão de nome do que de realidade. O vocativo
na Lingua Portugueza he sempre hum nome
de huma segunda pessoa ou couza personificada, com
quem se fala. O Possessivo pois da 3.ª pessoa repugna
sempre a esta relação. O da 2.ª he de sua mesma
natureza vocativo, e ajuntar-lhe a Interjeição vocativa
seria hum pleonasmo. O da 1.ª não repugna a isso,
hindo depois do appellativo, que apostrophamos ; Alma
minha gentil, que te partiste
disse Camões. Passemos
ja aos outros Determinativos da nossa Lingua.

§. III.
Dos Determinativos Demonstrativos, Puros,
e Conjunctivos.

Os Determinativos Demonstrativos são aquelles,
que determinão e applicão os nomes appellativos a
certos individuos, indicando-os, e mostrando-os pela
Localidade da sua existencia. Destes ha duas especies.
161Huns são puramente Demonstrativos, e outros Demonstrativos
e Conjunctivos ao mesmo tempo.

Os Demonstrativos Puros mostrão e apontão os
objectos presentes pelo lugar, menos ou mais distante
em que estão, ou no espaço, ou no discurso, ou
na ordem dos tempos ; e bem assim o lugar e relação,
que tem por ordem á pessoa que fala, áquella com
quem se fala, e á de quem se fala.

Queremos nós por ex. determinar hum objecto,
presente pelo lugar, que occupa, juncto a nós que falamos,
ou em que o puzemos no discurso, falando
delle ? Dizemos : Este homem, Esta mulher, Isto,
que acabamos de dizer
. E se na mesma situação estão
dous objectos, que queremos mostrar, dizemos :
Este homem, Est'outro homem.

Queremos outrosi mostrar hum objecto presente,
porêm mais distante, e immediato a outra pessoa,
com quem falamos ? Dizemos : Esse homem, Essa
mulher, Isso que dizes
 ; e se são dous os que se achão
na mesma situação, e que queremos indicar, ajuntamos
Esse homem, Ess’outro homem, Essa mulher,
Ess’outra mulher
.

Queremos em fim determinar hum objecto presente,
porêm mais remoto que os antecedentes, e com
relação a huma terceira pessoa, ou couza, da qual
se fala ? Dizemos : Aquelle homem, Aquella mulher,
Aquillo, que ao principio se disse
 ; e se com este objecto
se acha outro na mesma situação, que tambem
queremos indicar, ajuntamos : Aquelle homem, Aquell’outro
homem, Aquella mulher, Aquell’outra mulher
.
Exemplos.162

Que julgas d’outro louro Menelaó,
Que, com seu corpo e rosto, capitão
Se faz famoso mais que Agesiláo ?
Que da carranca deste ? Da tenção
Daquelle ? Dos espritos, do desejo,
Dos fumos daquelloutro, e opinião ?
Estas são as diffrenças do que vejo. (1)6

A quem trarão
Rosas a rôxa Cloris,
Conchas a branca Doris,
Estas, flores do mar,
Da terra aquellas. (2)7

As variações genericas, e numeraes destes tres demonstrativos
se vem na taboa seguinte.

Singular. | Plural.

M. | F. | N. | M. | F.

1ª | Êste / Estoutro | Ésta / Estoutra | Isto (Ésto. ant.) | Estes / Estoutros | Éstas / Estoutras

2ª | Êsse / Esseoutro | Éssa / Essoutra | Isso (Ésso, ou Ello ant.) | Êsses / Essoutros | Éssas / Essoutras

3ª | Aquêlle / Aquelloutro | Aquélla / Aquelloutra | Aquillo (Aquillo ant.) | Aquêlles / Aquelloutros | Aquéllas / Aquelloutras.

Os Demonstrativos Neutros, que nossos Antigos
tomarão da Lingua Castelhana, em que ainda
163subsistem, a saber Esto, Esso, Ello, Aquello, e que o
uso mudou em Isto, Isso, e Aquillo, não tem plural,
e chamão-se Neutros, não porque tomem esta fórma
para, á maneira dos adjectivos Latinos, concordarem
com substantivos neutros : mas porque servem
para mostrar couzas, acções, ou sentidos, que
não tendo genero algum nem masculino, nem feminino
(os quaes so competem aos nomes substantivos)
vem a ser neutros, isto he, de nenhum genero, como :
Isto, que digo, he certo ; Isso que tu disseste, não
o he ; Aquillo he bem dicto
. Estes são os nossos Demonstrativos
puros : vamos aos Demonstrativos Conjunctivos.

Nós temos quatro Demonstrativos Conjunctivos,
que são Qual, Quem, Cujo, Que. Chamão-se Demonstrativos,
porque, assim como os Demonstrativos
puros indicão os objectos pela sua localidade ; a sim
estes os mostrão pela sua antecedencia immediata ;
que por isso os Crammaticos commummente lhes dão
o nome de Relativos, porque se referem a couza antecedente.
Porêm este mesmo nome se deveria dar aos
Pronomes e aos mesmos Demonstrativos puros, quando
se referem a couzas antecedentemente dictas no discurso,
como succede a cada passo. Contentemos-nos
pois com o nome de Demonstrativos, que convem a
todos elles ; e mostremos a sua differença especifica, que
he o em que mais devião cuidar os mesmos Grammaticos,
a qual consiste em estes serem demonstrativos
e ao mesmo tempo Conjunctivos.

Chamão-se Conjunctivos estes demonstrativos para
differença dos demonstrativos puros ; porque atão as orações,
na frente das quaes se achão, com a antecedente,
e fazendo-as parte da mesma, ou como incidentes,
ou como integrantes. Neste periodo, por ex.
“ Qual he a couza, que póde faltar a quem tem por
seu hum Deos, cujo he tudo, quanto ha no ceo,
164e na terra ? ” O primeiro demonstrativo conjunctivo,
feito interrogativo pela ausencia do Artigo, ata
a sua oração com huma antecedente, que por ellipse
se lhe entende, e he Dize-me a couza, a qual &c.
O segundo Que, referindo-se ao substantivo Couza,
seu antecedente, liga ao mesmo tempo a proposição,
a que dá principio, fazendo-a incidente da principal,
que lhe precede. O terceiro Quem, não so denota
hum substantivo occulto, porque val o mesmo que
Qual pessoa : mas conjuncta ao mesmo tempo a proposição,
em que está, com a antecedente, para ser
o complemento objectivo do verbo Faltar, e
integrar-lhe por este modo o sentido. Em fim o quarto Cujo,
concordando com a couza possuida Tudo, &c. não so
se refere ao possuidor antecedente, que he Deos ; mas
ata ao mesmo tempo a oração, em que está com a
mesma palavra Deos, attributo da oração antecedente,
á qual serve de incidente explicativo. Mas tudo
isto se verá melhor, discorrendo por cada hum destes
quatro Demonstrativos Conjunctivos, e observando os
seus usos e propriedades.

Qual.

Este adjectivo, dirivado do latino Qualis, per
si sem additamento algum, he hum adjectivo de comparação,
que suppõe sempre antes de si o outro adjectivo
comparativo Tal, como Tal, qual he, eu to
offereço
. Muitas vezes se supprime este primeiro comparativo,
mas sempre se entende nestas e semelhantes
expressões : Qual o Leão quando arremete : Todos
concorrerão para isto, qual mais, qual menos
, e
em Camões Lus. VI. 64.

Qual do cavallo voa que não dece ;
Qual c’o cavallo em terra dando, geme ;
165Qual vermêlhas as armas faz de brancas ;
Qual c’os penachos do elmo açouta as ancas,
e Hião as Nymphas, a qual mais formosa, &c.

Pois he o mesmo que dizer : Tal, qual o Leão,
&c. Hum tal, qual eu não digo
, mais ; outro tal,
qual eu não digo, menos. = Hum tal, qual eu não
digo
, do cavallo voa &c. Outro tal, qual eu não digo,
c’o cavallo &c. e Hião as Nymphas, á porfia, ou
competencia, qual mais formosa.

Pelo que, para o Qual Conjunctivo se não confundir
com o Qual comparativo, costuma sempre a
nossa Lingua, como tambem as outras vulgares, faze-lo
acompanhar do Artigo, dizendo no singular, para
o masculino e neutro O qual, e para o feminino
A qual ; e no plural Os quais, As quais. Disse que
O qual no singular serve para o masculino e neutro ;
porque bons Auctores nossos, como Fernão Mendes,
Barros, Sá Miranda, e outros, usão a cada passo no
principio dos periodos de Do qual, Pol’o qual em
lugar de Do que, Polo que, no qual caso so se póde
referir a todo o sentido da oração, ou orações antecedentes,
o qual não tem genero, nem o póde ter.

Outra propriedade deste Conjunctivo he poder-se
juntar com o substantivo antecedente, com quem concorda,
fazendo-o subsequente, como O qual homem,
A qual mulher
. O Conjunctivo Cujo, Cuja, Cujos,
Cujas
tambem concorda, mas nunca com o nome
antecedente do possuidor, a que se refere, porêm sempre
com o nome subsequente da couza possuida.

Quem.

Este Demonstrativo Conjunctivo, contrahido de
Qu’homem, feita a syncope do hom, assim como Alguem,
Nimguem, Outrem, de Alg’omem, Ning’omem
,
166Outr’omem ; ordinariamente não se diz se não de pessoas,
ou de couzas personificadas, como Pedro foi,
quem fez isto, A mãi de quem sou filho
. Mas algumas
vezes abusivamente se emprega, referindo-se tambem
a couzas, como em H. Pinto. As boas arvores
dão bom fruto, e as más como quem são
. Este demonstrativo
he indeclinavel, e serve, como o Que para
todos os generos e numeros, e nunca admitte Artigo.

Cujo.

Este Demonstrativo Conjunctivo exprime a relação
de huma couza possuida, ou pertencente a outra, que
a possue, ou a quem pertence. Bem como os Possessivos,
divididos nas suas duas syllabas, a primeira Cuj
he relativa ao Possuidor, e a segunda variavel segundo
os generos, e os numeros, he relativa á couza possuida,
com a qual, por isso, sempre concorda. Assim
Cujo, Cuja, Cujos, Cujas, valem o mesmo que Do
qual, Da qual, Dos quaes, Das quaes
, com a differença
porêm, que estes referem-se e concordão sempre
com hum substantivo antecedente ; aquelles porêm referem-se
sim a huma pessoa, ou couza antecedente,
mas concordão sempre com o substantivo da couza
possuida ou pertencente, que se lhe segue immediatamente.
Exemplos : Pedro, de cuja casa venho, isto
he, da casa do qual venho. A arvore, cujo fructo
Eva comeu, isto he, o fructo da qual Eva comeu
.
Restituir a couza a cuja he, isto he, á pessoa de
quem he. Ter cujo, ser cujo
he ter dono, ou ser
dono, a quem pertence.

Donde se vê que he erro o dizer : Hum Sujeito,
cujo mora em tal lugar, em vez de o qual mora
em tal lugar. Dos mesmos exemplos se vê outro sim,
que quando usamos de Cujo, o substantivo da couza
possuída, com quem concorda, sempre se lhe segue
167immediatamente Cujo fructo, Cuja casa. Quando porêm
usamos Do qual, o mesmo substantivo da couza
possuida sempre lhe precede, e o relativo não concorda
com elle, mas com o nome do possuidor, que
vem a traz. O fructo da qual, Da casa do qual.
Quando usamos de Cujo, Cuja, ou so, ou com preposição
sem o possuidor expresso, este sempre se lhe
entende. Assim Ter cujo, ser cujo he ter senhor, cujo
he, e ser o senhor, cujo he ; e restituir a couza
a cuja he
, he o mesmo que restituir a couza ao
dono
, cuja ella he. Veja-se Syntaxe Cap. II. Art. III.

Que.

He outro Demonstrativo Conjunctivo, que, sendo
indeclinavel, serve para todos os casos, generos,
e numeros ; mas o que caracteriza mais este Conjunctivo
he servir ordinariamente para ligar as proposições
incidentes com as principaes, e sempre as integrantes
com as totaes. Quando elle liga as orações incidentes,
humas vezes he Explicativo, se o que affirma
a oração incidente se acha ja incluido na idea do sujeito,
ou do predicado da oração principal, e o
Que por conseguinte se póde mudar na causal Porque :
outras vezes Restrictivo, se o que a proposição incidente
affirma he hum accessorio novo, e não comprehendido
nos termos da oração principal ; e o Que se
pode mudar em alguma das conjuncções restrictivas
Se, Quanto, &c. Exemplo : O homem, que foi creado
para conhecer e amar a Deos, deve fugir de tudo
,
o que o pode apartar deste conhecimento e amor.
Onde o primeiro Que he explicativo, e se póde mudar
em Porque, e o segundo restrictivo, e por isso se
póde substituir com Quando.

O mesmo Conjunctivo Que he sempre o que ata
as proposições integrantes, ou do Indicativo, ou do
168Subjunctivo com o verbo da oração principal, a o
qual servem de complemento objectivo, como : Mando
que faças, Digo que podes
. O mesmo Que he
outro sim sempre obrigado, todas as vezes que a oração
principal se faz com o verbo substantivo em huma
ordem inversa da grammatical, pondo-o no fim,
como : Em Deos he que devemos pôr todas nossas esperanças.

Nestas e semelhantes orações he tão notavel a força
conjunctiva do Demonstrativo Que, que muitos quizerão
fosse então mero Conjunctivo, e não Demonstrativo.
Porêm entendendo-se-lhe antes o Demonstrativo
neutro Isto, que nestes casos he o seu antecedente natural,
a que se refere ; se vê que não somente he Conjunctivo,
mas tambem Relativo, e por consequencia
Demonstrativo.

Sobre a Syntaxe de todos estes Demonstrativos
Conjunctivos he bom observar que todos elles podem
ser sujeitos, mas so das orações parciaes, quer incidentes,
quer integrantes, e nunca das principaes. Se
elles ás vezes começão o periodo, he sempre por ellipse,
entendendo-se-lhes d’antes os Demonstrativos puros.
Quando, por ex. digo Pol’oque, Do que se segue,
Os que se salvão são poucos
 ; he o mesmo que dizer :
Por isto, ou Disto que acabo de dizer = Os
homens que se salvão são poucos. Para sujeito das orações
incidentes, Que he ordinariamente preferivel a
Qual, excepto quando o Que, por não ter nem generos
nem numeros, póde causar alguma ambiguidade,
ou fastio por se ter repetido muitas vezes. Assim
he melhor dizer : Deos, que creou o Ceo e a Terra,
do que Deos, o qual creou o Ceo e a Terra. Porêm
dizendo : A desobediencia dos Israelitas ás ordens de
Deos
, a qual he materia continua das queixas de
Moises
= e Certas plantas, as quaes nada tem, que
as distingua
 ; se em lugar de Qual puzessemos Que,
169a primeira oração ficaria equivoca, e a segunda enfadonha
pela repetição de hum Que ao pé d’outro.

Quando porêm o Conjunctivo Que com sua oração
he Complemento Objectivo da acção do Verbo,
então he regra geral usar sempre delle, e não de Qual.
Pelo que qualquer estranharia estas expressões : O homem,
o qual Deos creou á sua imagem : A mulher,
a qual Deos formou para companheira do homem.
Substituindo-lhes porêm Que em lugar de Qual, ficão
boas.

Em fim alguns pertendem que estes Demonstrativos
Conjunctivos, quando são interrogativos, perdem sua
qualidade de relativos, e se fazem absolutos. Porêm a
interrogação, assim como não faz perder ás outras
palavras a sua natureza, tambem a não deve fazer
perder aos relativos. Estes sempre o são ; porque sempre
se lhes entende seu antecedente. Por ex. quando
digo : Quem são os ricos neste mundo ? Os que tem
muito
 ? Não. He o mesmo que se dissesse : Dize-me
os homens
que são ricos neste mundo ? Os homens
por ventura
, que tem muito ? Não. Até aqui tractámos
dos Adjectivos Determinativos, que individuão
os Appellativos pelas suas qualidades particulares. Passemos
ja á segunda classe dos Determinativos de Quantidade.

§. IV.
Dos Determinativos de Quantidade.

Os Determinativos de Quantidade são os que
determinão e applicão os nomes appellativos aos individuos
da sua especie, indicando estes, não ja pelas
suas qualidades como os antecedentes, mas pelo seu
numero. Ora esta applicação pode-se fazer ou a todos
os individuos da especie ou a huma parte delles somente.
170Daqui a divisão mais geral destes Determinativos
em Universaes, e em Partitivos.

Os universaes ou são Positivos, porque affirmão
alguma couza de todos os individuos, ou Negativos,
porque a negão dos mesmos. Os primeiros ou affirmão
alguma couza de todos os individuos, considerados
junctos e em multidão, e então chamão-se Collectivos :
ou considerados separadamente e cada hum de
per si, e chamão-se Distributivos.

A Lingua Portugueza não tem se não hum Collectivo
universal, que he no singular Todo para o genero
masculino, Toda para o feminino, e Tudo para
o neutro ; e no plural Todos para o masculino, e Todas
para o feminino. Não he determinativo se não
quando precede o nome appellativo : v. g. Todo homem
he mortal
. Quando se lhe segue, he hum adjectivo
explicativo, que val o mesmo que Inteiro ; razão porque
a mesma proposição, de verdadeira passa a falsa,
dizendo : O homem todo he mortal. Se digo no singular
Todo o homem he mortal, o appellativo Homem
he tomado distributivamente por Cada. Se digo no
Plural Todos os homens mentem ; toma-se collectivamente,
e então sempre leva o Artigo depois de si. Usamos
do distributivo nas proposições metaphysicamente
certas, e do collectivo nas que o são moralmente.

Este Determinativo universal tem huma terminação
neutra Tudo ; porque esta nunca concorda com
substantivo algum, mas so com as couzas, que não
tem genero, ou não lho queremos dar, como : Os Pyrrhonicos
duvidão de tudo. Tudo está bem feito
. A terminação
masculina Todo tambem se neutraliza, substantivando-se
por meio do Artigo, como O todo deste
quadro, O
todo deste discurso está bem feito.

Os universaes Distributivos são tres, hum simples
e indeclinavel, que serve so para o singular e para
todos os géneros, que he Cada, e dous compostos
171dos Demonstrativos Quem, Qual, e de Quer, terceira
pessoa do presente Indicativo do verbo Querer, a saber :
Quemquer, Qualquer. Quemquer he indeclinavel,
tem so singular, e diz-se so de pessoas ; Qualquer
diz-se tanto de pessoas, como de couzas, e he declinavel
por numeros somente, como Qualquer pessoa,
Quaesquer couzas
.

O Distributivo Cada he sempre relativo, e suppõe
antes de si huma proposição universal collectiva, clara
ou occulta, que elle distribue pelos individuos comprehendidos
na mesma proposição para distinguir as
suas differenças, quanto ao attributo que de todos se
affirma collectivamente. Os Distributivos Quemquer,
Qualquer
, são absolutos, porque não se referem a
outra proposição. Elles mesmos fazem a proposição,
e a distribuem. Estas proposições, por ex. Quemquer
póde dizer, Qualquer couza se póde dizer
,
equivalem a estas Todo homem póde dizer, Tudo se
póde dizer
.

O Distributivo Cada porêm considera as partes
de hum todo, quaesquer que ellas sejão como outras
tantas unidades proporcionaes, para por ellas distribuir
o attributo da proposição. Assim se ajunta elle, ja aos
appellativos, Cada homem, Cada casa, Cada cidade,
Cada nação
 ; ja aos numeraes, Cada hum, Cada
dous, Cada tres, Cada cento
 ; ja aos parritivos Cada
qual
. As partes suppõem o todo, e o distribuitivo das
mesmas suppõe a proposição universaI collectiva. Pelo
que, quando digo : Cada homem tem seu genio, Cada
terra tem seu uso
 ; He o mesmo que se dissesse :
Todos os homens tem genios, cada qual o seu  ;
Todos as terras tem usos, cada huma o seu
.

Daqui se vê, que a palavra Cada he hum verdadeiro
adjectivo indeclinavel, que determina os nomes
appellativos a tomarem-se em hum sentido distributivo
por ordem á porção, que do attributo lhes compete.
172Não póde por tanto ser Preposição, em cuja classe
a põe a Grammatica da Lingua Castelhana da Academia
Real Hespanhola
Part. I. Cap. IX. Porque o
sujeito da oração nunca póde levar preposição ; e levalahia,
se Cada o fosse nos exemplos acima.

Todos estes Determinativos acima são universaes
Positivos, e ou sejão Collectivos, ou Distributivos,
todos fazem as proposições universaes affirmativas. Os
que se seguem, são universaes Negativos ; porque fazem
as proposições universaes negativas. Destes temos tres,
a saber : Nenhum, Ninguem, Nada.

Nenhum he hum adjectivo composto do adverbio
Nem e do numeral Hum ; e assim recebe delle as mesmas
terminações, no singular para o masculino Nenhum,
e para o feminino Nenhuma ; e no plural para
os mesmos generos Nenhuns, Nenhumas. Mas nem
por isso val o mesmo assim composto, que os seus
simples separados Nem hum. Do primeiro modo póde
negar a totalidade moral somente ; do segundo nega a
totalidade physica. Não ha nenhum que obre bem póde
entender-se da universalidade moral, que póde ter
alguma excepção : Não ha nem hum que obre bem
exclue esta mesma excepção.

Ninguem he tambem composto de Nem e Alguem.
He do singular, e indeclinavel, e diz-se so de
pessoas, e não de couzas, como : Ninguem está isento
de vicios
, que quer dizer Nenhuma pessoa está isenta
de vicios
. Na nossa Lingua Nenhum, Ninguem,
vindo antes do verbo, exclue qualquer outra negação
depois delle. Porêm hindo depois do verbo, não exclue
outra negação antes delle, e val então por Algum,
Alguem
. Assim, se em lugar de dizer : Hum
espirito preoccupado não se rende a pessoa alguma
,
eu dissesse ; Hum espirito preoccupado não se rende
a ninguem
 : ainda que o primeiro modo he mais Portuguez,
o segundo não deixa de ser authorizado pelo
173uso, e empregado por bons AA. Ja Nenhum, acompanhado
de outra negação antes do verbo, he hum
idiotismo Francez, que alguns dos nossos Escriptores
imitárão, como : Mas nenhum mal não he crido : O
bem so he esperado
. Porêm semelhantes exemplos são
mais para notar, que para seguir.

Nada tambem he sempre do singular, indeclinavel,
e diz-se so de couzas, e de couzas indeterminadas,
que não tem genero algum ; que por isso he neutro.
Ex. A consciencia, que de nada se culpa, de nada
se teme. Não admitte Artigo, como nem tão pouco
os mais universaes Negativos. Quando o tem, se tomão
substantivamente ; como quando dizemos : He hum
ninguem, He hum nada, O mundo foi tirado do nada,
Huns nadas
.

Passando agora dos Determinativos universaes aos
Partitivos ; estes são os que fazem as Proposições particulares,
applicando o nome appellativo, não á totalidade
dos individuos, que elle comprehende ; mas a
huma parte della, para sobre esta so cair o attributo
da proposição. Esta parte, ou he vaga e indeterminada,
ou determinada e exacta ; e daqui a distincção
dos Partitivos em Indefinitos e Definitos.

Principiando pelos Indefinitos, a parte indeterminada,
que elles extrahem da totalidade dos individuos
de huma classe, póde ser ou hum so individuo, ou
dous, ou muitos, ou ora hum, ora muitos. Assim são
elles ou Singulares, ou Duaes, ou Pluraes, ou Communs
a hum e outro numero.

Nós temos quatro Partitivos Singulares, a saber :
Alguem, Outrem, Fulano, Sicrano. Os primeiros
dous são indeclinaveis, dizem-se so de pessoas, e
valem o mesmo que Algum homem, Alguma pessoa,
Outro homem, Outra pessoa
. Os segundos tambem
se dizem so de pessoas, porêm são declinaveis por generos
Fulano, Fulana, Sicrano, Sicrana. O primeiro
174diz-se de huma pessoa indeterminada e vaga, que
se não nomea, nem póde nomear : Alguem ha que
diz
. O segundo diz-se tambem de huma pessoa indeterminada,
mas segunda na ordem, e sempre com relação
a outra primeira : Não fazer mal a outrem. O
terceiro diz-se de huma pessoa tambem indeterminada ;
porêm que se póde nomear, se se quizer : Fulano disse
isto
. E o quarto diz-se de huma segunda pessoa innominada,
e relativa á primeira, porêm que se póde
nomear, Sicrano disse essoutro.

Os Partitivos Duaes são os que da totalidade
dos individuos da mesma classe não extrahem se não
dous individuos, ou duas collecções delles, e isto, ou
collectivamente, como : Ambos, Ambas ; ou distributivamente,
como : no singular Outro para o masculino,
Outra para o feminino, e o antigo Al para o
neutro ; e no plural Outros, Outras para o masculino
e para o feminino. Une-se para a distribuição com o
partitivo Hum em lugar de Algum, como : Hum e
Outro, Huns e Outros. Ex. S. Pedro e S. Paulo consummárão
ambos em Roma o seu martyrio no mesmo
ano e no mesmo dia
, hum pela cruz, outro pela
espada
. A terminação neutra Al, formada do Aliud
Latino, he antiga, porêm não antiquada. Na linguagem
forense ainda se diz : Al não disse, isto he
outra couza não disse mais ; e na proverbial Al,
he martelar em ferro frio
.

Os Partitivos Pluraes são os que extrahem da
totalidade dos individuos huma parte, que consta de
muitos indeterminadamente. Temos dous, hum collectivo
que he Muitos, Muitas, e outro distributivo
que he Os Mais, As Mais, sempre com o Artigo.
Ex. De cem soldados cincoenta ficárão mortos no
campo ; dos outros cincoenta
muitos ficárão feridos,
os mais fugírão. O Distributivo Mais sempre o he
de hum resto, relativo a outra parte antecedente.175

Em fim os Partitivos communs, tanto ao singular,
como ao plural, são os que extrahem da totalidade
dos individuos, ja hum, ja muitos indeterminadamente.
Temos tres desta especie, a saber : no singular
Algum para o masculino, Alguma para o feminino,
e Algo (antigo) para o neutro ; e no plural
Alguns para o masculino, e Algumas para o feminino,
como : Alguns homens ha. Quando com este verbo
impessoal da terceira pessoa do singular se ajuntão
appellativos do plural, como Homens ha, Ha annos
&c. sempre se lhes entende o partitivo Alguns, e he
o mesmo que Alguns homens ha, Ha alguns annos.
O mesmo se entende nestes demonstrativos com preposição
D’elles, D’ellas, de que usão nossos Antigos
ainda como sujeito da oração.

Com colera mil corpos derrubando,
D’elles mortos, e d’elles mal feridos
. (1)8

Isto he : alguns delles mortos, alguns delles mal
feridos
.

O Partitivo Algum, Alguns applica o nome
commum a huma parte de seus individuos tão vaga
e indeterminadamente, que não os poderíamos nomear,
ainda que quizessemos. Porêm o Partitivo Certo, Certa,
Certos, Certas
applica o nome commum a huma
parte de seus individuos, que deixamos sim indeterminados,
porem que poderiamos individuar, se quizessemos.
Certo homem, Certa mulher são individuos,
para mim certos, mas que quero deixar em incerteza
para as pessoas, com quem falo. Este adjectivo
como Determinativo precede sempre ao substantivo,
se se põe depois, he hum adjectivo explicativo,
176e significa então couza verdadeira, como : He couza
certa
.

Em fim o terceiro Partitivo commum a ambos os
numeros he o adjectivo Tal no singular, e Taes no
plural para ambos os generos. Tal semea, que muitas
vezes não colhe
 ; ou Taes semeão, que &c. A terminação
do singular serve tambem para o genero neutro,
como : Tal não ha, Não faças tal. Este partitivo
tem differença dos antecedentes em determinar sempre
os individuos com relação a outros occultos, dos
quaes se extrahem, ou de que ja se falou.

Restão os Partitivos de Quantidade certa e determinada,
chamados por isso Definitos, ou Numeraes.
Estes são de quatro modos ou Cardeaes, ou
Ordinaes, ou Multiplicativos, ou Fraccionarios.

Os Cardeaes, assim chamados, porque são os
fundamentaes e primitivos de quasi todos os outros,
exprimem simplesmente o numero das unidades ou individuos ;
taes como, Hum Huma, Dous Duas,
Tres, Quatro, Cinco, Seis, Sete, Outo, Nove,
Dez, Cem, Mil
, e todos os mais, compostos
destes. Todos estes adjectivos são invariaveis
menos o primeiro, e o segundo, e os compostos do
substantivo Cento, como Duzentos, Trezentos homens,
&c.

Os Ordinaes, assim chamados, porque determinão
os individuos pela ordem, em que hum numero
está para outro, tem terminações genericas e numeraes.
Taes são Primeiro Primeira, Primeiros Primeiras,
e por este mesmo modo Segundo, Terceiro,
Quarto, Quinto, Sexto, Septimo, Oitavo, Nono,
Decimo
, &c.

Os Numeraes Multiplicativos designão os individuos
pela determinação numerica da quantidade, que
resulta de sua multiplicação. Taes são os adjectivos,
Simples (tomado como uniplo), Duplo, ou Duplicado,
177ou Dobrado, Triplo, ou Triplicado, ou Tresdobrado,
Quadruplo, Quintuplo
, &c.

Finalmente os Numeraes Fraccionarios são os
que determinão os individuos pelo numero das partes,
ou fracções, em que se divide hum todo, ou a unidade
concreta. Elles não tem differença dos Numeraes ordinaes,
quanto ao material do vocabulo, se não o terem
so terminação feminina, por concordarem sempre
com o substantivo Parte, ou Fracção, claro ou occulto.
Mas quanto ao sentido differem muito ; porque
aqnelles indicão so a ordem, e estes a quantidade total
das fracções. Todas as vezes que queremos indicar
somente huma quota parte ; usamos destes adjectivos
femininos, e sempre com Artigo, como : A Quarta,
a Quinta, a Oitava, a Decima, a Duodecima : e
com os Cardeaes Huma Quarta, Duas Sexmas, Tres
Oitavas, Quatro Décimas partes
&c.

Artigo II.
Dos Adjectivos Explicativos, e Restrictivos.

Dos Adjectivos Determinativos passemos aos Explicativos,
e Restrictivos. Huns e outros são mui differentes.
Os primeiros, como vimos, individuão os appellativos,
os segundos qualificão-os. Aquelles precedem
sempre os substantivos, estes ordinariamente seguem-os.
Aquelles não recebem gráos de augmento
na sua significação, nem absolutos, nem comparativos,
estes sim. Aquelles são poucos em numero, estes
infinitos.

Os Adjectivos Explicativos, e os Restrictivos tem
isto de commum, que ambos modificão o substantivo,
a que se ajuntão : porêm tem caracteres proprios, que
os distinguem.

Os Explicativos não accrescentão á significação de
178seu substantivo idea alguma nova, e o que fazem so,
he desenvolver as que o mesmo substantivo contêm na
sua noção, ainda que confusamente. Os Restrictivos
porêm accrescentão ao appellativo huma idea nova,
não comprehendida na sua significação, pela qual esta
fica restringida a hum menor numero de individuos.
Quando por ex. digo : Deos justo ; o adjectivo Justo
he explicativo ; por que modifica o substantivo Deos
com huma idea, que ja tinha. Quando porêm digo :
Homem justo ; o mesmo adjectivo ja não he explicativo,
mas restrictivo ; porque a idea de justiça não se
contêm necessariamente na idea de homem ; e por tanto
restringe a classe mais geral dos homens todos á
mais particular dos homens justos, que são poucos.

Daqui vem 1.° que, como os individuos são o
que são, nem mais nem menos, e por consequencia
não se podem restringir ; todos os adjectivos, que modificão,
ou nomes proprios, ou ja individuados pelos
Determinativos Pessoaes, e Demonstrativos, nunca
podem ser restrictivos, e são sempre explicativos de
alguma qualidade existente nos mesmos individuos.
Por ex. nestas orações Deos justo castiga os impios
= Esta terra, que habitamos, he redonda
, os
adjectivos Justo, Redonda, são explicativos ; porque
não fazem outra couza se não desenvolver a idea de
Justiça, incluida na de Deos, é a de Redondeza,
incluida na da terra, que habitamos, e assim qualquer
outro adjectivo.

2.° Que todas as vezes que a hum appellativo se
ajunta hum adjectivo para o modificar, se elle exprime
huma qualidade constante e essensial á noção, significada
pelo nome commum, he sempre explicativo ;
e he pelo contrario restrictivo, se a qualidade, que elle
exprime, he accessoria e accidental, Assim nestas expressões
Homem mortal, Homem justo, o adjectivo
Mortal, aposto ao appellativo Homem, he explicativo,
179porque ja se comprehendia na sua noção ; porêm
o adjectivo Justo, he restrictivo ; porque na idea de
Homem não se inclue a idea de Justiça, que lhe he
accessoria, e por isso restringe a noção da Especie
Humana mais geral á particular dos Homens justos.

3.° Que todo o adjectivo, apposto a hum nome,
equivalendo a huma Proposição Incidente, ou explicativa
ou restrictiva, quando elle he explicativo, se póde
resolver por huma proposição com a causal Porque,
e quando he restrictivo, se póde resolver por outra
proposição, porem com as conjuncções restrictivas
Se, Quando. Exemplo ; Deos justo castiga os máos,
onde o adjectivo Justo, apposto ao nome proprio
Deos, he explicativo, e por isso se póde resolver por
esta proposição. Deos, porque he justo, castiga os
máos
. E quando digo : O homem justo dá a cada
hum o que he seu
 ; o adjectivo Justo, apposto ao
appellativo Homem, he restrictivo, e por isso se deve
resolver por esta proposição : O homem, quando he justo,
dá a cada hum o que he seu
.

4.° Que todo adjectivo explicativo apposto, ou a
proposição em que se resolve, se póde tirar da oração,
onde está, sem prejuizo de sua verdade ; o adjectivo
restrictivo, não. Eu posso dizer com verdade :
Deos castiga os máos ; mas ja não posso com a mesma
dizer : O homem dá a cada hum o que he seu.

5.° Que os adjectivos explicativos não sendo outra
couza se não os mesmos nomes ou proprios, ou communs,
explicados ; he indifferente pol-os, ou antes, ou
depois dos substantivos, com que concordão. Posso
dizer : O rico Lucullo, ou Lucullo o rico = A inconstante
fortuna
, ou A fortuna inconstante.

Ja com os restrictivos corre outra regra. Como a
restricção suppõe dantes a couza, que se restringe ;
devem por via de regra hir adiante dos appellativos :
tanto assim, que pondo-se antes, fazem tomar o nome
180me commum em hum sentido individual. Se digo : O
homem rico
, entendo todo homem, que he rico ; se
digo porêm : O rico homem, faço entender que falo de
hum certo homem rico. O mesmo succede, se digo :
O homem pobre, ou O pobre homem. Taes são os
caracteres notaveis, que distinguem os adjectivos explicativos
dos restrictivos,

A’ classe destes restrictivos pertencem muitos nomes,
que significão varios estados accidentaes do homem,
os quaes nomes pondo-se ordinariamente sos na
oração como os substantivos, e muitas vezes sendo
accompanhados de adjectivos, que os modificão, derão
occasião á duvida entre os Grammaticos, se pertencem
á classe dos substantivos, se á dos adjectivos.
Taes, por ex., são os nomes Cortezão, Philosopho,
Irmão, Peão, Pintor, Rei, Soldado
, e outros muitos
deste genero.

Para decidir se estes e outros nomes semelhantes
são substantivos, ou adjectivos, observaremos 1.° se
elles recebem terminações femininas ; ou se tendo huma
so terminação, se ajuntão ja com o Artigo masculino,
ja com o feminino ; e neste caso devem ser
contados como adjectivos. Assim, porque dizemos Pintor
Pintora, Cortezão Cortezã, Peão Peã, Orfão
Orfã, Irmão Irmã
, da mesma sorte que Lavrador
Lavradora, Vencedor Vencedora, Christão Christã
 ;
ha a mesma rasão para pôr todos estes nomes na classe
dos adjectivos, como tambem os nomes chamados
communs de dous, Artifice, Interprete &c. Porque
dizemos O artifice, e A artifice, O interprete, e
A interprete, &c.

Observaremos 2.° se o uso da Lingua costuma
algumas vezes ajuntar, ou soffre que a estes nomes se
ajuntem os appellativos Homem, Mulher, Couza : e
juntando-se, he signal que são adjectivos. Eu posso dizer
Homem Philosopho, Homem Soldado, Homem Cortezão,
181como digo Homem sabio, Homem militar,
Homem pagão
 ; e ja não digo Homem Rei, Mulher
Rainha, Homem Magistrado
. Aquelles pois são adjectivos,
estes não.

Observaremos em 3.° lugar, se a significação do
nome he susceptivel de gráos de augmento e diminuição ;
e sendo-o he signal de ser adjectivo ; porêm do
contrario não se segue que o deixe de ser. Porque ha
muitos nomes realmente adjectivos, que não são susceptiveis
deste augmento, como mais adiante veremos.
A propriedade de poder receber gráos na sua significação,
da qual estão excluidos os Adjectivos Determinativos,
he commum aos Explicativos e Restrictivos,
como tambem a de serem susceptiveis de terminações,
e inflexões genericas, como vamos a vêr nos dous
§§ seguintes.

§. I.
Dos gráos de augmento na significação dos Adjectivos
Explicativos e Restrictivos.

A maior, ou menor intensidade da qualidade exprimida
pelo adjectivo, fórma huma especie de escada,
cuja base e assento he a significação do mesmo
adjectivo, que por isso a este respeito se chama então
Positivo. Este não tem gráos ; mas delle começão, e
vão subindo até o supremo, e deste descem até o infimo.
Estes dous gráos extremos de intensidade são
os que nós chamamos Superlativos. Entre elles ha outros
para subir, e para descer, que se podem chamar
Augmentativos ; porque augmentão a significação
do Positivo ou para mais ou para menos. O nome
de comparativos, que os Grammaticos lhes tem
dado, he improprio.

Porque todos estes gráos podem ser ou Absolutos,
182ou Comparativos. Os absolutos exprimem a
maior, ou menor intensidade da qualidade dentro do
mesmo sujeito, que o adjectivo positivo qualifica : os
Comparativos porêm exprimem o excesso ou parcial,
ou total da qualidade de hum sujeito com relação a
outro. Se digo : O Sol está brilhante, Está mui brilhante,
Está brilhantissimo
 ; estes gráos são absolutos ;
porque não saem do mesmo objecto para o comparar
com outro. Ja se digo : O Sol he tão brilhante
como as Estrellas, He mais brilbante que ellas,
He o mais brilhante dos astros
 ; estes grãos são comparativos,
porque considerão o excesso desta qualidade
no Sol relativamente aos mais astros : Os nossos
Grammaticos não fizerão até agora esta distincção dos
sentidos graduaes, ja feita por outros, e bem preciza.
Ha pois Positivos Absolutos, e Positivos Comparativos ;
augmentativos Absolutos, e Augmentativos Comparativos ;
e Superlativos tambem, huns Absolutos,
e outros Comparativos, como passamos a vêr.

Positivos absolutos são so os que podem receber
gráos na sua significação, e taes são todos os adjectivos
Explicativos e Restrictivos, excepto 1.° Os
que são dirivados de nomes proprios, como Portuguez,
Lisbonense, Solar, Terrestre, Maritimo, Aureo,
Argenteo
, &c. 2.° Os dirivados de nomes appellativos
de substancias, como Espiritual, Corporeo, Divino,
Humano
, e outros, tomados no sentido proprio,
e não no figurado. 3.° Os que significão hum
estado, para o qual se passou por hum acto instantaneo,
como Nascido, Morto, Desterrado, Vivente,
Finado, Casado, Solteiro
, &c. 4.° Em fim os
adjectivos verbaes em or, ora, como Amador, Vencedor,
Guardador, Salvador, Matador, &c
.

Os Positivos Camparativos são de duas sortes ;
ou de semelhança, como Tal, Qual ; ou de igualdade,
Tanto, Quanto, Tamanho, Quãmanho, e geralmente
183todos os adjecrivos, feitos comparativos pelos
adverbios Tão, Como. Exemplo : A fazenda, a
vida, as victorias, e todas as felicidades do mundo
são tão falsas e vãs
, como o mesmo mundo, com o
qual todas acabão
.

Os Augmentativos Absolutos, ou augmentão para
mais, ou para menos. Os primeiros fazem-se juntando
o adverbio Muito aos positivos, como Muito
grande, Muito pequeno, Muito bom, Muito máo
,
Os segundos juntando aos mesmos o adverbio Pouco,
como Pouco grande, Pouco bom. &c. Os mesmos
Positivos se fazem augmentativos ainda sem adverbios,
tomando as terminações augmentativas e diminutivas,
de que falámos atraz Cap. II. Art. I. tractando das
varias fórmas dos Substantivos. Assim de Soberbo se
faz Soberbão, Soberbinho, e de Vilhaca Vilhacaz :
Vilhaquinho, &c.

Nossos Antigos costumavão muitas vezes, á maneira
dos Latinos, juntar aos mesmos superlativos os adverbios
augmentativos Mui, e Tão, como Mui sanctissimo,
Tão grandissima
, cujos exemplos se podem
vêr nos Rudimentos da Grammatica Portugueza,
impressos em Lisboa em 1799 pag. 323, nota IX.
Este uso porêm com justa causa se abolio, e hoje se
acha de todo antiquado.

Os Augmentativos Comparativos se fazem ou
com huma palavra so, como Maior, Menor, Melhor,
Peior
, e os adjectivos do singular Mais, Menos,
seguidos do conjunctivo Que ; que são os unicos
adjectivos comparativos de huma so palavra, que tomámos
dos Romanos : ou com duas palavras, que são ;
para augmentar, o adverbio Mais, posto antes do positivo
com o conjunctivo Que, posto depois ; e para
diminuir, o adverbio Menos, posto tambem antes do
positivo com o mesmo conjunctivo Que, posto depois.
O Augmentativo Comparativo, ou simples, ou composto,
184mostra a couza, que se com para, e o Conjuctivo
Que mostra e ata a outra couza, com que a
primeira se compara.

Exemplos : Melhor he dar que receber : O filho
he
peior que o pai : Varão maior, que sua fama : A
Europa he
menor que a Asia : Os dotes d’alma tem
mais preço que os do corpo : Não he menos do que
elle : Hum homem póde ser menos rico, e mais feliz
do que outro.

Os adjectivos Superior, e Inferior, Anterior, e
Posterior, Interior, e Exterior, que o A. dos Rudimentos
da Grammatica Portugueza
dá como comparativos,
não o são se não no Latim ; porque não
dizemos Superior que, Inferior que ; mas Superior
a, Inferior a
. O que mostra que são huns adjectivos
positivos com a significação das preposições, de que se
formárão ; e se vê em Interior, e Exterior, que valem
tanto, como Interno, e Externo.

Os Superlativos Absolutos são os que exprimem
o maior gráo de intensidade, ou para mais ou para
menos, do qual he susceptivel a significação do positivo,
sem comtudo fazer comparação alguma. Os nossos
Escriptores, que primeiro principiárão a polir a
Lingua Portugueza, supprião algumas vezes a falta,
que então havia, de superlativos em huma so palavra,
com pôr Mui, Muito antes do positivo : v. g.
Gente de pé mui muita sem conto : Este he o caminho
mui muito breve para chegar á perfeição. Depois
tivemos toda a facilidade, e abundancia neste genero,
formando, á maneira dos Latinos, os superlativos dos
mesmos adjectivos positivos com lhes accrescentar issimo
á ultima consoante final, como Cruelissimo de
Cruel, Sanctissimo de Sancto.

Os Adjectivos, que acabão em vogal nasal, ou
em diphthongo nasal, mudão o Til, ou o m em n para
formarem pelo sobredito modo seus superlativos
185desta sorte : Bom Bonissimo, Commum Communissimo  ;
Chão Chanissimo, São Sanissimo, Vão Vanissimo
. O
adjectivo Máo muda o o em l, e faz Malissimo. Os
que hoje terminão em z, acabavão antigamente em ce,
e assim sem perderem sua formação regular trocão
agora o z em c, como : Tenaz Tenacissimo, Feliz
Felicissimo, Atroz Atrocissimo
,

Quaesquer outros superlativos, que não sejão assim
formados, passárão da Lingua Latina para a nossa
sem mais alteração, do que a troca do us final em
o na terminação masculina. Taes são, alêm de infinitos
outros, Antiquissimo, Asperrimo, Dulcissimo,
Humillimo, Miserabilissimo, Nobilissimo, Terribilissimo
.
Porêm se estes mesmos se formarem pelo modo
regular, que nos mais segue nossa Lingua, e de
que ha exemplos, dizendo Antiguissimo, Asperissimo,
Dôcissimo, Humildissimo, Miseravelissimo,
Nobrissimo, Terrivelissimo
, &c. ficarão sendo puramente
Portuguezes. Os superlativos Maximo, Minimo,
Optima, Pessimo, Summo
, e Infimo ; nos vierão
do Latim assim mesmo, so com a mudança da
terminação.

Porêm cumpre advertir que todos estes, e semelhantes
superlativos não são comparativos na Lingua
Portugueza, como o são na Latina. Com o que se
enganárão muito nossos Grammaticos, e o Auctor mesmo
dos Rudimentos da Lingua Portugueza, pondo-os
na mesma linha dos comparativos. Todos são superlativos
absolutos, e se alguma vez se empregão comparativamente,
he como partitivos, e precedidos do
Artigo, como : O optimo, O pessimo de todos.

Os verdadeiros Superlativos Comparativos da
Lingua Portugueza fazem-se dos positivos com lhes
accrescentar os mesmos adverbios comparativos Mais,
e Menos, que se ajuntão aos Augmentativos Comparativos
so com a differença, que nestes não levão Artigo,
186e são seguidos de Que ; nos superlativos comparativos
levão Artigo, e são seguidos da Preposição
extractiva De. Por ex. Varrão foi o mais douto d’os
Romanos
. O conselho prudente he o menos arriscado
de todos. Os Comparativos Maior, Menor, Melhor,
Peior
levão ja comsigo o Mais e Menos ; e assim com
a addição do Artigo se fazem superlativos deste modo :
A melhor e a peior couza que ha no mundo, he
o conselho : se he bom, he
o maior bem ; se he máo,
he
o peior mal.

Onde se vê que nosso Artigo, accrescentado aos
Augmentativos Comparativos, faz delles huns Superlativos
Comparativos, convertendo-os em partitivos, que
por meio da preposição De ou Entre extrahem da totalidade
dos individuos do mesmo genero aquelle, que
queremos engrandecer ou diminuir. Assim no exemplo
acima A melhor, e a peior couza he o mesmo que
A melhor, e a peior de todas as couzas ; e O maior
bem, e o peior mal
he o mesmo que O maior de todos
os bens, e o peior de todos os males
. A preposição
De com o Determinativo universal Todos, Todas
supprime-se muitas vezes por brevidade, mas sempre
se entende.

§. II.
Das Terminações, e Inflexões Genericas dos
Adjectivos.

Os Adjectivos Portuguezes são ou de huma so
terminação
, ou de duas, ou de tres.

São de huma so terminação 1.° os acabados em
e pequeno, ou breve, como Breve, Grave, Prudente,
Triste
, que he a terminação mais abundante desta
sorte de Adjectivos na nossa Lingua. 2.° Os acabados
em al, el, il, como Celestial, Amavel, Facil.
3.° Os acabados em ar, az, iz, oz, como Exemplar,
187Capaz, Feliz, Veloz
 : Destes mesmos adjectivos
os que hoje acabão em il, sem ser agudo,
e em az, iz, oz, acabavão antigamente, como os
primeiros, em e pequeno, como : Esterile, Facile,
Contumace, Felice, Atroce
, &c. A fóra estes são
tambem de huma so terminação os quatro adjectivos
Affim, (affinis), Cortez, Montez, Rũi. Tambem
Grão, abbreviado de Grande, serve, como este, para
ambos os generos : O Grão Prior, A Grão Mestra.

São de duas terminações 1.° os que acabão em
o, mudando-o em a na feminina, como Justo, Justa ;
e se acabão em ôzo com o penultimo ô fechado,
mudando-o em aberto na feminina, como Virtuôso,
Virtuosa
. 2.° Os que na masculina acabão em êz,
ól, ôr, ú
, e um, tambem tem a feminina em a,
que se lhes accrescenta, como Portuguêz Portuguêza,
Hespanhól Hespanhóla, Creadôr Creadôra,
Crú Crúa, Hum Huma, Commum Commua
. Com
tudo bons AA. Portuguezes não dão terminação feminina,
nem a este ultimo, servindo-se da em um para
hum e outro genero ; nem aos em êz, ól, e ôr, que
fazião de huma terminação so, commua a hum e outro
genero. Assim dizião elles : Vida commum, Linguagem
Portuguêz, Nação Hespanhol, Cidade Competidôr
 ;
e João de Barros diz : (1)9 Vara de disciplina
destroidôr dos males, defensôr da pureza. 3.° Os
que acabão em o diphthongo nasal ão, perdem o o
na terminação feminina, ficando so com o ã nasal,
como Christão, Christã.

São irregulares Judêu, Mêu, Têu, Sêu, Bom,
Máo
, que fazem na feminina Judia, Minha, Tua,
Sua, Bôa, Má
.

São de tres terminações 1.° os nossos quatro
adjectivos demonstrativos, Este Esta Isto, Esse Essa
188Isso, Aquêlle Aquélla Aquillo
, e O qual A
qual O que
, ou O qual 2.° Os quatro determinativos
de quantidade, a saber : os dous universaes collectivos
Todo Toda Tudo, e Nenhum Nenhuma Nada,
e os dous Partitivos Algum Alguma Algo, e
Outro Outra Al.

Nestes adjectivos de tres fórmas he certo que a
primeira he para o genero masculino, e a segunda para
o feminino. A terceira pois para que genero será ?
O A. dos Rudimentos da Grammatica Portugueza
Part. I. Cap. II. § III. diz que he huma fórma
substantivada do genero masculino ; porque os nossos
substantivos não tem outro genero se não o masculino
ou o feminino, neutro não ha. Comtudo nosso João
de Barros em sua Grammatica da Lingua Portugueza
pag. 92. ed. de 1785 a Grammatica da Academia
Real Hespanhola
Part. I. Cap. III. Art. IV., e
o Abbade de Condillac na sua Grammatica Part. II.
Cap. V., dizem que estas fórmas são do genero
neutro.

Com effeito nenhuma Lingua dá terminações surperfluas
aos seus adjectivos ; e se a nossa dêo huma
terceira a estes adjectivos, como os Gregos, e Latinos
a davão aos mesmos, e a muitos outros, he por
que reconhecião que era necessaria, não so para concordar
com os substantivos do genero neutro entre
elles ; mas tambem para modificar alguma couza, ou
idea que não era, nem do genero masculino, nem
do feminino, e por consequencia de huma classe neutra.
Toda a equivocação pois dos Grammaticos foi,
assentarem que os adjectivos não forão feitos se não
para concordarem com substantivos, e que, não tendo
estes na nossa Lingua genero neutro, nenhum adjectivo
tambem o devia ter.

Porêm os Adjectivos podem concordar não so com
os nomes, mas tambem com as couzas, como são varias
189ideas, e sentidos totaes, e discursos inteiros, que
não tendo per si, nem podendo ter genero algum,
não podião ser mais bem determinados do que por huma
fórma adjectiva, que não fosse de genero algum,
e que por consequencia fosse neutra.

Taes são as terminações neutras dos outo adjectivos
acima, e a primeira dos adjectivos de duas terminações,
e ainda a unica dos adjectivos de huma
so ; quando se empregão no discurso ou substantivamente,
ou para modificarem orações inteiras, como
nestas expressões : O sublime, O bello de hum pensamento.
He igualmente perigoso crer tudo, e não crer
nada. Tudo está perdido
. Nada do que disseste he
verdade
. O al he martelar em ferro frio. Mais val
algo que nada. Isto, que eu disse, Isso, que tu disseste,
Aquillo, que elle disse, tudo he verdade.

Deve-se pois estabelecer como regra geral, que
todo adjectivo, que se refere mais a huma idea, ou
sentido do que a hum nome, não tem genero algum,
e he por consequencia neutro. O genero, ou classe
assim dos nomes, como das couzas he que determina
as fórmas adjectivas a tomarem tambem o genero,
ou classe, que lhes convem e não ás avessas. Entre
os mesmos Gregos, e Latinos os tres generos dos nomes
determinavão os adjectivos de huma so fórma a
tomar o genero que lhes competia. Porque não poderáõ
fazer o mesmo os pensamentos, quando precizão
elles mesmos de ser modificados por hum adjectivo ?

Com isto concluimos tudo o que tinhamos para
dizer de mais importante a respeito das Partes Nominativas
do discurso. Passemos ja ás Conjunctivas,
que são o Verbo, a Preposição, e a Conjuncção, que
farão a materia dos tres Capitulos seguintes.190

Capitulo IV.
Do Verbo.

O Verbo he huma parte conjunctiva do discurso,
a qual serve para atar o attributo da proposição
com o seu sujeito de baixo de todas suas relações
pessoaes e numeraes, enunciando por differentes modos
a coexistencia e identidade de um com outro
por ordem aos differentes tempos, e maneiras de
existir
.

O verbo pois alêm da sua significação primaria
e principal, que he a da Existencia, comprehende
em si cinco ideas accessorias, indicadas todas pelas
differentes fórmas, e terminações, que toma, a saber :
1.ª A do sujeito da oração, de baixo das tres
relações pessoaes ou de I.ª Pessoa, que he quem fala ;
ou de 2.ª, que he a com quem se fala ; ou de 3.ª que
he a de quem se fala. 2.ª A do numero, ou singular,
ou plural de cada huma destas pessoas, como
Eu sou, Tu es, Elle he, Nós somos, Vós sois,
Elles são
. 3.ª A dos differentes modos de enunciar
esta mesma existencia, ou simples e vagamente, Ser
amante
 ; ou directa e affirmativamente, Sou amante ;
ou indirecta e dependentemente, Fôr amante. 4.ª A
dos Tempos desta existencia, Preterito, Presente, e
Futuro, como Fui, Sou, Serei. 5.ª Em fim a dos
differentes estados desta mesma existencia, ou começada
so e vindoura, ou persistente e continuada, ou
finda ja e acabada : para o que toma o verbo substantivo
a ajuda dos verbos auxiliares, como Hei de ser,
Estou sendo, Tenho sido
.

Desta breve analyse do verbo se vê que sua essensia
consiste propriamente na enunciação da coexistencia
de huma idea com outra ; e não na expressão
191destas ideas, que ja para isso tem palavras destinadas
nos substantivos e adjectivos, que as nomeão ; e
que esta coexistencia não póde ser expressada, nem o
he em todas as Linguas, senão pelo verbo substantivo ;
que por isso, a falar propriamente, he o unico
verbo, em que por ultima analyse se vem a reduzir
todos os verbos adjectivos, os quaes lhe não accrescentão
outra couza mais do que a idea do Attributo.

Os verbos auxiliares servem ao verbo substantivo
para o ajudarem a exprimir os differentes modos de
existencia, ou começada, ou continuada, ou acabada,
em que se póde considerar qualquer objecto, ou acção.
Podemos pois distinguir tres especies de verbos em
geral, que são o Verbo Substantivo, os Verbos Auxiliares,
e o Verbo Adjectivo, dos quaes passamos a
tractar nos Artigos seguintes.

Artigo I.
Do Verbo Substantivo, e seus Auxiliares.

Tudo, o que acima fica dicto, não convem propriamente
se não ao nosso verbo substantivo Ser, assim
chamado, porque elle so he quem exprime a
existencia de huma qualidade, ou attributo no sujeito
da proposição. Elle, propriamente falando, he
o unico verbo, e o de huma necessidade indispensavel
na oração. Com elle so se podem formar todas
as sortes de orações ; e todas as que se fazem por
outros verbos, se resolvem per este em ultima analyse.

Porque, como qualquer proposição ou oração
não he outra couza se não a enunciação da identidade
e coexistencia de huma qualidade, ou attributo
com hum sujeito : em havendo hum substantivo para
significar este, hum adjectivo ou nome geral para
192significar aquelle, e o verbo substantivo Ser para
servir de nexo ou copula a hum e outro ; está feita
qualquer proposição. Tudo o que o verbo adjectivo
tem de essencial e proprio para exprimir esta coexistencia
dos dous termos da proposição com todos seus
modos, tempos, pessoas, e numeros, não he seu : tudo
he emprestado do verbo substantivo, que leva concentrado
e entranhado em si ; e a unica idea nova,
que lhe ajunta, he a da qualidade, ou attributo particular,
que se affirma do sujeito ; que por isso
se chama Adjectivo, como mais largamente veremos,
quando delle tractarmos.

A essencia do verbo Ser não consiste na Affirmação,
como muitos Grammaticos pertendem. Sua fórma
infinitiva, que he a primitiva, nada affirma. A
Linguagem Subjunctiva affirma sim, mas não absolutamente
e so com dependencia de outra Linguagem,
que a determine. A Affirmação pois he o caracter do
Modo Indicativo, e não do verbo substantivo em
geral.

O seu caracter proprio he o enunciar a existencia
de huma couza em outra, e por consequencia a sua
mutua coexistencia e identidade. Nestas proposições :
Ser Deos justo, Que Deos seja justo, Deos he justo ;
a primeira enuncia a existencia da justiça em
Deos simplesmente sem outra determinação alguma ;
a segunda enuncia ja com affirmação, mas suspensa,
e dependente de outra proposição ; e a terceira enuncia
com affirmação absoluta e independente de outra
oração.

Em todo caso pois a essencia do verbo substantivo
consiste na significação ou enunciação da Existencia :
e como tudo o que existe, são couzas ou pessoas,
e estas não podem existir se não em certos tempos ;
daqui vem que estas duas circunstancias são sempre
relativas á idea principal de existencia, e por isso
193proprias so do verbo substantivo, ou so, ou incluido
no verbo adjectivo, que não he outra couza se não a
reducção e abbreviatura do verbo substantivo com todos
seus modos, tempos, e pessoas, e do attributo
particular, que lhe accrescenta.

Os differentes modos de enunciar esta existencia,
seus tempos, e pessoa ou pessoas das quaes a mesma
enuncia ; tudo he indicado pelas differentes fórmas
e terminações, que o mesmo verbo Ser toma para
este fim nas suas Linguagens simples, como Sou, Fui,
Serei
, &c. Mas estas terminações temporaes indicão
sim as differentes epochas da existencia ; mas não o
modo e estado della. Huma couza póde começar e haver
de existir, póde continuar a existir, e póde ter
cessado de existir em todas as epochas e tempos,
quer presente, quer passado, quer futuro. Estas differentes
maneiras de existir não tem na conjugação do
verbo Ser fórmas algumas ou terminações especiaes,
com que se indiquem, e comtudo erão necessarias para
exprimir todas as vistas do espirito, e prover a todas
as precizões da enunciação. Por ex. Sou no seu tempo
presente simples não explica a mesma idea de
existencia, que explicão os presentes compostos do mesmo
verbo com seus auxiliares, Hei de ser, Estou
sendo, Tenho sido
.

Foi necessario pois para a enunciação completa
de nossos conceitos, que o verbo substantivo simples
chamasse em ajuda sua outros verbos, que junctos e
conjugados com elle, acabassem de formar o painel
da enunciação total dos diversos modos possiveis,
porque o espirito póde conceber, e concebe huma couza
existente. Estes verbos chamão-se por isso Auxiliares,
porque auxilião o verbo Ser para tomar todas as fórmas
compostas, e combinações precizas para este fim.

Taes são os tres verbos Haver, Estar, e Ter,
combinados com o infinito impessoal, e participios
194do verbo Ser, deste modo : Haver de ser, Estar
sendo, Ter sido
. O primeiro accrescenta á idea da
existencia simples a idea accessoria de hum principio,
dado a ella na resolução e projecto, que toma o agente,
e a da sua futuridade na execução ; Hei, ou Tenho
de ser
não he o mesmo que Sou, ou Serei. O segundo
accrescenta á mesma idea geral de existencia
a idea particular de estado, persistencia, e continuação
da mesma existencia começada ; Estou amando
não he o mesmo que Sou amante. O terceiro finalmente
accrescenta á mesma idea principal de existencia
a accessoria do seu termo e cessação ; Tenho sido
não he o mesmo que Fui. Esta Linguagem póde-se
dizer de quem ainda he, a primeira não. Estes tres
auxiliares pois, junctos com o verbo substantivo, fazem
com elle tres Linguagens compostas, que se podem
chamar, a primeira Inchoativa, a segunda Continuativa,
e a terceira Completiva da existencia do
attributo no sujeito, significada pelas fórmas infinitivas
do verbo Ser.

Estas fórmas são invariaveis em qualquer das conjugações
compostas do verbo Ser com seus auxiliares ;
porque a idea principal de Existencia ou começada,
ou continuada, ou acabada, he sempre a mesma e
invariavel desde o principio da conjugação até ao fim.
O que varía são os Modos, os Tempos, os Numeros,
e as Pessoas ; e por isso as terminações indicativas
destas ideas accessorias pertencem todas aos verbos
auxiliares, que se conjugão como outros verbos, e
passão por todas estas variações,

Estes verbos considerados como Auxiliares, não
tem a mesma accepção, que tem, quando se tomão

em sua significação primitiva, como verbos activos,
transitivos, ou intransitivos, dizendo v. g. Eu haverei
de ti esta divida, Eu estou em pé, Eu tenho dinheiro
.
Mas junctos aos nomes verbaes Ser, Sendo,
195Sido
, perdem então a sua significação propria e natural
para exprimirem os varios estados de existencia
ou começada, ou continuada, ou acabada, de baixo
dos quaes se póde considerar hum objecto em qualquer
epocha, ou tempo.

Isto não obstante, he comtudo verdade, que apartando-se
estes verbos do seu destino primitivo, e tomando
o serviço de auxiliares, ainda assim conservão
alguns resquicios da sua natureza primitiva, exprimindo
huma especie de posse virtual, e de situação metaphorica,
em que se considera o sujeito da proposição
por ordem á qualidade, que se lhe attribue. O
verbo Haver, como impessoal, significa tambem existencia,
como quando digo : Ha muitos homens, Havia
muita gente
. Mas nesta significação não he auxiliar,
porque não se ajunta com verbos, mas so com nomes ;
nem tão pouco póde substituir na oração o lugar do
verbo substantivo ; porque exprime so huma existencia
absoluta, e não a coexistencia relativa do attributo
e sujeito da proposição, como exprime o verbo substantivo.

Alguns de nossos Grammaticos fazem tambem do
nosso verbo Ser hum verbo auxiliar, pela razão de
que, juncto com os Participios passivos, serve e ajuda
a conjugar a voz passiva dos verbos adjectivos de
nossa Lingua, que para ella não tem fórma propria
e simples, como tem a Grega, e a Latina. Porêm o
verbo Ser em este uso não tem outra significação e
emprego se não o seu proprio, que he o de exprimir
a existencia de huma couza em outra. Nestas duas
orações, Eu sou amado, e Eu amo ou Sou amante,
o verbo Sou affirma do mesmo modo na primeira a
coexistensia em mim do amor, que outro me tem,
que na segunda a do amor, que eu tenho a outrem.
Isto he claro. Não he pois auxiliar ; mas hum verbo
substantivo, simples, e o unico, e principal, ao qual
196os mais servem de auxilio para o acabarem de conjugar
de todos os modos possiveis.

He verdade que estes mesmos verbos auxiliares,
que ajudão a conjugar o verbo substantivo, ajudão
tambem a conjugar os verbos adjectivos em todas suas
vozes. Porêm elles não são auxiliares do verbo adjectivo,
se não porque primeiro o forão do verbo substantivo.
O verbo adjectivo não contribue para as
Linguagens, ou simples, ou compostas do verbo substantivo,
se não com o attributo. Tudo o mais não
he se não huma reducção e expressão abbreviada da
Linguagem substantiva, em que por fim se resolve,
como em seus primeiros elementos. Assim quando digo :
Hei de amar, Estou amando, Tenho amado ; he
o mesmo que dizer : Hei de ser amante, Estou sendo
amante, Tenho sido amante
, onde do verbo
Amar não entra se não o adjectivo participio activo
Amante, que he o attributo destas proposições.
Isto se verá, ainda mais claramente, quando tractarmos
da natureza do verbo adjectivo.

Entretanto não se me deve estranhar que eu olhe
so como verdadeiras Linguagens, as que so são elementares
e analyticas, quaes são as do verbo substantivo
ou simples, ou com seus auxiliares ; e que, em
consequencia disto, eu applique a estas sos toda a
theoria da conjugação dos verbos em todos seus Modos,
Tempos, Numeros, e Pessoas. Tudo, o que a
este respeito se disser sobre o verbo substantivo e seus
auxiliares, convirá exactamente a todas as Linguagens
dos verbos adjectivos, que não são outra couza se não
as mesmas do verbo substantivo, á excepção das syllabas
iniciaes, que são as que contêm o attributo, ou adjectivo
da proposição.

Alêm destes tres verbos auxiliares, que exprimem
os tres differentes estados de Existencia, ha
outros tres, que exprimem tambem os tres differentes
197modos de acção e movimento, pelos quaes hum agente
passa para mostrar ou a duração de huma acção,
ou sua proximidade no tempo, quer anterior, quer
posterior. Taes são os nossos tres verbos de movimento
Andar, Vir, e Hir, que junctos com os infinitos,
e participios de outros verbos deste modo : Ando ou
Vou escrevendo, Venho de escrever, Vou escrever ;
o primeiro exprime hum movimento reiterado e frequente
da acção, e corresponde aos verbos frequentativos
Latinos ; o segundo hum preterito proximo ; e o
terceiro hum futuro proximo, correspondentes aos
aoristos e futuros proximos dos Gregos. (1)10 Porêm estes
auxiliares são mais proprios do verbo adjectivo,
que do substantivo, e por isso não entraráõ nos paradigmas
de sua conjugação.

Artigo II.
Da Conjugação do Verbo Substantivo, e de seus
Auxiliares.

Conjugação he o systema total das differentes terminações,
que a fórma primitiva de qualquer verbo
toma para indicar os differentes modos de enunciar a
coexistencia do attributo no sujeito ; os differentes tempos
desta coexistencia ; e as differentes personagens,
que o sujeito do verbo faz no acto do discurso : e
Conjugar he recitar todas estas fórmas e variações
segundo a ordem dos Modos, dos Tempos, do
Numero e qualidade das Pessoas.

A conjugação he ou Simples, ou Composta,
198Regular
, ou Irregular. A simples consta em todas
as suas fórmas de huma so palavra, como Sou, Fui,
Serei
 ; a composta consta da combinação de duas até
tres, como Heide ser, Estou sendo, Tenho sido.

Alguns Grammaticos tem por imperfeição nas
Linguas vulgares a necessidade de recorrerem aos verbos
auxiliares para conjugarem todos seus tempos. As
Linguas, Grega e Latina, tambem recorrião a elles ;
e este recurso tão longe está de prejudicar a perfeição
de huma Lingua, que antes dá mais doçura, variedade,
e harmonia á expressão ; e tem sobre isto a vantagem
de lhe dar mais vivacidade, podendo ás vezes
separar o auxiliar para incorporar de algum modo o
adverbio com o verbo auxiliado, cuja significação elle
modifica.

Conjugação Regular he aquella, que segue huma
mesma regra na formação dos tempos dirivados de
seus primitivos, e nas terminações de huns e de outros ;
e Irregular a que ou em tudo, ou em parte
se aparta desta regra. Os verbos Defectivos, que carecem
de certos tempos, ou de certas pessoas, que o
uso não admitte, pertencem em certo modo á classe
dos irregulares.

O verbo substantivo Ser, e os seus tres auxiliares
Haver, Estar, e Ter, são todos irregulares. Mas
toda conjugação ou regular, ou irregular, tem Modos,
Tempos, Numeros
, e Pessoas. A conjugação simples
concentra em huma mesma palavra todas as variações
precizas para indicar seu attributo e significação
principal com todas estas modificações ; a composta
porêm faz separação. Tudo o que pertence ao modo
de enunciar a coexistencia do attributo e sujeito, á
designação dos tempos, e á distincção dos numeros e
das pessoas, he da repartição do verbo auxiliar. O
que pertence á significação de existencia, he privativo
do verbo substantivo ; e o que pertence ao modo e
199estado desta existencia he effeito da combinação dos
verbos auxiliares com as differentes fórmas infinitivas
do verbo substantivo ; de sorte que nas Linguagens
compostas se vem desenvolvidas e separadas as ideas,
que nas simples se achão involvidas, e concentradas.
De todas estas propriedades do verbo passamos a tractar
nos §§ seguintes.

§. I.
Dos Modos do Verbo.

Chamão-se Modos as differentes maneiras de enunciar
a coexistencia do attributo no sujeito da proposição.
Os Grammaticos se dividem sobre a natureza
e numero destes modos, entendendo por modos todas
as modificações, que accrescem á enunciação simples
da coexistencia, e em consequencia disto mettendo
nesta conta não so o Indicativo, Subjunctivo, e
Infinitivo, no que todos convem ; mas tambem os
modos, Suppositivo, Imperativo, e Optativo, e alguns
fazendo dos tempos outros tantos modos, como
faz Sanches.

Eu porêm creio, que o melhor systema dos modos
e tempos do verbo he o mais simples ;. e que, a
não se assentar no verdadeiro, sempre deve ter preferencia
aquelle, que por caminho mais breve e plano
chega ao mesmo fim, que outros não alcanção senão
depois de mil rodeios pelos labyrinthos de disputas e
discussões, que mais embrulhão a verdade do que a
aclarão.

Quanto a mim, sendo o verbo huma oração recopilada,
tantos devem ser, nem mais, nem menos,
os modos do verbo, quantas são as especies de orações
ou proposições por ordem á sua syntaxe, e contextura
no discurso. Ora, assim como em qualquer
200proposição ha huma idea principal e independente,
que faz o sujeito da oração, ha outra accessoria e
subordinada áquella, que he o attributo ou adjectivo
da mesma ; e as mais a fóra estas, são modificações,
ou complementos do sujeito, do verbo, e do attributo ;
assim tambem em qualquer periodo ou pensamento
total não ha, nem póde haver se não tres especies
de orações, que entrão na sua composição, que
são a Principal, as Subordinadas (nas quaes vão
incluidas ja as incidentes, pois fazem sempre parte
ou do sujeito, ou do attributo de humas e outras), e
finalmente as Regidas, assim chamadas, porque servem
de complemento aos verbos, e ás proposições.

A estas tres especies de orações, de que são tecidos
todos os periodos do discurso, correspondem justamente
os tres modos de enunciar a coexistencia do
attributo no sujeito da proposição ; ou enunciando-o
pura e simplesmente sem determinação alguma nem
de affirmação, nem de subordinação, nem de tempos, e
pessoas ; e este he o Modo, chamado por isso mesmo
Infinito, ou indeterminado, que he a fórma primitiva
de qualquer verbo, como : Ser, Haver, Estar,
Ter
, e as suas dirivadas Sendo Sido, Havendo
Havido, Estando Estado, Tendo Tido
 ; as quaes
todas nunca se empregão no discurso se não como additamentos
e complementos de outros verbos, ou preposições,
por quem são regidas á maneira dos nomes
substantivos e adjectivos, de cuja natureza, indeterminação,
e propriedades participão para este mesmo
fim, chamadas por isso Participios, ou Modo Participial ;
porque participão de nomes o poderem ser,
como elles complementos da oração, e participão do
verbo a propriedade de enunciarem a coexistencia indeterminada
de huma couza com outra.

Este he o primeiro modo : do verbo, e que por
isso deve ter o primeiro lugar na ordem de sua conjugação,
201assim por ser a extrema mistica entre as duas
primeiras partes elementares do discurso, nome e verbo ;
como por ser a sua fórma a primitiva e original ;
e bem assim por ser tambem o formativo principal
de todas as mais Linguagens do verbo.

O segundo modo de enunciar a coexistencia do
attributo no sujeito da proposição he o Indicativo,
assim chamado, porque mostra pela sua mesma fórma,
que elle he o principal e dominante no discurso,
a que todos os mais verbos do periodo se referem ; e
que he a Linguagem directa, affirmativa, e determinante
das mais Linguagens indirectas e subjunctivas
do periodo, as quaes ella determina, e que por isso
lhe ficão subordinadas. O seu caracter proprio, unico,
e incommunicavel he o ser absoluto e independente,
e assim poder estar so, e figurar no discurso sem ajuda
de outro modo. Taes são as fórmas indicativas
Sou, Sê tu, Era, Sería, Fui, Fôra, Serei, que todas
podem fazer orações directas e absolutas.

O terceiro Modo he o Subjunctivo, assim chamado,
porque suas Linguagens vem sempre em consequencia
de outras, pelas quaes são determinadas.
Ellas enuncião a coexistencia do attributo no sujeito
da proposição de hum modo affirmativo, mas sempre
precario, e dependente da affirmação de outro verbo,
em cuja significação vá preparada a indecisão e incerteza,
propria da Linguagem subjunctiva. O seu caracter
proprio he não poder figurar so no discurso,
sem dependencia de outra oração clara, ou occulta,
a que fique subordinada sempre, e ligada ordinariamente
pelo conjunctivo Que. Taes são as fórmas subjunctivas
do verbo substantivo Seja Fosse For, e as
de seus auxiliares Haja Houvesse Houver, Esteja
Estivesse Estiver, Tenho Tivesse Tiver
. Estes são
os tres unicos modos de qualquer verbo, caracterizados,
o primeiro pela sua indeterminação total, o segundo
202pela sua independencia, e o terceiro pela sua
dependencia.

No indicativo vai incluido o chamado modo Imperativo,
e o Suppositivo ou condicional ; porque ambos
formão orações directas, absolutas, e independentes.
As ideas accessorias de imperio, e de condição,
que ajuntão á enunciação affirmativa do modo indicativo,
fazem com que se lhes dê hum lugar e nome
distincto entre as Linguagens do mesmo modo : mas
não são huma razão sufficiente para constituirem modos
á parte, os quaes so se dizem taes, quando influem
differentemente na ordem, subordinação, e syntaxe
e das proposições, que compõem qualquer periodo ;
o que não fazem os dous pertendidos modos se não
como directos e indicativos. Quanto ao optativo, ja
todos os Grammaticos, desenganados das antigas prevenções,
lhe assignarão seu verdadeiro lugar no modo
subjunctivo, de cujas linguagens se serve. Assim determinados
desta sorte, simplicissimamente, os modos
do verbo, passemos ja a seus tempos.

§. II.
Dos Tempos do Verbo em geral.

Tempo he huma parte da duração ou existencia,
quer continuada da mesma couza, quer successiva de
muitas, que se seguem humas ás outras. Ora, onde ha
successão continuada e não interrompida, não póde
haver Tempos, se não relativos a huma epocha arbitraria,
que se fixa primeiro, para della se proceder á comparação
de hum espaço anterior, e de outro posterior.

Esta epocha, tractando-se de Grammatica, isto he,
da arte de falar e escrever correctamente, foi muito
natural o fixa-la no acto mesmo da palavra, isto he,
no espaço e duração, em que qualquer está falando,
203ou escrevendo. A esta epocha se dêo o nome de Tempo
Presente
, e por ordem á mesma chamou-se Tempo
Preterito
ou Passado toda a existencia ou começada
e não acabada, ou acabada dos seres, que
a precederão ; e Tempo Futuro ou Vindouro, toda a
existencia quer começada, quer continuada, quer acabada
dos seres, que se lhe hão de seguir, e bem
assim, por ordem a todos os tempos, a existencia
meramente possivel das couzas, que nunca existírão,
nem hão de existir ; mas que poderião existir, dada
certa hypothese.

Não ha pois verdadeiramente se não tres durações
ou Tempos, a saber, o Presente, que he o
em que se está falando ; o Preterito, que he todo
aquelle, que precedeo ao presente ; e o Futuro, que
he todo o que se lhe ha de seguir. Mas todas estas durações
e tempos se podem considerar de dous modos ;
ou como continuados e não acabados, ou como não
continuados e acabados. Daqui a subdivisão dos mesmos
tres tempos em Imperfeitos ou Periodicos, e em
Perfeitos ou Momentáneos.

Os tempos imperfeitos exprimem durações não
acabadas ; e como estas são outras tantas continuações
da existencia dentro dos espaços, que correm ou até
á epocha da palavra, ou no tempo desta, ou depois
della ; formão ellas outros tantos periodos, os quaes
confinão huns com outros. O periodo anterior pega
com o periodo actual, e este com o posterior, de sorte
que o fim do primeiro he o principio do segundo,
e o fim do segundo he o principio do terceiro. Daqui
vem communicarem-se mutuamente entre si as linguagens
dos tempos imperfeitos, a do preterito, e a
do futuro com a do presente, como : Estava hontem,
Estava agora, Estarei agora, Estarei á manhã
comtigo
 ; e a do presente com ambos dous, e podermos
assim dizer ; do preterito Ha muito tempo, que
204sou teo amigo
 ; e do Futuro A’ manhã sou comtigo,
A’ manhã parto
.

Não succede ja o mesmo com os tempos perfeitos,
que exprimem huma existencia acabada. As Linguagens
destes não se communicão. Não posso dizer :
Tinha sido, Terei sido, em lugar de Tenho sido, e
muito menos substituir esta Linguagem ás duas antecedentes.
A razão he porque os seus tempos são momentaneos.
O que cessa de existir, cessa em hum instante
do periodo ou actual, ou anterior, ou posterior ;
e estes instantes não se tocão, como os periodos,
para se poderem trocar.

Os tempos imperfeitos e perfeitos podem ser ou
Absolutos, ou Relativos. São absolutos, quando notão
so hum tempo ou presente, ou preterito, ou futuro
sem relação a outro. Sou, Era, Fui, Serei, são
deste genero. São relativos, quando alêm do tempo
ou presente, ou preterito, ou futuro, que notão, denotão
tambem outro presente, outro preterito, e outro
futuro, a respeito dos quaes se dizem perfeitos ou
acabados. Todas as Linguagens compostas do auxiliar
Ter, e do participio perfeito do verbo substantivo
Sido, são deste genero.

Assim Tenho sido he hum presente perfeito relativo ;
porque não so nota hum presente acabado, do
qual não resta nada ; mas acabado tambem em respeito
ao presente actual, em que estou falando. Do mesmo
modo Tinha sido não so he hum preterito acabado,
mas acabado a respeito de outro preterito, que
suppõe depois de si, como : Hontem ao meio dia,
quando chegou Antonio, tinha eu jantado
. O mesmo
se deve dizer do futuro perfeito Terei sido. O auxiliar
Terei nota hum futuro, e o participio perfeito
Sido denota outro, a respeito do qual o primeiro he
acabado, como : A’ manhã, quando tu chegares, terei
feito o que me encommendas
.205

O que succede com os tempos perfeitos, acontece
tambem com os imperfeitos. Elles são Relativos,
quando, alêm do tempo que significão, denotão
outro, qual he ou o da execução da acção,
ou o de huma hypothese, da qual se faz depender
a verdade da proposição affirmativa. Taes são o presente
imperfeito imperativo tu, Sêde vós, e o preterito
condicional ou imperfeito Eu seria, ou perfeito
Eu teria sido, &c.

O imperativo he hum presente quanto ao mandamento,
mas denota hum futuro quanto á execução
do que se manda ; e o preterito condicional quer
imperfeito, quer perfeito, alêm deste tempo diz sempre
relação a outro preterito, que he o da hypothese
ou condição, a qual so posta e executada, he que se
verificaria a verdade da proposição affirmativa.

Mas como esta hypothese he meramente possivel,
e o que he so possivel, póde ter a sua existencia
em todos os tempos ; daqui vem que a Linguagem
affirmativa condicional, cujos tempos andão sempre
concordes com os da sua condição, tambem se póde
empregar e applicar a todos os tempos, e dizermos :
Eu partiria hontem, se tivesse em que ; Eu
partiria ja, se tivesse em que ; Eu partiria á manhã,
se tivesse em que
. Esta Linguagem Partiria he
do tempo preterito imperfeito, porque a da sua condição
Se tivesse he do mesmo tempo. E bem assim
podemos tambem dizer : Eu teria partido hontem, se
tivesse tido em que ; Eu teria partido a esta hora,
se N
. tivesse chegado ; e A’ manhã a esta hora teria
eu partido, se hoje me não tivessem embaraçado.
Esta Linguagem Teria partido he do tempo preterito
perfeito ; porque as das suas condições Tivesse tido,
Tivesse chegado, Tivessem embaraçado
são do mesmo.

Na Linguagem condicional imperfeita a execução
206da promessa sería simultanea com a execução da
condição : na perfeita a execução da promessa sería
posterior á da hypothese. Mas tanto a promessa como
a condição ficão sempre na massa dos possiveis,
que nunca existirão, nem existiráõ, que porisso os
antigos Grammaticos chamavão Potenciaes estas Linguagens.
Dos Tempos em geral passemos ja aos de
cada modo em particular.

§ III.
Das Linguagens do Modo Infinito.

O modo Infinito tem Linguagens, porêm não
tem tempos. Porque o seu caracter he enunciar pura
e simplesmente a coexistencia do attributo em hum
sujeito qualquer, abstrahindo os tempos, numeros, e
pessoas ; e posto que a nossa Lingua faça huma excepção
nesta regra, ella comtudo he geral em todas as
mais. Porisso este modo se chamou Infinito, isto he,
indeterminado ; porque não determina circunstancia
alguma daquellas, que os mais modos determinão ;
participando assim da natureza do nome appellativo
e adjectivo para, como elles, poder ser complemento
de outros verbos, e das preposições,

Este modo tem so quatro Linguagens, que são
dous Infinitos, hum Impessoal, e outro Pessoal ; e
dous Participios, hum Imperfeito, e outro Perfeito,
como vamos a ver.

1.° Infinito Impessoal.

Esta fórma, terminada sempre em R, he a primitiva
de todos os verbos, e por consequencia tambem
do verbo substantivo, e seus auxiliares, a saber : Ser,
Haver de ser, Estar sendo, Ter sido
. Esta Linguagem
207he hum verdadeiro substantivo appellativo verbal.
Participa do verbo a propriedade de enunciar vagamente
a coexistencia de huma idea em outra ; e do
nome o poder ser ja sujeito e attributo de outro
verbo, e de si mesrno, como : Ser he melhor que não
Ser ; ja complemento objectivo, como : Desejo ser ;
ja em fim complemento de qualquer preposição, como :
A ser, De ser, Para ser &c. Por esta mesma razão
não tem tempo algum, e por isso se póde applicar a
todos, como o applica o seu auxiliar Haver no uso,
que delle faz com a preposição De.

2.° Infinito Pessoal.

Esta Linguagem he hum idiotismo singular, so
proprio da Lingua Portugueza, que conjuga a fórma
primitiva de seus verbos por numeros e pessoas, dizendo
no singular : Ser eu, Seres tu, Ser elle, e no
plural Sermos nós, Serdes vós, Serem elles ; e por
este mesmo modo os auxiliares Haver, Estar, Ter,
e todos os mais verbos.

Este infinito pessoal he outro substantivo appellativo
verbal com as mesmas propriedades que o impessoal ;
e o que tem de particular, he o enunciar a coexistencia
de hum attributo em hum sujeito differente do da
oração antecedente. Estes infinitos pessoaes dão á nossa
Lingua sobre as outras a grande vantagem de evitar
na expressão muitos equivocos, e faze-la mais breve
e corrente, desembaraçando-a da necessidade de repetir
a cada passo o sujeito da oração infinita, quando
não he determinado pelo verbo da oração finita, como
veremos adiante, quando falarmos mais particularmente
do emprego e uso destas, e outras Linguagens
em o discurso.208

3.° Participio Imperfeito.

Sendo, Havendo de ser, Estando sendo, e Tendo
sido
, são adjectivos verbaes indeclinaveis, como
todos os dos verbos adjectivos, que tomámos dos
ablativos dos participios Latinos, chamados do presente.
Antigamente acabavão elles como os ablativos
Latinos,em ante, ente, e inte ; v.g. Acabante, Conhecente,
Servinte
. Depois mudarão o te em do : porêm
ficarão com a mesma natureza de participios imperfeitos
activos, tomando do verbo a significação, e
do nome adjectivo a propriedade de se construirem
com qualquer nome, ou pronome para o modificarem.

Este participio tem dous usos na nossa Lingua,
o primeiro o de compor Linguagem com o auxiliar
Estar, como Estou sendo amante, ou Estou amando,
que he o mesmo (sum amans). O segundo o
de fazer por si huma oração á parte, porêm sempre
subordinada a outra principal, e dependente della ou
como circunstancia, ou como modo, ou como causa.
O que veremos mais largamente, quando tractarmos dos
participios dos verbos adjectivos.

4.° Participio Perfeito.

Sido, Havido. Estado, Tido, são da mesma
sorte adjectivos verbaes indeclinaveis, como os dos
verbos adjectivos, que antigamente erão declinaveis, e
assim mesmo se combinavão em Linguagem composta
com o auxiliar Ter, e na significação passiva ; porêm
depois ficarão indeclinaveis e activos. Assim o
que nossos melhores Escriptores dizião : A honra que
n’isso
tendes ganhada, Os serviços que tendes feitos ;
dizemos nós : A honra que nisso tendes ganhado,
Os serviços que
tendes feito. Estes participios
209perfeitos dos verbos assim substantivo, como adjectivo,
nunca andão se não com o auxiliar Ter para exprimirem
huma existencia ja acabada e finda, do
attributo no sujeito, em qualquer tempo ou epocha
quer actual, quer anterior, quer posterior ; que porisso
não tem tempos fixos e determinados, e se accommodão
com todos, como se vê em sua mesma conjugação
com os auxiliares. He precizo não confundir as
ideas de huma couza imperfeita ou não acabada com
as do tempo presente ; e as de huma couza perfeita
ou acabada com as do preterito. São mui differentes :
e o que he acabado, ou por acabar, póde-o
ser em qualquer tempo.

§. IV.
Dos Tempos do Modo Indicativo.

Sendo, como he, o caracter deste modo poder
elle porsi formar no discurso orações directas e affirmativas,
e estas tão absolutas e independentes, que
porsi sos podem subsistir e figurar nelle sem dependencia
de outras ; e formar outro sim orações principaes,
que subordinão e determinão outras, sem que
ellas por sua natureza sejão subordinadas : ninguem
me deve levar a mal, que eu, para simplificar e facilitar
mais a theoria dos tempos, metta neste modo
indicativo todas as Linguagens, que tiverem este caracter,
bem que nisto me aparte da opinião commum
dos Grammaticos.

Ora dez são as Linguagens de nossa Lingua, que
tem este caracter indicativo de affirmação, independencia,
e para assim dizer, de principalidade, a saber :
tres presentes, cinco preteritos, e dous futuros,
quaes são :210

1.° Presente Imperfeito Absoluto.

Como : Sou, Hei de ser, Estou sendo. A primeira
Linguagem affirma simplesmente a existencia
actual, a segunda affirma a mesma continuada, e a
terceira affirma a mesma começada de presente na
tensão, e futura na execução. São todas humas Linguagens
imperfeitas, significativas de huma existencia
presente, não acabada, e por consequencia periodica,
que por isso posso dizer do passado : Ha muito tempo
que Sou mestre, que Estou sendo mestre
, ou ensinando ;
e do presente e futuro, Agora Hei de ser
teu conductor, A’ manhã Hei de ser conduzido por
ti
. Chama-se absoluto, porque nota so a epocha actual,
e para distincção de outro presente imperfeito
relativo, qual he o seguinte.

2.° Presente Imperfeito Imperativo.

Estas Linguagens Sê tu meu mestre, Sede vós
meus amigos, Está tu sendo vigia ou vigiando,
Estai vós vigiando
, são imperativos de presente, e
não acabadas quanto á execução. Pertencem pois á
classe dos presentes imperfeitos. São relativas, porque
notão hum mandato presente, e denotão huma execução
futura.

São humas orações absolutas e independentes,
que podem subsistir persi no discurso. Podem ser
principaes, e determinar, como determinão frequentemente,
as orações subjunctivas. Ellas são tambem directas
e affirmativas. Quem manda ou exhorta, não
enuncia com menos asseveração a existencia de huma
acção para o futuro do que quando a indica simplesmente.
O modo imperativo não destroe a affirmação,
antes a confirma. Nós servimos-nos a cada passo dos
211futuros do indicativo como imperativos, e nem por
isso deixão de ser affirmativos, e como taes contados
unanimemente entre os tempos do indicativo. Porque
se não ha de contar tambem entre elles a Linguagem
imperativa ; e que necessidade ha de fazer della hum
modo á parte ?

Este presente imperfeito imperativo tem seu logar
proprio logo immediatamente depois do presente imperfeito
absoluto, que he o seu formativo e gerador.
Não ha mais do que tirar o s final á sua segunda
pessoa do singular e do plural ; e fica formado o
imperativo em todo verbo regular. Elle não tem mais
pessoas do que estas. As terceiras, que os Grammaticos
lhe accrescentão, como Seja elle, Sejão elles, Esteja
elle, Estejão elles, não são suas ; mas emprestadas
do presente do subjunctivo, a que verdadeiramente
pertencem, e que por isso dependem de outra
linguagem indicativa, clara ou occulta, que as determine,
como por ex. Mando que seja elle, Quero que
sejão elles
.

Os verbos Haver e Ter, como auxiliares, não
tem Linguagem imperativa ; mas so como verbos activos ;
v. g. Tem tu cuidado, Tende vós cuidado. Ainda
neste mesmo sentido a unica segunda pessoa do
singular do verbo Haver, que antigamente foi Have,
e que se lê nas Regr. da Infanta D. Catharina Liv. II.
Cap. IV. e XII., não está em uso.

3.° Presente Perfeito.

Deste tempo não ha mais que huma unica Linguagem,
que he a composta do participio perfeito do
verbo Ser e do auxiliar Ter, como Tenho sido. O
auxiliar nota manifestamente hum tempo presente, e
o participio Sido denota huma existencia, da qual ja
212nada resta, e assim acabada a respeito da epocha
actual, em que estou falando.

Pelo que esta Linguagem póde-se dizer de qualquer
tempo passado, cujo periodo venha a acabar na
epocha presente. Posso dizer : Hoje, Esta semana,
Este anno, Muitos annos tenho sido Spectador de
grandes acontecimentos
. Mas não a posso dizer de
tempo algum preterito, cuja epocha tenha expirado
antes da presente. Não posso dizer : Hontem, A semana
passada, Ha dous annos tenho lido este livro,
O seculo passado tem sido fertil em acontecimentos
.
Devo dizer : Li este livro, Foi fertil em
acontecimentos
. Comtudo nossos Grammaticos confundem
em hum estes dous tempos, dizendo Li, ou Tenho
lido
.

4.° Preterito Imperfeito Absoluto.

Era, Havia de ser, Estava sendo são preteritos
de huma existencia ou simples, ou começada
então para o futuro, ou continuada ; porêm não acabada,
e por isso periodica, cujo espaço vem tocar
com o periodo actual. Esta he a razão, porque tanto
do prererito, como do presente posso dizer : Era
hontem precizo, Era ja precizo, Hontem havia eu
de partir, Agora havia eu de partir, Hontem estava
eu lendo, Agora estava eu lendo
. Ainda mesmo
do futuro se póde dizer esta Linguagem, quando he
determinada por outra, como : Disse que partia ou
partiria hontem, Que partia ou partiria hoje, Que
partia ou partiria á manhã
. Chamo Absoluto a
este preterito imperfeito para o distinguir de outro relativo,
que he o seguinte.213

5.° Preterito Imperfeito Condicional.

A este tempo pertencem as Linguagens terminadas
em ria ; como Eu seria, Eu haveria de ser,
Eu estaria sendo
 : das quaes huns fazem hum modo
á parte, que chamão Condicional ou Suppositivo ; e
outros não, contando as entre os tempos do modo subjunctivo.
Mas para que he multiplicar modos sem necessidade ?
Estas Linguagens são evidentemente affirmativas,
posta huma hypothese. Esta hypothese ou
condição, de baixo da qual affirmão, não lhes tira a
affirmação. Esta proposição Eu seria feliz se quizesse
não he menos affirmativa do que esta Eu serei feliz
se quizer
. Toda a differença está em a condição
da primeira ser preterita e possivel, e a da segunda
futura e factivel.

Estas Linguagens alêm disso formão proposições
principaes e independentes, que bem longe de serem determinadas,
ellas mesmas determinão sempre as condicionaes,
com que andão junctas, e que lhes são subordinadas.

As Linguagens do preterito perfeito relativo, acabadas
em ra, como Fôra, Houvera de ser, Estivera
sendo
, põem-se muitas vezes em lugar das condicionaes
em ria ; novo argumento de que, assim como
aquellas são indubitavelmente indicativas, assim tambem
o são estas. Os nossos melhores Escriptores empregão
frequentissimamente aquellas tanto para a proposição
affirmativa, como para a condicional. Ex. Se
eu fôra hum dos benemeritos ; em mim mesmo, e no
meu proprio merecimento achará tão grandes razões
de me consolar, que sem outra mercê nem despacho,
me dera por mui contente e satisfeito
. (1)11 Onde a
primeira Linguagem Fôra faz a proposição condicional,
214e subordinada ; e as segundas Achara e Dera
fazem as duas proposições affirmativas, huma principal,
e outra incidente, e valem tanto como Acharia
e Daria, pelas quaes se podem substituir.

Este arranjamento da Linguagem condicional em
ria no modo indicativo diminue em grande parte
os embaraços, em que se vêm os Grammaticos, que as
collocão no subjunctivo, para distinguirem os casos,
em que se ha de usar ou da fórma em sse, ou da em
ra, ou da em ria.

A fórma em ria sempre he indicativa, e por
isso nunca póde ser determinada pelas outras fórmas
indicativas dos verbos, que costumão levar outros ao
subjunctivo, quaes são os verbos de Duvidar, e os
que exprimem Desejo e vontade. Se algumas vezes he
determinada, como o são outras Linguagens do indicativo,
he so pelos verbos de Dizer e Julgar, que
affirmão sem incerteza, nem contingencia alguma. Eu
posso dizer : Elle disse que viria, Eu soube que elle
viera
, assim como, Disse que vinha, Soube que viera.
Porêm não posso dizer : Desejei que elle viria,
Duvidei que elle viera ; mas sim que viesse.

Mais : A fórma ria nunca se póde fazer condicional,
nem optativa, como as em sse e ra. Posso dizer,
Se eu fosse ou fôra, Oxalá eu fosse ou fôra ;
mas de modo nenhum Se eu seria, Oxalá eu seria.
Da mesma sorte esta Linguagem póde-se fazer dubitativa
pela conjuncção Se em lugar de Se por ventura,
como nesta frase, Duvidei se, chamando-o eu,
elle viria
 ; mas ja não com Que deste modo, Duvidei
que, chamando-o eu, elle viria ou viera
, e devo
dizer viesse.

A razão disto não he outra senão serem as Linguagens
em ria e em ra de sua natureza indicativas,
e assim podermos dizer : Duvidei se elle viria, Duvidei
Se elle viera, como dizemos Duvidei se vinha,
215Duvidei se tinha vindo
. Mas disto mesmo teremos
nós ainda occasião de falar em outras partes.

6.° Preterito Perfeito Absoluto.

Eu fui, Eu houve ou tive de ser, Eu estive
sendo
são Linguagens de hum tempo passado, e
de huma existencia ja acabada em respeito á epocha
actual ; porêm absoluta e indeterminadamente sem dizer,
quando foi acabada ; e esta he a razão, porque se
podem dizer tambem do tempo presente, quando delle
resta ainda alguma couza, como : Agora fui sabedor
ou soube ; Esta manhã houve eu de ser presente
ou de presenciar ; Hoje estive presente ou presenciando
.
Porque huma hora, huma manhã, hum dia
tem sua extensão, e nesta póde alguma couza ter cessado
de existir sem que a mesma extensão ou espaço
tenha expirado.

A Linguagem simples Fui mostra a cessação da
existencia simplesmente ; a composta Houve de ser
mostra a cessação de huma existencia, começada no
preparo, porêm não acabada na execução ; e a terceira
Estive sendo mostra a cessação de hum estado ou
existencia continuada por algum espaço.

Daqui he facil de perceber a differença do preterito
perfeito absoluto ao presente perfeito relativo. Posso
dizer Hoje, Esta manhã, Agora tenho sido sabedor,
como digo Fui sabedor ; porque falo de hum
tempo, que não está ainda acabado. Porêm não posso
dizer Hontem tenho sido sabedor, como posso dizer
Hontem fui sabedor ; porque falo de hum tempo ja
acabado a respeito do presente. Errão pois os Grammaticos,
quando so com a differença de simples e composto
dão o mesmo nome de preterito perfeito a estas
duas Linguagens : Eu amei, ou tenho amado.

O verbo Ter, como verbo adjectivo, tem este
216preterito na significação de Possuir, como Tive razão,
Tive que fazer
. Porêm como auxiliar não o
tem na nossa Lingua, como o tem na Castelhana Hube
sido
, e na Franceza J’eus eté. Nós não dizemos Tive
sido
na Linguagem substantiva, nem Tive feito esta
couza
na Linguagem adjectiva ; mas sim Tive esta
couza feita
, usando do verbo Ter na sua accepção
primitiva de Possuir, e do participio passivo declinavel,
concordado com o substantivo, como usavão nossos
primeiros Escriptores não so em este tempo, mas
em todos os mais, dizendo : Como foram os (serviços)
que ateagora tendes feitos. (1)12 Como pela muita
honra, que nisso tendes ganhada
. (2)13 Donde vem
terem feitas em nossos tempos em Africa e em Asia
façanhas tão excellentes e pasmosas
. (3)14 Mas se o
verbo Ter, neste tempo não he auxiliar com o participio
Sido ; pode-o ser com o seu infinito impessoal
em lugar do verbo Haver, e dizermos Tive de ser
em lugar de Houve de ser.

7.° Preterito Perfeito Relativo.

Este preterito nota huma existencia não so passada,
como o preterito imperfeito ; e não so passada e
acabada indeterminadamente, como o preterito absoluto ;
e não so passada e acabada relativamente á epocha
actual da palavra, como o presente perfeito ; mas
passada e acabada relativamente a outra epocha tambem
passada, mas ha mais tempo, e marcada ou por
hum tempo determinado, ou por hum facto, quer
expresso, quer subentendido, como quando digo : Hontem
ao meio dia tinha eu acabado esta obra
 ; onde
o Meio dia he a epocha passada, a respeito da qual,
217e antes della era ja passada e acabada a obra. E
quando digo ; Eu tinha saido, quando elle entrou  ;
a entrada
he tambem huma epocha preterita a respeito
da presente, em que estou falando. Mas a minha
saida não so he anterior e passada, mas ainda concluida
e acabada a respeito da dita entrada.

Nós temos cinco Linguagens para exprimir este
tempo, huma simples, que he Fôra, e quatro compostas
do mesmo verbo Ser e de seus auxiliares, que
são Houvera de ser, Estivera sendo, Tinha sido, e
Tivera sido
. As Linguagens Houvera de ser, e Estivera
sendo
exprimem no tempo preterito huma couza
ou começada para o futuro, ou continuada por algum
tempo antes de outra, pertencente ao mesmo tempo
preterito ; como : Sei que tu estiveras sendo ouvinte,
ou ouvindo o meu discurso antes d’hontem ; e eu houvera
de por isso ser mais acautelado
.

As tres Linguagens Fora, Tinha sido, e Tivera
sido
são synonymas ; porêm com differente uso em
nossa lingua : Tivera sido não se emprega ordinariamente
se não nas orações incidentes e integrantes ; nas
principaes não se usa se não como condicional. Assim
posso dizer : Elle disse que nunca tivera sido doente,
mas ja não : Elle nunca tivera sido doente em
lugar de Nunca tinha sido.

As duas Linguagens Fôra e Tinha sido não so
se usão nas orações incidentes, mas ellas mesmas fazem
orações principaes, e a segunda ainda mais que
a primeira. Para prova disto apontarei, entre muitos,
alguns exemplos tirados de nossos melhores Escriptores,
em que o preterito perfeito simples he empregado no
principio das orações em lugar do composto do auxiliar
Tinha, e do participio perfeito activo ; como : Viera
Urbano com parte de seu rebanho da ribeira do Tejo,
patria sua, desterrado a seu pezar
. (1)15 Mal poeria
218Adam nome á não ; pois nunca navegara
(1)16. Fôra
a Cidade antigamente habitada de Bramenes (2)17.
Quizera o Governador dissuadil-o (3)18. Onde as Linguagens
simples Viera, Navegara, Fôra, Quizera,
fazem proposições principaes, e valem tanto como Tinha
vindo, Tinha navegado, Tinha sido habitada
,
e Tinha querido.

Mas daqui não se segue, que huma Linguagem
se possa sempre pôr em lugar de outra indifferentemente.
Ellas todas são preteritos perfeitos relativos a huma
epocha tambem preterita ou expressa, ou subentendida.
Quando a epocha está expressa, a Linguagem composta
Tinha sido he então mais usada, e nem sempre
se póde substituir pela simples Fôra. Se posso dizer :
Eu tinha saido, quando elle entrou ; não posso
dizer : Eu saira, quando elle entrou. Em todos os
exemplos acima não ha epocha alguma determinada.

8.° Preterito Perfeito Condicional.

Este preterito tem huma fórma propria e sua,
que he a composta do auxiliar Ter, e do participio
Sido, como as de todos os mais tempos perfeitos relativos.
Tal he Teria sido, que he hum preterito condicional
como o da Linguagem Seria, ambos acabados
em ria, que he a terminação caracteristica das
Linguagens condicionaes. Mas Seria he hum preterito
imperfeito condicional, e Teria sido hum preterito perfeito
condicional. Neste modo de falar, por ex. Eu seria
feliz, se seguisse teus conselhos
, a Linguagem Seria
nota hum tempo passado, mas não acabado a respeito
de huma condição tambem passada, mas igualmente
não acabada ; que por isso a mesma Linguagem Seria
219se póde dizer do presente a respeito de huma
condição, que se suppõe ja acabada, como : Eu seria
agora feliz, se tivesse seguido teus conselhos
.

Porêm em estoutro modo de falar : Eu teria sido
feliz, se tivesse seguido teus conselhos
, a Linguagem
Teria nota hum preterito, e o participio perfeito
Sido mostra que o mesmo preterito deveria ser acabado
a respeito de huma condição tambem preterita e
acabada, qual exprime a Linguagem subjunctiva do
mesmo tempo Tivesse seguido.

Alêm da Linguagem em ria propria tem este
tempo mais duas, emprestadas do preterito perfeito relativo
com a terminação em ra, que são a composta
Tivera sido, e a simples Fôra. A primeira, que como
preterito perfeito relativo não entra se não nas proposições
incidentes, faz a proposição principal e affirmativa
nas condicionaes, como Eu tivera sido feliz,
se &c. em lugar de Eu teria sido. A segunda, que
se põe muitas vezes em lugar da condicional imperfeita,
como vimos atraz, põe-se igualmente pela perfeita deste
tempo em lugar de Teria sido, como neste exemplo :
Era o Hidalcão liberal e valeroso ; e sem duvida
fôra hum grande principe, se conservára o reino
com as mesmas virtudes, com que soube adquiril-o
(1)19.

Onde Fôra está por Tivera ou Teria sido, e Conservára
por Tivesse conservado, e disto ha infinitos
exemplos.

Daqui se vê que a Linguagem indicativa em ra
tem quatro usos na nossa Lingua. O primeiro de condicional
imperfeita em lugar de Seria ; o segundo de
preterito perfeito relativo em lugar de Tinha sido ; o
terceiro de condicional pefeito em lugar de Teria ou
Tivera sido ; e o quarto de preterito subjunctivo ou
imperfeito em lugar de Fosse, ou perfeito em lugar
de Tivesse sido.220

Mas nem por isso daqui se segue, que quando a
Linguagem em ra passa a ser condicional, passe tambem
a ser subjunctiva, como o he a Linguagem em
sse, que muitas vezes substitue. A conjuncção condicional
se não he signal certo de que a Linguagem, a
que se ajunta, seja subjunctiva, Nós ajuntamol-a a todas
as Linguagens indicativas, menos ás do futuro.
A Lingua Franceza nas suas Linguagens condicionaes
exprime sempre a condição pelos preteritos do indicativo,
dizendo : Je lirois, si j’avois des livres :
J’aurais diné avant midi, si l’on ne fut pas venu
m’en detourner
. O que nós dizemos : Eu lera, se tivera
livros : Eu tivera jantado antes do meio dia,
se me não tiverão estorvado disso
.

O que decide se a Linguagem he, ou não subjunctiva,
he poder ser, ou não determinada por verbos,
que exprimem duvida, medo, desejo, ou vontade ;
e não o podendo ser, não he subjunctiva. Ora
nós dizemos : Duvidei que viesses, ou que tivesses
vindo
 ; e não podemos dizer, Duvidei que virias
ou vieras, que Terias ou Tiveras vindo. Não pertencem
pois estas Linguagens ao modo subjuntivo,
onde as põem os nossos Grammaticos, mas ao indicativo,
onde as puzemos.

Futuro Imperfeito.

O futuro imperfeito exprime huma existencia posterior
á epocha, em que estou falando, ou simples,
como Serei ; ou começada e por concluir, como Haverei
de ser
 ; ou continuada, como Estarei sendo :
mas huma existencia indeterminada e não acabada,
como Eu Serei presente, Eu haverei ou Terei de
ser presente, Eu Estarei presente á manhã á tua partida
.
Huma couza, que ha de começar, ou que
começada ha de continuar no tempo futuro, não póde
221existir de presente. Pelo que não posso dizer com verdade
e exactidão : Agora haverei, Haverei de ser
presente, Agora estarei escrevendo
. Mas a existencia
de huma couza, que ha de existir, póde principiar
ja. Pelo que posso muito bem dizer : Desde agora
serei teu amigo
, e Escreverei a vida de D. João
de Castro
, quando principío a escrevel-a.

Este futuro tem a força de imperativo, quando
exprime hum mandato, ou huma prohibição, como :
Amarás a Deos de todo teu coração, Não mentirás,
que valem o mesmo que Ama a Deos de todo teu
coração
, e Não mintas.

10.° Futuro Perfeito.

Este tempo tambem he hum futuro, como o antecedente ;
mas hum futuro acabado a respeito de outra
couza futura, como : A’ manhã, ao nascer do Sol,
antes de tu chegares
, terei eu partido. He pois hum
futuro perfeito relativo, como o presente perfeito, e
o preterito perfeito ; os quaes todos sempre tem dous
tempos, hum principal, notado pela Linguagem do
auxiliar Ter, e outro concomitante, denotado pelo
participio perfeito Sido, que levando comsigo a idea
de huma existencia acabada, esta se não póde dizer
tal, se não relativamente a huma epocha do mesmo
tempo ou presente, ou preterito, ou futuro.

§. V.
Dos Tempos do Modo Subjunctivo.

O Subjunctivo, ou Conjunctivo he hum modo,
pelo qual o verbo enuncia a coexistencia do attributo
no sujeito de huma maneira affirmativa, porêm indirecta
e dependente de outro verbo claro ; ou occulto
222que o determina ; e sem o qual não faz sentido, nem
póde estar na oração. Chamão-se subjunctivas estas
Linguagens, por que são de sua natureza subordinadas
a outras, e ligadas com ellas ordinariamente pelo conjunctivo
Que.

He verdade, que tambem ha orações indicativas,
determinadas por outras, e ligadas com estas pelo mesmo
conjunctivo Que, como : Creio que Antonio he
vindo
 : mas estas não o são de sua natureza, e desligadas
das que as prendem, ficão absolutas, e podem estar
sos na oração, como : Antonio he vindo. As subjunctivas
porêm são taes de sua mesma natureza de sorte,
que separadas das que as determinão, nenhum sentido
fazem, e estão sempre pedindo ourra, que lhes determine
e complete o sentido. Nestas, por ex. Duvido
que partas á manhã ; se partires no outro dia, talvez
te possa acompanhar
 ; as subjunctivas Partas á
manhã, Partires no outro dia
, e Te possa acompanhar,
por si nenhum sentido fazem para poderem estar
sos. Este modo não tem mais que seis tempos, a
saber : presente, preterito, e futuro, ou imperfeitos e
não acabados, ou perfeitos e acabados.

1.° O Presente Imperfeito.

As Linguagens Seja, Haja de ser, Esteja sendo
são do tempo presente nestas orações : Estimo que
sejas o que és = Estimo que estejas gozando da companhia
dos teus
= Espero que teus serviços hajão
agora de ser premiados. Porêm as mesmas Linguagens
parecem do futuro nestes lugares de João de Barros :
A Lingoagem Portugueza, que tenha esta gravidade,
não perderá a força para declarar, mover,
deleitar, e exhortar á parte, a que se inclina. =
Assim que podemos usar de alguns termos Latinos,
que a orelha bem receba. = Não são todos para isso
223licenciados ; e os que o forem, será em alguns vocabulos,
que a natureza da nossa Linguagem aceite
(1)20.
Onde as Linguagens Tenha, Receba, Aceite,
valem por Tiver, Receber, Aceitar.

A razão disto he tirada da natureza mesma dos
tempos imperfeitos ou não acabados, cujas existencias
são continuadas sem determinação de fim ; o
que se diz do presente se póde tambem dizer em algum
modo do futuro, cujo periodo vem a coincidir
com o do presente. Os verbos mesmos de Duvidar,
Desejar
, e Mandar, que são os unicos, que levão
os outros verbos ao subjunctivo, tendo sempre por
objecto couzas futuras, incertas, e contingentes, concorrem
muito para isto mesmo.

2.° Presente Perfeito.

Ja, se digo : Estimo que sejas, ou tenhas vindo ;
esta Linguagem he tambem hum presente, porque fala
delle, e emprega para isso a mesma fórma, que
acima Sejas, Tenhas : mas he hum presente perfeito,
ou acabado ja a respeito da epocha presente. Por isso
nam posso dizer a respeito de huma epocha ja passada,
e da qual nada resta : Estimo que tenhas vindo
hontem, e muito menos de huma futura : Estimo que
á manhã tenhas vindo
 : mas sim : Estimo que tivesses
vindo hontem : Estimarei se á manhã pela manhã tiveres
vindo. O que a este respeito dissemos dos tempos
perfeitos relativos do indicativo, he applicavel tambem
aos do subjunctivo.

3.° Preterito Imperfeito.

O preterito imperfeito do subjunctivo não tem na
224Lingua Portugueza senão huma unica fórma e terminação,
que he em sse, como Fosse, Houvesse de
ser, Estivesse sendo
. A Castelhana tem outra, que
he em ra, como : El queria, ó quiso, ó habia querido
que yó
viniera ó viniesse, que tu vinieras ó viniesses,
que el viniera ó viniesse, &c. E talvez daqui
procedesse que nossos Grammaticos, achando no
Portuguez a mesma Linguagem em ra, a collocassem
não so no indicativo, mas tambem no subjunctivo,
seguindo a analogia da Lingua matriz. Porêm não reflectirão
que, se nós dizemos : Elle queria que eu
viesse ; ja não dizemos como em Castelhano : Elle queria
que eu
viera.

Este preterito he imperfeito e periodico, e conforme
a natureza desta especie de tempos pode-se dizer
não so do tempo passado e do presente, mas ainda
do futuro, quando a este he determinado por verbos,
que tem por objecto couzas futuras, como são os
de Mandar, Desejar, Temer, e Duvidar. Por esta
razão não so dizemos : Eu desejava que elle chegass
hontem, ou que elle chegasse hoje : mas tambem que
elle
chegasse á manhã.

Porêm ja não posso dizer : Duvidava que elle
chegasse á manhã ; porque o duvidar, não demanda de
sua natureza hum futuro. A Linguagem condicional
do indicativo he mais propria para dizer : Duvidei se
chegaria á manhã. Quando estas Linguagens condicionaes
são as que determinão as do preterito imperfeito
do subjunctivo ; como ellas são de todos os tempos,
segundo o que atraz dissemos, podem determinar
aquellas a hum tempo futuro, como : Partiria
á manhã
, se tu quizesses ; o que, sem hypothese, he
o mesmo que Partirei á manhã, se tu quiseres.225

4.° Preterito Perfeito.

Ja não passa o mesmo com este tempo, que tambem
he preterito, mas perfeito e acabado a respeito
de outra couza tambem preterita, como : Se eu tivesse
sido sciente disto, ou tivesse sabido isto ha dous
dias, teria tomado outra resolução : Desejei que
tivesses
sido presente ao caso, quando succedeu : e não
Desejei que agora tivesses sido presente a este caso ;
e muito menos que á manhã tivesses sido presente.

Quando as Linguagens determinantes são hypotheticas,
corre outra regra. Por ex. nesta frase : A’ manhã,
a esta hora, teria eu partido, se hoje me não

tivessem embaraçado ; a Linguagem condicional do
preterito perfeito Teria eu partido determina a do
preterito prefeito snbjunctivo Se me não tivessem embaraçado
a huma epocha presente, qual he a do dia
de Hoje ; porêm que tem sua extensão, para de parte
della, ja passada ao tempo, em que se fala, se poder
dizer : Se hoje até agora me não tivessem embaraçado ;
á manhã a esta mesma hora teria eu partido.

5.° Futuro Imperfeito.

Assim como as Linguagens do preterito imperfeito
e perfeito do subjunctivo são as proprias para formarem
a condição das Linguagens condicionaes do
indicativo, que as determinão : assim as do futuro imperfeito
e perfeito do mesmo subjunctivo servem de
condicionaes ás do presente e futuro imperfeito e perfeito
do indicativo, que são as suas determinantes proprias,
como : Se fores applicado, aprenderás = Se houveres
de ser pregador, pratíca primeiro o que houveres
de prégar = Quando estiveres lendo, medita no
que
leres. As incidentes de futuro contingente, como
226as acima, O que houveres de prégar, No que leres,
e outras semelhantes, sempre se fazem com estas Linguagens.

Todas estas Linguagens são do futuro imperfeito,
e por isso se podem tambem dizer de hum tempo presente,
de que ainda resta alguma couza, como : Se
eu
for hoje ao campo, passarei por tua casa.

6.° Futuro Perfeito.

Ja este futuro, por isso mesmo que he perfeito e
acabado, se não póde dizer de hum tempo ou periodo,
de que ainda resta alguma parte. Elle marca sempre
huma couza futura, porêm ja finda e acabada a
respeito de outra tambem futura, a qual lhe serve de
epocha e termo para mostrar em que tempo a outra
ja não existia ; como por ex. Se á manhã a esta
hora
tiver chegado a Lisboa, ainda te poderei vêr
antes de partires
.

As fórmas regulares destes dous futuros do subjunctivo
são as mesmas que as dos infinitos pessoaes. Para
prova disto basta ajuntar aos mesmos infinitos a conjuncção
se para os fazer passar de hum modo a outro,
como Amar, Amares, Amar, Amarmos, Amardes,
Amarem, se
faz subjunctivo dizendo : Se eu
amar, Se tu amares
, &c. Não succede ordinariamente
o mesmo com os verbos irregulares, como o verbo
substantivo e seus auxiliares, que fazendo no infinito
Ser, Haver de ser, Estar sendo, Ter sido ; no futuro
do subjunctivo fazem For, Houver, Estiver,
Tiver
, e assim outros muitos. Isto mostra que os verbos
irregulares tinhão ao principio duas fórmas infinitas,
as quaes sendo os principaes formativos dos tempos
do verbo ; não he para admirar que suas conjugações
se apartem da regra commum dos verbos regulares,
que tem hum so infinito por unico gerador de
227muitos tempos. Mas disto teremos occasião de falar
mais a proposito, quando tractarmos de reduzir, quanto
possivel for, os verbos irregulares de nossa Lingua
á analogia commum.

§. IV.
Dos Numeros, e Pessoas do Verbo.

O verbo não enuncia a existencia de qualquer attributo
e qualidade, se não em huma couza ou individuo,
em que exista como em seu sujeito. Este sujeito
porêm póde ser ou hum so, ou mais ; e daqui a
necessidade de haver em os tempos dos verbos terminações,
que indicassem o numero destes sujeitos, que
fazem o principal objecto da oração.

Os numeros pois do verbo são dous, Singular, e
Plural. O singular indica, que o sujeito da oração
he hum so, como Eu sou amante, Tu estás amando,
Elle
ha de ser amante. O plural indica que não
he hum so, mas muitos, os que fazem na oração, como :
Nós somos amantes, Vós estais amando, Elles
tem amado.

As terminações temporaes, indicativas destes numeros
são pela maior parte as letras finaes ; a saber :
As vogaes para a primeira e terceira pessoa do singular :
a consoante liquida s para a segunda do singular,
e primeira e segunda do plural : e os diphthongos nasaes
para todas as terceiras pessoas do plural. Esta he
a idea mais geral, que se póde dar destas terminações
numeraes.

O numero dos sujeitos da oração era necessario
para a sua verdade ; porêm a distincção da qualidade
dos mesmos por ordem ao papel e figura, que fazem
no discurso, não o era menos para a sua clareza e
intelligencia. Cada numero pois tem tres fórmas differentes
228segundo as tres figuras ou personagens, que
qualquer sujeito póde fazer no discurso ; ou primeira
quer do singular, quer do plural, que he aquella,
que fala, como Eu sou quem falo ; ou segunda que
he aquella, com quem se fala, como Tu es com quem
estou falando ; ou terceira, que he aquella, de quem
se fala, como Esse he de quem se fala ; e do mesmo
modo no plural Nós somos, Vós sois, Elles são.

As terminações adoptadas ; para designar estas differentes
personagens, que figurão no acto da palavra,
são as mesmas que as dos numeros ; porêm com differentes
elementos, que compõem as syllabas finaes. Geralmente
podemos dizer que as vogaes a, e, i, o, são
as finaes da primeira e terceira pessoa do singular de
quasi todos os tempos ; que a segunda do mesmo numero
acaba sempre em as ou aste, em es ou este ;
que a primeira do plural acaba constantemente em
mos, a segunda em ais ou astes, em eis ou des, em
is ou des ; e a terceira ou em ão, ou em em, segundo
a terceira do singular tem a, ou e. O que tudo
melhor se verá nos paradigmas das conjugações regulares,
que poremos adiante, e ainda nos das conjugações
irregulares do verbo substantivo, e seus auxiliares,
que passamos a representar.229

§ VII.
Paradigmas da conjugação do verbo substantivo,
e seus auxiliares.

Modo Infinito

Impessoal.

Ser. Haver de ser. Estar sendo. Ter sido.

Pessoal.

S.
1.ª Ser. Haver de Ser. Estar Sendo. Ter Sido.
2.ª Seres. Haveres de Ser. Estares Sendo. Teres Sido.
3.ª Ser. Haver de Ser. Estar Sendo. Ter Sido.

P.
1.ª Sermos. Havermos de Ser. Estarmos Sendo. Termos Sido.
2.ª Serdes. Haverdes de Ser. Estardes Sendo. Terdes Sido.
3.ª Serem. Haverem de Ser. Estarem Sendo. Terem Sido.

Participio Imperfeito.

Sendo. Havendo de ser. Estando sendo. (1)21

Participio Perfeito.

Tendo sido. (2)22230

Modo indicativo.

Presente Imperfeito Absoluto.

S.
1.ª Sou. (1)23 Hei de Ser. Estou Sendo.
2.ª Es. (2)24 Hás de Ser. Estás Sendo.
3.ª He. Há de Ser. Está Sendo.

P.
1.ª Somos. Havemos de Ser. Estamos Sendo.
2.ª Sôis. Haveis (3)25 de Ser. Estaes Sendo.
3.ª São. Hão de Ser. Estão Sendo.

Presente Imperfeito Imperativo.

S. 2.ª tu. Está tu
P. 2.ª Sêde vós. Estai vós / Sendo. (4)26231

Presente Perfeito.

S.
1.ª Tenho Sido.
2.ª Tens Sido.
3.ª Tem Sido.

P.
1.ª Temos Sido.
2.ª Tendes Sido.
3.ª Tem Sido.

Preterito Imperfeito Absoluto.

S.
1.ª Era. Havia de Ser. Estava Sendo.
2.ª Eras. Havias de Ser. Estavas Sendo.
3.ª Era. Havia de Ser. Estava Sendo.

P.
1.ª Eramos. Haviamos de Ser. Estavamos Sendo.
2.ª Ereis. Havieis de Ser . Estaveis Sendo.
3.ª Erão. Havião de Ser. Estavão Sendo.

Preterito Imperfeito Condicional.

S.
1.ª Seria. Haveria de Ser. Estaria Sendo.
2.ª Serias. Haverias de Ser. Estarias Sendo.
3.ª Seria. Haveria de Ser. Estaria Sendo.

P.
1.ª Seriamos. Haveriamos de Ser. Estariamos Sendo.
2.ª Serieis. Haverieis de Ser. Estarieis Sendo.
3.ª Serião. Haverião de Ser. Estarião Sendo.232

Preterito Perfeito Absoluto.

S.
1.ª Fui. Houve de Ser. Estive Sendo. Tive. (1)27
2.ª Fôste. Houveste de Ser. Estiveste Sendo. Tiveste.
3.ª Fôi. Houve de Ser. Esteve Sendo. Teve.

P.
1.ª Fomos. Houvemos de Ser. Estivemos Sendo. Tivemos.
2.ª Fôstes. Houvestes de Ser. Estivestes Sendo. Tivestes.
3.ª Fôrão. Houverão de Ser. Estiverão Sendo. Tiverão.

Preterito Perfeito Relativo.

S.
1.ª Fora ; Tinha, ou Tivera Sido.
2.ª Foras ; Tinhas, ou Tiveras Sido.
3.ª Fora ; Tinha, ou Tivera Sido.

P.
1.ª Foramos ; Tinhamos, ou Tiveramos Sido.
2.ª Foreis ; Tinheis, ou Tivereis Sido.
3.ª Forão ; Tinhão, ou Tiverão Sido.

Preterito Perfeito Condicional.

S.
1.ª Teria, ou Tivera sido, ou Fora.
2.ª Terias, ou Tiveras sido, ou Foras.
3.ª Teria, ou Tivera sido, ou Fora.233

P.
1.ª Teriamos, ou Tiveramos sido, ou Foramos.
2.ª Terieis, ou Tivereis sido, ou Foreis.
3.ª Terião, ou Tiverão sido, ou Forão.

Futuro Imperfeito.

S.
1.ª Serei. Haverei de Ser. Estarei Sendo.
2.ª Serás. Haverás de Ser. Estarás Sendo.
3.ª Será. Haverá de Ser. Estará Sendo.

P.
1.ª Seremos. Haveremos de Ser. Estaremos Sendo.
2.ª Sereis. Haverêis de Ser. Estareis Sendo.
3.ª Serão. Haverão de Ser. Estarão Sendo.

Futuro Perfeito.

S.
1.ª Terei Sido.
2.ª Terás Sido
3.ª Terá Sido

P.
1.ª Teremos Sido
2.ª Terêis Sido
3.ª Terão Sido234

Modo Subjunctivo.

Presente Imperfeito.

S.
1.ª Seja. Haja de Ser. Esteja (1)28 Sendo.
2.ª Sejas. Hajas de Ser. Estejas Sendo.
3.ª Seja. Haja de Ser. Esteja Sendo.

P.
1.ª Sejamos. Hajamos de Ser. Estejamos Sendo.
2.ª Sejaes. Hajaes de Ser. Estejaes Sendo.
3.ª Sejão. Hajão de Ser. Estejão Sendo.

Presente Perfeito.

S.
1.ª Tenha Sido.
2.ª Tenhas Sido.
3.ª Tenha Sido.

P.
1.ª Tenhamos Sido.
2.ª Tenhaes Sido.
3.ª Tenhão Sido.235

Preterito Imperfeito.

S.
1.ª Fosse. Houvesse de Ser. Estivesse Sendo.
2.ª Fosses. Houvesses de Ser. Estivesses Sendo.
3.ª Fosse. Houvesse de Ser. Estivesse Sendo.

P.
1.ª Fossemos. Houvessemos de Ser. Estivessemos Sendo.
2.ª Fosseis. Houvesseis de Ser. Estivesseis Sendo.
3.ª Fossem. Houvessem de Ser. Estivessem Sendo.

Preterito Perfeito.

S.
1.ª Tivesse Sido.
2.ª Tivesses Sido.
3.ª Tivesse Sido.

P.
1.ª Tivessemos Sido.
2.ª Tivesseis Sido.
3.ª Tivessem Sido.

Futuro Imperfeito.

S.
1.ª Fôr. Houver de Ser. Estiver Sendo.
2.ª Fôres. Hoveres de Ser. Estiveres Sendo.
3.ª Fôr. Houver de Ser. Estiver Sendo.

P.
1.ª Fôrmos. Houvermos de Ser. Estivermos Sendo.
2.ª Fôrdes. Houverdes de Ser. Estiverdes Sendo.
3.ª Fôrem. Houverem de Ser. Estiverem Sendo.236

Futuro Perfeito.

S.
1.ª Tiver Sido.
2.ª Tiveres Sido.
3.ª Tiver Sido.

P.
1.ª Tivermos Sido.
2.ª Tiverdes Sido.
3. ª Tiverem Sido.

Artigo III.
Do Verbo Adjectivo.

Se as Linguas se contentassem com explicar analyticamente
as ideas, que o verbo contêm empregando
para cada huma sua palavra ; não serião necessarias
outras Linguagens, senão as do verbo substantivo
e seus auxiliares, que acabamos de conjugar na Taboa
antecedente. Ellas satisfazem a todas as precizões da
enunciação do pensamento. Basta so ajuntar-lhes os
adjectivos expressivos da qualidade ou attributo, que
queremos affirmar de qualquer sujeito, para com ellas
se formar todo o genero de proposições.

Na voz passiva dos verbos he isto evidente. Ajuntemos
a cada huma das Linguagens antecedentes o
participio passivo de qualquer verbo adjectivo ; e sua
conjugação passiva se verá formada em hum instante,
deste modo no infinito : Ser Amado, Estar Esquecido,
Haver de ser Amado, Ter sido Amado, Sendo
Amado, Tendo sido Amado
 ; e do mesmo modo no
indicativo : Sou Amado, Heide ser Amado, Estou sendo
Amado, Estou Esquecido, Tenho sido Amado
, e
237assim nas mais Linguagens por todos os tempos, e
modos.

Se ás mesmas ajuntarmos o adjectivo verbal activo
de qualquer verbo adjectivo, que exprime simplesmente
a idea attributiva, que o mesmo verbo significa ;
achar-se-ha tambem formada de repente a voz
activa do mesmo verbo, ainda que analyticamente.
Assim bastará accrescentar a cada huma das Linguagens
antecedentes o adjectivo verbal Amante, dirivado
do verbo activo Amo, para dizer em mais palavras
o que elle diz em huma so. Ser Amante, Haver
de ser Amante, Estar sendo Amante, Ter sido
Amante, Sendo Amante, Tendo sido Amante
he o
mesmo que Amar, Haver de Amar, Estar Amando,
Ter Amado, Amando, Tendo Amado
 ; e bem assim
Sou Amante, Heide ser Amante, Estou sendo
Amante, Tenho sido Amante
val o mesmo que Amo,
Heide Amar ; Estou Amando, Tenho Amado
, so com
a differença de as primeiras Linguagens serem analyticas,
e estas syntheticas, isto he, desenvolverem aquellas
muitas ideas, que estas involvem e embrulhão em
huma so palavra.

Os Grammaticos chamão Compostas as primeiras,
e Simples as segundas, por aquellas constarem
de mais palavras, e estas de huma so. Mas falando
nós logica e exactamente, as mais compostas são as
mais simples, e as mais simples são as mais compostas ;
porque estas exprimem separadamente, cada huma
de persi, as ideas elementares, que aquellas confundem
e apanhão em hum so vocabulo.

O primeiro cuidado das Linguas, como methodos
analyticos, foi o de expressarem, á maneira dos do
calculo, todas as ideas simples e elementares de hum
pensamento por outras tantas palavras ; para deste modo
pôr á vista quanto elle continha. Satisfeita esta
primeira necessidade da Linguagem, que he a da clareza
238e distincção ; passarão depois á segunda, que he
a da brevidade e precizão, reduzindo as mesmas
ideas á menor expressão possivel para dar mais volubilidade
ao discurso, e facilitar por este modo a comparação
rapida de muitos juizos ao mesmo tempo.
Chamo a isto Reducção, tomando dos calculistas este
termo.

Hum exemplo notavel destas reducções e expressões
abbreviadas he o verbo adjectivo. Elle apanha em
si não so a significação de existencia, propria ao
verbo substantivo, com todas as suas modificações de
modos, tempos, numeros, e pessoas ; mas ajunta-lhe
alêm disso a idea adjectiva de huma qualidade ou
attributo, com a qual completa tudo, o que neccessario
he para qualquer oração.

Para perceber isto melhor, dividamos qualquer
verbo adjectivo em dous membros, partindo-o pelas
suas terminações em ar, er, e ir deste modo, Am-ar,
Tem-er, Ouv-ir
. O primeio membro, quer conste
de huma, quer de mais syllabas, quer de huma letra
so, he a parte Radical, e a unica propria do verbo
adjectivo, pela qual elle exprime a qualidade, ou
acção, que affirma da pessoa, ou pessoas, que são o
sujeito, ou agente da Linguagem. Am, por ex., Tem,
e Ouv : servem de outros tantos adjectivos, equivalentes
aos verbaes Am-ante, Tem-ente, Ouv-inte. Esta
parte radical e adjectiva he sempre a mesma e invariavel
em todos os tempos do verbo ; porque exprime
a mesma qualidade, que elle constantemente desde o
principio até o fim enuncia, das pessoas, que fazem
na oração.

A segunda porêm, que he a terminação em ar,
ou er, ou ir, na qual está toda a força do verbo substantivo,
e que, se póde dizer, he o mesmo verbo transformado ;
esta varía de continuo, e toma, como elle,
todos as fórmas necessarias para exprimir a coexistencia
239da dicta qualidade nas pessoas, de quem a enuncia
por differentes modos, e com relação a certos tempos,
numero, e qualidade das mesmas pessoas.

Na primeira parte pois do verbo adjectivo he que
consiste toda a sua propriedade, pertencendo todo o
resto ao verbo substantivo, do qual he huma reducção
e expressão abbreviada. Por ordem pois áquella
primeira parte adjectiva he que o verbo adjectivo se
divide em varias especies, segundo a significação da
mesma he ou Absoluta, ou Relativa.

Se ella exprime huma qualidade, estado, ou acção,
que fica no mesmo sujeito do verbo, sem pedir objecto
algum ou termo, em que passe ; o verbo adjectivo
chama-se então Intransitivo, como são todos os
dos versos seguintes de Camões (1)29 :

Salta, corre, sibila, acena, e brada,
Arde, morre, blasfema, e desatina
.

E os do primeiro verso do terceto de Ferreira (2)30 :

Se ris, se estudas, velas, andas, dormes ;
Não receba do corpo o esprito dano,
Nem todo em puro esprito te transformes.

Se porêm a significação do verbo he relativa, ou
ou porque exprime huma acção, que pede depois de si
hum objecto, em que se exercite, ou huma qualidade,
que pede hum termo, a que se dirija ; chama-se
então Transitivo, que póde ser ou Activo so, ou
Relativo so, ou Activo e Relativo ao mesmo tempo.
240Assim Amo he hum verbo transitivo activo so ; Dependo
he transitivo relativo so, e Dou he transitivo
activo, e ao mesmo tempo relativo.

He facil distinguir os verbos intransitivos dos
transitivos ; porque aos primeiros nunca se póde ajuntar
a pergunta ; A quem ; ou O que ? e os segundos
não so a soffrem, mas pedem-a. Por exemplo : Amo.
A quem ? A Deos. = Estimo. O que ? A virtude. =
Pertence. A quem ? A mim. = Dou. O que ? Hum
livro
. A quem ? A Pedro. Quando porêm digo : Brinco,
Salto, Corro
 ; ninguem tem direito para me perguntar
O que ? ou A quem ?

Esta divisão geral do verbo adjectivo he mais
conforme á razão Grammatical, e usos de nossa Lingua,
do que a vulgar adoptada sem maior exame das
Grammaticas Latinas, que dividem o verbo adjectivo
em Activo, Passivo, e Neutro. A Lingua Portugueza
não tem verbos passivos para poderem entrar nesta
divisão : e onde não ha verbos passivos, não póde haver
tambem verbos neutros, que são os que nem são
activos, nem passivos.

O mais acertado he dar ao verbo transitivo tres
Vozes, ou maneiras, pelas quaes sua acção póde ser
exercitada. Pois ou o sujeito da oração produz huma
acção, que outro recebe ; e este modo de a exercitar se
chama Voz activa, como Amo a Deos ; ou o sujeito
da oração recebe huma acção, que outro produz,
e he Voz passiva, como Deos he amado
por mim
 ; ou em fim o sujeito, que produz a acção,
a recebe tambem em si ; e he a Voz media, ou Reflexa,
como Eu me amo, Tu te amas, Elle se ama.
Destas tres vozes tractaremos depois em §§ separados.

A significação do verbo adjectivo, assim Intransitivo,
como Transitivo, pertence tambem a divisão
do mesmo em Frequentativo, e Não Frequentativo.
241Os frequentativos, rigorosamente taes, são os
que denotão a repetição frequente da acção significada
de seus primitivos, como : Choramingar, Choviscar,
Espicaçar, Espesinhar
, &c. Mas destes ha
poucos.

Para supprir sua falta, usamos muitas vezes do
verbo Andar, como auxiliar, com os participios imperfeitos
dos verbos, que queremos fazer frequentativos,
como Ando cuidando, Ando lendo, &c. Assim
como para os fazer Inchoativos, nos servimos do mesmo
modo do verbo Hir, como auxiliar : v. g. Vou
aquecendo, Vou aproveitando
, &c.

A divisão dos verbos em Pessoaes, e Impessoaes,
e em Simples, e Compostos ja não pertence
tanto á sua significação, quanto á sua conjugação, e
ao material do vocabulo. Chamão-se verbos Pessoaes
aquelles, que se usão em todas as pessoas de ambos
os numeros, como Bastar, Cumprir, Haver, Parecer,
Relevar, Ser
, e infinitos outros. Mas estes mesmos,
e outros passão a impessoaes, quando se empregão
so nas terceiras pessoas do singular indeterminadamente
sem expressar o sujeito, como : A mim convem
dar doutrina, a ti releva aprender sciencia, aos homens
apraz ter dinheiro, ás mulheres cumpre honestidade,
e a todos obedecer aos preceitos da Igreja
. (1)31.

Os verdadeiros impessoaes são aquelles, que se
não usão nunca se não na terceira pessoa do singular,
como : Amanhece, Anoitece, Chove, Neva, Orvalha,
Troveja
ou Trovôa, Venta, &c. Os sujeitos
destes verbos, que podem ser Deos, O Ceo, A nuvem
&c., pela maior parte se sobentendem ; ás vezes
242porêm se expressão, como : Se amanhece o Sol, a todos
aquenta
 ; e se chove o Ceo, a todos molha.

Verbos Simples são os que não tem se não huma
parte elementar da oração, como : Dizer, Falar,
Ouvir
, &c. A esta classe pertencem todos os verbos
da nossa Lingua dirivados de nomes, com o additamento
do a ou em no principio, como são, por ex.
os dirivados de Baixo, Abaixar ; de Cabo, Acabar ;
de Prompto, Apromptar ; de Manso, Amansar ; de
Pedra, Apedrejar ; de Noite, Anoitecer ; de Proveito,
Aproveitar
 ; de Puro, Apurar ; de Magro, Emmagrecer ;
de Grande, Engrandecer, &c. Os quaes
todos são simples, e não compostos. Porque a verdadeira
composição he quando se ajunta a preposição a
hum verbo simples ; o que não ha nestes : pois não
ha Proveitar, nem Magrecer, para se dizer que se
compõem com a preposição a por ad, ou com em
por in.

Verbos Compostos são os que se compõem de duas
partes elementares da oração, ou seja hum nome e o
verbo, como : Maniatar, Manobrar, Manter, Rarefazer,
Tresdobrar
 ; ou seja hum adverbio e o verbo,
como : Bemquerer, Mallograr, Menospresar,
Menoscaber
 ; ou seja de huma preposição, que por
si tenha significação na nossa Lingua, e do verbo
simples, como : Antever, Contraminar, Entreconhecer,
Sobscrever, Socavar, Sobresair, Transmontar
 ;
ou em fim da particula Portugueza Des, que he privativa,
como : Desfazer, Desobrigar, Desservir, &c.

De qualquer modo que o verbo assim se ache
composto, comtanto que elle e a palavra da composição
sejão da Lingua Portugueza, póde-se chamar composto
propriamente. São por tanto verbos compostos,
mas impropriamente assim dictos, todos os que em
grande numero nos vierão da Lingua Latina, da qual
os tomámos inteiros, e compostos ja com as preposições
243da mesma Lingua, como : Aflligir, Affeiçoar,
Exhortar
, &c. Nesta conta devem entrar os que sendo
Portuguezes, quando simples, tomão a composição
das preposições puramente Latinas, como : Retalhar,
Retornar, Transplantar, Transtornar
, e outros
semelhantes.

§ I.
Conjugação do Verbo Adjectivo em sua
Voz Activa.

A conjugação do verbo póde ser Regular, ou
Irregular. He regular, quando segue a regra commum
da formação dos tempos ; e irregular, quando ou em
tudo, ou em parte se aparta desta regra. A Lingua
Portugueza tem so tres conjugações regulares, que são
em ar, er, e ir, como Amar, Entender, Applaudir.
Os que accrescentão huma quarta em or, por causa
do verbo Pôr e seus compostos, deverião reflectir,
que este verbo he irregular, e que por consequencia
não devia entrar nas conjugações regulares ; que a entrar
deveria ter o seu lugar na segunda conjugação em
er ; pois que Pôr, não he se não huma contracção de
Poêr, como dizião nossos Antigos, e do que ainda
ha restos nos adjectivos verbaes Poente, Depoente,
Oppoente
, &c.

Chamão-se regulares estas tres conjugações, porque
seus verbos tem certas letras radicaes ao principio,
as quaes não se mudão nunca, nem alterão em
qualquer modo, tempo, numero, ou pessoa que seja

(á excepção de algumas mudanças meramente orthographicas) :
e bem assim certas terminações, que ainda
que sejão proprias de cada pessoa, são comtudo communs
a todos os verbos, pertencentes á mesma conjugação.244

As letras radicaes dos verbos regulares são as que
precedem as tres terminações do infinito em ar, er,
e ir. Assim em os verbos Amar, Entender, e Applaudir
as radicaes são am, entend, e applaud. As
terminações das pessoas são aquellas, que estão depois
das letras radicaes, as quaes sendo differentes em cada
huma das tres conjugações, são comtudo as mesmas
em todos os verbos regulares, pertencentes a cada huma
dellas. Os verbos, que não guardão esta regra, assim
da identidade das radicaes, como da uniformidade
das terminações, chamão-se por isso irregulares,
como se verá adiante.

Postos estes principios, será facil formar os tempos,
e conjugar os verbos regulares so com lhes tirar
do infinito as ultimas syllabas ar, er, ir ; e accrescentar
ás que restarem as terminações, que na taboa seguinte
dos paradigmas pomos separadas com huma
risquinha.

Nella não deveriamos metter outros tempos, se
não os simples, que á excepção dos preteritos perfeitos,
absoluto e relativo do indicativo, todos são
imperfeitos. Porque os tempos perfeitos quasi todos
são, na Lingua Portugueza, compostos do auxiliar
Ter, e do participio perfeito, ou do verbo substantivo,
ou do verbo adjectivo, que contêm em si o mesmo
participio substantivo, com o proprio adjectivo
verbal, e cujos exemplos ja ficão dados atraz nas
Linguagens do verbo substantivo e seus auxiliares.

Comtudo para completar todo o systema dos tempos
regulares, e dar hum exemplo da reducção, que
os mesmos verbos adjectivos fazem do participio
perfeito do verbo substantivo e do adjectivo verbal
proprio, em hum so vocabulo : poremos tambem na
sua ordem os tempos perfeitos compostos, na maneira
seguinte.245

Paradigmas das tres Conjugações Regulares
do Verbo Adjectivo em sua Voz
Activa.

I. Conjugação. II. Conjugação. III. Conjugação.

Modo Infinito

Impessoal.

Am-ar. Entend-er. Applaud-ir.

Pessoal.

S.
1.ª Am-ar. Entend-er. Applaud-ir.
2.ª Am-ares. Entend-eres. Applaud-ires.
3.ª Am-ar. Entend-er. Applaud-ir.

P.
1.ª Am-armos. Entend-ermos. Applaud-irmos.
2.ª Am-ardes. Entend-erdes. Applaud-irdes.
3.ª Am-arem. Entend-erem. Applaud-irem.

Participio Imperfeito.

Am-ando. Entend-endo. Applaud-indo.

Participio Perfeito.

Tendo Am-ado.
Tendo Entend-ido.
Tendo Applaud-ido.246

Modo Indicativo.

Presente Imperfeito Absoluto.

S.
1.ª Am-o. Entend-o. Applaud-o.
2.ª Am-as. Entend-es. Applaud-es.
3.ª Am-a. Entend-e. Applaud-e.

P.
1.ª Am-amos. Entend-emos. Applaud-imos.
2.ª Am-ais. Entend-eis. Applaud-is.
3.ª Am-ão. Entend-em. Applaud-em.

Presente Imperfeito Imperativo.

S. 2.ª Am-a tu. Entend-e tu. Applaud-e tu.

P. 2.ª Am-ai vós. Entend-ei vós. Applaud-i vós.

Presente Perfeito.

S.
1.ª Tenho Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
2.ª Tens Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
3.ª Tem Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.

P.
1.ª Temos Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
2.ª Tendes Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
3.ª Tem Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.247

Preterito Imperfeito Absoluto.

S.
1.ª Am-ava. Entend-ia. Applaud-ia.
2.ª Am-avas. Entend-ias. Applaud-ias.
3.ª Am-ara. Entend-ia. Applaud-ia.

P.
1.ª Am-avamos. Entend-iamos. Applaud-iamos.
2.ª Am-aveis. Entend-ieis. Applaud-ieis.
3.ª Am-avão. Entend-ião. Applaud-ião.

Preterito Imperfeito Condicional.

S.
1.ª Am-aria. Entend-eria. Applaud- iria.
2.ª Am-arias. Entend-erias. Applaud-irias.
3.ª Am-aria. Entend-eria. Applaud-iria.

P.
1.ª Am-ariamos. Entend-eriamos. Applaud-iriamos.
2.ª Am-arieis. Entend-erieis. Applaud-irieis.
3.ª Am-arião. Entend-erião. Applaud-irião.

Preterito Perfeito Absoluto.

S.
1.ª Am-ei. Entend-i. Applaud-i.
2.ª Am-aste. Entend-este. Applaud-iste.
3.ª Am-ou. Entend-eo. Applaud-io.

P.
1.ªAm-ámos. Entend-emos. Applaud-imos.
2.ª Am-astes. Entend-estes. Applaud-istes.
3.ª Am-árão. Entend-êrão. Applaud-írão.248

Preterito Perfeito Relativo.

S.
1.ª Am-ara. Entend-era. Applaud-ira.
2.ª Am-aras. Entend-eras. Appland-iras.
3.ª Am-ara. Entend-era. Applaud-ira.

P.
1.ª Am-aramos. Entend-eramos. Applaud-iramos.
2.ª Am-areis. Entend-ereis. Applaud-ireis.
3.ª Amá-ráo. Entend-êrão. Applaud-írão.

Ou

S.
1.ª Tinha, ou Tivera Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
2.ª Tinhas, ou Tiveras Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
3.° Tinha, ou Tivera Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.

P.
1.° Tinhamos, ou Tiveramos Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
2.ª Tinheis, ou Tivereis Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
3.ª Tinhão, ou Tiverão Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.

Preterito Perfeito Condicional.

S.
1.ª Teria, ou Tivera Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
2.ª Terias, ou Tiveras Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
3.ª Teria, ou Tivera Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.

P.
1.ª Teriamos, ou Tiveramos Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
2.ª Terieis, ou Tivereis Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
3.ª Terião, ou Tiverão Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.249

Ou

S.
1.ª Am-ara. Entend-era. Applaud-ira.
2.ª Am-aras. Entend-eras. Applaud-iras.
3.ª Am-ara. Entend-era. Applaud-ira.

P.
1.ª Am-aramos. Entend-eramos. Applaud-iramos.
2.ª Am-áreis. Entend-êreis. Applaud-íreis.
3.ª Am-árão. Entend-êrão. Applaudí-rão.

Futuro Imperfeito.

S.
1.ª Am-arei. Entend-erei. Applaud-irei.
2.ª Am-arás. Entend-erás. Applaud-irás.
3.ª Am-ará. Entend-erá. Applaud-irá.

P.
1.ª Am-aremos. Entend-eremos. Applaud-iremos.
2.ª Am-areis. Entend-ereis. Applaud-ireis.
3.ª Am-aráõ. Entend-eráõ. Applaud-iráõ.

Futuro Perfeito.

S.
1.ª Terei Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
2.ª Teras Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
3.ª Tera Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.

P.
1.ª Teremos Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
2.ª Tereis Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
3.ª Terão Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.250

Modo Subjunctivo.

Presente Imperfeito.

S.
1.ª Am-e. Entend-a. Applaud-a.
2.ª Am-es. Entend-as. Applaud-as.
3.ª Am-e. Entend-a. Applaud-a.

P.
1.ª Am-emos. Entend-amos. Applaud-amos.
2.ª Am-eis. Entend-ais. Applaud-ais.
3.ª Am-em. Entend-ão. Applaud-ão.

Presente Perfeito.

S.
1.ª Tenha Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
2.ª Tenhas Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
3.ª Tenha Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.

P.
1.ª Tenhamos Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
2.ª Tenhais Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
3.ª Tenhão Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.

Preterito Imperfeito.

S.
1.ª Am-asse. Entend-esse. Applaud-isse.
2.ª Am-asses. Entend-esses. Applaud-isses.
3.ª Am-asse. Entend-esse. Applaud-isse.

P.
1.ª Am-assemos. Entend-essemos. Applaud-íssemos.
2.ª Am-asseis. Entend-esseis. Applaud-isseis.
3.ª Am-assem. Entend-essem. Applaud-issem.251

Preterito Perfeito.

S.
1.ª Tivesse Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
2.ª Tivesses Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
3.ª Tivesse Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.

P.
1.ª Tivessemos Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
2.ª Tivesseis Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
3.ª Tivessem Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.

Futuro Imperfeito.

S.
1.ª Am-ar. Entend-er. Applaud-ir.
2.ª Am-ares. Entend-eres. Applaud-ires.
3.ª Am-ar. Entend-er. Applaud-ir.

P.
1.ª Am-armos. Entend-ermos. Applaud-irmos.
2.ª Am-ardes. Entend-erdes. Applaud-irdes.
3.ª Am-arem. Entend-erem. Applaud-irem.

Futuro Perfeito.

S.
1.ª Tiver Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
2.ª Tiveres Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
3.ª Tiver Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.

1.ª Tivermos Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
2.ª Tiverdes Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
3.ª Tiverem Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.252

Advertencia sobre a fórma antiquada de algumas
destas Linguagens.

Na primeira Linguagem antiga desde ElRei D.
Affonso Henriques até ElRei D. Diniz, e ainda algum
tempo depois, erão differentes as terminações das
segundas pessoas do plural nestas Linguagens ; pois
em lugar de i, pospositiva de todos os diphthongos
finaes, por que acabão estas segundas pessoas, substituião
hum de, como nos versos de Egas Moniz Coelho
á sua Dama : Amademe, se queredes, em vez de
Amai-me, se quereis. Destas fórmas ainda ficou resto
nas segundas pessoas do plural do futuro imperfeito do
subjunctivo, e nas dos infinitos pessoaes, como :
Amardes, Entenderdes, Applaudirdes. Para facilitar
a intelligencia dos manuscriptos mais antigos, damos
aqui exemplo destas Linguagens.

Amais. Amades. | Temeis. Temedes.
Amai. Amade. | Temei. Temede.
Amaveis. Amavedes. | Temieis. Temiedes.
Amarieis. Amariedes. | Temerieis. Temeriedes.
Amastes. Amastedes. | Temestes. Temestedes.
Amáreis. Amareedes. | Temêreis. Temêredes.
Amarêis. Amarêdes. | Temerêis. Temerêdes.
Ameis. Amedes. | Temais. Temades.
Amasseis. Amassedes. | Temesseis. Temessedes.
Partis. Partides.
Parti. Partide.
Partieis. Partiedes.
253Partirieis. Partiriedes.
Partistes. Partistedes.
Partireis. Partíredes.
Partirêis. Paetirêdes.
Partais. Partades.
Partisseis. Partissedes.

§. II.
Conjugação do Verbo Adjectivo em sua Voz
Passiva.

O verbo adjectivo não tem na Lingua Portugueza
Linguagens simples para a voz passiva, como tem para
a activa. Assim não se póde dizer, que tem verbos passivos,
como tinhão os Gregos, e Romanos, que expressavão
esta voz com as mesmas Linguagens simples
da activa, dando-lhes so differentes caracteristicas
e terminações : como de Tio Eu honro fazião Tiomai
Eu sou honrado, de Amo Eu Amo Amor Eu sou
Amado
.

Mas se não tem verbos passivos, nem porisso deixa
de ter voz passiva, isto he, huma fórma de expressão,
que o verbo adjectivo toma para indicar, que o
sujeito da oração não he ja o agente, como na voz
activa, mas o paciente da acção. Ora para isto basta-lhe
so huma Linguagem simples, que he a do participio
perfeito passivo, declinado por generos, e por
numeros deste modo.

S.
M. Am-ado. Entend-ido. Applaud-ido.
F. Am-ada. Entend-ida. Applaud-ida.
254P.
M. Am-ados. Entend-idos. Applaud-idos.
F. Am-adas. Entend-idas. Applaud-idas.

Com estes participios passivos, que contêm em si
toda a força da significação propria do verbo adjectivo,
e com o subsidio das Linguagens do verbo substantivo,
e seus auxiliares consegue nossa Lingua dar voz
passiva a qualquer verbo adjectivo ainda com mais riqueza
e variedade, do que fazião a Grega e Latina ;
que tendo verbos passivos, nem porisso deixavão de
usar em certos tempos destas mesmas Linguagens, compostas
dos participios passivos com o verbo substantivo,
ou por necessidade, ou para maior clareza.

Assim para conjugar qualquer verbo adjectivo em
sua voz passiva, não he preciso mais do que ajuntar
estes participios passivos no genero, e numero competente
a todos os modos, tempos, numeros, e pessoas
do verbo substantivo e seus auxiliares, cujas conjugações
demos no § VII. do artigo antecedente, dizendo
por exemplo no infinito

Ser Amad o. a. os. as. Entendid o. a. os. as. Applaudid o. a. os. as.
Haver de ser Amad o. a. os. as. Entendid o. a. os. as. Applaudid o. a. os. as.
Ter sido Amad o. a. os. as. Entendid o. a. os. as. Applaudid o. a. os. as.
Sendo Amad o. a. os. as. Entendid o. a. os. as. Applaudid o. a. os. as.
Havendo de ser Amad o. a. os. as. Entendid o. a. os. as. Applaudid o. a. os. as.
Tendo sido Amad o. a. os. as. Entendid o. a. os. as. Applaudid o. a. os. as.

E no indicativo do mesmo modo

S.
1.ª Sou Hei de ser Tenho sido Amad-o, a.
2.ª Es Has de ser Tens sido Entendid-o, a.
3.ª He Ha de ser Tem sido Applaudid-o, a.255

P.
1.ª Somos Havemos de ser Temos sido Amad-os, as.
2.ª Sois Haveis de ser Tendes sido Entendid-os, as.
3.ª São Hão de ser Tem sido Applaudid-os, as.

E assim em todos os mais tempos deste, e dos
outros modos, que he excusado aqui pôr por extenso.

Alêm desta passiva ordinaria e geral feita do verbo
substantivo e seus auxiliares com os participios perfeitos
passivos, ha outro modo particular mais breve de
formar a voz passiva das terceiras pessoas principalmente,
quando os sujeitos das Linguagens são couzas
inanimadas ; que he ajuntar o reciproco se ás terceiras
pessoas tanto do singular, como do plural do verbo
adjectivo deste modo : Neste paiz, estima-se a virtude,
e premea-se o merecimento. Isto entende-se muito
bem
. Quando as guerras são justas, applaudem-se as
victorias
, onde Estima-se, Premea-se, Entende-se,
Applaudem-se
, estão em lugar de He estimada, He
premiada, He entendido, São applaudidas
.

O auxiliar Estar, como exprime huma existencia
persistente e continuada, he mais proprio para dar a
passiva dos verbos intransitivos, que significão hum estado,
ou qualidade permanente no sujeito da proposição,
juntando-se-lhe os participios passivos dos mesmos
verbos, como Estou quieto, Estou parado, Estou
morto, Estou vivo, Estou descançado
, &c.

Ainda com os verbos transitivos, quando se quer
exprimir hum estado passivo, e não huma paixão passageira,
he preferivel o auxiliar Estar ao verbo substantivo
ser. Se, por ex. falo de huma couza, que
não so foi escripta, mas ainda persiste tal, devo usar
do verbo Estar, e não do verbo Ser, como : Está
escripto na Lei, e nos Profetas. No padrão estava
escripto. Os Latinos davão ambas estas duas accepções
ao seu verbo Sum, es, fui ; e os nossos bons escriptores
256tambem ao verbo Ser, como : A manhã serei comvosco,
serei em Lisboa, i. e. estarei.

Mais : quando os participios passivos dos verbos
adjectivos tem tambem significação activa, bem que
intransitiva, como nestes : Agoniado, Arriscado, Arrecadado,
Calado, Desenganado, Desmaiado
, e outros
muitos ; se se conjugão com o verbo Ser, exprimem
mais huma qualidade habitual do que hum estado
de paixão passageiro ; para o que he mais proprio
o verbo Estar. Daqui a differença destas expressões :
Este homem he agoniado, ou está agoniado. Esta empreza
he arriscada, ou está arriscada. Eu sou calado,
ou estou calado. Este he hum homem desenganado,
ou está desenganado. A côr he desmaiada, ou está
desmaiada, &c.

§ III.
Conjugação do Verbo Adjectivo em sua Voz Media,
ou Reflexa.

Entre os modos de exercitar a acção do verbo,
ou produzindo-a em outro, ou recebendo-a produzida
por elle, tem o meio, o produzil-a, e recebel-a em
si mesmo : Por ex. Eu me amo, Tu te entendes, Elle
se applaude
. Esta he a Voz media, para a qual os
Gregos tinhão huma fórma e terminação propria e differente
da activa, e passiva em alguns tempos.

Os Latinos não tinhão para isto fórma alguma
especial, nem tambem nós. Porêm elles e nós tambem
supprimol-a com os pronomes da mesma pessoa do
verbo, postos antes, ou depois delle, ou no meio ; como
Eu me amo ; Eu entendo-me, Applaudir-me-ei.
Daqui veio chamarem-se os verbos assim construidos
Pronominaes, e tambem Reflexos, ou Reciprocos ;
porque os agentes da oração reflectem e fazem recair
257sobre si a mesma acção, que produzem, exercitando-a,
e recebendo-a ao mesmo tempo.

Alguns Grammaticos porêm fazem distinccão destes
nomes. Chamão Pronominaes aquelles verbos, que
nunca se conjugão sem os dous pronomes da mesma
pessoa, dos quaes temos muitos em nossa Lingua, como
são : Abster-se, Arrepender-se, Atrever-se, Apegar-se,
Compadecer-se, Descuidar-se, Esquecer-se,
Gloriar-se, Jactar-se, Queixar-se
, &c. A estes pertencem
tambem certos verbos, que sem mudança na
significação, humas vezes admittem pronomes, e outras
não ; como : Adormecer e Adormecer-se, Ajoelhar e
Ajoelhar-se, Casar e Casar-se, Partir e Partir-se,
Sair
e Sair-se, &c.

Chamão Reciprocas aos que com os mesmos pronomes
exprimem huma acção reciproca entre duas, ou
mais pessoas : o que se faz de dous modos ; ou pondo
o verbo no singular, e exprimindo a segunda pessoa
com a preposição com, v. g. Escrevo-me com Antonio,
Communica-se com João
 ; ou pondo o verbo no
plural com o pronome da mesma pessoa, e ajuntando-lhe
para tirar toda a equivocação, as palavras Hum
a outro, Entre si, Mutuamente
, como : Abraçarão-se
hum ao outro. Saudamos-nos mutuamente. He grande
companheira da oração a lição dos livros devotos
 :
dão-se as mãos, e ajudão-se muito bem huma a outra (1)32.

As Artes entre si se communicão,
Cada huma ajuda a outra em seu officio (2)33.

Chamão finalmente Reflexos, ou Reflexivos aos
258verbos verdadeiramente activos, cujos agentes fazem
recair sobre si mesmos, por meio dos pronomes de sua
mesma pessoa, a acção que produzem, como :

S.
1.ª Eu me Amo. Eu Entendo-me. Applaudir-me-êi.
2.ª Tu te Amas. Tu Entendes-te. Applaudir-te-ás.
3.ª Elle se Ama. Elle Entende-se. Applaudir-se-á.

P.
1.ª Nós nos Amamos. Nós Entedemos-nos. Applaudir-nos-emos.
2.ª Vós vos Amais. Vós vos Entendeis. Applaudir-vos-eis.
3.ª Elles se Amão. Elles se Entendem. Applaudir-se-ão.

Julgão alguns Grammaticos impropria para estes
verbos a denominação de Reflexos. Porque (dizem elles)
para isto seria necessario, que elles significassem a acção
de dous agentes, hum dos quaes fosse o unico motôr
della, e o outro a recebesse, e immediatamente a rechaçasse,
ou despedisse de si : pois, sendo esta a reflexão
physica e real, com ella deveria ter correspondencia
a reflexão methaphorica destes verbos, qual não
tem. Pois nelles não ha mais que huma so pessoa ou
agente, e huma so acção, que recae sobre a mesma
pessoa, a qual a recebe, e não a repelle de si.

Mas, para se usar de hum termo metaphorico,
não he necessario que a semelhança entre o semelhante
e assemelhado seja inteiramente exacta e perfeita.
Hum corpo, impellido e repercutido por outro, torna
sobre si para quem o impellio. Eisaqui a Reflexão Physica.
Huma acção, produzida pelo agente da oração,
faz-se voltar outra vez sobre o mesmo agente por meio
dos pronomes. Eisaqui a Reflexão Methaphorica. Ainda
que não haja repercussão ; não ha por ventura bastante
semelhança para estes verbos se poderem chamar
Reflexos ? Mas, a não querer se lhes dê este nome ;
dê-se-lhes o de Medios, termo ja consagrado pelos
259Grammaticos Gregos para significar a voz, que tem o
meio entre a activa e a passiva, pela qual a acção do
agente se fazia recair sobre elle mesmo.

A excepção da fórma exterior, esta Voz Media
dos nossos verbos corresponde quasi exactamente á
dos Gregos. Estes se servião della não so para fazer
reflectir a acção sobre o agente ; mas tambem em sentido
passivo. Os nossos verbos reflexos tem igualmente
esta significação passiva nas rerceiras pessoas de hum
e outro numero, quando o sujeito do verbo he hum
nome de couzas inanimadas, como : Muitas vezes se
perde por preguiça o que se ganha por justiça ; e as
couzas estimão-se pelo que valem, e não pelo que
custão
.

Algumas vezes mesmo, bem que mais raras, tem
a dicta significação passiva, ainda quando o sujeito
he hum nome de pessoas, como : No juizo de Deos
até hum ladrão
se salva, no juizo dos homens S. João
Baptista
se condemna.

Porêm o que mais importa saber he, em que logar
se hão de collocar estes pronomes, se depois do
verbo, se antes delle, se no meio do mesmo ; a respeito
do que podem-se seguir as regras seguintes.

1.ª Que nos tempos simples, em cuja primeira pessoa
do plural o accento nunca passa para traz da penultima,
he couza indifferente pôr dantes ou depois do
verbo o pronome, não havendo nisto alguma cacophonia,
ou equivoco. Assim póde-se dizer igualmente
bem : Eu louvo-me ou Eu me louva, Tu louvas-te
ou Tu te louvas, Elle se louva ou Elle louva-se,
Nós louvamos-nos
ou Nós nos louvamos, Elles louvão-se
ou Elles se louvão.

Mas para evitar a cacophonia ou dissonancia
nascida da collisão das consoantes asperas, ja não fica
bem dizer : Vós louvais-vos ; mas deve-se dizer : Vós
vos louvais
. E para evitar o equivoco, que pode haver
260entre o presente imperativo e o presente subjunctivo,
naquelle vai o pronome adiante Louva-te tu, Louvai-vos
vós
 ; e neste atraz Eu me louve, Tu te louves,
Elle se louve
, &c.

Nos tempos compostos do auxiliar Haver e dos
infinitos do verbo adjectivo, o pronome póde ou preceder
áquelle, ou seguir-se a estes : Eu me heide louvar,
ou Eu heide louvar-me ; nos compostos porêm
dos auxiliares Estar, Ter, e dos participios, o pronome
nunca vai depois destes, mas sempre com os
auxiliares, ou dantes : Eu me estou louvando ; ou dantes
e depois : Eu me tenho louvado, ou Eu tenho-me
louvado
. Em todas as proposições condicionaes quer do
indicativo, quer do subjunctivo o pronome sempre vai
antes do verbo Se eu me Amo, Se eu me Amar.

2.ª Nos tempos, em que o accento da primeira
pessoa do plural passa á antepenultima, o pronome
sempre deve preceder ; porque, como elle sempre he
enclitico nesta especie de conjugação, se se puzesse
adiante, viria a ficar o accento antes da antepenultima
na primeira pessoa do plural deste modo : Amavamos-nos,
Amaramos-nos, Amariamos-nos, Amassemos-nos
.
Devemos por tanto dizer : Eu me Amava, Tu
te Amáras, Elle se Amaria, Nós nos Amassemos,
Vós vos Amaveis, Elles se Amarião
.

3.ª Nas Linguagens condicionaes, e nas do futuro
imperfeito do indicativo he elegante metter o pronome
no meio, entre a fórma primitiva em ar, er, ir, e
a terminação final, do modo seguinte.

S.
1.ª Amar-me-ia. Entender-me-ia. Applaudir-me-ia.
2.ª Amar-te-ias. Entender-te-ias. Applaudir-te-ias.
3.ª Amar-se-ia. Entender-se-ia. Applaudir-se-ia.261

P.
1.ª Amar-nos-iamos. Entender-nos-iamos. Applaudir-nos-iamos.
2.ª Amar-vos-ieis. Entender-vos-ieis. Applaudir-vos-ieis.
3.ª Amar-se-ião. Entender-se-ião. Applaudir-se-ião.

S.
1.ª Amar-me-ei. Entender-me-ei. Applaudir-me-ei.
2.ª Amar-te-ás. Entender-te-ás. Applaudir-te-ás.
3.ª Amar-se-á. Entender-se-á. Applaudir-se-á.

P.
1.ª Amar-nos-emos. Entender-nos-emos. Applaudir-nos-emos.
2.ª Amar-vos-eis. Entender-vos-eis. Applaudir-vos-eis.
3.ª Amar-se-ão. Entender-se-ão. Applaudir-se-ão.

Esta singularidade tem feito duvidar, se por ventura
estas Linguagens são simples, como se representão
na conjugação da voz activa, pronunciando-se, e escrevendo-se
de juncto Amaria, Amarei ; ou compostas dos
infinitos Amar, Entender, Applaudir, com o verbo
auxiliar Hia contrahido de Havia, e do presente
Hei, como quem dissesse Havia de Amar, Heide
Amar
, como aqui se representão ; e se por consequencia
se devem escrever com H á maneira das mais Linguagens
do verbo Haver, ou sem elle. O uso porêm,
e orthographia de nossos antigos Escriptores auctoriza
huma e outra opinião, escrevendo elles estas Linguagens,
ja de juncto sem H, ja separadas com elle.

Como as terceiras pessoas destes verbos medios se
tomão a cada passo em sentido passivo ; para tirar o
equivoco, e mostrar que são reflexas, se faz muitas
vezes preciso ajuntar ao pronome Se, caso, ou complemento
objectivo, o caso terminativo do mesmo pronome
com a preposição, dizendo : A si mesmo, A si
mesmos
, &c. Por exemplo ; Este homem reputa-se sabio,
Estes homens chamão-se sabios
, póde ter dous
262sentidos, hum passivo em lugar de He reputado, São
chamados
 ; e outro activo reflexo em lugar de Este homem
reputa-se sabio a si mesmo
, Estes homens chamão-se
sabios a si mesmos ; e para tirar o equivoco
necessitão desta addição.

Esta mesma se faz necessaria muitas vezes nas
Linguagens reflexas do plural. Porque, como os pronomes,
que as acompanhão, se podem tomar ou em
hum sentido reflexo sobre a mesma pessoa, ou reciproco
entre duas e mais pessoas ; para tirar o equivoco
e determinar-lhes o sentido, precisão da mesma addição,
Por ex. nestas frases : Nós Amamos-nos, Vós vos
Amais, Elles Amão-se
, não se sabe, se ellas falão de
hum amor proprio, ou de hum amor mutuo, sem se
lhes accrescentar ou A si mesmos, ou Hum ao outro,
como : Nós amamos-nos a nós mesmos, Nós amamos-nos
hum ao outro
, e assim nas mais.

§. IV.
Da formação regular dos Tempos do Verbo, e dos
Verbos Irregulares.

Todos nossos Grammaticos, seguindo em suas Artes
a trilha das Grammaticas Latinas, costumão dar
ás Linguagens Portuguezas tres tempos geradores, ou
formativos, donde os mais nascem, a saber : o Presente
Infinito
, o Preterito Perfeito do indicativo, e
o chamado Supino, a que damos o nome de participio
perfeito activo.

Com effeito estes erão os tempos formativos das
Linguagens Latinas ; porque a figurativa propria de cada
hum destes tempos governava em todos os que delles
se formavão. Por exemplo a letra radical, que precedia
immediatamente as terminações infinitas em āre,
ēre, ěre, īre
 ; o v ou consoante, ou vogal, que precedia
263a terminação do preterito perfeito em i, e o t
que precedia o um final dos supinos Latinos, figuravão
em todos os mais tempos, que destes se dirivavão.

Nossos Grammaticos deverião ter seguido esta mesma
regra na formação das Linguagens Portuguezas,
mas não a mesma applicação, que della fizerão os Latinos
ás suas. Nós em nossa lingua não temos mais do
que dous tempos formativos dos outros. Porque nossos
verbos regulares tambem não tem senão duas caracteristicas,
ou figurativas. O primeiro formativo são os
infinitos impessoaes, ou fórmas primitivas dos verbos,
cujas figurativas são as suas mesmas terminações em
ar, êr, ir. O segundo he o presente do indicativo,
cuja figurativa he a letra radical, que precede immediatamente
as sobredictas terminações, qualquer que
ella seja. Assim ar he a figurativa do infinito Am-ar,
er
a do infinito Entend-er, e ir a do infinito Applaud-ir ;
e bem assim m he a figurativa do presente Am-o  ;
d
a do presente Entend-o, e Applaud-o, e t a do
presente Part-o. As primeiras figurativas não tem outra
variação, senão as das tres conjugações ; as segundas
são tantas, quantas as letras radicaes, immediatas
ás terminações infinitas. Isto preposto :

Dos Infinitos, primeiros geradores, formão-se so
cinco tempos, a saber : 1.° O preterito imperfeito condicional
do indicativo so com lhes accrescentar em todas
as conjugações as vogaes ia deste modo : Amar-ia,
Entender-ia, Applaudir-ia
.

2.° O preterito perfeito relativo, ajuntando-lhes so
a vogal a, deste modo : Amar-a, Entender-a, Applaudir-a.

3.° O futuro imperfeito do mesmo indicativo, accrescentando-lhes
o diphthongo ei, como : Amar-ei, Entender-ei, Applaudir-ei.

4.° O preterito imperfeito do subjunctivo com mudar
264o r final em s, accrescentando-lhe se, como Amas-se,
Entendes-se, Applaudis-se
.

5.° Finalmente o futuro imperfeito do mesmo subjunctivo
sem outra mudança ou alteração alguma mais
do que conjugar-se por numeros e pessoas, como o
infinito pessoal ; como : Amar, Amares, Amar, Amarmos,
Amardes, Amarem
, e assim os mais.

Dos Presentes imperfeitos do indicativo, segundos
geradores, se formão septe tempos, a saber, no
indicativo :

1.° O presente imperativo nas suas segundas pessoas,
so com tirar o s ás mesmas do presente imperfeito,
como : Amas Ama, Amais Amai, Entendes
Entende, Entendeis Entendei, Applaudes Applaude,
Applaudís Applaudí
.

2.° O preterito imperfeito absoluto, ajuntando á
radical da 1.ª conjugação ava, á da 2.ª e 3.ª ia, deste
modo : Am-ava, Entend-ia, Applaud-ia.

3.° O preterito perfeito absoluto ajuntando á radical
da 1.ª conjugação o diphthongo ei, á da 2.ª e
3.ª hum i, como : Am-ei, Entend-i, Applaud-i.

4.° O presente do subjunctivo accrescentando á radical
da 1.ª conjugação hum e, e á da 2.ª e 3.ª hum
a, como : Am-e, Entend-a, Applaud-a.

5.° Emfim os participios do infinito, accrescentando,
para os imperfeitos activos, á radical da 1.ª conjugação
as syllabas ando, á da 2.ª endo, e á da 3.ª
indo : e para os perfeitos, tanto activos como passivos,
ado na 1.ª conjugação, e ido na 2.ª e 3.ª, como : Am-ando,
Entend-endo, Applaud-indo ; Amado, Entendido,
Applaudido
. O que tudo se vê representado a huma
vista d’olhos na taboa seguinte.265

Infinito 1.° Formativo

1.° | 2.° | 3.° | 4.° | 5.°
Amar ia a êi sse Amar.
Entender ia a êi sse Entender.
Applaudir ia a êi sse Applaudir.

Presente Indic. 2.° Formativo

1.° | 2.° | 3.° | 4.° | 5.°
Am a ava êi e ando ado.
Entend e ia i a endo ido.
Applaud e ia i a indo ido.

Verbos Irregulares.

Todos os verbos, que se apartão desta regra de
formação, que acabamos de mostrar, se chamão Irregulares.
Nossos Grammaticos em vez de se empenhar
em diminuir seu numero, quanto possivel fosse a fim
de abbreviar e facilitar mais aos principiantes sua comprehensão ;
o tem pelo contrario multiplicado em demasia,
assim por falta de reflexão, como por ignorancia
dos principios mecanicos da Linguagem em geral,
e dos sons elementares de nossa Lingua em particular.
Para reduzir pois ao menos possivel estas irregularidades
das nossas Linguagens, faremos as observações seguintes.

1.ª Observação.

Nunca se devem confundir as consonancias com as
consoantes, isto he, os sons elementares das consoantes
com as letras consoantes, que nossa Orthographia
usual empregou para as exprimir na escriptura. Se
hum som elementar sôa sempre o mesmo ao ouvido,
quer se escreva de hum modo, quer de outro ; para
que se ha de fazer da irregularidade da escriptura huma
irregularidade na conjugação ?266

Por exemplo : as letras c, g antes de a, o, u,
dão a mesma consonancia que qu, e gu antes de e,
e i. Não se devia por tanto dar por irregular huma
caterva de verbos Portuguezes, terminados em car,
e gar, como : Ficar, Julgar, &c. pela rasão de
nossa Orthographia se servir não ja destas figuras, mas
das de qu, e gu, para exprimir a mesma consonancia
antes de e no preterito perfeito Fiquei, Julguei,
e no presente do subjunctivo Fique, Julgue, &c.

Da mesma sorte a letra g antes de e, e i, representa
ao ouvido a mesma consonancia, que exprime
o nosso j consoante antes de qualquer vogal. Os verbos
pois em gêr, e gir, como Eleger, Fingir, e
infinitos outros desta especie não devião ser contados
por nossos Grammaticos na classe dos irregulares, por
se escreverem com j em lugar de g, quando se lhe
segue a, o, como Elejo, Eleja, Finjo, Finja. A
anomalia, assim como a analogia, está sempre nos
sons da Lingua, e não em sua Orthographia ; e se de
huma couza se pode argumentar para outra, he desta
para aquella, e não daquella para esta. So esta observação
restitue á classe dos regulares hum grande numero
de verbos, excluidos della sem rasão por nossos
Grammaticos,

Pelo mesmo principio ja estabelecido não são tambem
irregulares os verbos Attrahir, Cahir, e seus compostos
Contrahir, Distrahir, Recahir, &c. Sahir,
e outros semelhantes. Porque, se o h, com que ora se
escrevem, he para separar as duas vogaes em ordem a
não fazerem diphthongo, e mostrar que o i he longo e
agudo ; muito melhor fazião isto nossos antigos dobrando
o i, e escrevendo Caiir, Saiir ; e nós ainda
melhor, accentuando o mesmo i deste modo : Caír,
Saír
 ; e tirando o accento, quando faz diphthongo
no presente do indicativo e do subjunctivo, como Caio,
Caia, Saio, Saia
, &c.267

Do mesmo modo os verbos Crêr, e Lêr, a que
hoje se accrescenta hum i ou y, na primeira pessoa do
presente indicativo e subjunctivo, pronunciando-se e
escrevendo-se Creio, Leio, Creia, Leia, nem porisso
se devem ter por irregulares. Porque todas as vezes que
o nosso ê grande fechado he seguido de outra vogal,
com que não faz diphthongo, costumamos nós, para
evitar este, juntar-lhe hum i surdo na pronunciação,
ainda que se não escreva como Chêo, Chêa, em lugar
de Cheio, Cheio.

Nesta mesma conta pois entrão tambem os verbos
da primeira conjugação, que no infinito tem por
figurativa radical hum e, como Afear, Enlear, Galantear,
Recear
, &c. os quaes todos nossos antigos
escrevião sem i, deste modo : Crêo, Lêo, Afêo, Enlêo,
Calantêo, Recêo
, e bem assim Crêa, Lêa, Enlêe,
Afêe, Galantêe, Recêe
, &c. O verbo Alumear, escrevendo-se
assim uniformemente, como antigamente se
escrevia, entra na mesma regra ; escrevendo-se porêm
com i na figurativa deste modo : Alumiar ; faz Alumío,
Alumías, Alumía
, &c. como ha exemplos em
nossos classicos,

2.ª Observação.

Mas ainda se podem diminuir consideravelmente
as anomalias com as advertencias seguintes. Primeiramente
as Syncopes, e Apocopes, isto he, as contracções
e mutilações de syllabas, que se fazem nos tempos
e pessoas de alguns verbos, não se devem contar
como irregularidades ; posto que o uso as não costume
praticar nos outros verbos. Porque estes mesmos cortes
e syncopes se costumão fazer em outras palavras da
oração ; e ninguem as tem por irregularidades, antes
por figuras da dicção, para assim a fazer mais curta e
elegante.268

Por exemplo : Dos infinitos Dizer, Fazer, Jazer,
Trazer
, segundo as regras da formação regular,
deveriamos nós dirivar as Linguagens condicionaes com
lhes accrescentar ia, deste modo : Dizeria, Fazeria,
Jazeria, Trazeria
. Do infinito amigo Poêr deveria
dizer Poeria, Poesto. Se por syncope pois digo : Diria,
Faria, Jaria, Traria, Pôr, Poria, Posto
 ;
isto não deve constituir irregularidade.

Nesta classe entra por consequencia hum grande
numero de participios, que dados como irregulares por
nossos Grammaticos não são senão humas contracções
ou abbreviaturas dos participios regulares, como
Gasto de Gastado, Junto de Juntado, Pago de Pagado,
Escripto
de Escrevido, Tinto de Tingido, e
assim muitos outros, de que falaremos a diante.

Da mesma sorte os verbos, que por acabarem em
uz na terceira pessoa do presente indicativo, parecem
agora irregulares, não o são verdadeiramente. Nossos
Classicos dizião : Elle Induze, Produze, Reduze,
Traduze, Luze, Reluze
. Se O uso depois, para evitar
o equivoco destas terceiras pessoas com as segundas
do imperativo, fez a apocope do e, dizendo : lnduz,
Produz, Reduz, Traduz, Luz, Reluz
, como
de Capace, Felice, Veloce, fez Capaz, Feliz, Veloz ;
estas apocopes não se devem reputar irregularidades.
Talvez succede o mesmo, e pelas mesmas rasões
aos verbos Dizer, Fazer, Jazer, Trazer, Querer,
Valer
, que fazem nas mesmas terceiras pessoas Diz,
Faz, Jaz, Traz, Quer, Val
. Pelo menos em nossos
antigos acha-se Quere, Requere, e muitos ainda agora
dizem Vale em lugar de Val.

3.ª Observação.

Mas a regra de reducção, que mais diminue as
irregularidades dos nossos mesmos verbos irregulares,
269he a de lhes dar, para a formação de seus tempos,
não so dous formativos, como se dão aos verbos regulares,
mas tres ; quaes são o presente do indicativo,
o infinito impessoal, e o futuro imperfeito do subjunctivo.
Sabidos estes tres tempos, delles se forma, regularmente
a maior parte das Linguagens irregulares ;
e por este methodo vem a desapparecer hum grande
numero de anomalias apparentes, e as verdadeiras se
reduzem a mui poucas.

Que nossos verbos irregulares, alem dos dous formativos
que lhes são communs com os regulares, tenhão
hum terceiro, que lhes he proprio ; parece innegavel.
He provavel, que muitos destes verbos tivessem
antigamente duas fórmas infinitas, das quaes huma ficou
no modo infinito, e outra passou a usar-se so nos
futuros imperfeitos do subjunctivo, como ainda se vê
no verbo substantivo Sêr, Fôr, e no verbo Hir, Fôr.
Pelo menos estes futuros imperfeitos são em nossos
verbos regulares inteiramente conformes aos infinitos
pessoaes, e não tem outra differença mais do que usarem-se
aquelles so subjunctivamente, e estes infinitivamente.

Se pois aquellas duas Linguagens são uniformes
nos verbos regulares, e differentes nos irregulares, conservando
comtudo no r final o caracter da fórma infinita ;
he necessario dizer, que estes verbos tinhão antigamente
dous infinitos, dos quaes se formão regularmente
suas Linguagens, e que seus futuros imperfeitos
do subjunctivo não são tempos formados, mas antes
formativos dos outros.

Por exemplo : Estar faz no dicto futuro Estiver,
Dar
faz Der, Pôr faz Puzer, Fazer, Trazer, Dizer
fazem Fizer, Trouxer, Disser ; Ter, Haver,
Saber, Caber, Querer
fazem Tiver, Houver, Souber,
Couber, Quizer ; Vêr
faz Vir, Vir faz Vier,
e Hir faz Fôr : e assim outros, tomando ordinariamente
270hum e aberto agudo em lugar do ê fechado,
que he a terminação regular dos infinitos da 2.ª conjugação.

Suppostos pois nos verbos irregulares estes dous
formativos, hum infinito, e outro o futuro do subjunctivo ;
do primeiro se formão pela maior parte regularmente
os tempos imperfeitos do indicativo, v. g. Estar,
Estava, Estaria, Estarei ; Dar, Dava, Daria,
Darei
, &c. e do segundo os tempos perfeitos do
mesmo modo, a saber, o presente perfeito, tirando
ao futuro subjunctivo o r final, ou a terminação ér
se he precedida de z, como Estiver Estive, Fizer
Fiz
 ; o preterito perfeito, accrescentando-lhe so hum a,
como Estiver Estivera, Fizer Fizera, e em fim o
preterito imperfeito do subjunctivo, como Estiver Estivesse,
Fizer Fizesse
.

Pode-se dizer, que esta formação ficaria ainda mais
regular e conforme á que seguem vulgarmente os Grammaticos
Portuguezes, se em lugar de fazer do futuro
subjunctivo hum formativo do preterito perfeito e dos
mais tempos, se fizesse ás avéssas do preterito perfeito
o formativo do futuro subjunctivo e dos mais
tempos, deste modo : Estive, Estiver, Estivera, Estivesse  ;
Fiz, Fizer, Fizera, Fizesse
, &c. Porêm
esta formação falha em todos os verbos irregulares, que
no preterito acabão em i ou oral, ou nasal, como Li,
Vali, Vi, Fui, Vim
 ; e he menos conforme á analogia
da formação dos verbos regulares. Comtudo quem
a preferir á outra, tem a commodidade de achar mais
perto, e na ordem mesma da conjugação, os formativos
das Linguagens dirivadas. Para me conformar mais
ás ideas recebidas, seguirei esta formação nos paradigmas
dos verbos irregulares, que adiante irão.

O terceiro formativo dos tempos nos verbos irregulares
he, como nos regulares, todo o presente imperfeito
do indicativo. De sua primeira pessoa do singular
271se fórma regularmente o mesmo presente do subjunctivo,
como Estô Estê, Faço Faça ; e da sua segunda
do singular e plural se formão tambem regularmente
as mesmas do imperativo, como Dás Dá, Dais
Dai, Pões Põe, Pondes Ponde
.

Mas para reduzir estas formações, quanto possivel
he, á analogia dos regulares, he preciso observar
tres couzas, que são a mudança da Terminação, a mudança
da Radical Figurativa, e a mudança da Penultima,
que precede immediatamente a mesma figurativa :
mudanças todas, que alterando o material dos
vocabulos causão sua estranheza e irregularidade na
conjugação.

4.ª Observação.

Pelo que pertence á mudança da Terminação, esta
na primeira pessoa de todos os presentes do indicativo
he hum o breve. Mas não o pode ser ja nos verbos
monosyllabos, onde devendo ser longo, como o
he em todas as palavras monosyllabas, que não são
encliticas, deve ser necessariamente ou o ó grande
aberto, ou o ô grande fechado. Feita esta observação,
os nossos irregulares Estar, Dar, Ser, e o antigo Var
(vadere) formão regularmente a primeira pessoa do
presente indicativo, fazendo Estô, Dô, Sô, Vô, ou
se escrevão assim, ou Estou, Dou, Sou, Vou, que he
o mesmo ; e dos primeiros dous se formão regularmente
os presentes do subjunctivo Estê, Dê. Porêm
Esteja, Seja, Vá, serão irregulares, como o são tambem
na primeira pessoa do presente indicativo os verbos
Haver, e Saber, que fazem Hêi, e Sêi,

5.ª Observação.

Mudão de Figurativa 1.° os verbos Arder, Fazer,
Jazer, Medir, Ouvir, Pedir
, que ora trocão
272o d, c, v, em ç, ou ss, como Arço, Faço, Jaço,
Meço, Ouço, Peço
, bem que em alguns de nossos
Classicos se encontre no subjunctivo Eu mida, Eu pida,
e Pide tu, signal de que antigamente se dizia Eu
mido, Eu pido
. 2.° Os verbos Dizer, Trazer, Perder,
que mudão o z, e d em g, e c, como Digo,
Trago, Perco
. 3.° Os verbos Ver, Pôr, Ter, Valer,
Vir
, que fazem Vejo, Ponho, Tenho, Valho, Venho
do Latim Video, Pono, Teneo, Valeo, Venio.

6.ª Observação

Quanto á mudança da Penultima, so em nossa
3.ª conjugação, e so em algumas pessoas do presente
indicativo he, que muitos de nossos verbos antigamente
regulares costumão ora mudar irregularmente
ja o e em i, ja o o em v, ja o v em o, ja accrescentar
hum i ao a ou e da penultima para fazerem
diphthongo ; as quaes mudanças passão consequentemente
ao presente subjunctivo, que se fórma regularmente
da primeira pessoa do presente indicativo, e ao
imperativo, que se fórma das segundas pessoas do
mesmo.

Os que tem e antes das radicaes figurativas g, p,
r, t
, e v mudão-o em i, como são :

Advertir Advirto. | Desmentir Desminto.
Assentir Assinto. | Despir Dispo.
Competir Compito. | Dissentir Dissinto.
Conferir Confiro. | Enxerir Enxiro.
Conseguir Consigo. | Ferir Firo.
Consentir Consinto. | Fregir Frijo.
Deferir Defiro. | Mentir Minto.
Desconsentir Desconsinto. | Presentir Presinto
273Proseguir Prosigo. | Sentir Sinto.
Referir Refiro. | Vestir Visto.
Repetir Repito. | Impedir Impido.
Resentir Resinto. | Despedir Despido.
Seguir Sigo.

Estes dous ultimos Despedir, e Impedir assim
fazião antigamente a primeira pessoa do presente indicativo,
e formavão consequentemente a do subjunctivo
Despida, e Impida, e não como agora Despeço Despeça,
Impeço Impeça
 ; o que Duarte Nunes de Leão
(pag. 40) nota justamente de rusticidade. Pois estes
verbos não são compostos de Peço (Peto), mas de
Impido (Impedio). Quanto aos mais, achão-se em
nossos classicos exemplos de Advirte, Compite, Consinte,
Mento, Minte, Persigue, Prosigue, Sento,
Sinte, Sintem, Senta, Sentas, Sigue, Sirve
tu.

Os que tem o antes das radicaes figurativas br e
rm, mudão o em u, como Cobrir, Descobrir, Encobrir,
Dormir
, que fazem Cubro, Descubro, Encubro,
Durmo
, e assim no subjunctivo Cubra, Descubra,
Encubra, Durma
. Nossos antigos parece continuavão
esta mudança nas mais pessoas do presente indicativo.
Pois que em Bernardes, Ferreira, Duarte Nunes,
e outros. se acha Elle encubre, Cubre tu, Descubre
tu, Encubre tu.

Os que tem u antes das radicaes figurativas b, d,
g, l, m, p, ss
, e st, o mesmo u he a radical ; e
mudão-o em o na segunda e terceira pessoa do singular,
e na terceira do plural do presente indicativo, e
por consequencia tambem na segunda pessoa singular
do imperativo. Por esta causa Acudir, Ballir, Carpir,
Construir, Consumir, Destruir, Engulir, Fugir,
Sacudir, Subir, Sumir, Tussir
, se conjugão no
274presente indicativo Tu acodes, Elle acode, Elles acodem,
e no imperativo Acode tu, e da mesma sorte
todos os outros.

Exceptua-se Presumir, que por inteiro he regular.
Os mais tambem parece o erão para com nossos
antigos ; pois nelles se acha Elle acude, Acude tu,
Elles construem, Tu consumes, Elle consume, Elles
consumem, Tu destrues, Elle destrue, Destrue tu,
Elle fuge, Fuge tu, Sacude tu, Sube tu
.

Em fim accrescentão hum i ao a ou e da penultima,
para fazerem diphthongo, os verbos Caber, e
Requerer na primeira pessoa do presente indicativo
Caibo, Requeiro ; e o verbo Saber a todas as pessoas
do presente subjunctivo, como Saiba, Saibas, &c.

Feitas estas observações, pouca difficuldade póde
haver nas conjugações dos verbos os mais irregulares
de nossa Lingua, cujos paradigmas imos a propôr,
tomando nelles, como pontos fixos, os tres formativos
Infinito, Presente, e Preterito Perfeito, e arranjando
debaixo delles todas as Linguagens, que dos mesmos
se formão regularmente, e notando ao mesmo tempo
com asterisco as que nesta mesma parte são irregulares.

Nestes verbos não entra o verbo substantivo Ser,
nem seus tres auxiliares Estar, Haver, e Ter, por ficarem
ja conjugados por inteiro nos paradigmas dos
mesmos. Os que restão são : na 1.ª conjugação o verbo
Dar somente, na 2.ª os verbos Caber, Dizer,
Fazer, Jazer, Pôr, Poder, Querer, Saber, Trazer,
Valer, Ver
 ; e na 3.ª os verbos Ir, Vir, Rir.
Reservamos para os defectivos os verbos Feder, Prazer,
e outros.275

Paradigmas da Conjugação dos Verbos Irregulares.

I. Conjugação em ar.

Infinito.

Dar, Dar-ia, Dar-ei.

Presente.

D-ou, D-ava, D-ê, D-ando, D-ado.
D-ás, Dá tu.
Dá.
Damos.
Dais, Dai vós.
Dão.

Perfeito.

Dei, Der, Dera, Désse.

II. Conjugação em er.

Infinito.

Caber, Caber-ia, Caber-ei.

Presente

Ca-ibo, *Cab-ia, Caib-a, *Cabendo, *Cabido.
Cab-es, Cabe tu.
Ca-be.
Cabemos.
Cabeis, Cabei vós.
Cabem.

Preterito.

Coube, Couber, Coubera, Coubesse.

Infinito.

Dizer, Diria, Direi.276

Presente

Digo, *Dizia, Diga, *Dizendo, *Dito.
Dizes, Dize tu.
Diz.
Dizemos.
Dizeis, Dizei vós.
Dizem.

Preterito.

Disse, Disser, Dissera, Dissesse.

[Infinito.]

Fazer, Faria, Farei.

Presente.

Fa-ço, *Fazia, Faça, *Fazendo, *Feito.
Fazes, Faze tu.
Faz.
Fazemos.
Fazeis, Fazei vós.
Fazem.

Preterito.

Fiz, Fizer, Fizera, Fizesse.

Infinito.

Jazer, Jazeria, Jazerei, Jazera, Jazesse.

Presente

Jazo, Jazia, Jaza, Jazendo, Jazido ; antiq. Jaço, &c.
Jazes, Jaze tu.
Jaz.
Jazemos.
Jazeis, Jazei, antiq. Jazedes, Jazede vós.
Jazem.

Preterito.

Jazi, antiq. Jouve, Jouver, &c.277

Infinito.

Pôr, Poria, Porei. antiq. Poêr, Poeria, Poerei.

Presente.

Ponho, *Punha, Ponha, Pondo, *Pôsto.
Pões, Põe tu.
Põe.
Pomos.
Pondes, Ponde vós.
Põem.

Preterito.

Puz, Puzer, Puzer-a, Pusesse.

Infinito.

Poder, Poderia, Poderei.

Presente.

Posso, *Podia, Possa, *Podendo, *Podido.
Podes.
Póde.
Podemos.
Podeis
Podem.

Preterito.

Pude, Puder, Pudera, Pudesse.

Infinito.

Querer, Quereria, Quererei.

Presente.

Quero, Queria, *Queira, Querendo, Querido.
Queres, abbreviado Qués, Quer, ou Quere tu.
Quer, antiq. Quere.
Queremos.
Quereis, Querei vós.
Querem278

Preterito.

Quiz, Quizer, Quizera, Quizesse.

Infinito.

Saber, Saberia, Saberei.

Presente.

Sei, *Sabia, *Saiba, *Sabendo, *Sabido.
Sabes, Sabe tu.
Sabe.
Sabemos.
Sabeis, Sabei vós.
Sabem.

Preterito.

Soube, Souber, Soubera, Soubesse.

Infinito.

Trazer, abbr. Traria, abbr. Trarei.

Presente.

Trago, *Trazia, Traga, *Trazendo, *Trazido.
Trazes, Traze tu.
Traz
Trazemos.
Trazeis, Trazei vós.
Trazem.

Preterito.

Trouxe, Trouxer, Trouxera, Trouxesse ; antiq.Trouve &c.

Infinito.

Valer, Valeria, Valera, Valerei, Valesse.279

Presente.

Valho, *Valia, Valha, *Valendo, *Valido.
Vales, Vale tu.
Val.
Valemos.
Valeis, Valei vós.
Valem.

Preterito.

Vali, Vales, Valêra, Valemos, &c.

[Infinito.]

Ver, Veria, Verei.

Presente.

Vejo, *Via, Veja, *Vendo, *Visto.
Vês, Vê tu.
Vê.
Vemos.
Vedes, Vede vós.
Vem.

Preterito.

Vi, Vir, Vira, Visse.

III. Conjugação em ir.

Infinito.

Ir, Iria, Irei, Indo, Ido.

Presente.

Vou, *Ia, Vá, Vás, Vá, Vamos, Vades, Vão.
Vás, *Vai tu.
Vai.
Vamos, ou Imos.
Ides abbr. Is, *Ide vós abbr. I. * antiq. vais.
Vão.280

Preterito.

Fui, *Fôr, Fôra, Fosse.

Infinito.

Vir, Viria, Virei, Vindo, Vindo.

Presente.

Venho, *Vinha, Venha.
Vens, Vem tu.
Vem.
Vimos.
Vindes, Vinde vós.
Vem.

Preterito.

Vim, Vier, Viera, Viesse
Vieste, Veio, Viemos, Viestes, Vierão.

Infinito.

Rir, Riria, Rira, Rirei, Risse, Rindo, Rido.

Presente.

Rio, Ria, Ria.
Ris, Ri tu.
Ri.
Rimos.
Rides, Ride vós.
Riem.

Preterito.

Ri, Riste, &c.

Ha verbos, que não so são Irregulares, mas alêm
disso defectivos, porque lhes faltão ou tempos em
sua conjugação, ou pessoas em seus tempos. Alguns
erão defectivos para com os antigos, que o não são para
nós ; como o verbo Jazer, de que se não achão
exemplos de algumas pessas, como Jazes, Jazei,
281Eu Jouve, Tu Jarás em lugar de Jazerás, Elles
Jarão
em lugar de Jazerão, Tu Jaças, Elle Jaça,
Nós Jaçamos, Vós Jaçais. Outros erão para elles
irregulares, que o mo são para nós : como os verbos
Arder, e Morrer, que fazião no presente Eu Arço,
Eu Mouro, e assim nos tempos de sua dirivação.

Os verbos porêm Feder, e Prazer, com seus
compostos Aprazer, e Desaprazer, erão antigamente
defectivos, e o são ainda agora. O primeiro carece
das pessoas todas, em que depois da figurativa d se
segue a ou o ; porque não dizemos Fedo, Feda, &c.
Os segundos não tem mais que as terceiras pessoas do
presente e do preterito, e as das suas formações, como
Praz, Apraz, Desapraz, Prouve, Aprouve,
Desaprouve, Prouvéra, Prouvesse
, &c.

§. V.
Observações sobre o uso, e emprego dos Modos, e
Tempos do Verbo na Oração.

Do Infinito Impessoal, e Pessoal.

O modo infinito enuncia a coexistencia do attributo
no sujeito abstracta e indeterminadamente, e porisso
não tem tempos. Esta coexistencia ou he imperfeita
e não acabada, como Amar ; ou perfeita e acabada,
como Ter Amado ; ou principiada na tenção,
e futura na execução, como Haver de Amar. Porêm
estes differentes modos de conceber a existencia não
requerem hum tempo mais que outro, e porisso são
applicaveis a todos. Nestas orações : Quiz fazer,
Quero fazer, Prometto fazer, Prometto ter feito á
manhã, Hontem disse elle ter de partir á manhã
 ;
os infinitos são determinados a todos os tempos pelos
verbos do modo finito, cujos são.282

A Lingua Portugueza tem a singularidade de ter
dous infinitos, hum Impessoal, como todas as mais
Linguas, e outro Pessoal, o que he hum idiotismo
seu.

Usa do impessoal 1.° todas as vezes que o sujeito
da oração regente he o mesmo que o da oração regida,
desta sorte : Eu quero fazer, Tu quizeste fazer,
Nós quereremos fazer
. Não devia por tanto dizer
Camões :

E folgarás de veres a policia. (1)34

Nem :

Não te espantes
De a Baccho nos teus Reinos receberes. (2)35

Devia dizer Ver, Receber, porque os sujeitos
destes verbos regidos são os mesmos que os de seus regentes
Folgarás, Espantes.

2.° Todas as vezes que lhe basta exprimir a coexistencia
do attributo em hum sujeito qualquer sem o
determinar ; e então emprega-o como substantivo verbal,
que he, para todos os officios, a que se prestão
os mais nomes, servindo-se delle ja para sujeito, ja
para attributo da oração, como : Mentir he faltar á
verdade ; ja para complemento objectivo de outro verbo,
como : Não querer mentir ; ja para complemento
de varias preposições, como : Em mentir ha peccado ;
Entre mentir e não mentir ha meio ; Sem mentir
posso dizer ; De mentir se passa a jurar falso ; Para
mentir
, &c.

Usa do pessoal 1.° quando o sujeito do verbo infinito
he differente do do verbo finito, que determina
283a Linguagem infinita ; ou póde haver equivocação sobre
qual he o de quem se fala, ainda que seja o mesmo.
Então esta Linguagem infinita para distincção dos dous
sujeitos toma differentes terminações pessoaes, com as
quaes se tira o equivoco. Por exemplo : Julgo seres tu
sabedor, Creio termos sido enganados
. A haverem de
chegar á manhã, está tudo preparado.

2.° Quando a oração do infinito, ou como sujeito
e attributo de outro verbo, ou como complemento de
alguma preposição se toma em hum sentido não ja abstracto,
mas pessoal v. g. O louvares-me tu me causa
novidade. Para me louvares com verdade, farei aquillo,
de que me louvas. Os máos, com se louvarem,
não deixão de o ser. Aqui, ainda que o sujeito de
ambas as orações parece ser o mesmo, não o he. O
pessoal Louvarem-se era necessario para exprimir o
sujeito, que reflecte sobre si a acção, ou a recipróca
com outro.

Do Participio Imperfeito Activo.

Os participios Portuguezes são huns adjectivos indeclinaveis,
assim chamados, porque do nome participão
a significação de huma qualidade, que modifica
o agente da oração ; e do verbo o seu regime. Que
sejão huns verdadeiros adjectivos, se mostra pelas mesmas
Linguagens Latinas, donde os houvemos ; Sum
amans
(Estou amando) Amante me (Amando eu) :
e pela analyse da Linguagem Portugueza, pois Estou
amando
he o mesmo que Estou sendo amante, e
Amando eu he o mesmo que Sendo eu amante.

A terminação em ndo semelhante á dos Gerundios
Latinos impoz a nossos Grammaticos para os terem
por taes. Mas he mais provavel, que estes participios
activos em ndo tivessem sua origem dos adjectivos
verbaes em nte, a alguns dos quaes davão nossos
284antigos Escriptores o mesmo regime do verbo, donde
se dirivavão, como Amante a Deos, Temente a Deos
Intemente a Deos, Annibal passante os montes Alpes
 ;
do que ainda temos restos em alguns nomes
compostos, como Lugartenente, Malfazente, Maldizente,
Missacantante
, &c. O exemplo, que para
prova disto mesmo allega a Grammatica da Lingua
Castelhana, e com ella o A. dos Rudimentos da
Grammatica Portugueza
nesta formula Isto não obstante,
não faz ao caso, porque Isto não he regime
de Obstante.

Presentemente he certo, que estes adjectivos verbaes
não são participios, nem ainda quando tem dos
verbos, donde nascem, o regime da preposição, como :
Asistente em… Bastante a… Correspondente,
Pertencente ; Semelhante, Temente a… Participante,
Passante de
… &c. Porque estas regencias
são communs aos mesmos adjectivos, que não são verbaes,
como Morador em,… util a… Cheio de
Vazio de… e se dizemos Amante, Temente a Deos ;
não podemos dizer Amante as riquezas, Temente os
perigos
, como dizemos Amar as riquezas, Temer
os perigos
.

Nossa Lingua emprega os participios imperfeitos
activos de dous modos, ou Conjugando-os, ou Conjunctando- os.
Conjuga-os so com hum dos tres verbos
auxiliares, ou com o continuativo Estar, ou com o
frequentativo Andar, ou com o inchoativo Ir, como :
Estou escrevendo, Ando cuidando, Vou convalescendo.

Conjuncta-os fazendo-os depender de outro verbo
e oração ou principal, ou subordinada, ou incidente,
a que servem ou de modo, ou de circunstancia,
ou de condição, ou de causa e rasão.

Servem de modo nestas frases : Zombando se dizem
as verdades
, e285

A disciplina militar prestante
Não se a prende, Senhor, na fantasia,
Sonhando, imaginando, ou estudando,
Se não vendo, tratando, e pelejando. (1)36

Onde se dizem as verdades e A disciplina militar
prestante não se aprende
, são as orações principaes,
ás quaes estão subordinadas e servem de incidentes
as orações dos participios Zombando, Sonhando,
Imaginando, Estudando, Vendo, Tratando
e
Pelejando. Neste caso o participio pode-se resolver e
supprir com a preposição Com, e com o infinito do
mesmo verbo dizendo : Com zombar, Com sonhar, Com
imaginar
, &c.

Servem de circunstancia ordinariamente nos factos
historicos, como neste de Jacyntho Freire (2)37 “ Passando
D. João de Castro acaso pela Jubitaria, vendo
estar penduradas humas calças de obra, parando
o cavallo, perguntou de quem erão, e tornando-lhe
o Official que as mandára fazer D. Alvaro, filho
do Governador da India ; pedio D. João huma tisoura,
com que as cortou todas, dizendo para o
Mestre : Dizei a esse rapaz que compre armas. ”
Neste caso podem-se resolver e supprir pelos adverbios
Como com o subjunctivo, ou Quando com o indicativo,
deste modo : Como passasse, Como visse, e
Como lhe tomasse o Official, &c. ou Quando passava,
&c.

Servem de condição nesta frase de Vieira : Nobreza
e desunida não pode ser ; porque
em sendo desunida,
deixa de ser nobreza. Logo he vileza. Onde
286sendo desunida se póde resolver e supprir pelas condicionaes
Se, Quando, deste modo : Se he desunida, ou Quando he desunida.

Servem em fim de causa e rasão, como : Alguns
ha
, diz Ferreira, (1)38

… que se fazem afamados
Julgando, e interpretando duramente,
Dos innocentes fazendo culpados.

Onde os participios tanto valem, como se dissera :
Porque Julgão, Porque interpretão, Porque fazem.

Estes participios imperfeitos activos ás vezes se
constroem com a preposição em, como no exemplo
acima de Vieira, e neste de Souza Hist. Part. II.,
Lib. VI., Cap. 21 : Como o mundo estima so o que
espanta
 ; em faltando particularidades extraordinarias,
e fóra do commum : do ordinario e do commum
nenhum caso faz
. Quando assim se constroem, valem
tanto como os participios activos do preterito. Assim
Em faltando particularidades he o mesmo que Tendo
faltado particularidades
. O que ainda se vê melhor
nestes exemplos : Em morrendo todos somos huns.
Em me preparando Logo te acompanho.

De tudo o sobredicto se segue, que estes participios,
formando sempre frases subordinadas a outras,
devem por consequencia referir-se ao sujeito da frase
principal, quando não são precedidos, ou seguidos de
outro nome. Assim em todos os exemplos acima não
se expressa o sujeito das orações incidentes ; porque he
o mesmo que o das orações principaes, que as determinão.
Quando porêm os sujeitos são differentes, he
287de necessidade pôr o seu a oração do participio, como :
Conhecendo todos quanto val o tempo, poucos ha
que o não desperdicem
. No primeiro caso as orações
do participio são de ordinario parciaes incidentes ; porque
fazem parte da oração total, modificando o seu
attributo : no segundo são orações totaes, mas subordinadas
á principal, que lhes precede, ou se lhes
segue.

Isto pelo que pertence aos participios imperfeitos
activos, que exprimem huma existencia ou acção não
acabada. Se porêm queremos exprimir huma existencia
ou acção ja concluida e acabada, usamos então
do participio composto do auxiliar Ter e do participio
perfeito activo do verbo adjectivo, como : Tendo amado,
Tendo entendido, Tendo applaudido
 ; e se a acção
he por fazer para o futuro, usamos do participio
composto do auxiliar Haver com o infinito do verbo
adjectivo, como : Havendo de amar, Havendo de entender,
Havendo de applaudir
 ; e de todos elles para
todos os tempos, ou preterito, como : Hontem, tendo
chegado o correio, partio Antonio ; e Havendo eu de
partir tambem, chegou Pedro : ou presente, como :
Hoje tendo chegado o Correio, &c. (como acima) :
ou futuro, como : A’ manhã tendo tu chegado, partirei
eu
 ; e havendo tu de partir, ficarei eu.

Do Participio Perfeito Activo.

Os participios perfeitos activos v. g. Amado, Entendido,
Applaudido
participão, como os imperfeitos,
do regime de seus verbos, e são tambem huns adjectivos
indeclinaveis, que significando hum attributo e qualidade,
modificão o agente do verbo auxiliar Ter, ou
Haver, com quem sempre se conjugão, e do qual
nunca se apartão.

Elles são huns verdadeiros adjectivos, bem que
288indeclinaveis, semelhantes aos participios Latinos depoentes,
como : Hortatus sum (Tenho exhortado)
Mensus sum (Tenho medido). A sua mesma analyse
o demostra ; pois Tenho amado he o mesmo que Tenho
sido amante
.

Estes participios perfeitos activos ao principio
erão o mesmo que os participlos perfeitos passivos, e
declinaveis, como elles, por generos e por numeros.
Nossos Antigos usavão delles com o auxiliar Ter, ou
Haver, concordando-os com o substantivo, sobre que
cahia sua acção. Esta era a practica mais antiga, qual
inda se vê das Leis das Partidas, que ser írão de norma
ás primeiras Leis de Portugal. Taes são : Aquellas
Leyes que habemos fechas. (1)39 Quando todas estas cosas
oviere catadas. (2)40 La penitencia que ha recebida. (3)41
Mas ja nas mesmas Leis das Partidas se encontra
algum exemplo do participio perfeito activo e
indeclinavel, como este. E tal confession, como la
que
habia fecho primeramente con el lego, non vale. (4)42

Nossos antigos Classicos nsavão destes participios
com o verbo Ter, ja de huma ja de outra fórma ; da
passiva porêm mais, e da activa menos, á proporção
que mais se chegavão á origem : e pelo contrario da
activa mais, e da passiva menos, quanto mais della
se apartavão, O uso diplomatico e curial parece foi o
mais tenaz da fórma antiga. Na carta d’EIRei D.
João III. em Jacyntho Freire (5)43 se diz : Como forão
(fala dos serviços de D. João de Castro) os que até
289agora
tendes feitos. E na carta da Rainha D. Catharina
ibid. n. 96 : Como pela muita honra, que nisso
tendes ganhada.

Mas o mesmo Jacyntho Freire ja pouco usa da fórma
antiga, mui trivial em Barros, e Fr. Amador Arraes,
e ja menos em Camões, Lobo, Lucena, e Souza.
Citarei so hum exemplo de Barros, e outro de
Camões. Diz aquelle no Dial. do Louvor da L. P. (1)44
A qual obra será posta no catalogo das mercês, que
este Reino delle
tem recebidas. E este :

E porque, como vistes, tem passados¤
Na viagem tão asperos perigos,
Tantos climas, e Ceos experimentados : (2)45

O que tudo comprova, que os participios perfeitos
activos são huns verdadeiros adjectivos indeclinaveis,
nascidos dos passivos declinaveis,

Daqui veio ficarem ainda no uso presente de nossa
Lingua muitos participios passivos com significação
activa, posto que intransitiva, e falando-se de pessoas,
taes como os seguintes.290

Participios

Passivos, Falando-se de Couzas. | Activos Intransitivos, Falando-se de Pessoas.

Acreditado, a, os, as ; | Que tem credito, e reputação.
Agradecido, a, os, as ; | Que agradece.
Atrevido, a, os, as ; | Que se atreve.
Arriscado, a, os, as ; | Que se arrisca.
Arrufado, a, os, as ; | Que se arrufa.
Calado, a, os, as ; | Que cala, ou sabe calar.
Cançado, a, os, as ; | Que cança os outros.
Commedido, a, os, as ; | Que tem commedimento.
Confiado, a, os, as ; | Que confia de si.
Conhecido, a, os, as ; | Que conhece.
Considerado, a, os, as ; | Que considera as couzas.
Costumado, a, os, as ; | Que costuma.
Crescido, a, os, as ; | Que cresceu.
Desconfiado, a, os, as ; | Que desconfia.
Desenganado, a, os, as ; | Que desengana os outros.
Desesperado, a, os, as ; | Que desespera.
Despachado, a, os, as ; | Que se despacha, despachamento.
Determinado, a, os, as ; | Que se determina.
Dissimulado, a, os, as ; | Que dissimula.
Encolhido, a, os, as ; | Que tem encolhimento.
Engraçado, a, os, as ; | Que tem graça.
291Entendido, a, os, as ; | Que tem entender, e juizo.
Esforçado, a, os, as ; | Que tem esforço.
Fingido, a, os, as ; | Que finge.
Herdado, a, os, as ; | Que herdou.
Lido, a, os, as ; | Que lê.
Moderado, a, os, as ; | Que tem moderação.
Occasionado, a, os, as ; | Que dá occasião.
Occupado, a, os, as ; | Que se occupa.
Ousado, a, os, as ; | Que tem ousadia.
Parecido, a, os, as ; | Que tem semelhança com outro.
Pausado, a, os, as ; | Que obra com pausa.
Precatado, a, os, as ; | Que tem precaução.
Presado, a, os, as ; | Que se presa.
Presumido, a, os, as ; | Que presume de si.
Recatado, a, os, as ; | Que tem recato.
Trabalhado, a, os, as ; | Que dá trabalho.
Sabido, a, os, as ; | Que sabe muito.
Sentido, a, os, as ; | Que sente muito qualquer injuria.
Soffrido, a, os, as ; | Que tem soffrimento.
Valido, a, os, as ; | Que tem valimento.
Vigiado, a, os, as ; | Que vigia.

Quando estes, e outros participios passivos se juntão
com o verbo Ter, então este deixa de ser auxiliar,
e passa á sua significação natural, e primitiva de verbo
activo no sentido de Possuir : e então em vez do
substantivo, em que se exercita a acção do participio
activo, ir adiante deste, passa para traz delle, Porque
he couza mui differente dizer : Tenho escripto hum
292papel, Tenho feito huma carta, Terei concluido esta
obra, do que Tenho hum papel escripto, Tenho huma
carta feita, Terei esta obra concluida
.

Nas primeiras expressões o verbo Ter he auxiliar,
e os participios são activos ; nas segundas o mesmo
verbo he adjectivo activo, e os participios são passivos ;
que porisso concordão em genero e numero com
os substantivos, que os precedem, e devem preceder
para evitar o equivoco, que podia nascer da mesma
Linguagem, que antigamente era susceptivel dos dous
sentidos. O verbo Ter em seu preterito perfeiro absoluto
sempre he activo, e nunca auxiliar, como ja advertimos.

Do Participio Perfeito Passivo.

Este tambem he hum participio ; porque participa
do verbo a sua significação activa, não ja exercitada
pelo sujeito da oração, como o participio activo,
mas recebida nelle, e produzida por outro : e participa
outro sim do nome adjectivo a propriedade de modificar
qualquer nome substantivo, concordando com
elle em genero e numero ; que porisso sempre he declinavel,
como : Amado, Amada, Amados, Amaaas  ;
Entendido, Entendida, Entendidos, Entendidas  ;
Applaudido, Applaudida,Applaudidos, Applaudidas
.

Estes participios tem tres usos em nossa Lingua ;
ou se tomão como participios passivos, e neste caso
sempre se conjugão, e andão junctos com os verbos substantivos
Ser, ou Estar, como : Sou amado, Estou
perdido
 : ou como adjectivos verbaes, appostos aos
substantivos para os modificarem, como : Hospede bem,
ou mal agasalhado ; Lugar povoado ; Campos semeados,
Terrenos pousios
, &c. : ou como nomes substantivados
por meio dos artigos, v. g. Hum agasalhado
gostoso, O povoado, Os semeados, Hum terreno,
Os pousios
, &c.293

No primeiro uso cumpre notar, que os participios
passivos dos verbos intransitivos, chamados neutros,
se accommodão melhor com o verbo Estar, do que
com o verbo Ser ; e os participios passivos dos verbos
transitivos activos se dão melhor com este, do que
com aquelle, Assim diremos : Ser amado, e Estar
quêdo ; Ser morto
(por matado) e Estar morto ; Ser
nascido
, e Estar vivo ; Ser lembrado, e Estar esquecido,
&c.

Os participios de significação neutra, ou puramente
relativa, ajunrão-se muitas vezes elegantemente, ainda
em significação activa, com o verbo Ser melhor, do
que com o auxiliar Haver. Assim o usão nossos melhores
Classicos, como Heitor Pinto : E por não gastar
o tempo em recitar varões insignes, que
forão
carecidos da vista. (1)46 Amador Arraes : Sobre que
erão succedidos muitos insultos. (2)47 Sá de Miranda :
São vindas minhas culpas, e querellas. (3)48 Vieira :
Ainda não era vinda a hora do sol. (4)49 O mesmo :
Porque não era ainda vindo o Esperado. (5)50 Souza :
Era entrado o anno de duzentos e nove. (6)51 Somos
chegados com a Historia aos annos do Senhor (7)52.

Nos quaes exemplos, e em infinitos outros, he para
notar, como os verbos, parecendo de voz passiva,
tem todos significação activa, e tanto valem, como se,
para ella mudados, se dissesse no primeiro exemplo :
Que tinhão carecido, ou Que cerecêrão ; no segundo
Que tinhão succedido, ou succedêrão ; no terceiro :
294Tem vindo, ou vierão, e assim nos mais, que se seguem.
Pelo contrario muitos participios de verbos puramente
relativos se tomão por nossos AA. em sentido
passivo, como : Os Levitas, como elle era, erão
alli
respondidos : Barros Dial. II. pag. 269. Sem que
fossem vistos, nem
resistidos : J. Fr.e II. 77 e 148. A
crueldade o fazia mais
obedecido : ibid. 93. Andavão
batalhados com D. Alvaro : ibid. 165. Cidade tributada
das Aldeas visinhas : ibid. IV. 5.

Ha muitos verbos, que tem dous participios passivos,
hum inteiro e regular, e outro contrahido e irregular :
os quaes pomos aqui, assim porque cumpre saberem-se,
como para sobre elles cairem as observações,
que se lhes seguirão.

I. Conjugação em ar.

Acceitar Acceitado Acceito.
Affeiçoar Affeiçoado Affecto.
Agradar Agradado Grato.
Annexar Annexado Annexo.
Apromptar Apromptado Prompto.
Arrebatar Arrebatado Rapto (1)53.
Captivar Captivado Captivo.
Cegar Cegado Cego.
Descalçar Descalçado Descalço.
Entregar Entregado Entregue.
Enxugar Enxugado Enxuto.
Excusar Excusado Excuso.
Exceptuar Exceptuado Excepto.
Expressar Expressado Expresso.
Expulsar Expulsado Expulso.
295Fartar Fartado Farto.
Gastar Gastado Gasto.
Ignorar Ignorado Ignoto.
Infestar Infestado Infesto.
Isentar Isentado Isento.
Juntar Juntado Juncto.
Limpar Limpado Limpo.
Manifestar Manifestado Manifesto.
Matar Matado Morto.
Misturar Misturado Misto.
Molestar Molestado Molesto.
Occultar Occultado Occulto.
Pagar Pagado Pago.
Professar Professado Professo.
Quietar Quietado Quieto (1)54.
Salvar Salvado Salvo.
Seccar Seccado Secco.
Segurar Segurado Seguro.
Sepultar Sepultado Sepulto.
Soltar Soltado Solto.
Sujeitar Sujeitado Sujeito.
Suspeitar Suspeitado Suspeito.
Vagar Vagado Vago.

II. Conjugação em er.

Absolver Absolvido Absolto (2)55.
Absorver Absorvido Absorto.
Accender Accendido Acceso.
296Agradecer Agradecido Grato.
Attender Attendido Attento.
Convencer Convencido Convicto.
Converter Convertido Converso.
Corromper Corrompido Corrupto.
Defender Defendido Defeso (1)56.
Eleger Elegido Eleito.
Encher Enchido Cheio.
Envolver Envolvido Envolto.
Escrever Escrevido Escripto.
Conter Contido Conteudo.
Escurecer Escurecido Escuro.
Extender Extendido Extenso.
Incorrer Incorrido Incurso.
Interromper Interrompido Interrupto.
Manter Mantido Manteudo.
Morrer Morrido Morto.
Nascer Nascido Nado.
Perverter Pervertido Perverso.
Prender Prendido Preso.
Resolver Resolvido Resoluto.
Reter Retido Reteudo.
Romper Rompido Roto.
Suspender Suspendido Suspenso.
Torcer Torcido Torto.

III. Conjugação em ir.

Abrir Abrido Aberto.
297Abstrahir Abstrahido Abstracto.
Affligir Affligido Afflicto.
Concluir Concluido Concluso.
Confundir Confundido Confuso.
Contrahir Contrahido Contracto.
Cobrir Cobrido Coberto.
Diffundir Diffundido Diffuso (1)57.
Dirigir Dirigido Directo.
Distinguir Distinguido Distincto.
Dividir Dividido Diviso (2)58.
Erigir Erigido Erecto.
Exhaurir Exhaurido Exhausto.
Expellir Expellido Expulso.
Exprimir Exprimido Expresso.
Extinguir Extinguido Extincto.
Extrahir Extrahido Extracto.
Frigir Frigido Fricto.
Imprimir Imprimido Impresso.
Incluir Incluido Incluso.
Infundir Infundido Infuso.
Inserir Inserido Inserto.
Instruir Instruido Instructo (3)59.
Opprimir Opprimido Oppresso (4)60.
Possuir Possuido Possesso.
Reprimir Reprimido Represso.
Submergir Submergido Submerso.
Supprimir Supprimido Suppresso.
Surgir Surgido Surto.
Tingir Tingido Tincto.298

Sobre o uso destas duas sortes de participios
passivos não se póde estabelecer huma regra fixa
e universal. So sim se póde dizer em geral, que
os da primeira fórma regular são ordinariamente
os verdadeiros participios, ou activos e indeclinaveis,
conjugados com o auxiliar Ter ; ou passivos
e declinaveis, conjugados com o verbo substantivo
Ser.

Os da segunda fórma, pela maior parte contrahidos
dos primeiros, são mais huns adjectivos verbaes
do que participios. Elles de ordinario indicão huma
qualidade subsistente no sujeito, sem relação alguma
ao seu exercicio, ou activo, ou passivo, bem como os
mais adjectivos, que não são verbaes. Esta a razão,
porque se attribuem aos sujeitos melhor com os verbos
Ser ou Estar, do que com o verbo Ter, como :
Sou acceito, Sou grato, Estou prompto, Estou afflicto,
&c.

Isto não obstante, alguns destes adjectivos verbaes
se usão em sentido activo junctos ao auxiliar Ter, como :
Tenho entregue, Tenho farto, Tenho escripto,
Tenho gasto, Tenho juncto, Tenho morto, Tenho pago,
Tenho acceito
 : e outros em sentido passivo, como :
Ter Aberto, Coberto, Expulso, Extincto, Eleito,
Morto, Preso, Roto, Solto
, &c.

Muitos destes participios contractos não erão conhecidos
de nossos antigos Escriptores, como Afflicto,
Acceito, Erecto, Gasto, Isento, Impresso, Pago
,
&c. e em lugar delles usavão dos regulares Affligido,
Acceitado, Erigido, Gastado, Isentado, Imprimido,
Pagado
, &c. Seja como fôr, estes participios
passivos conjugados com o verbo substantivo em
todas suas Linguagens e de seus auxiliares, e concordados
em genero e numero com os sujeitos pacientes
das mesmas, fazem a voz passiva dos verbos activos,
como : Se vossos serviços são mal premiados, basta-vos
299saber que são bem
conhecidos. Veja-se atraz Cap.
IV. Art. III. § II.

Do Modo Indicativo, e de seus Tempos.

Ja dissemos, que o caracter do modo indicativo,
e de todas suas Linguagens por consequencia, he poderem
estar na oração sos ; e quando se ajuntão com
outras, serem ellas sempre as principaes que determinão
e subordinão as mais, que se lhes ajuntão. As subordinadas
são as Linguagens do subjunctivo e as do
infinito : deste, quando o sujeito de ambos os verbos
he o mesmo, como : Quero fazer, Queremos fazer ;
e daquelle, quando o sujeito he o mesmo, e quando
he differente, como : Duvido que eu possa fazer, Duvido
que faças ; e então ligão-se ordinariamente pelo
conjunctivo Que.

As Linguagens do indicativo tambem podem ser
determinadas por outras, e ligadas pela mesma, ou
outra conjuncção, como : Dizem que Antonio chegou :
Não sei se isto he verdade. Porêm esta subordinação
he accidental, e so produzida pela conjuncção. Tirada
esta, tornão a ficar na sua natureza de indicativas, e
principaes, como : Antonio chegou : Isso he verdade.
Não accontece o mesmo com as outras, que desligadas
não fazem sentido.

Daqui se vê, que não he o conjunctivo Que, quem
determina a Linguagem a ser ou subjunctiva, ou indicativa,
como dizem muitos Grammaticos ; mas sim
a significação do verbo principal : e cumpre muito á
Grammatica saber, quando elle deve levar o outro
verbo ao indicativo, e quando ao subjunctivo.

A regra pois he : que o verbo da oração subordinada
deve estar no indicativo, todas as vezes que o
da principal affirmar com asseveração e certeza, como
affirmão os verbos de Julgar, Suspeitar, Dizer,
300Contar
, &c. que mais pertencem ás faculdades do entendimento,
que da vontade : e pelo contrario deve ir
ao subjunctivo, todas as vezes que o da principal e
determinante affirmar com duvida e receio em razão
do seu objecto ser contingente. E taes são os verbos
de Ignorar, Duvidar, Temer, Esperar, Desejar,
Mandar, Pedir, Accontecer
, e outros semelhantes,
que mais pertencem á vontade que ao entendimento.
Porque todos involvem em si alguma especie de incerteza,
quanto a seu objecto futuro.

Por esta razão diremos : Sei que vem, Duvido
que
venha ; Julgo que virá, Temo que não venha ;
Dizem que veio, Dizem que viéra ; Gosto que viesse,
Temi que não viesse : e não ás avessas Sei que
venha, Duvido que vem ; Julgo que vier, Temo que
não
vem ; Dizem que viesse, ou que tivesse vindo ;
Gosto que viera, Temi que não viera.

Esta mesma regra he applicavel a todas as conjuncções,
ou frases conjunctivas, em que entra o mesmo
Que. Aquellas, que affirmão hum objecto certo,
ou o suppõem, como : Visto que, Ja que, Por que,
Por quanto, Pelo que, Assim que, Eis que, Tanto
que, Logo que
, &c. requerem a Linguagem subordinada
no indicativo.

Pelo contrario aquellas, que suppõem duvida, e indicão
alguma incerteza em seu objecto, como : Para
que, Comtanto que, Sem que, Antes que, Caso que,
Até que, Por mais que, Como quer que, Oxalá que,
Se por ventura, Como se
, &c. todas estas demandão
na proposição subordinada a Linguagem subjunctiva.

Aquellas porêm, que são indifferentes, e que conforme
o sentido de quem fala, são susceptíveis ja de
certeza, ja de duvida, como : De sorte que, De tal
sorte, modo, ou maneira que, Ainda que, Bem que,
Posto que, Se, Ou
, &c. : estas podem-se ajuntar, segundo
301as circunstancias, ou com o modo indicativo,
ou com o subjunctivo O que tudo (torno a dizer)
mostra, que não he a conjuncção Que, quem determina
a proposição subordinada a tomar hum ou outro modo ;
mas sim a affirmação, ou decisiva ou receosa, do
verbo determinante, quer seja do indicativo, quer do
subjunctivo mesmo, e do infinito.

Por isso as frases interrogativas ou negativas ainda
dos verbos de Cuidar, Dizer, &c. que costumão
levar as subordinadas ao indicativo ; quando exprimem
alguma duvida, levão-as então ao subjunctivo, como :
Cuidas tu que, quando Deos formou a Republica das
abelhas
, não quizesse ao mesmo tempo com seu exemplo
ensinar os Reis a governarem os póvos com doçura,
e os póvos a obedecerem aos Reis com amor
 ?
Eu não me persuadia que as couzas sahissem tão mal.
O mesmo passa com os demonstrativos conjunctivos
Que, Qual, Cujo, precedidos de huma frase interrogativa,
ou de outra qualquer, que indique duvida,
desejo, condição, ou couza semelhante, como : Ha por
ventura alguem, que pela vista da universo não venha
no conhecimento de seu auctor ? No coração do
homem
não ha movimento algum bom, que não venha
de Deos.

Téqui temos visto as relações, que por ordem ás
proposições subordinadas, tem o modo indicativo comsigo
mesmo, e com o subjunctivo. Porêm ainda resta
vêr as relações de correspondencia, que os tempos do
indicativo tem huns com outros, e estes com os do
subjunctivo para determinarem mais huns do que outros.
Pois nem todos podem determinar a todos, e os
que determinão e são determinados seguem certas regras
fundadas na natureza mesma destes tempos, e
que por isso forão adoptadas pelo uso quasi universal de
todas as Linguas, como vamos a vêr.302

Regra I

Quando o primeiro verbo está no presente, ou no
futuro do indicativo, o segundo verbo póde ir a qualquer
tempo do mesmo modo, tractando-se de verdades
contingentes ; e tractando-se de verdades necessarias, todos
os tempos do primeiro verbo podem levar o segundo
ao presente.

Quando porêm o primeiro verbo está em qualquer
dos preteritos ou imperfeitos ou perfeitos, o segundo
não pode deixar de ir tambem a outro preterito ou
imperfeito, quando a couza não foi acabada, ou perfeito,
quando o foi. O que melhor se verá na seguinte.

Taboa I
Da correspondencia dos Tempos do Indicativo
entre si.

O presente, e futuro imperfeitos correspondem | a todos os tempos nas verdades contingentes. | Digo / Dize tu / Direi | Que fazes, ou tens feito bem. / Que fazias bem. / Que fizeste bem. / Que tinhas feito, fizeras, ou terias feito bem. / Que farás bem, se… / Que terás feito bem, quando…

Todos os tempos correspondem ao | presente nas verdades necessarias. | Digo / Tenho dicto / Dize tu / Dizia / Disse / Tinha dicto / Direi | Que Deos he justo.303

O condicional imperfeito corresponde ao | preterito perfeito relativo simples. | Diria ou Dissera | Se podera.

Os preteritos imperfeitos ou perfeitos correspondem | aos mesmos ou imperfeitos, quando a acção não he acabada, ou perfeitos, quando o he. | Dizia / Disse / Tinha dicto ou Dissera | Que fazias, ou farias bem. / Que fizeste bem. / Que tinhas ou tiveras feito bem. / Que terias feito bem, se…

O condicional perfeito corresponde | ao preterito perfeito, ou simples ou composto | Dissera, ou Teria dicto | Se | podera. / tivera podido.

Regra II.

O tempo do primeiro verbo no indicativo he
quem determina ordinariamente, em que tempo deve
estar o segundo verbo no subjunctivo.

Deve-se pois dizer : He necessario que eu Ame, e
não que Amasse. Era necessario que eu Amasse, e não
que eu Ame. Foi necessario que eu Amasse ou Tivesse
Amado
, e não que Tenha Amado. Amaria se eu Quizesse,
e não se Quereria. Teria Amado se eu Tivesse
Querido
, e não se eu Teria Querido. Será necessario
que eu Ame ou Tenha Amado, e não que Amar.
Amarei se poder, e não se poderei ou possa.

Mas quando o verbo da proposição principal está
no presente ou no futuro do indicativo, o da proposição
subordinada vai para o presente do subjunctivo,
se se exprimir hum preseme ou futuro ; e para o
304o preterito, se o que se quer exprimir he ja passado.
E quando o verbo da proposição principal está em algum
dos preteritos imperfeitos ou perfeitos, põe-se o
segundo no imperfeito do subjunctivo, se o que com
elle se quer exprimir, he presente ou futuro ; e no
preterito perfeito, se o que se quer exprimir he passado
e acabado. O que tudo melhor se verá na seguinte

Taboa II.
Da Correspondencia dos Tempos do Indicativo com
os do Subjunctivo.

O presente do indicativo corresponde ao | Presente imperfeito, quando a acção he vindoura. / Presente perfeito, quando a acção he acabada. / Preterito imperfeito, quando passada, e não acabada. | Estimo que venhas. / Estimo que tenhas vindo. / Estimo que viesses.

Os preteritos do indicativo correspondem ao | Preterito imperfeito, quando a acção he vindoura. / Preterito perfeito, quando he passada, e acabada. | Estimava / Estimaria / Estimára / Estimei | Que viesses. / Estimava / Estimaria / Estimára / Estimei | Que tivesses vindo.305

O futuro do indicativo corresponde ao | Presente e aos futuros imperfeitos, quando a acção he futura, e não acabada. | Estimarei | Que venhas. / Se vieres. | Futuro perfeito, quando a acção he futura, e acabada. | Estimarei | Se tiveres vindo.

Do Modo Subjunctivo, e seus Tempos.

Do que acabamos de observar sobre a correspondencia
dos tempos do indicativo com os do subjunctivo,
ja em parte se póde saber o uso, que destes se
deve fazer na oração. Porêm ainda restão algumas observações
sobre as Linguagens imperativas, e sobre as
dubitativas e condicionaes deste modo.

As Linguagens verdadeiramente imperativas são
so as segundas pessoas do tempo do indicativo assim
chamado. Ninguem manda directamente se não a pessoas,
com quem fala ; e estas não são, nem podem
ser outras se não as segundas. As Linguagens, com
que os Grammaticos supprem a falta das outras pessoas
do imperativo, pertencem ao presente do subjunctivo,
e são por consequencia determinadas por outro
verbo claro ou subentendido. Por exemplo : Ame eu,
Amemos nós, Ame elle, Amem elles
he o mesmo que
Praza a Deos, ou Faze com que Eu Ame, com
que Nós Amemos ; Quero, ou Mando, ou Exhorto,
ou Permitto que Elle Ame, que Elles Amem, &c.

As frases Dubitativas são ou contingentes, ou
possiveis e hypotheticas. As primeiras nunca se exprimem
se não ou com se em lugar de se por ventura,
e com as Linguagens indicativas ; ou com Que,
e com as subjunctivas, como : Duvido se vem, ou
306Que venha ; Duvido se he vindo, ou Que tenha
vindo, Duvido se veio
, ou Que viesse ; Duvido se
era vindo
, ou Que tivesse vindo ; Duvido se ha de
vir
, ou Que haja de vir.

As possiveis e hypotheticas nunca se podem exprimir
senão com se, e com as Linguagens condicionaes
em ria, assim chamadas, não porque levem se,
quando determinão outras ; mas porque as que ellas
determinão, levão sempre a dicta conjuncção ; e so quando
são determinadas pelos verbos de duvidar, he que
a admittem, e nunca Que, como : Duvido se viria,
e não Que viria ; Duvidei se teria vindo, e não
Que teria vindo.

As dubitativas, que levão comsigo o affecto de medo
ou receio, sempre se exprimem com Que so, quando
eu temo succeda huma couza, que não desejo, como :
Temo que me castigue ; ou com Que acompanhado
de Não, quando eu temo não succeda huma
couza, que desejo, como : Temo que me não pague.

As Condicionaes tambem são ou contingentes,
ou possiveis so, e hypotheticas. Aquellas affirmão debaixo
de huma condição factivel, e estas affirmão debaixo
de huma hypothese, ou caso meramente possivel.
As Linguagens determinantes das primeiras para o
presente, e preterito são as indicativas dos mesmos
tempos, e as determinadas ou condicionaes lhes correspondem
no mesmo modo e nos mesmos tempos : Sou,
se es ; Se eras, era eu tambem ; Se fui, foste
, &c. :
e para o futuro as determinantes são do presente, ou
futuro indicativo, e as determinadas do futuro subjunctivo :
Prometto-te, se fizeres ; Farei o que me pedes,
se puder ; Se até á manhã não tiver tido embaraço,
por todo esse dia terei feito o que me pedes
.

Quanto ás condicionaes possiveis e hypotheticas,
estas tem Linguagens appropriadas tanto para as proposições
principaes e determinantes, como para as subordinadas
307que levão a condição. Humas e outras se
correspondem sempre nos tempos. Se a primeira e principal
he o preterito imperfeito condicional do indicativo
em ria, a subordinada he tambem o mesmo tempo
do subjunctivo em sse : Eu te obsequiaria, Se tu
me
obsequiasses : e se a mesma principal he a Linguagem
em ra do mesmo indicativo tomada como hum
preterito imperfeito, a sua subordinada correspondente
he outra Linguagem em ra do mesmo indicativo tomada
tambem como preterito imperfeito : Se tu me obsequiaras,
eu te correspondera ; ou a do subjunctivo
em sse : Se tu me obsequiasses, &c.

Do mesmo modo nos preteritos perfeitos condicionaes
se a principal he a Linguagem composta em ria, a
sua subordinada he a correspondente do subjunctivo em
sse ; como : Eu te teria obsequiado, se tu me tivesses obsequiado
primeiro : e se a principal he a Linguagem
simples indicativa em ra, tomada como preterito perfeito,
a sua subordinada correspondente he outra Linguagem
em ra do mesmo modo e do mesmo tempo ;
como : Eu te obsequiara, se tu me corresponderas.

Daqui se vê, que a Linguagem condicional em ra
tanto imperfeita, como perfeira, he a mesma, e que so
o sentido da frase he que a determina a tomar-se ou
como imperfeita, ou como perfeita. Nossos classicos
melhores e mais antigos, que para hum e outro tempo
gostavão mais de empregar a fórma em ra do que
a em ria, usão a cada passo della para hum e outro
tempo. Para o imperfeito João de Barros ; Se Catão
fora vivo, me parece se pejara de a pronunciar. (1)61
Se Aristoteles fora nosso natural, não fora buscar
Linguagem emprestada
, (2)62 E se lhe falecera algum
308termo socinto, fizera o que vemos em muitas partes
ao presente
. (1)63

Para o perfeito : Este exercicio se nós o usaramos,
ja tiveramos, &c. (2)64 E parece que tivera a
fortuna
(de seu appellido), se não fôra tam breve
o seu governo
. (3)65 Alêm de cruel fôra desagradecido,
se não aceitára, &c. (4)66 Era o Hidalcão liberal, e
valeroso, e sem duvida
fôra hum grande Principe,
se
conservára o Reino com as mesmas virtudes, com
que soube adquiril-o
(5)67.

A regra de a Linguagem subordinada corresponder
sempre no tempo á da principal he geral, quando
se tracta de acções passageiras. Porêm se se tracta
de hum estado e qualidade fixa e permanente, então
a Linguagem condicional do preterito perfeito demanda
não ja este, mas o preterito imperfeito do subjunctivo.
Se eu dissesse : Este homem não teria soffrido
aquella afronta, se tivesse sido sensivel ; a expressão
não sería exacta ; porque se tracta de huma qualidade
de temperamento, estavel. Deve-se dizer : Se fosse sensivel.
Os que para ambas as proposições usão da Linguagem
em ra, livrão-se deste embaraço.

Deste modo acabamos de dizer tudo o que havia
de mais importante sobre a primeira e a principal parte
conjunctiva da oração, qual he o verbo. Resta tractar
das outras duas, Preposição e Conjuncção, que
são o objecto dos dous capitulos seguintes.309

Capitulo V.
Da Preposição.

Preposição he huma parte conjunctiva da oração,
que posta entre duas palavras indica a relação de
complemento, que a segunda tem para a primeira. Assim
nestas expressões : Venho do Porto, passo por
Coimbra, e vou para Lisboa ; as tres preposições de,
por
, e para, postas entre os verbos adjectivos Venho,
Passo
, e Vou, e os nomes Porto, Coimbra, e Lisboa,
mostrão a relação de complementos, em que estes
estão para aquelles.

O verbo tambem he huma parte conjunctiva da
oração. Porêm tem differenças essensiaes, que a distinguem
da preposição. 1.° Quanto aos termos que
combinão e ajuntão. O verbo combina e ata entre si
os dous termos da preposição, sujeito e attributo : a
preposição porêm conjunta so as palavras, que servem
de complementos ou ao sujeito, ou ao attributo, ou
ao verbo da mesma oração. 2.° Quanto á especie de
relação. A que o verbo põe entre o sujeito e o predicado,
he a relação de Identidade e coexistencia de
hum com outro : e a que a preposição indica entre
seus dous termos, Antecedente e Consequente, he a relação
de Determinação, pela qual aquelle determina
este, ou he determinado por elle. 3.° Quanto ao numero
de ideas, que cada hum exprime. O verbo, alêm
da sua idea propria e principal da coexistencia dos
dous termos, ajunta a esta muitas accessorias, como
são a do modo de enunciação, a do tempo, a do
numero, e pessoas, e ainda a de hum attributo, se
he verbo adjectivo ; que porisso he huma parte grande
da oração e não particula, huma parte declinavel
e summamente variada em suas terminações para poder
310comprehender toda esta variedade de ideas, e huma
parte emfim, que póde ser composta, e derivada
de outras.

A preposição porêm não indica senão huma unica
idea, e esta geral e simplicissima, qual he a relação
de complemento, em que hum objecto está para
com outro ; a qual relação he hum mero aspecto, e
huma vista momentanea, com que nosso espirito considera
huma idea em respeito a outra. Daqui vem

1.° Que o mecanismo da Linguagem imitando
com os vocabulos, quanto lhe he possivel, a natureza
das ideas, não podia deixar de escolher para representar
esta relação simplicissima se não palavras curtas
e monosyllabas, chamadas Particulas, como escolheu
em todas as Linguas. Porisso qualquer palavra
polysyllaba, que se queira introduzir na Grammatica,
como preposição, se faz suspeita pela sua mesma extensão.

2.° Que toda preposição sempre he huma palavra
indeclinavel e invariavel, simples e não composta,
primitiva e não dirivada. Porque a declinação, composição,
e dirivação dos vocabulos não se faz senão
para concentrar em huma palavra com sua idea principal
outras accessorias ; o que não cabe na preposição,
que, como vimos, exprime huma idea so, e essa
simplicissima.

3.° Que exprimindo a preposição huma relação,
e toda a relação tendo necessariamente dous termos
pelo menos, ella requer por consequencia duas ideas
para combinar, huma Antecedente, e outra Consequente ;
e requer outrosi estar no meio dellas segundo a
ordem da construcção direita e analytica. Digo : Segundo
a ordem da construcção direita e analytica
,
porque na invertida muitas vezes succede o contrario,
ou por necessidade, quando os complementos das preposições
são alguns dos demonstrativos, ou puros, ou
311conjunctivos, como : D’isto se segue, D’o que se segue :
ou por elegancia, como : De Coimbra a Lisboa
vão tantas legoas
, quando a ordem sería : Tantas
legoas vão de Coimbra a Lisboa
, ficando as preposições
de e a entre o verbo vão, e os seus respectivos
complementos.

4.° Que, como a segunda idea sempre he complemento
da primeira, segue-se, que esta he sempre incompleta.
Ora huma idea póde ser incompleta de dous
modos, ou por ser vaga e geral, e por consequencia
susceptivel de determinação ; ou por ser relativa, e demandar
por consequencia hum termo, que complete
sua relação. Daqui duas especies de complementos,
huns Determinativos, e outros Terminativos. Quando
digo : O livro de Pedro ; a preposição de com o
nome Pedro he hum complemento determinativo ; por
que determina, e restringe a significação geral e vaga
da palavra livro. Porêm se digo : O filho de Pedro ;
o mesmo complemento ja he terminativo ; porque serve
de termo á significação relativa da palavra Filho,
que o requer. As palavras de significação relativa tambem
o são de huma significação vaga, mas não ás
avéssas.

Daqui se segue que a palavra, que serve de termo
antecedente á preposição, devendo ter huma significação
vaga e indeterminada, e não havendo outras
desta natureza senão os nomes appellativos, e os adjectivos
explicativos e restrictivos ; estes so, e não outros,
são os que podem ser antecedentes da preposição :
bem entendido, que nesta conta entrão tambem os verbos
adjectivos e os adverbios ; porque aquelles levão
comsigo o adjectivo, e estes o substantivo appellativo.

Pelo contrario não podem ser antecedentes da preposição
nem os nomes proprios, nem os adjectivos determinativos,
menos quando são partitivos. Porque o
que he determinado e determinativo, não he susceptivel
312de novas determinações. Mas se não podem ser antecedentes
da preposição, podem ser consequentes da
mesma, como tambem os nomes appellativos, quando
sua significação geral he mais restricta que a do
antecedente.

A preposição nunca póde ser nem antecedente,
nem consequente de outra. Porque indica so huma relação
entre duas ideas, e por si não significa idea alguma ;
o que era preciso ou para poder ser determinada,
ou para servir de termo e complemento a outra preposição.
Quando pois se encontrão duas preposições seguidas
antes de hum mesmo consequente, como : Perante
o Juiz, Por de traz, Por diante, Por entre
os perigos, Para comigo, Para com elle
, a segunda
nunca he complemento da primeira, mas ambas tem
hum complemento commum, do qual exprimem duas
relações ao mesmo tempo.

E pelo contrario hum signal certo de que huma
palavra não he proposição, he quando a mesma he
ou precedida, ou seguida de preposição : e taes são
muitos nomes e adverbios contados de nossos Grammaticos
como preposições ; que estão tão longe de o
ser, que antes servem ou de antecedentes á preposição,
que se lhes segue, ou de complementos á que
lhes precede, como logo veremos.

Explicada assim a natureza da preposição, postos
os principios, em que a mesma se funda, e deduzidas
delles as legitimas consequencias ; passemos ja a examinar
1.° quaes são as verdadeiras preposições Portuguezas,
e quaes não : 2.° como se podem classificar :
3.° e como as mesmas com seus complementos se reduzem
a huma menor expressão pelos Adverbios em
todas as Linguas, e pelos Casos naquellas, que os tem.
O que fará a materia dos quatro artigos seguintes.313

Artigo I.
Do numero das Preposições Portuguezas.

Nossos Grammaticos contão na Lingua Portugueza
até quarenta preposições, que pela sua ordem alphabetica
são as seguintes, A, Abaixo, A’cerca, Acima,
Afora, Alêm, Ante, Antes, Apoz, A’quem,
Arroda, Aoredor, Até, Atraz, Com, Contra, Conforme,
De, Debaixo, Decima, Defronte, Detraz,
Dentro, Depois, Diante, Desde, Em, Entre, Excepto,
Juncto, Longe, Perto, Para, Per, Perante,
Por, Segundo, Sem, Sob
, e Sobre. A palavra Cerca,
que João de Barros conta como preposição, e Fóra,
Póz, Traz
, de que tambem usão nossos Escriptores,
são as mesmas que A’cerca, Afora, Apoz, Atraz.

De todas estas quarenta palavras so dezeseis são
preposições sem duvida alguma, a saber : A, Ante,
Apoz, Até, Com, Contra, De, Desde, Em, Entre,
Para, Per, Por, Sem, Sob, Sobre
. As mais todas
ou são nomes, ou adverbios, e como taes devem ser
tiradas da posse injusta, em que as puzerão nossos
Grammaticos.

São nomes substantivos servindo de complementos
ás preposições que os precedem, quer separadas,
quer incorporadas na mesma palavra, as seguintes : A
baixo, De baixo, A cima, De cima, A’cerca, De
fronte, A’ roda, Ao redor
 : porque todas estas palavras
se achão empregadas pelos nossos Classicos, e no
uso actual da Lingua como substantivos sem preposição
alguma ; e com ella ficão sendo o mesmo que erão
sem differença alguma mais do que servirem de complementos
á preposição, bem como os mais nomes. Se
fossem preposições, mal podião ser complementos d’ellas ;
314porque huma preposição nunca póde ser complemento
d’outra, como deixámos demonstrado.

São adverbios ou expressões adverbiaes as seguintes :
A fora, Alêm, A’quem, Atraz, Conforme, Detraz,
Dentro, Depois, Diante, Excepto, Juncto,
Longe, Perto, Segundo
. Huma prova evidente disto
he, que todas estas palavras, á excepção de Conforme,
Excepto, Segundo
, se achão na oração ou precedidas
ou seguidas de preposição ; e a maior parte dellas
precedidas e seguidas della ao mesmo tempo. O
que não podia ser, se ellas mesmas fossem verdadeiras
preposições. Pois huma preposição nunca póde ser
nem antecedente, nem consequente de outra, como
acima fica mostrado.

Se as palavras Conforme e Segundo se achão sem
preposição nem dantes nem depois, e seguidas immediatamente
de seus complementos, como succede nas
verdadeiras preposições, he porque tendo huma significação
relativa, como os adjectivos Conforme Conformes,
Segundo Segunda
, donde se dirivárão, era facil
entender entre ellas e seus complementos a preposição
a, a qual se expressa em seus primitivos,
quando por ex. dizemos : Julgar segundo, ou conforme
ás Leis
, que he o mesmo que Julgar seguindo,
ou conformemente ás Leis. Quanto á palavra Excepto,
ella he hum participio passivo, contrahido de
Exceptuado : e quando dizemos Excepto isto, he o
mesmo que Sendo isto exceptuado. Em todo o caso
huma palavra polysyllaba, dirivada, e ella mesma
nome adjectivo adverbiado, como estas são, nunca
podia ser preposição pelas razões acima ponderadas.

Das palavras acima so em duas poderia haver
duvida, se são ou não, verdadeiras preposições, que
são Diante e Traz. Nossos Classicos as empregão
algumas vezes como preposições, pondo-as entre hum
315antecedente e hum consequente absolutamente, sem as
fazer preceder, nem seguir de outra preposição, como :
Chegando diante ella, Trazião diante si, Postos
huns
traz outros, Traz os Montes, &c.

Mas as mais das vezes usão dellas como de adverbios,
ja fazendo as complementos de outras preposições,
como : De diante, Para diante, Em diante,
A traz, De traz, Para traz
 ; ja fazendo-as antecedentes
de outras, como : Diante de mim, Diante de
outrem, Atraz da porta, Detraz da porta, Por detraz
de mim
 ; ja em fim usando dellas como de puros
adverbios : Hir por diante, Daqui em diante, Deixar
atraz, Tornar atraz com a palavra
, &c. Determinado
pois assim o numero de nossas preposições,
passemos ja a examinar as funcções e propriedade
de cada huma dellas para as reduzir, se possivel
for, a certas classes, e fixar por este modo seu emprego
no discurso.

Quasi todos nossos Grammaticos, e Lexicographos,
dão por homonymas muitas das nossas preposições, pertendendo
que huma mesma preposição exprima varias
relações communs a outras, segundo o uso assim o
quis. Que a preposição a por exemplo

Está em lugar de com nestas expressões : Estar a
mil modos atado : Dizer á bocca aberta : Pedir a altas
vozes
.

Em lugar de contra nestas : Foi-se a elle : Lançar
barro
á parede.

Em lugar de de, quando digo : Querer á boa
mente
.

Em lugar de em, como : Que arte á sua guerra,
á sua paz achamos.

Em lugar de para, e para com, como : Viver a
si, e não para os outros : Grandes queixas a Deos,
e ao mundo
.

Em lugar de por, como : Requerer á honra de
316Deos
 : Á mingoa de ferro rapavão as barbas com pedras
agudas
.

E finalmente em lugar de sobre, como : Trazer
ás costas : Pôr ás costas. Vej. o Diccionario da Academia
de Lisboa.

O mesmo succede com a preposição de, que dizem
se confunde

Ja com em, como : De dia, De noite, De madrugada.

Ja com para, como ; Facil de digerir, Difficil
de alcançar.

Ja com por, como : Fugi de medo : Chorei de
gosto.

Ja com com, v. g. Fez isto de proposito, e de
má vontade, &c.
A ser assim, ficarião as preposições confundidas
humas com outras, seu uso arbitrario e incerto, e frustrada
a empresa de as reduzir a certas classes segundo
suas propriedades. O uso porêm não he tão cego
e despotico, que não sigua em seus procedimentos alguma
razão e ordem, que cumpre indagar, para não fazer
da Grammatica huma collecção mera de observações
desvairadas, devendo ser hum systema razoado de
analogias. Isto he que passamos a mostrar com as observações
seguintes.

1.ª Observação.

O primeiro destino das preposições foi indicar as
relações entre os objectos sensiveis por ordem ao lugar,
que occupão em hum espaço, ou ao movimento,
que no mesmo fazem. Mas como as mesmas relações,
que ha entre os objectos sensiveis, podem tambem
haver entre as ideas obstractas, que, como aquelles, são
igualmente objectos de nossos pensamentos, e as ideas
abstractas o podem ser mais, ou menos ; daqui vem,
317que huma mesma preposição póde ter lugar em casos
bem dissimilhantes, de sorte que ás vezes as ultimas
accepções apartão-se tanto das primeiras, que perdendo-se
de vista o fio da analogia, pelo qual a preposição
foi passando gradualmente de hum uso a outro,
não será facil dar a razão da differença entre as suas
primeiras accepções e as ultimas. Com tudo he certo,
que a ha.

Quem por ex. póde duvidar, que nestas expressões :
Viver á lei da natureza, Vestir á moda, Trajar
á Franceza, se não entenda por ellipse o adverbio
Conformemente, para ser o antecedente proprio da
preposição a ? E se o he, porque o não será tambem
nesta : Falar a torto, e a direito ? Se falar conformemente
a direito
ainda se diz em bom Portuguez, porque
se não entenderá o mesmo adverbio, quando dizemos
Falar a torto ? Pois torto he igualmente complemento
da preposição a, como o he a palavra direito,
e na mesma frase, e de baixo da mesma relação ?

Com tudo, não obstante assim o pedir a razão,
ja fica mais dura a expressão, pondo-se-lhe claro o
mesmo antecedente deste modo : Falar conformente a
torto ; e á vista disto ja não parecem tão duras e escabrosas
muitas outras expressões, em que a analogia
pede se entenda o mesmo adverbio, como : Fazer á
boa mente, Tomar á peior parte, Roubar mais a seu
seguro, Morrer
á fome, Pelejar a pé quedo, a cavallo,
Passar tudo
a ferro, fogo, e sangue ; Andar
ás cegas, ás apalpadelas, ás avessas ; e nestas : A saber
isto, não faria
, &c. A ser assim, não quero, &c.
expressões, em que nossos Grammaticos dizem estar a
preposição a em lugar da conjuncção se, fazendo as
frases condicionaes. O que não podia ser sem perturbar
todas as ideas, que temos de Grammatica e de
Logica.

De tudo isto se segue que, huma vez que o uso
318de nossa Lingua adoptou a preposição a para exprimir
a relação de Termo para onde em geral, e em particular
o de conformidade entre dous objectos, como os
Latinos empregavão a sua ad para o mesmo fim, como :
Vivere ad similitudinem, non ad rationem : todas
as vezes que o complemento della significar o modo
e fórma de qualquer acção, e não tiver antecedente
claro, este se deve supprir pelos adverbios Segundo,
Conforme
, ainda que, expressados elles, fação mais
extranha a frase, por se usar della so ellipticamente.

Em todas porêm se percebe o fio da analogia primitiva
para não ser necessario confundir humas preposições
com outras. A relação geral exprimida pela
preposição he sempre a mesma. Os complementos della
são os que varião, e parecem mais ou menos duros,
segundo se apartão ou chegão mais áquelles, com
que a preposição se juntou ao principio.

2.ª Observação.

A segunda observação he, que, sendo o antecedente
de qualquer preposição sempre hum termo ou relativo,
ou vago ; no primeiro caso he preciso não confundir
a relação particular do termo com a geral indicada
pela preposição ; antes fazer sempre distincção
de huma e outra. Sem esta distincção a mesma preposição
poderia parecer destinada a significar differentes
relações, e ainda oppostas.

Estas frases : Dar alguma couza a alguem, Tirar
alguma couza
a alguem ; Dizer bem de alguem,
Dizer mal
de alguem, fazem hum sentido contrario.
Porêm a contradicção não está nas preposições a e de,
que constantemente exprimem, aquella hum termo a
que se dirije huma acção ou relação, e esta hum termo
donde parte ou depende qualquer acção, ou relação,
ou que se olha como tal, para delle como principio
319ou efficiente, ou determinante se enunciar qualquer
couza. A contradicção está toda nas differentes
ideas relativas dos dous antecedentes da preposição a,
que são Dar e Tirar, e entre os da preposição de,
que são Dizer bem e Dizer mal.

Quando o antecedente da preposição a não tem
huma significação relativa, que demande hum termo
para onde, elle não póde ser o verdadeiro antecedente
da preposição. Necessariamente se lhe ha de então
entender outro de fóra, que por ellipse se occulta. Taes
são ordinariamente

l.° Por respeito, ou Relativamente, nestas expressões :
Que arte (suppl. Respeito) á sua guerra, á sua
paz achamos ? Este rio
(suppl. Relativamente) a lugares
tem quatorze e quinze braças de fundo : Que
ao rico
, a quem mais, todos acodem, (1)68 isto he :
Porque todos acodem ao rico á porfia ou competencia,
quem mais acodirá ?

2.° Conformemente, como : Viver (conformemente)
á Lei da natureza, á moda : Falar a proposito : Mandar
á instancia do Povo.

3.° Juncto, Proximo, ou Immediatamente, como :
Está a partir : Está a morrer : Correr ao longo do rio :
Sentar-se á direita : Chegar á noite, a o pôr do sol.

4.° , ou Até nestas e semelhantes expressões :
Comprar a tanto, a tres por cento : O arratel de uvas
val
a dez réis, isto he, Até dez réis, e não, Por
dez rêis
, como Argote diz julgando que a preposição
a se põe em lugar de por.

5.° Virado (versus) nestas e semelhantes locuções :
Ao Norte, Ao Sul, Ao Nascente, Ao Poente : Lançar
barro
á parede : Hir-se a elle : Ás avessas : A’
direita, &c.320

6.° Seguindo-se, principalmente nas distribuições,
como : Hum a hum, Dous a dous &c. (1)69 Todas estas
expressões são ellipticas ; e porque so assim se usão,
quando se supprem, parecem extranhas.

No segundo caso, quando a preposição de não
tem hum antecedente, ou relativo a hum termo Donde,
ou vago, cuja significado ella haja de restringir
com seu complemento ; tambem ha ellipse, a qual he
facil de supprir com algum nome appellativo, correspondente
ao complemento da preposição, como por
ex. he o appellativo Tempo ou Hora nestas expressões
De dia, De noite, De madrugada ; o appellativo
Por causa, em estoutras : Fugio de medo, Chorou
de gosto, Fez isto de proposito, de má vontade, Vencido
da paixão
 ; os appellativos Palavra, Nome, Resposta,
Carta, Papel
, nestas expressões Dizer de não,
Responder
de não, Chamar de hypocrita, Escrever
de pezames, Escrever de parabens, Fazer de galante :
o appellativo Tenção, ou Resolução em todas as
Linguagens compostas do verbo Haver ou Ter e dos
infinitos com a preposição de, como : Hei ou Tenho
de fazer, &c.

Nestas expressões Infeliz de mim ! Pobre d’elle !
e outras similhantes ha huma ellipse do verbo Falo,
que se deve entender antes da preposição de, pondo o
accento exclamativo logo depois da primeira palavra,
deste modo : Infeliz ! Falo de mim, Pobre ! Falo delle :
a qual ellipse outro sim se deve entender na expressão
citada pelo A. da Grammatica da Lingua
Castelhana
 : O cão do criado veio com o cão do amo,
a qual (diz elle) por elegancia e propriedade da Lingua
póde tomar-se em dous sentidos, ou que os dous
321cães vierão junctos, ou que vierão junctos o amo e o
criado. No primeiro sentido a preposição de he determinativa
da significação vaga do nome Cão, e no segundo
terminativa da significação relativa do verbo Falo,
que se lhe entende deste modo : O cão (falo) do
criado, O cão (falo) do amo.

Depois destas observações não será tão difficil, como
parece, o reduzir cada preposição ao seu significado
proprio e natural de huma relação geral, differente
das que tem as outras preposições, posto que modificada
diversamente pelas differentes applicações, que
da mesma fazem os seus antecedentes e consequentes :
e feita esta reducção particular não será tambem difficil
a geral de todas as preposições a certas classes, como
passamos a vêr no Artigo seguinte.

Artigo II.
Classificação das Preposições Portuguezas.

Todas as preposições se podem reduzir a duas
classes geraes segundo as duas relações geraes, que os
objectos podem ter huns com outros, ou de Estado
e Existencia, ou de Acção e Movimento. Ambas estas
relações são locaes em sua origem. A primeira diz respeito
ao lugar, onde alguma couza está ou existe. A
segunda diz respeito aos lugares, Donde alguma couza
vem, Poronde vai, e Aonde vai : Porisso ás preposições
da primeira relação geral darei o nome de Preposições
de Estado e Existencia
, e ás da segunda o de
Preposições de Acção e Movimento.322

§ 1.
Primeira Classe.
Preposições de Estado e Existencia.

As preposições desta classe exprimem as relações
dos objectos por ordem ao lugar onde existem ; ou absolutamente,
ou tambem em respeito a outros objectos,
que no mesmo se achão. Porque a idea do lugar onde
he geral e indeterminada, e porisso susceptivel de varias
determinações particulares, quaes são as differentes
Situações de hum objecto a respeito de outro no mesmo
lugar, e os Acompanhamentos, que com elle concorrem,
ou deixão de concorrer. As situações podem-se
considerar relativamente ou ás superficies horizontaes,
ou ás perpendiculares. Tudo são modificações do
lugar onde, que as preposições desta classe exprimem
ao modo seguinre.

1.° Da preposição Em relativa ao lugar Onde
em geral.

Todo o objecto sensivel, que existe, existe em
hum lugar. Esta relação de existencia, a mais geral
por ordem ao lugar onde, he a que indica nossa preposição
em, ou se exprima e escreva assim, ou ẽe com
todos seus sons, ou so pela letra n’ juncta com o artigo,
como : n’o, n’a, n’os, n’as. Assim do espaço do
lugar dizemos : Estar na Cidade, Estar em o campo.
Do espaço do lugar era facil passar ao espaço do
tempo, do espaço do tempo a hum espaço ideal, e
dizer : Estar no inverno, Estar no verão, e dahi Estar
em si, Estar em seu juizo ; e juncta com verbos
de movimento significar o lugar, onde se vai estar, como :
323Passar em Africa, Sair em terra, Entrar em
casa, Entrar em si ; e daqui por analogia Em observancia
das ordens
, Em castigo de meus peccados, Em
continente, Em geral, Em extremo, &c.

2.° Das Preposições Sobre, Sob, e Entre, relativas
ás situações horizontaes no mesmo lugar
Onde.

Por ordem ás superfícies horizontaes, qualquer objecto
póde ter huma situação ou Superior, ou Inferior,
ou Interior. A primeira situação local he indicada
pela nossa preposição Sobre, ou se diga de hum
lugar real, como : Estar sobre a terra ; ou virtual,
como : Estar sobre si, Disputar sobre alguma couza ;
ou do espaço do tempo, Sobre a tarde, Sobre a
noute
 ; ou de couzas, como : Sobre queda couce, e daqui,
Sobre fea, indiscreta ; Sobre ignorante, presumido.
As expressões adverbiaes Em cima, De cima, Por
cima
, indicão a mesma situação tanto no sentido proprio,
como no figurado.

A Situação inferior he indicada pela preposição
Sob, ou no sentido proprio, como : Estar sob o ceo,
Sob os parallelos do tropico de cancro ; ou no accommodaticio,
como : Sob o governo de Tiberio ; ou no
figurado, Sob tua protecção, amparo, e favor. As expressões
adverbiaes, A baixo, De baixo, Por baixo,
exprimem a mesma situação.

Em fim a Situação interior he marcada pela preposição
Entre, ou seja quanto ao lugar : Entre o ceo
e a terra
 ; ou quanto ao tempo, Entre as dez e as
onze
 ; ou quanto ás couzas, Entre falar e calar ; Entre
bem e mal ; Entre agradecido e queixoso
. A’s vezes
com esta preposição se juntão outras para mostrar
ao mesmo tempo duas relações locaes do mesmo complemento
324como : Por entre os perigos ; Dentre as
garras
, &c.

3.° Das Preposições Ante, Após, e Contra, relativas
á situação Perpendicular no mesmo lugar
Onde.

Por ordem ás superficies perpendiculares ha tambem
tres situações indicadas por outras tantas preposições.
Em respeito a hum objecto levantado ao alto
póde outro estar ou diante delle, ou detraz delle, ou
defronte do mesmo ; donde nascem as tres situações,
Anterior, Posterior, e Fronteira.

A primeira he indicada pela nossa preposição Ante,
quando entre hum e outro objecto nada se mette,
como : Apparacêo ante mim ; e como o que está diante
precede no lugar ao que está atraz, e he primeiro
na ordem da processão de marcha, daqui veio que esta
mesma preposição exprime tambem huma relação de
precedencia e anterioridade de tempo a respeito de outra
que se lhe segue, como : Ante hontem, Morrer
ante tempo, Ante todas as couzas, isto he, Antes
de hontem, Antes do tempo, Antes de tudo
.

Esta preposição se junta tambem com outras para
de huma vez exprimir duas relações locaes do mesmo
complemento, como : Passar por ante mim, isto
he, Por hum espaço diante de mim ; Pagar d’ante
mão, isto he, de mão anticipada. O adverbio Diante,
de que alguns Classicos usão ainda como preposição,
indica a mesma situação, como : Diante mim, e
Diante de mim.

A posição Posterior, contraria á Anterior, he
marcada pela preposição Após, ou Pós por apherese,
quando se diz de lugar, como : Após a cruz hia a
bandeira real
, isto he, atraz da cruz ; Após o Cavalleiro
na garupa vai sentado o negro cuidado
. (Post equitem
325sedet atra cura) Daqui veio significar tambem
esta preposição a relação de anterioridade, quando se
applica ao tempo, assim como Ante significa posterioridade,
quando se diz do mesmo, como : Claro após
chuva o sol, Pós noite o dia ; isto he, Depois da chuva,
Depois da noite.

A mesma preposição toma a sua significação propria
e primitiva com os verbos de movimento, como :
Correr após as honras, Após a fortuna vem a adversidade,
isto he, Atraz das honras, Atraz da fortuna ;
que porisso este adverbio substitue ás vezes a
preposição, e como tal he ás vezes empregada pelos
nossos Classicos, como : Traz elles vindo, Postos huns
traz outros.

Finalmente a posição Fronteira de hum objecto,
contraposto a outro, de fronte do qual está, ainda que
não immediatamente, he indicada pela nossa preposição
Contra, como : Virado contra o nascente, Levantou
os olhos
contra o ceo. Asurara C. 44 Assestar a
artilharia contra a cidade. E como quem peleja tem
sempre o inimigo defronte, foi facil da idea de contraposição
passar á de opposição ; e daqui a analogia
destas, e outras expressões : Advogar contra o reo, Falar
contra alguem. A formula adverbial Defronte substitue
esta preposição na sua primeira significação.

4.° Das Preposições Com e Sem relativas
aos Acompanhamentos no mesmo
lugar.

Outra determinação e circunstancia do lugar onde
são os acompanhamentos do objecto situado, que compõem
os ornatos e accessorios da scena, em que elle se
acha, ou faz alguma acção. Para exprimir as relações
do objecto principal com estes acompanhamentos, temos
duas preposições, huma que indica a relação de
326companhia, o concurso dos mesmos, e outra a exclusão
total dos mesmos.

A primeira he a preposição Com, que exprime
ou a união e concurso mutuo de duas couzas principaes,
como : Portugal com Hespanha. Estou com meus
amigos
 ; ou de huma principal e outra accessoria, como
he ja a causa com seu instrumento : Matar com
a espada, Escrever com a penna ; ja a substancia com
seu modo : Estar com medo, Trabalhar com cuidado ;
ja de hum termo de communicação com outro :
Ganhar nome com os estrangeiros, Caritativo com
os pobres, Cumprir com a obrigação, &c. Para fazer
esta communicação comparativa, se costuma juntar
com esta a preposição Para, como : Para comigo,
Para com os outros
.

A segunda he a preposição Sem, que exclue toda
a união, e concurso dos mesmos acompanhamentos,
como : Portugal sem Hespanha, Estou sem amigos,
Matar
sem espada, Estar sem medo, Trabalhar
sem cuidado, Ganhar nome sem o procurar, Caritativo
sem ter com quem. Neste ultimo exemplo se
vê, que a preposição Sem não so exclue ideas, mas tambem
orações inteiras, quando tem por complemento
ou infinitos ou orações subordinadas e subjunctivas, como :
Sem que faça duvida, &c.

Todas estas nove preposições exprimem relações
de estado e existencia em algum lugar e situação ; e
porisso todas ellas se podem juntar, e se accommodão
melhor com os verbos substantivos Ser e Estar, e
com todos os mais, que significão existencia ou simples,
ou qualificada, quaes são os verbos intransitivos. Assim
podemos dizer : Estar em, Estar sobre, Estar sob,
Estar entre, &c. Mas não podemos igualmente dizer :
Estar de, Estar a, Estar para, &c. se não por ellipse,
entendendo-se de fóra algum antecedente proprio
ás preposições, que exprimem relações, não ja de estado
327e existencia, mas de acção e movimento, como são
estas, e outras, que pertencem á segunda classe.

§. II.
Segunda Classe.
Preposições de Acção e Movimento.

Toda a acção he hum movimento ou real, ou
virtual, e todo o movimento tem hum principio d’onde
parte, hum meio por onde passa, e hum fim aonde,
ou para onde se dirige. Estas são as relações geraes
das preposições activas, cujo primeiro destino tendo sido
o de indicar o lugar donde começa qualquer movimento,
o espaço por onde passa, e o termo aonde se
encaminha ; daqui por analogia do espaço local com o
espaço do tempo passarão a significar as mesmas relações
por ordem ao tempo, em que huma couza começa,
pelo qual continúa, e aonde termina.

Depois de considerar o tempo como hum espaço
analogo ao do lugar, não he para admirar, que o espirito
humano passasse a considerar como huma especie
de espaço abstracto qualquer pensamento, em que
pudesse distinguir huma idea, da qual como de principio
fosse discorrendo por outras intermedias para chegar
a huma terceira, que se propoz. A mesma palavra
Discurso suppõe huma especie de espaço ideal, em
que as ideas se succedem humas a outras.

Daqui vem as differentes accepções, que huma
mesma preposição vai tomando, á medida que se applica
a ideas mais, ou menos abstractas ; as quaes com
tudo se reduzem á mesma relação geral, que faz seu
caracter ; se ha cuidado em seguir passo e passo o fio
328da analogia, pelo qual as que parecem mais desvairadas,
andão ligadas com as primeiras e fundamentaes,
como passamos a vêr.

1.° Das Preposições De, Desde, e Por, pertencentes
ao lugar D’onde.

Para o principio, d’onde começa qualquer movimento
e acção, temos tres preposições, que são De,
Desde
, e Por, que tem a mesma força que as Latinas
De, A, Ab, Pro, e Propter.

Mas a primeira e segunda são mais proprias para
denotar hum principio physico, e a terceira hum principio
moral ; aquellas hum principio de origem, e esta
hum principio como causa.

A preposição De ou tem hum antecedente de
significação relativa, ou de significação vaga. No primeiro
caso exprime hum complemento Terminativo,
indicando o termo de hum principio, d’onde alguma
couza ou vem, como : Venho de Lisboa ; ou provêm,
como : Nascer d’a terra ; ou começa, como : De hum
cabo a outro
 ; ou he causada, como ; Vencido da
dor, Morto de fome.

No segundo caso exprime hum complemento Restrictivo,
que limita a significação vaga e geral de seu
antecedente, ou pelo seu possuidor, e autor, como :
Senhor d’o mundo, Pinturas de Vasco ; ou pela sua
materia, Vaso de ouro ; ou pelo seu instrumento, Obras
de mão ; ou pelo seu modo, Falou d’esta sorte ; ou pelas
suas qualidades, Homem de juizo, &c. Todas as
vezes que se encontrar esta preposição com seu complemento
sem antecedente, he sempre huma expressão
ou adverbial, ou elliptica, a que se deve entender hum
nome appellativo, que lhe sirva de antecedente, como
atraz deixamos mostrado.

A preposição Desde accrescenta á relação de principio
329indicada pela preposição De, a idea de continuação
no mesmo espaço com tendencia ao seu fim ;
que porisso anda juncta ordinariamente com a preposição
Até, e se diz propriamente so do espaço ou do
lugar, ou do tempo, como : Desde Coimbra até Lisboa,
Desd’a Pascoa até o S. João
 ; e com a apocope
do de dizemos Des hi atê aqui, Des que nasci, &c.
Para differença desta preposição á antecedente deve-se
notar, que não he o mesmo dizer : De então para cá
tem chovido
, e Desde então para cá tem chovido. Para
se verificar a primeira proposição, basta ter chovido
huma so vez ; para se verificar a segunda, he preciso,
que a chuva fosse continuada.

O mesmo principio D’onde he indicado pela preposição
Por, que tem duas significações, huma em
lugar de Por causa, da preposição Latina Propter, ou
esta causa seja physica, como : Vencidos pol’os Romanos,
ou moral, como : Obrar por interesse : outra,
como se dissesse Em lugar, que he tambem o significado
da preposição Latina Pro, de que se usa nas
trocas e substituições, como : Vender gato por lebre.

E como em juizo em lugar do reo se substitue
o seu procurador e advogado, daqui as expressões Advogar
por alguem, Pedir por alguem, Temer por si.

A preposição Por não se deve confundir com
Per, como vulgarmente se faz escrevendo Por em lugar
de Per, e Pel’o em lugar de Pol’o, como : Cortar
por si em lugar de Cortar per si, e Pel’o amor de
Deos
em lugar de Pol’o amor de Deos. Nossos Classicos,
e Lucena principalmente, guardão exactamente
esta distincção no emprego, e orthographia destas duas
preposições : o que ja notou Duarte Nunes de Leão na
sua Origem e Orthographia da Lingua Portugueza,
pag. 288. Regra X.330

2.° Da Preposição Per pertencente ao lugar
Per Onde.

Para notar a relação de hum espaço, per onde alguem
passa, e consequentemente a de hum meio, pel’o
qual alguma couza se faz, não ha se não a preposição
Per. Ella significou primeiro o espaço do lugar, por
onde alguma couza se move, como : Andar per montes
e valles, Ir pel’o mar, Ir pel’a terra
. Daqui passou
a significar o espaço do tempo, pel’o qual alguma
couza acconteceo, como : Pel’os annos do mundo quatro
mil nasceo Jesus Christo
. Daqui por analogia
passou a significar qualquer espaço ideal intermedio :
Passar pel’os perigos, pel’a vergonha, Fazer por necessidade,
por bem, por mal
 ; (usando como ora se
usa de Por em lugar de Per.)

E como hum espaço intermedio tem grande semelhança
com o meio, instrumento, ou modo, pel’o
qual se consegue hum fim, daqui veio dizermos no sentido
proprio Traspassado pel’a lança, e no figurado
Conhecer pel’a razão, Elevar-se pel’a intriga.

3.° Das Preposições A, Até, Para, pertencentes ao
lugar Para onde.

Finalmente o termo de hum movimento e acção
póde ser ou immediato e proximo, ou ultimo e final.
O primeiro he aquelle, em que se exercita huma acção,
ou a que passa, e se attribue sem outros termos intermedios :
o segundo aquelle, a que por ultimo se dirigem
todos os termos immediatos e mediatos. Para exprimir
o primeiro temos a preposição a, e para o segundo as
preposições até, para.

A primeira accepção da preposição a he a de
significar hum lugar, aonde se dirige immediatamente
331qualquer movimento sem tenção de parar no mesmo lugar,
como : Vou a Lisboa, e não para Lisboa ; Vou
a Lisboa, e dalli para o Brasil. Do termo do lugar
passou a significar o termo do espaço do tempo : De
Janeiro
a Janeiro vão doze mezes.

Pela grande analogia, que tem entre si o termo de
hum movimento e o termo de huma acção, quer seja
corporal, quer intellectual, a mesma preposição a
passou a exprimir todas as relações de termo aonde,
ou este seja o primeiro e immediato de huma acção,
chamado Objecto, como : Amo a Deos ; ou o segundo
e proximo, chamado de Attribuição, como : Tenho
amor
a Deos, á virtude ; ou termo de Direcção,
como : Pôr os olhos a todas as partes ; ou de Relação
e Respeito, como : Arte á sua guerra, á sua paz
achamos
 ; ou de Contiguidade, como : Correr ao longo
do rio, Estar
á direita, Chegar ao pôr do sol ;
ou de Tendencia e Proporção, como : Ajustei a tanto,
Val
a dez réis ; ou de Comparação, como : A qual
mais sabio
 ; ou em fim de Conformidade, como : Viver
á moda, Fazer á boamente, Tomar à peior parte,
Morrer
á fome, Andar a , a cavallo, Passar
á espada, Obrar ás claras, ás escondidas, A ser assim,
A dizer a verdade
, &c. Vej. acima Art. I.
Observ. 1.ª e 2.ª

A preposição até, ou simplesmente , ajunta á
relação de termo significada pel’a preposição a, a de
tendencia continuada para o mesmo, como : Vou até
Coimbra, e depois chegarei até Lisboa ; Alexandre foi
até á India ; Até á manhã, Até o outro dia ; He necessario
pelejar até vencer ; Levava até mil Soldados  ;
Lançar até cem mil reis
.

Esta preposição parece adverbio em lugar de ainda
nestas e semelhantes phrases : Até os mais vis homens
ousavão ludribial-o ; Fazendo particulares tractados
até dos dictos breves ; As obras do victorioso e favorecido
332da fortuna, até para cantar são gostosas
 : porêm
não o he ; mas sim a mesma preposição, que serve
de remate e complemento a huma serie total de individuos,
entendendo-se-lhe antes Todos, Tudo, como :
Todos continuadamente, até os mais vis ousavão, &c.
Fazendo particulares tractados de tudo, até dos dictos
breves ; As obras do victorioso… são gostosas para
tudo
, até para cantar.

Finalmente a preposição para mostra hum termo
filial, para onde se dirige qualquer movimento ou
acção, e tem a mesma differença da preposição a acima,
que tinhão entre os Latinos as duas preposições
ad, e in ; por exemplo : S. Paulo em vida foi ao ceo
(ad caelum), e depois de morto foi para o ceo (in caelum).
Porque Ir á Cidade (ad urbem), e Ir para a Cidade
(in urbem) são couzas differentes. A primeira exprime
o termo da acção, a segunda o fim da mesma.
Daqui vem, que a mesma relação do fim, que os Latinos
exprimião pelo seu adverbio ut, exprimimos nós
pela preposição para, como : Vim para te vêr, para
te consolar.

E como o fim, a que se tende, leva comsigo a
direcção das faculdades da alma e do corpo ao mesmo
objecto, a qual os Latinos notavão com as suas
preposições Erga, Adversus, ou Versus ; a mesma
direcção he exprimida pela nossa preposição para, como :
Estar para o nascente, Olhar para alguem, De
mim
para mim.

E daqui a idea de Tendencia e inclinação : Os
corpos tendem
para o centro ; Ha outo para nove annos  ;
Estou
para partir ; que não quer dizer o mesmo
que Estou a partir. A primeira expressão mostra tenção,
a segunda proximidade. A mesma idea de direcção
traz comsigo a de comparação nestas expressões :
Para principiante, não o fez mal ; Para o que merecia,
pouco se lhe deo
 ; e com a preposição com : Que
333he a creatura para com o Creador ? Para comigo passa
por ignorante
, &c.

Artigo III.
Reducção das Preposições com seus complementos em
Adverbios.

Adverbio não he outra couza mais do que huma
reducção, ou expressão abbreviada da preposição com
seu complemento em huma so palavra indeclinavel
.
Chama-se adverbio, por que, bem como a preposição
com seu complemento se ajunta a qualquer palavra de
significação ou vaga ou relativa para a modificar
restringindo-a ou completando-a ; o mesmo faz o adverbio
com mais concisão e brevidade. Quer eu diga
pela preposição com seu complemento Obrar com prudencia ;
quer reduzindo a couza a menor expressão
diga, Obrar prudentemente : a significação vaga do
verbo obrar fica igualmente modificada e determinada
pelo adverbio, como pela preposição com seu complemento.

O adverbio pois não modifica so os verbos, como
querem os Grammaticos, mas qualquer palavra
susceptivel de determinação, quaes são tambem os appellativos,
os adjectivos, e os mesmos adverbios, como
se póde vêr nestes exemplos : Jesus Christo he
verdadeiramente Deos, e ao mesmo tempo verdadeiramente
homem ; Hum homem bem fidalgo. Hião attonitos
de vêr tornar tão cordeiro quem tão leão viera.
Souza Vida do Arc. III, 12. Nunca pareceo mais filho
de tal pai. Jacyntho Freire, IV. 67. Logo immediatamente
succedeo. A etymologia da palavra Adverbio,
como quem diz Adjuncto ao verbo, não se deve
entender do Verbo como huma das seis partes elementares
da oração, mas de qualquer palavra capaz de
334modificação ; que isto significa o nome Latino Verbum
em toda sua extensão.

Daqui se vê, que o adverbio não constitue per si
huma especie differente entre as partes elementares do
discurso ; pois que se resolve naturalmente nos dous
elementos, ja contados nas mesmas partes, a saber :
a Preposição e o Nome, que lhe serve de complemento.
Muitas palavras mesmo, que nossos Grammaticos
contão entre os adverbios, levão comsigo as preposições
claras para se não poderem desconhecer, como
são entre outras muitas A’cerca, Abaixo, Debaixo,
Acima, De cima
, &c. ; e todos os adverbios de
Qualidade, formados dos adjectivos e terminados
em mente, não erão na baixa Latinidade senão huns
ablativos regidos da preposição Cum, como : Justamente,
Claramente
.

Para evitar nesta materia qualquer confusão, faz-se
preciso distinguir Adverbios propriamente dictos,
Nomes Adverbiados, e Expressões ou Formulas Adverbiaes.

O Adverbio he huma reducção da preposição
com seu complemento em huma só palavra, e essa
invariavel, e sem outro uso na Lingua. Por exemplo
o adverbio Aqui comprehende em si a preçosição em,
e o seu complemento he Este lugar, como se dissessemos :
Neste lugar. He huma palavra indeclinavel
e invariavel em genero e numero, e alêm disto
não tem outro emprego em nossa Lingua afora este.
O mesmo, que se observa neste adverbio, se acha
tambem em os mais, que o são verdadeiramente.

Os Nomes Adverbiados tambem são reducções
de huma preposição com seu complemento, e em huma
só palavra. Porêm esta palavra de sua natureza
he declinavel, como nome que he, e assim susceptivel
de outro emprego na enunciação do pensamento.
Por exemplo o nome Certo varía de terminações genericas,
335como Certo, Certa ; varía de terminações
numeraes, como Certos, Certas. Mas sua terminação
masculina e neutra do singular he adverbiada e empregada
como adverbio em lugar de Certamente nestas
e semelhantes expressões : Certo sei, Certo que isto
he malfeito
 ; e alêm deste uso tem tambem o de
significar huma idea accessoria de outra, como tem
todos os adjectivos.

Expressões ou Formulas Adverbiaes em fim são
as que, contendo o complemento com a sua preposição
expressa quer incorporada no mesmo, quer separada
(o que não succede nem nos adverbios, nem
nos Nomes adverbiados) ; o mesmo complemento he
elliptico, isto he, falto de alguma palavra, que se
lhe entende, ou por ser elle mesmo hum adverbio,
ou hum adjectivo sem o seu substantivo expresso.
Taes são as expressões D’aqui, D’alli, D’aquem,
D’alem
, equivalentes a estas : D’este lugar, D’aquelle
lugar, Da parte de cá, Da parte de lá
, e bem
assim estoutras : A’lerta, A’s avessas, A’s direitas,
A’s claras, A’s escondidas
, &c. na primeira das
quaes se entende orelha (arrecta aure), e nas segundas
seguintes o substantivo Partes, como A’s avessas
partes
, &c.

Por falta desta distincção nascida mesmo da natureza
adverbial, que requer necessariamente huma reducção
ou na preposição, ou no complemento, confundirão
tudo nossos Grammaticos. Esquecendo-se ainda
das mesmas definições, que dão do adverbio, que
dizem ser huma voz indeclinavel, mettem nesta conta
expressões, que nada tem de adverbiaes, porque
são huns meros complementos com suas preposições,
que não ha mais razão para pôr na classe dos adverbios
do que qualquer outro substantivo com a sua
preposição juncta ; o que sería huma estranha confusão.
Taes são ; Sem duvida, De nenhuma sorte, Porque,
336Porque razão, Do mesmo modo, Na verdade
, e outras,
que Argote, e Lobato contão como adverbios.
Feitas assim as devidas advertencias, passemos ja a
dar listas mais exactas dos nossos Adverbios, dos Nomes
adverbiados
, e das Expressões ou Formulas Adverbiaes
com suas analyses correspondentes.

§. I.
Adverbios Portuguezes.

Ja dissemos, que o adverbio propriamente dicto
he huma palavra so, e essa indeclinavel, e destinada
pelo uso para exprimir com mais brevidade huma
preposição com seu complemento. Destes adverbios
huns se achão feitos ; e taes, quaes são, os recebemos
do uso, como são quasi todos os adverbios de Lugar,
de Tempo, e de Quantidade : outros porêm formão-se
segundo as regras da analogia ; e taes são
quasi todos os de Modo, e Qualidade. Em huns e
outros sempre se supprime a preposição, que nos primeiros
he ordinariamente em, e nos segundos com,
que por isso são mui faceis de supprir.

O complemento so, he que he exprimido pelo
adverbio, e nos de lugar, tempo, e quantidade he
composto de duas ideas, huma geral, expressiva do
lugar, tempo, e quantidade ; e outra individual, indicada
por algum dos Demonstrativos ; mas ambas encolhidas
e concentradas em hum pequeno vocabulo.

Assim por exemplo no adverbio de lugar Onde,
1.° ha huma ellipse da preposição em ; a qual,
como se não exprime, dá lugar a este mesmo adverbio
se poder juntar com outras preposições ; como :
D’onde, Por onde, Aonde, Para onde, o que accontece
em quasi todos os mais adverbios desta classe. 2.° O
complemento indicado pelo adverbio onde he composto
337da idea geral de lugar, e da sua determinação particular,
feita pelo demonstrativo conjunctivo Qual, Que ;
de sorte que esta pequena palavra, analysada, e resolvida
em seus elementos dá esta frase : Em o qual Lugar,
ou Em que Lugar ? O mesmo se póde observar
nos mais adverbios de lugar, de tempo, e de
quantidade, cujo catalogo com as suas analyses he o
seguinte. Nelle entrão não so os adverbios do uso,
mas ainda os antigos, que ainda não cahírão delle, e
os antiquados, inteiramente ja desusados.

Adverbios de Lugar.

Onde, (ú antiq.) | Em o qual lugar. Em que lugar ?
Algures antig. | Em algum lugar
Alhures antiq. | Em outro lugar
Nenhures antig. | Em nenhum lugar
Aqui, (qui antig.) | N’este lugar
Ahi, (hi antiq.) | N’esse lugar
Dahi, (Dhi antig. ; Ende antiq.) | D’esse lugar (Inde)
Alli | N’aquelle lugar
Aquem | D’esta parte, onde estamos
Alem | Da outra parte contraria
Cá | N’este lugar (indeterminado)
Lá | N’esse lugar (indeterminado)
Acolá | N’aquelle lugar (indeterminado)
Arriba | No lugar acima
Cerca | Em torno, A respeito, Quasi
Dentro | Em a parte interior
Fóra | Em a parte exterior
Diante | Em a parte anterior
Traz | Em a parte posterior
Longe | Em muita distancia
Perto | Em pouca distancia.338

Adverbios de Tempo.

Quando | No tempo que. Em que tempo ?
Sempre | Em todo o tempo.
Nunca | Em nenhum tempo.
Então | N’aquelle tempo.
Agora | N’este tempo.
Avante | Para o futuro.
Antes | Em o tempo antecedente.
Depois | Em o tempo seguinte.
Hontem | Em o dia antecedente ao em que estou.
Hoje | Em o dia presente.
Logo | Em o mesmo instante.
Já | N’este instante.
Ainda, (Inda antig. ; En antiq.) | Até esta hora.
Cedo | Em pouco tempo.
Asinha antig. | Depressa.

Adverbios de Quantidade.

Tam | Em tanta quantidade.
Quam | Em quanta quantidade.
Mui | Em muita quantidade.
Mais | Em maior quantidade.
Menos | Em menor quantidade.
Assaz | Em abastança.
Apenas | Com escassez.
Adur anq. | Apenas.
Quasi | Com pouca differença para menos.
Cerca | Pouco mais ou menos.
Sequer | Ao menos.339

Adverbios de Modo, e Qualidade.

Sim, (Si antiq.) | Affirmativamente.
Não | Negativamente.
Assim, (Assi antiq.) | Em tal maneira.
Como | Em qual maneira.
Talvez | A caso, Por ventura.
Quiçá, (antig. Quiçáis antiq.) | Talvez.
Eis | Em presença, A’ vista.

A maior parte porêm dos adverbios de Qualidade
forma-se dos adjectivos de huma so terminação, e
quando tem duas, da feminina, accrescentando-lhes a
particula mente, como : Prudentemente, Capazmente,
Justamente, Irmãmente
 ; a qual particula qualquer que
seja sua origem, corresponde á terminação adverbial
Latina ter, e val tanto como cum, de sorte que Prudentemente
he o mesmo que Com prudencia, &c.

A formação desta sorte de adverbios he tão regular
que não soffre excepção alguma. Se a alguns adjectivos
senão póde ajuntar esta terminação adverbial, he,
ou porque são determinativos, e como não podem ser
antecedentes da preposição, tambem pela mesma rasão
senão podem adverbiar : ou porque, tendo duas fórmas,
huma antiga e outra mais moderna, a antiga, com exclusão
desta, ficou na posse de se adverbiar.

Assim ao mesmo tempo que Impune e Impunido
são dous adjectivos da mesma origem e significação,
adverbiamos o primeiro dizendo Impunemente, e não
o segundo. Do mesmo modo dando agora alguns terminação
feminina ao adjectivo Commum ; como antigamente
a não tinha, ficou a masculina em sua posse,
ao parecer, contra a regra, dizendo-se melhor Commummente
do que Commuamente.

Quando se continuão muitos adverbios desta qualidade
340so ao ultimo adjectivo he, que se ajunta a particula
mente, entendendo-se a mesma nos precedentes ;
que porisso, tendo duas terminações, romão sempre a
feminina para se lhes poder accommodar, como : Verdadeira
e realmente ; Segura e livremente ; Forte sabia
e constantemente,

A’s vezes com tudo a mesma particula se ajunta
a todos os adjectivos, quando se querem inculcar mais
as ideas, que exprimem, como : Vivamos neste mundo,
diz o Apostolo, sobriamente, piamente, e justamente.

§ II.
Nomes Adverbiados.

O segundo modo de reduzir a menor expressão
as preposições com seus complementos he o adverbiar
os mesmos nomes, de sua natureza destinados so a significar
os objectos ou seus accessorios e attributos, e
não as modificações accidentaes dos mesmos. O modo
de fazer isto he primeiramente a ellipse, pela qual se
sobentende a preposição ao nome que se quer adverbiar ;
e em segundo lugar tomar o mesmo nome
substantivamente, se elle he adjectivo, e na parte neutra,
como costumavão os Gregos, e Latinos.

A Lingua Portugueza tem muitos destes nomes
adverbiados pelo uso tanto substantivos, como adjectivos.
Taes são, para exprimir as modificações do
Lugar, Alto, Baixo, Continuo, Juncto, Segundo, &c. :
as do Tempo, Ora, Subito, Tarde ; as de Quantidade,
Muito, Mais, Menos, Pouco, Tanto, Quanto
 ;
e as de Modo e Qualidade, Attento, Bastante, Barato,
Caro, Certo, Claro, Conforme, Bem, Mal,
Melhor, Peor, Justo, Rijo, So
, &c. como : Falar
alto, baixo, rijo
, isto he, Em tom alto, baixo, rijo ;
341Comprar barato, caro, isto he, Em preço barato,
caro, e assim nos mais.

§. III.
Expressões, e Formulas Adverbiaes.

O terceiro modo de reducção das preposições com
seus complementos se faz por meio das Expressões
Adverbiaes
. Chamão-se assim as formulas abbreviadas
das preposições com seus complementos, não pela concentração
de huma couza e outra em huma unica palavra,
como succede no adverbio ; nem pela suppressão
so da preposição, como accontece nos nomes adverbiados ;
mas sim pela suppressão e ellipse de huma
parte do complemento total.

Assim esta locução Com cegueira se reduz a menor
expressão ou pelo adverbio Cegamente, ou pela
frase adverbial A’s cegas ; que analysada e supprido o
substantivo occulto, quer dizer : As apalpadellas cegas.
Ora o complemento de huma frase adverbial póde
ser elliptico, ou por ser elle mesmo hum adverbio,
ou por ser hum adjectivo com o seu substantivo
occulto, ou pelo contrario o substantivo com o seu adjectivo
sobentendido.

Do primeiro modo são frases adverbiaes todos os
adverbios de lugar, e de tempo, quando se lhes ajunta
numa ou mais preposições para os determinar ; ao
que alguns Grammaticos chamão Adverbios Compostos,
e Sobrecompostos, como : D’onde, Por onde, Aonde,
Para onde, D’aqui, Desd’aqui, Atéqui, D’alli, Desd’ali,
Atéli, Des hi, Afóra, Defóra, Emfóra, A’cerca,
D’antes, De traz, Por de traz, De cima, Em cima,
Por de cima, De baixo, A baixo, Por baixo,
Antehontem, Trazantehontem, A diante, Para diante,
Em diante
, e assim outros muitos.342

Do segundo modo são frases, ou formulas adverbiaes
as seguintes : A fim, Em fim, De sorte, Porque,
A torto e a direito, A’s claras, A’s escuras,
De improviso, De mais a mais, Em continente, Em
vão, Debalde, Por de mais, Sobremaneira
, ou Sobre
modo
, e infinitas outras que o uso ensina.

Artigo IV.
Reducção das Preposições com seus Complementos
em Casos.

Outro modo de adverbiar, e reduzir a menor expressão
as preposições com seus complementos he por
meio dos Casos, ou terminações obliquas dos nomes.
Para melhor se perceber isto he preciso notar que tres
são os modos, pelos quaes as Linguas podem exprimir,
e exprimem de facto as relações, que a idea significada
por hum nome póde ter com outra : ou servindo-se
somente de Preposições, isto he, de particulas
postas para este fim antes dos nomes, quer separadas,
quer junctas aos mesmos ; ou de Posposições, isto he,
das mesmas particulas, accrescentadas no fim, e unidas
aos mesmos nomes, dando-lhes assim varias terminações,
chamadas Casos ; ou de huma e outra couza ao
mesmo tempo.

As Linguas Hebraica, Syriaca, Chaldaica, e a
Portugueza, Espanhola, Franceza, Italiana, e ainda
a Ingleza, servem-se para este fim so das Preposições.
Porêm a Lingua Vasconça (da qual usão os povos que
habitão ao longo do golfo da Gasconha, assim da
parte da Biscaia, como da França), e a Lingua dos
povos do Perú na America Espanhola não empregão
preposição alguma, e usão so das Posposições, ou particulas
terminativas, que ajuntão ao fim dos nomes para
os fazer complementos de varias relações.343

Estas Linguas pois vem a ter effectivamente tantos
casos, quantas são as encliticas finaes, que admittem
para denotar as relações geraes ; e todos estes casos
formados por este modo são adverbiaes, como o
são sempre os genitivos e dativos Latinos, que nunca
levão preposição, e os mais casos tambem, quando
a não levão. O Padre de Larramendi, Jesuita,
que em 1729 deu á luz huma Grammatica Vasconça,
escripta em Espanhol de baixo do pomposo titulo de
El Imposibele vencido, ou Arte de la Lingua Boscongada,
impressa em Salamanca, no Cap. IX. da II.
Parte, reconhece que estas terminações, a que elle chama
Posposições, semelhantes aos Affixos Hebraicos,
equivalem ás preposições, dizendo : Que as palavras
Bascas, sendo compostas de duas distinctas, parecem
simples so pela continuação de huma com outra. Porêm
que se devem distinguir para a sua regencia,
e para dar o correspondente ás preposições do Latim,
e das outras Linguas
.

As Linguas em fim, que empregão ao mesmo
tempo as Posposições, ou Casos, e as Preposições, são
entre as antigas a Grega e a Latina, e entre as modernas
a Armenia e a Alemã. Como o numero dos
casos em estas Linguas nunca chega ao das Linguas
Vasconça e Peruviana, nem excede o de seis, virão-se
obrigadas a recorrer tambem ás preposições para
exprimir muitas outras relações, que mal se podião indicar
so com seis casos das Linguas Grega e Latina.

Não discuto aqui a questão sobre as vantagens
comparativas das Linguas, segundo ellas usão ou so
de casos, ou so de preposições, ou de huma cousa
e outra. O que he certo, he, que a Lingua Portugueza
e as mais do meio dia da Europa chegão por
meio so das preposições a exprimir com fidelidade, e
talvez ainda com mais clareza e distincção todas as
relações indicadas pelos casos em outras Linguas.344

A unica vantagem, que tem os casos, he a de
abbreviarem mais a expressão, mettendo em huma palavra
so a idea significada por ella e a sua relação
com outra, como fazem os adverbios. A Lingua Portugueza
não tem declinações, propriamente dictas, nem
casos por consequencia, á excepção dos pronomes primitivos,
que sendo de hum uso continuo e repetido
no discurso ; se delles se usasse sempre com preposições,
retalharião sobre maneira o discurso, e impedirião
muito a marcha da oração e do sentido.

Estes pois tem casos, huns á Vasconça com as
preposições affixas no fim, como : migo, tigo, sigo,
nôsco, vôsco
 ; outros adverbiaes sem preposição alguma,
á Latina, como : mè, nòs, tè, vòs, sè, ò, à,
òs, às, lhè, lhès
 ; outros, que senão usão senão junctamente
com as preposições atraz, como : mim, ti, si ;
e outros em fim, que levão as preposições atraz e as
posposições adiante, á Grega e Latina, como : Comigo,
Comnôsco, Comtigo, Comvôsco, Comsigo
.

A fóra estes nenhum outro nome Portuguez tem
casos. Porêm, isto não obstante, nossa Lingua consegue
o exprimir com toda a facilidade pela posição dos
nomes, pelo artigo, e pelas preposições, todas as relações,
que os Latinos exprimião pelos seus seis casos,
deste modo : a Relação subjectiva do nominativo
Latino pela posição do nome antes do verbo, e
pelo artigo que lhe ajunta, como : O entendimento,
a rasão ; e o conselho residem nos velhos
 : a Relação
de huma segunda pessoa com quem se fala, indicada
pelo vocativo Latino, he exprimida em nossa Lingua
pela interjeição vocativa ó, ou clara ou entendida antes
do nome, como : O’ Ceos ouvi-me ; a Relação Restrictiva
do genitivo Latino, pelo nome com a preposição
de atraz, como Vaso de ouro : a Relação Terminativa
do dativo Latino, pelo nome com a preposição a dantes,
como : Applicar-se ás Letras, Ser util á Pátria :
345a Relação objectiva do accusativo Latino ou pela
simples posição do nome logo depois do verbo activo :
Amo as riquezas, Desejo as honras, ou com a preposição
a quando o nome he de pessoa, como : Amo
a Deos
 : a Relação em fim de Circunstancia exprimida
pelo ablativo Latino, com o nome feito complemento
de varias preposições, como : Vou com Antonio
de Coimbra para Lisboa em companhia de outras
pessoas
sem outro fim mais do que divertir-me.
Mas disto tractaremos nós a proposito no livro da Syntaxe.
Passemos ja á ultima parte elementar do discurso,
que he a Conjuncção.

Capitulo VI.
Da Conjuncção.

Conjuncção he huma parte conjunctiva da oração,
que exprime as relações de Nexo e Ordem, que as
proposições tem entre si para fazerem hum sentido total.
O verbo pois combina e ata os termos da proposição,
que são o sujeito e o attributo ; a preposição
conjunta os complementos com o sujeito e com o
attributo : porêm a conjuncção não ata nem os termos
da proposição, nem os seus complementos ; mas
as mesmas proposições entre si, em ordem a formarem
hum sentido total. Ella pois he verdadeiramente a Parte
Systematica
, e Methodica do discurso, destinada
a ligar as proposições em membros, os membros em
periodos, e os periodos em hum discurso seguido e
continuado.

Como as relações de Nexo e de Ordem, que as
proposições tem humas para com outras, são humas
vistas simplicissimas, e huns meros aspectos, de baixo
dos quaes nosso espirito as considera : as conjuncções,
que as indicão, devem ser bem como as preposições,
346humas palavras curtas e não polysyllabas,
primitivas e não dirivadas, simples e não compostas.

Por esta rasão merecem ser excluídas do numero
das conjuncções.

1.° Todas as expressões, que, ainda que tenhão alguma
couza de conjunctivas, são com tudo compostas
de outras partes da oração, a cujas classes pertencem,
e não á das conjuncções, como as que se compõem de
huma preposição com seu complemento, v. g. Por que,
Por quanto
, &c.

2.° Todas as expressões e frases compostas de algum
nome, ou adverbio com o conjunctivo Que,
como : Ainda que, Bem que, Posto que, Alêm de
que
, &c. O que estas locuções tem unicamente de conjunctivas
he o Que ; o qual pelo que tem de relativo,
pertence aos adjectivos demonstrativos ; e so pelo
que tem de conjunctivo para unir as preposições parciaes
ás totaes, he que pertence tambem á classe das
conjuncções.

3.° Toda palavra, ainda que simples, que servio
de nome, ou de adverbio em outras expressões,
como : Ora, Logo, Quer, Assim, e Tambem. Porque,
o que huma vez foi nome ou adverbio, não póde mudar
de especie, salvo se o uso lhe antiquou seu primeiro
destino para lhe dar outro novo. Mas persistindo
ainda aquelle, dar-lhe outro de differente ordem e natureza
he perturbar todas as ideas da etymologia, e
confundir despoticamente as classes elementares das palavras,
o que o uso não costuma fazer.

Pelo que conjuncções propriamente dictas não ha
na Lingua Portugueza senão nove, a saber : a antiquada
em lugar de Que, e as usadas E, Mas, Nem,
Ou, Pois, Porêm, Que
, e Se. Todas as mais, que
nossos Grammaticos ajuntão a estas, não são conjuncções ;
mas sim ou palavras conjunctivas, ou frases
conjunctivas.347

Chamo Palavra Conjunctiva qualquer nome ou
adverbio, que alêm da sua significação principal tem
a accessoria de indicar de mais huma relação a outra
idea ou antecedente, ou seguinte, como são :

1.° Os comparativos Tão, Tanto, Quam, Quanto,
Tal, Qual, Mais, Menos, Maior, Menor, Melhor
Peor
 ; dos quaes procede a virtude conjunctiva,
que se observa nos adverbios Tambem, Assim, Talvez,
De sorte, De modo, isto he, De tal sorte, De
tal modo
, &c.

2.° Os demonstrativos puros Este, Esse, Aquelle,
o Mesmo, os quaes se subentendem nas expressões conjunctivas
Ora, Pois que, Excepto que, Posto que, que
porisso costumão trazer comsigo o relativo conjunctivo
Que para atar o que se segue com as frases ellipticas,
que estas palavras contêm.

3.° Os demonstrativos conjunctivos O qual, Quem,
Que, Cujo
, os quaes suppõem antes de si outra preposição,
que atão com aquella, a que dão principio. Delles
vem a força conjunctiva do adverbio Como, que
quer dizer De que modo, Do qual modo, e a do adverbio
Donde em lugar de D’o que se segue.

Chamo Frases, ou Formulas Conjunctivas todas
aquellas, que constão de mais de huma palavra, e que
ordinariamente terminão pel’o Que, como : Bem que,
Se bem que, Tanto que, Desde que, Como quer que,
A fim de que, Porque, Posto que, Visto que, Bem
entendido que, Tanto mais que, Com tanto que, Menos
que, Ainda que, De sorte que, Assim que, Logo
que, Pelo que
, e outras muitas, as quaes todas nada
tem de conjunctivo senão o Que preparado e conduzido
pelos nomes e adverbios, que o precedem nestas
semelhantes formulas. Do que tudo resulta que não
ha conjuncções, que verdadeiramente mereção este nome,
senão as oito, ou nove acima apontadas.

Com tudo, como tão poucas conjuncções não são
348bastantes para indicar rodas as relações, que as proposições
podem ter humas com outras, e as de ordem
e subordinação principalmente ; foi preciso supprir esta
falta com as frases conjunctivas ; que porisso teremos
tambem conta com ellas na classificação, que passamos
a fazer das conjuncções.

Estas ainda que pareção ligar so as palavras, entre
as quaes se achão, não ligão verdadeiramente senão
as proposições, que sendo ou simples, ou compostas
de outras proposições parciaes, quer incidentes, quer
integrantes ; quando as conjuncções estão entre varios
nomes, ou adjectivos continuados debaixo do mesmo
regime, são hum signal de que tantas são as proposições,
que ellas ligão.

Todas estas proposições, quer simples, quer compostas,
quer incomplexas, quer complexas, huma vez
que se combinem e ajuntem para fazerem todas hum
sentido total ; tem necessariamente relações naturaes entre
si, as quaes são marcadas pelas conjuncções. Ora
estas relações, geralmente falando, são de dous modos,
ou de Nexo somente, ou de Nexo e Ordem ao
mesmo tempo. A’s conjuncções, que exprimem as primeiras,
chamo eu Homologas, ou Similares, porque
estão humas para as outras na mesma rasao ; e ás que
exprimem as segundas, dou o nome de Anhomologas,
ou Dissimilares ; porque estão humas para as outras
em rasão differente, como passamos a vêr.349

Artigo I.
Conjuncções Homologas, ou Similares.
Primeira Classe.

Estas conjuncções são as que ligão proposições,
que estão na mesma rasão humas para as outras, ou
da mesma Affirmação, e Negação simultanea ; ou da
mesma Affirmação alternada separadamente, com exclusão
huma de outra ; ou de Identidade de sentido ;
ou de Affinidade do mesmo. Daqui quatro especies
de conjuncções, a saber : Copulativas, Disjunctivas,
Explicativas
, e Continuativas.

1.° Conjuncções Copulativas.

Chamão-se assim as que ligão humas com outras,
as proposições susceptiveis da mesma affirmação ou negação
ao mesmo tempo. Assim são ellas ou affirmativas
ou negativas. Das affirmativas não temos senão huma
que he e ; a qual variamos ás vezes com as frases
conjunctivas : Tambem, E bem assim, Outro sim. Da
mesma sorte não temos senão huma conjuncção negativa,
que he nem, como :

Pompas e ventos, titulos inchados
Nem dão descanço
, nem mais doce sono. (1)70

Nas proposiçôes compostas de muitos sujeitos,
ou predicados não se costuma pôr a conjuncção e senão
antes do ultimo, entendendo-se nos mais, que por isso
350isso se distinguem com virgulas, como : Os prazeres,
as honras, e as riquezas são o objecto das paixões
dos homens, sua tentação
, e sua ruina. Porêm a conjuncção
negativa nem repete-se, quando he preciso, como :
São justamente despresados os homens, que não
são uteis
nem a si, nem aos outros. Esta conjuncção
val tanto como e não, e porisso he sempre relativa a
huma proposição antecedente negativa, ainda quando
por ella se começa a frase ; porque então se lhe entende.

2.° Conjuncções Disjunctivas.

Estas são as que ligão proposições susceptiveis
da mesma affirmação, considerada cada huma á parte ;
porêm incompativeis com ella ao mesmo tempo,
de sorte que so huma dellas póde ser verdadeira, comparada
com a outra. Na Lingua Portugueza não temos
tambem senão huma deste genero, que he ou. Exemplo :
Hum dos maiores males, que se póde fazer a
hum Reino, he
ou desenganar, ou encurtar, ou afrouxar
as esperanças dos homens ; porque he tirar-lhes o
principal cabedal de que se sustentão
. (1)71

Mas para variar usamos muitas vezes do verbo
conjunctivo Quer, como : Quer chova, quer faça sol ;
e para as couzas que se revezão, temos os tres adverbios
Ja, Ora, Quando, que repetidos servem de disjunctivos
nas proposições alternadas, como : O homem
he inconstante nas suas resoluções, ja quer huma
cousa, ja outra. O tempo vai desigual
, ora está frio,
ora está quente. Os Japões… todos á huma amanhecem
351vestidos
, quando de verão, quando de inverno (1)72.

3.° Conjuncções Explicativas.

Chamão-se assim as que ligão proposições, que
fazem em substancia o mesmo sentido, indicando
aquella que desenvolve, ou exemplifica a primeira. Tal
he o adverbio conjunctivo Como, e as formulas : A saber,
Isto he, De sorte que, Por tal que, Certo que,
Mormente, Principalmente, Em quanto
, &c. Todas
ellas ligão a oração explicativa com a explicada, deste
modo : Condemnou-o como juiz ; como testemunha,
absolvelo-hia
. Jesus Christo, em quanto Deos, he
impassivel
, em quanto homem soffreo a morte por nós.
As virtudes Theologaes são tres, a saber : a Fe, a
Esperança, e a Caridade. Pertencem tambem a esta
classe as formulas comparativas : Como, Assim = Bem
como, Assim = Como, assim tambem
, &c.

4.° Conjuncções Continuativas.

Em fim conjuncções Continuativas, ou Transitivas
são as que ligão duas proposições, fazendo passagem
de huma para a outra em rasão da affinidade do
sentido que ambas tem. A conjuncção Pois posposta
á primeira palavra da proposição he a unica que temos
deste genero. Porêm a palavra Ora, que he o
mesmo que Agora, sendo hum nome adverbiado de
tempo, ja serve de disjuntiva, quando he repetida,
como vimos ; ja de continuativa, quando he so : e
alêm destas ha outras formulas de transição, como :
Mais, De mais, Quanto ao mais, Alem disto, Com
352effeito, Na verdade, Assim mesmo
, &c. Exemplos :
Sabido pois que elle foi o vendedor, segue-se, &c.
Digo pois que escapei daquelle perigo, &c. Deve-se
amar o que he amavel. Ora Deos he amavel ; Logo
Deos deve-se amar
, &c.

Artigo II.
Conjuncções Anhomologas, ou Dissimilares.
Segunda Classe.

Chamão-se assim todas as conjuncções que atão
proposições, que não estão humas para outras na mesma
rasão, mas em differente. Pois ou huma está em
rasão de Excepção para outra que contêm hum principio
e Regra geral ; ou em rasão de Condição para
outra, que contêm huma Asserção ; ou de Prova e
demonstração para outra, que contêm hum Problema ;
ou de Conclusão para outra, que contêm as Premissas ;
ou de Hypothese e circunstancia para outra, que
lhe serve de These ; ou em fim de Oração Parcial para
outra Total, a que serve de parte.

Todas estas especies de proposições são correlativas
humas com outras, e guardão por consequencia entre
si certa ordem e subordinação, que as conjuncções
dissimilares apontão e caracterizão. As que na ordem
directa e analytica do periodo tem o primeiro lugar
chamão-se Principaes ; porque determinão, conduzem,
e subordinão as outras : e as que na mesma ordem tem
o segundo lugar chamão-se Subordinadas ; porque estão
a serviço das primeiras.

Pelo que, como na ordem directa das ideas a
regra he primeiro que a excepção ; a proposição affírmativa
primeiro que a condicional ; a proposta ou problema
primeiro que sua prova ; as premissas primeiro
353que a conclusão ; a these geral primeiro que o caso
particular ; e o todo primeiro que a parte separada ; daqui
vem que as proposições, que contêm ou a regra
geral, ou a asserção, ou a proposta, ou as premissas, ou
a these, ou o pensamento capital, são as Principaes ;
e as que contêm a excepção, a condição, a prova, a
conclusão, a hypothese, e a parte, são as Subordinadas,
as quaes vão ligadas ás principaes pelas conjuncções
dissimilares, que levão ordinariamente na sua frente,
e pelas quaes facilmente se reconhecem. Estas subordinadas,
na ordem inversa, vão muitas vezes primeiro
que as principaes ; mas estoutras nunca deixão de ter
o seu lugar na ordem directa e analytica do periodo.

Segundo pois estas seis relações de Ordem, em
que huma proposição póde estar para outra, assim ha
tambem seis especies de conjuncções dissimilares, que
são as Adversativas, as Condicionaes, as Causaes,
as Conclusivas, as Circunstanciaes, e as Subjunctivas,
das quaes todas passamos a tractar por esta mesma
ordem.

1.° Conjuncções Adversativas.

Conjuncções Adversativas são aquellas que ligão
proposições oppostas e incompativeis so a certos respeitos,
pela rasão da compatibilidade, que aliás tem em
tudo o mais. Nós temos na Lingua Portugueza so tres
conjuncções adversativas, e essas so para a proposição
subordinada, que he a que faz huma excepção na primeira
e principal. Taes são mas que he sempre prepositiva,
porêm que póde ser ou prepositiva ou pospositiva,
e senão por excepto nas proposições affirmativas.
Exemplos : O amor e a amizade verdadeira não
nas bonanças
, mas na adversidade se conhece. (1)73 O
354cobiçoso, que não he avarento, serve-se do dinheiro ;
porêm o avarento (ou o avarento porêm) em lugar
de se servir delle, serve-o a elle
. (1)74 Tudo o que podiamos
haver mister, tinha Jesus Christo
senão fazenda
e terra
. Arraes Dial. IX. Cap. IV. Estas conjuncções
se varião, e se substituem algumas vezes com as
frases conjunctivas Toda via, Ainda assim, Comtudo,
Isso não obstante
 ; como : Não he facil conhecer quaes
são os aduladores, e quaes os amigos deveras
 ; todavia
se conhecem huns dos outros nas adversidades. (2)75

Estas conjuncções mas, porêm suppõem dantes outra
proposição, que he a principal ; mas não outras conjuncções
adversativas, que liguem tambem a principal
com a subordinada, quaes não temos. Temos porêm
para a principal as formulas Bemque, Postoque, Ainda
ou Indaque, e antigamente Enque, como :

Que tem o que não tem gosto da vida,
Inda que so do mundo senhor seja
 ? (3)76

A ordem he : O que não tem gosto da vida, indaque
do mundo senhor seja ; que tem ? Nossos antigos
dizião E porêm em lugar de Porisso (corrompendo
o vocabulo mais antigo Por onde, vindo do Latim
Proinde) : mas tambem em lugar de mas.

Mas se sei que me esperão cousas certas,
E porêm tão incertas que as não sei :
Para que… &c. (4)77355

2.° Conjuncções Condicionaes.

As conjuncções Condicionaes ligão duas proposições
pela relação de condição, em que huma está para
outra, a qual faz que a verdade da principal dependa
da condicional subordinada, que a restringe. Nós temos
duas, huma simples que he se para as proposições
affirmativas, e outra composta senão, que he para as
negativas. Exemplos :

Mais val a curta geira, a pobre herdade
Que, ó rica Arabia, ó India, o teo thesouro
 ;
Se a justiça se rouba, se a verdade. (1)78

Nenhuma sciencia se aprende fundadamente, senão
em escholas, onde a conferencia, e emulação põe
esporas e aviva os engenhos
. (2)79 Quando as condicionaes
são tambem dubitativas, costumão-se ajuntar ao se
as frases adverbiaes Acaso, Por ventura.

Alêm destas conjuncções ha para o mesmo effeito
os adverbios Como, Quando não, e as formulas Salvo
se, Com tanto que, Excepto que
. Exemplo : A cobiça
se emprega nas mais humildes, e indignas couzas
da terra
, como dellas possa tirar fructo o cobiçoso. (3)80
Fazei penitencia ; quando não, ou senão
perecereis todos.

3.° Conjuncções Causaes.

E estas ligão duas proposições pela relação de consequencia,
em que huma está para outra, como rasão e
356prova da mesma A que serve de rasão e prova á outra
sempre he a subordinada, e a que he provada he a
principal.

Para quando a subordinada precede, temos o adverbio
conjunctivo Como, e as frases conjunctivas Por
quanto, Visto que
, &c. v. g. Como nós temos tudo
de Deos, justo he lhe refiramos toda a gloria de nossas
acções
.

Quando porêm a principal está primeiro, e a subordinada
se lhe segue ; para este caso tinhão nossos
antigos a conjuncção Ca, corrupta de Que, do Que, ou
da Qual, como se acha antiquada ; servimos-nos em lugar
della da formula conjunctiva Porque, ou da conjuncção
Pois, quer simples, quer composta, deste modo Pois
que
 ; a qual mesmo tem lugar ainda quando a principal
precede, como : Certo dos máos senão deve fiar
ninguem
, porque seus galardões sempre são conformes
á sua condicão
. (1)81 Pois estamos aqui tão descançados,
pratiquemos
, &c. Não o tenho por fraco, pois
vi ja obras do seu esforço. Nossos Classicos empregão
frequentemente Que somente em lugar de Porque
livrai, Senhor, não somente a mim
 ; que não são vossos
pode es e liberalidades tão limitados ; mas a todo
o vosso povo
. (2)82

4.° Conjuncções Conclusivas.

Chamão-se assim as que ligao as proposições pela
rasão, que humas tem como conclusões para outras
como premissas. Estas são sempre as principaes a respeito
das outras. As conclusões podem ser ou logicas,
357deduzidas de hum raciocinio precedente ; ou simplesmente
locaes para terminar o discurso.

Para as primeiras temos a conjuncção Pois, porêm
posposta á primeira ou segunda palavra da proposição ;
como : Nosso Principe he bom e humano ; podeis pois
implorar sua clemencia
. Tambem servem de conjuncções
conclusivas os adverbios Logo, e Donde, e as frases
conjunctivas Por tanto, Por conseguinte, Pelo que,
Assim que
, &c. como : Deos he justo, logo recompensa
a virtude
.

Para as conclusões locaes temos as formulas conjunctivas :
Alfim, Em fim, Por fim, Finalmente, Em
final
, &c.

5.° Conjuncções Circunstanciaes.

Chamão-se assim as que ligão huma proposição
com outra em rasão de huma conter huma circunstancia,
da qual depende a verdade ou o complemento da
outra. A que leva a circunstancia, he sempre a subordinada ;
porque he como a condição ou caso, de baixo
do qual se verifica, e inteira a proposição principal.
Estas conjuncções são ordinariamente relativas ao tempo,
que porisso alguns Grammaticos lhes dão tambem
o nome de Periodicas.

Taes são os adverbies conjunctivos Tanto, Quanto,
Quando, Como
 ; e as frases conjunctivas Tanto
que, Em quanto, Logo que, Como quer que, Até
que, Eis que
, &c. Exemplos : Como o levavão ao supplicio,
isto he, Ao tempo que o levavão, &c. Era no
tempo, quando
, &c. Como elle acabava de chegar, eis
que lhe vierão dizer, &c.

Donde se vê, que hum mesmo conjunctivo póde
supprir differentes relações. Pois Como ja he explicativo,
ja condicional, ja causal, e ja circunstancial,
como temos visto.358

6.° Conjuncções Subjunctivas.

Em fim conjuncções Subjunctivas são aquellas, que
postas na cabeceira da proposição mostrão que ella
faz parte da antecedente immediata, á qual, como principal
a seu respeito, fica subordinada. Taes são as proposições
incidentes, e integrantes.

As primeiras são aquellas, que se ajuntão ou ao
sujeito, ou ao attributo da proposição antecedente para
os modificar, quer explicando mais a sua significação,
quer restringindo-a, como :

Aquelles são sós homens, que se afamão
Com letras com saber, com que alumião
O mundo : e tudo o mais fortuna chamão
. (1)83

Onde a primeira incidente Que se afamão he restrictiva
do sujeito da proposição principal Aquelles homens ;
e a segunda Com que alumião he explicativa do
attributo da mesma Com saber.

As integrantes são aquellas, que acabão de inteirar
e completar a significação ou activa, ou relativa de hum
verbo antecedente, que demanda hum objecto ou hum
termo, em que se empregue ; e são de dous modos : ou
indicativas, se o verbo, que as determina, affirma com
certeza ; ou subjunctivas, se o mesmo affirma com receo,
e incerteza. Do primeiro genero he esta : Creio
que parte á manhã, e do segundo estoutra : Duvido
que parta á manhã.

Ambas estas especies de proposições parciaes são
subjunctivas porque se põem sempre immediatamente
depois das palavras, que ou explicão, ou restringem,
359ou completão ; nem podem ter outro lugar senão este.
Ambas outrosim fazem parte da oração total antecedente.
As incidentes fazem parte ou de seu sujeito,
ou de seu attributo ; e as integrantes fazem parte e
completão a significação do verbo, que as determina.

Todas estas proposições parciaes se ligão com aquellas,
de que fazem parte, por meio da conjuncção subjunctiva
Que ; a qual verdadeiramente não he outra couza
senão o demonstrativo conjunctivo o qual, a qual, o
que
porêm pelo que tem de conjunctivo, entra tambem
na classe das conjuncções ; e porêm com esta differença,
que nas proposições incidentes pode-se muitas
vezes substituir com Qual, como : Aquelles homens,
os quaes se afamão com saber, com o qual alumião :
mas nas proposições integrantes nunca. Não posso dizer :
Creio o qual parte, Duvido o qual parta.

Isto tem feito duvidar a muitos, se neste segundo
caso o Que he huma mera conjuncção, ou se he o
mesmo relativo conjunctivo. Ao que se póde responder :
que he hum conjunctivo expresso e hum relativo
elliptico, cujo antecedente occulto nesta especie de
orações he sempre o demonstrativo neutro Isto : v. g.
Creio isto, que he, Parte hoje ; Duvido d’isto, que
he, Parta hoje. Como porêm estas ellipses nunca se
expressão, a suppressão total e constante dellas fez com
que sobresaisse so o que elle tem de conjunctivo, e
desapparecesse o que tem de relativo.

As proposições incidentes e integrantes são tambem
subordinadas ás de que fazem parte. Porêm tem
huma grande differença das totaes, que são ligadas ás
principaes por outras conjuncções ; sem ser o Que. Estas
totaes subordinadas não tem lugar certo no periodo ;
podem estar ou depois das suas principaes, ou
d’antes ; aquellas porêm, que fazem parte das outras,
tem seu lugar assignado, que nunca podem mudar, a
saber : as incidentes logo immediatamente ao sujeito,
360ou attributo da proposição total ; e as integrantes logo
immediatamente depois do verbo activo, que as determina
para fazerem o objecto de sua acção.

Assim damos por concluida a terceira parte d’esta
Grammatica, que he da Etymologia, ou das partes
fundamentaes, e elementares da oração Portugueza.
Ellas, como temos mostrado, são seis por todas,
huma Interjectiva, e cinco Discursivas. Destas, duas
são Nominativas dos objectos de nossas ideas e pensamentos ;
as quaes são Nome Substantivo, e Nome
Adjectivo
 ; e tres Combinatorias, ou Conjunctivas,
destinadas a comparar e combinar de varias modos os
mesmos objectos em ordem a formarem de suas ideas
separadas hum painel unico e seguido de pensamento ;
unindo-as pelas relações ou de identidade e coexistencia,
ou de determinação e complemento, ou de nexo
e ordem, que põem entre ellas. Taes são o Verbo,
a Preposição, e a Conjuncção.

Estes, e não outros são os materiaes, de que se
fórma e levanta o edificio do discurso por meio da
sua coordenação e construcção, que he o objecto da
syntaxe, a que vai dar principio o livro seguinte.361

Livro IV.
Da Syntaxe, e Construcção.

Syntaxe quer dizer Coordenação ; e chama-se assim
esta parte da Grammatica, que das palavras separadas
ensina a formar e compor huma oração, ordenando-as
segundo as relações ou de conveniencia, ou de determinação,
em que suas ideas estão humas para as outras.

Os Grammaticos, traduzindo com mais liberdade
a palavra Grega Syntaxis, lhe dão o nome de
Construcção. Mas esta palavra tem mais extensão que
a de syntaxe. A syntaxe he huma ordem systematica
das palavras, fundada nas relações das couzas que ellas
significão ; e a construcção huma ordem local, auctorizada
pela uso das Linguas. Assim a construcção pode
ser ou direita ou invertida, e ter comtudo a mesma
syntaxe. Nestas duas orações : Alexandre venceo a
362Dario
, e A Dario venceo Alexandre, as construcções
são contrarias ; porêm a syntaxe he a mesma.

Ambas ellas em quanto conduzem para a maior
ligação das ideas e clareza da enunciação, são do foro
da Grammatica em geral, e da da Lingua Portugueza
em especial, que entre os signaes das relações
conta tambem a construcção local dos vocabulos. Tractaremos
pois de huma e de outra separadamente. Mas
para bem se entender a syntaxe e construcção das partes
da oração, he preciso saber primeiro distinguilas :
o que vamos a fazer pela analyse da oração em geral
e das varias especies della, que entrão na composição
do discurso.

Capitulo I.
Da Oração em geral.

Oração, ou Proposição, ou Frase (pois tudo quer
dizer o mesmo) he qualquer juizo do entendimento,
expressado com palavras. Ora não sendo qualquer discurso
outra cousa senão ou hum juizo, ou huma serie
delles ; todo elle não he tambem senão ou huma
oração ou huma continuação de orações : e assim o
que aqui dissermos da oração em geral, será applicavel
a cada huma dellas em particular.

Toda oração tem necessariamente tres termos,
hum que exprime a pessoa ou couza, da qual se diz
e enuncia alguma couza ; outro que exprime a couza,
que se enuncia ; e o terceiro que exprime a identidade
e coexistencia de huma couza com outra. O primeiro
termo chama-se Sujeito, o segundo Attributo, e o
terceiro Verbo. Toda oração pois he composta de hum
sujeito, de hum attributo, e de hum verbo, os quaes
se exprimem ou com tres palavras Eu sou amante ;
ou com duas equivalentes ás tres Sou amante, ou
363com huma so, que concentra em si as tres, como :
Amo.

O sujeito he o pincipal termo da proposição, ao
qual todos os mais se referem. Elle sempre he ou
hum nome substantivo quer proprio sem artigo, como :
Pedro he homem ; quer appellativo com elle, como :
O homem he mortal ; ou qualquer parte da oração
substantivada pelo artigo, quer seja hum adjectivo O
justo, O honesto
 ; quer hum verbo no infinito O saber,
ou no modo finito O praz-me ; quer huma preposição
O pro e o contra ; quer hum adverbio O como,
e quando
 ; quer huma conjuncção O senão. O attributo
he sempre ou hum adjectivo, O homem he mortal ; ou
hum appellativo adjectivado pela ausencia do artigo,
Pedro he homem. E o verbo he sempre o verbo substantivo
Ser ou so, Sou amante ; ou incorporado com
o adjectivo na mesma palavra, como : Am-o.

Se a oração não tem mais que hum sujeito, e
hum attributo, chama-se simples, como as que se acabão
de dizer ; se porêm tem mais de hum sujeito, ou
mais de hum attributo, ou muitos sujeitos e attributos
ao mesmo tempo, chama-se composta, como : Eu
e tu somos amantes, e estimadores da virtude
. Esta
oração he composta de dous sujeitos Eu, e Tu ; e de
dous attributos Amantes, e Estimadores ; e contêm
em si não menos que quatro juizos correspondentes aos
seus quatro termos, que são : Eu sou amante, Tu es
amante, Eu sou estimador, Tu es estimador
. O mesmo
verbo, posto entre os varios sujeitos e attributos,
serve de copula a cada hum delles, e val tanto como
se se repetisse.

Estes mesmos sujeitos e attributos da oração simples
e composta podem elles mesmos ser compostos e
complexos, isto he, modificados por varios accessorios,
como são ou hum substantivo com sua preposição Homem
de honra
, ou hum adverbio Obrou honradamente
364ou hum adjectivo Homem honrado, ou huma oração
incidente O homem que he honrado. Estas orações,
que modificão ou o sujeito, ou o attributo da proposição
principal, chamão-se Parciaes, porque fazem
parte dos mesmos, em contraposição ás Totaes, que
não fazem parte, nem Grammatical, nem integrante,
de outras.

As Orações ou Proposições Parciaes são de dous
modos, ou Incidentes ou Integrantes. As primeiras
são as que modificão qualquer dos termos da proposição
total, ou explicando-o, ou restringindo-o. Por exemplo
nesta proposição total : Os sabios, que são mais
instruidos, que o commum das homens, deverião tambem
excedel’os em virtude
 ; a parcial Que são mais
instruidos que o commum dos homens
he huma incidente
explicativa do sujeito Sabios : e em estoutra A
honra, que vem da virtude, he mais solida que aquella,
que vem do nascimento
, as duas incidentes Que
vem da virtude
e Que vem do nascimento são restrictivas,
a primeira da significação geral do appellativo
Honra, sujeito da preposição total ; e a segunda da
significação indeterminada do mesmo appellativo, e
do demonstrativo Aquella, attributo da mesma.

Todos os adjectivos appostos, e todos os complementos
com preposição, ou sem ella, que se ajuntão
ou ao sujeito, ou ao attributo da proposição total
para os modificarem, não fazem per si orações incidentes,
porque não tem verbo ; mas equivalem ás
mesmas, e por ellas se podem resolver. Pois são huns
verdadeiros juizos mentaes, que para se converterem em
proposições, não lhes falta senão a expressão do verbo.
Elles modificão do mesmo modo, que as proposições incidentes,
os termos da proposição total, ou explicando-os,
ou restringindo-os.

Assim nestas orações : As acções generosas, e
não os pais illustres, são os que fazem fidalgos
, e
365os homens de bem regulão as suas acções pela lei de
Deos
, e pela lei de quem são : os adjectivos Generosas,
Illustres
, e o complemento qualificativo De bem
valem tanto, como : as acções, que são generosas ;
os pais que são illustres ; e os homens, que são homens
de bem
. As proposições incidentes e os adjectivos
modificativos dos termos da proposição total, conhecer-se-ha,
se são explicativos, quando tirados della,
nada alterão a sua verdade ; e se são restrictivos, quando,
tirados da mesma, o sentido fica destruido.

A segunda especie de orações parciaes são as Integrantes,
assim chamadas, porque não so inteirão o
sentido da proposição fatal, como as incidentes ; mas
tambem a sua Grammatica, completando a significação
relativa do attributo da mesma, a qual sem isto
ficaria incompleta e suspensa. O attributo pois de huma
significação relativa, exprimido pelo adjectivo, ou
so, ou mettido no verbo adjectivo, he quem determina
e demanda estas orações integrantes, as quaes se enuncião
ou pelos infinitos impessoaes, quando o sujeito
do verbo determinante he o mesmo que o do verbo
determinado, como : Quero amar-te ; ou pela Linguagem
indicativa, quando o verbo determinante affirma
com asseveração e certeza, como : Creio que me amas ;
ou pela subjunctiva, quando o verbo determinante affirma
com receio e incerteza, como : Quero que me
ames
. Onde as orações Amar-te, Que me amas, Que
me ames
, são integrantes não so do sentido dos verbos
determinantes Quero e Creio, mas ainda de sua syntaxe ;
pois são complementos necessarios de sua acção,
que não póde ficar suspensa.

Todas estas orações parciaes dos modos finitos,
assim incidentes, como integrantes, são ligadas com as
suas totaes pelo relativo conjunctivo Que, o qual nas
primeiras se póde algumas vezes variar por Quem, Cujo,
Qual
, coforme cabe ; nas segundas não. As do modo
366infinito não tem conjunctivo algum. O que as conjuncta
he a identidade do mesmo sujeito, ou seja do
infinito impessoal Quero amar-te, ou do participio imperfeito
activo Cantando espalharei por toda parte.
Humas e outras são faceis de reconhecer pelo mesmo
lugar que occupão na oração de que fazem parte, que
he sempre o immediato aos termos, que modificão ou
completão.

Das orações fataes, e não das parciaes, he que se
forma o Periodo, que he o ajuntamento de muitas proposições,
que não sendo partes humas das outras,
estão comtudo ligadas entre si de tal modo, que humas
suppõem necessariamente as outras para o complemento
do sentido fatal. O periodo póde ter ou duas proposições,
chamadas tambem membros, ou tres, ou quatro.
Passando deste numero, tem antes o nome de Oração
Periodica
do que o de periodo.

Qualquer que seja o numero das proposições, huma
dellas he sempre a Principal, e as mais Subordinadas.
O caracter ordinario da principal he ser enunciada
por alguma linguagem do modo indicativo (qual
nós representámos em seu lugar) e poder por consequencia
subsistir per si, e fazer hum sentido independente
fóra do periodo. O caracter ordinario das proposições
subordinadas he serem enunciadas pelas Linguagens
subjunctivas, ou tambem indicativas, mas ligadas
ás principaes por conjuncções, que lhes suspendem
o sentido.

Humas e outras não tem lugar fixo no periodo,
como tem as proposições incidentes e integrantes. Ou
a principal vai primeiro, e as subordinadas depois ; ou
estas precedem, e segue-se aquella. Quando as subordinadas
começão o periodo, sempre ficão suspensas, fazendo
esperar a principal ; e quando o terminão, suppõem
aquella d’antes, mas a principal nem sempre as suppõe.
Tudo isto se vê nos seguintes pcriodos.367

Periodo de dous membros : Se eu quero parecer
discreto á custa da ignorancia de outro, parecer zeloso
á custa dos peccados do proximo, fazer meus negocios
ao som do requerimento das partes ; trato estas
couzas como melhor me servem, não como a obrigação
do officio o pede
. (Paiva)

Este periodo tem duas orações totaes, que são a
subordinada Se eu quero, &c. e a principal Trato estas
couzas
, &c. Mas alêm destas tem cinco proposições
parciaes, a saber : tres integrantes da acção do verbo
Quero, que são, Parecer discreto, &c. Parecer
zeloso
, &c. e Fazer meus negocios, &c. ; e duas
incidentes, restrictivas da significação do verbo Trato,
que são : Como melhor me servem, e Não como a obrigação
do officio o pede
.

Periodo de tres membros : Os doutos, quanto mais
o são, tanto menos se satisfazem de si, entendendo
o muito que ainda ha para saber
. (Severim)

Neste periodo a primeira proposição Os doutos
quanto mais o são
he subordinada pelo comparativo
conjunctivo Quanto á segunda e principal Tanto menos,
&c. e a terceira Entendo, &c. subordinada á segunda
pela identidade do mesmo sujeito, e porque he
sua rasão e prova. Entendendo o muito, &c. val tanto
como se dissesse : Porque entendem o muito que ainda
ha para saber
. He huma proposição complexa com a
incidente Que ainda, a qual explica o significado vago
de Muito.

Periodo de quatro membros, e oração periodica :
He tanto menos o que nos basta do que com que nos
contentamos : que se na vida seguirdes a opinião, nunca
sereis rico ; se a conformáreis com a natureza,
nunca fôreis pobre
. (Lucena)

Este periodo, considerado todo, he huma Oração
Periodica
de cinco membros, ou proposições totaes
marcadas pela pontuação. Tirando-lhe porêm a
368primeira, fica hum periodo quadrado de quatro membros
em outras tantas proposições simples, que são :
1.° Se na vida seguirdes a opinião, 2.° Nunca serêis
rico
, 3.° Se a conformáreis com a natureza, 4.° Nunca
fôreis pobre
.

Destas analyses se vê a facilidade, com que á primeira
vista se póde saber, quantas são as orações de
qualquer ponto, ou periodo, por mais extenso e complicado
que seja ; e quaes as suas especies, assim por
ordem á composição de cada huma, como ao ajuntamento
de todas ellas no periodo. Nenhuma oração póde
haver sem verbo, e nenhum verbo sem oração. Contando
pois em qualquer periodo os verbos, que nelle
se contêm, ou do modo indicativo, ou do subjunctivo,
ou do infinito em todas as suas fórmas ; tantas,
nem mais, nem menos, serão as orações : e observando
os modos, a que suas Linguagens pertencem, se saberá
a qualidade das mesmas.

As do indicativo de sua natureza são absolutas e
independentes, e por conseguinte principaes ; menos
quando se fazem subordinadas pelas conjuncções. As
do subjunctivo sempre são subordinadas, nem o podem
deixar de ser ; e as do infinito impessoal e pessoal, á
excepção de quando servem de sujeito e attributo á
proposição, sempre são regidas de verbo, ou de preposição.

Os participios quasi sempre andão junctos com os
verbos auxiliares, a cujas orações pertencem. Se se empregão
separadamente, fazem orações subordinadas á
que ou precede, ali se lhes segue immediatamente ; e
incidentes, se ambas tem o mesmo sujeito, e a incidente
exprime o modo da acção do verbo principal.
Conhecidas assim as partes constitutivas da oração,
e os differentes modos, porque a podem compor ;
passemos ja á sua syntaxe quer de concordancia, quer
de regencia.369

Capitulo II.
Syntaxe de Concordancia.

Concordancia he a conformidade dos signaes, que o
uso instituio para indicar as correlações das ideas, com
estas mesmas correlações. Para haver conformidade he
preciso que haja humas partes que se conformem, e outras
a que as mesmas se conformem. As partes, a que
as outras se conformão, são sempre as principaes, e as
que figurão no discurso em primeiro lugar. Tal he em
qualquer proposição o seu sujeito ; em qualquer complexo
de proposições a proposição fatal, de que as mais
fazem parte ; e em qualquer periodo, ou ajuntamento
de proposições fataes a principal, á qual as outras estão
subordinadas.

O fundamento de todas estas concordancias he a
identidade. A identidade, digo, da idea do attributo
com a do sujeito da proposição, e das ideas adjectivas
e accessorias com as de hum e outro : a identidade
das proposições, que fazem parte de hum todo com
o todo mesmo : e a identidade das proposições fataes,
porêm subordinadas, com huma principal para fazerem
todas hum sentido unico, comprehendido em hum periodo.

O fundamento desta identidade consiste em humas
ideas se incluirem nas outras. A idea accessoria do attributo
da proposição inclue-se na do sujeito da mesma ;
aliás não se poderia affirmar delle. A idea accessoria
do adjectivo apposto inclue-se na idea do substantivo
que modifica, como o modo se inclue na substancia ;
aliás não se lhe poderia attribuir. As ideas da
proposição parcial fazem parte do sujeito, ou do attributo
da proposição fatal, e assim como partes se incluem
no todo ; aliás mal poderião ellas ou explicar,
370ou restringir, ou completar a sua significação. Em fim
as ideas das proposições fataes, porêm subordinadas a
huma principal, contêm-se virtualmente nas ideas desta ;
pois são ou huma consequencia da mesma, ou huma
excepção, ou huma condição, ou huma circunstancia,
&c. As concordancias pois não são so entre os
termos da proposição, mas tambem entre as mesmas
proposições, que fazem ou parte, ou pertença, humas
das outras.

As palavras e orações, que exprimem as ideas, e
pensamentos correlativos, devião tambem levar comsigo
signaes destas correlações mutuas para mostrarem a
sua correspondencia no discurso. Estes signaes são de tres
modos, ou Terminações, ou Posições, ou Conjuncções,

As Terminações genericas dos adjectivos, as pessoaes
dos verbos, e as numeraes de huns e outros mostrão
a concordancia dos termos da proposição. Os Gregos
e Latinos tinhão mais huma, que era a dos casos,
que nós não temos.

A Posição immediata do adjectivo : principalmente
indeclinavel, appôsto ao substantivo ; e a das
proposições parciaes juncto ás palavras, que explicão,
restringem, ou completão, he o signal da concordancia
entre as mesmas proposições parciaes e suas fataes.

E todas as Conjuncções, palavras e frases conjunctivas,
que notão a ligação e ordem, que entre si
guardão os membros de hum periodo, são os signaes
naturaes de sua concordancia em todas as Linguas.

A syntaxe de concordancia póde ser ou Regular,
ou Irregular. De huma e outra passamos a tractar
em os dous Artigos seguintes.371

Artigo I.
Syntaxe de Concordancia Regular.

Chama-se concordancia regular aquella, em que
as partes concordantes correspondem exactamente áquellas,
com quem concordão, sem ser necessario fazer supplemento
algum. Ella he ou dos termos da proposição
entre si, ou das proposições parciaes com as totaes,
ou das totaes subordinadas com a principal.

§. I.
Concordancia entre os Termos da Proposição.

Regra I.

Todo o attributo da proposição, sendo hum nome
appellativo, concorda em numero com o sujeito
da mesma, como : Pedro he homem, O homem he animal :
e sendo adjectivo, concorda com o mesmo em
genero, e em numero, se he hum nome appellativo,
e se he nome proprio com o appellativo competente,
que se lhe entende, como : O Ministro deve ser sabio,
A lei deve ser justa, Os Ministros
devem ser
sabios, As leis devem ser justas. Onde os adjectivos
sabio, justo, concordão em genero e numero com
seus appellativos Ministro, Lei, que são os sujeitos
das orações : e bem assim nestas orações Pedro he sabio,
Maria he virtuosa
, os adjectivos attributos sabio,
virtuosa
não concordão com os nomes proprios
Pedro, e Maria ; mas com os appellativos Homem,
e Mulher, que se lhes entendem, como se dissessemos :
Pedro he homem sabio, Maria he mulher virtuosa.
Veja-se Liv. III. Cap. III.372

O que se acaba de dizer a respeito dos adjectivos,
quando são attributos da proposição, se deve igualmente
dizer dos mesmos, quando são appostos aos nomes
substantivos para os modificarem ou determinando-os,
ou explicando-os, ou restringindo-os. Determinando-os,
como : O homem, A mulher, Os homens,
As mulheres, Todo homem, Toda mulher, Todos os
homens, Todas as mulheres, Meu filho, Minha filha,
Meus filhos, Minhas filhas
, &c. Explicando-os, como :
Lucullo o rico, isto he, O homem rico, Boi vagaroso,
Cavallo ligeiro
, &c. E restringindo-os, como :
Ministro sabio, Lei justa, Soldado valeroso, Mulher
retirada
, &c.

O artigo neutro o não tem plural, e concorda sempre
no singular ou com o sentido de huma oração,
como : O que eu disse he verdade ; ou com os adjectivos
substantivados, como : O bom, O máo, O facil,
O grande, O sublime
. Mas estas mesmas terminações
dos adjectivos não são então masculinas, porêm neutras.

Regra II.

Todo o verbo da proposição concorda em numero,
e em pessoa com o sujeito da mesma, claro, ou
occulto, ou seja hum nome proprio, Deos he justo ;
ou hum appellativo, Os homens morrem ; ou hum pronome,
Eu temo, Tu esperas, Elles andão. Os pronomes
pessoaes entendem-se sempre, quando os verbos se
põem sem elles, como : Amo, Amas, Ama, Amamos ;
e nos verbos impessoaes Vive-se, Chove, Neva,
entende-se-lhes de fóra o sujeito.373

§. II.
Concordancia das Proposições Parciaes com as
Totaes.

Regra I.

Nas proposições compostas de muitos sujeitos,
ou attributos continuados, os segundos concordão com
os primeiros na mesma relação de sujeitos, ou de attributos
parciaes da mesma proposição pela identidade
do mesmo verbo, e do mesmo artigo, ou conjuncção
repetida.

Exemplos : O ouro, os diamantes, as perolas,
tudo
he terra, e da terra. Onde os tres sujeitos Ouro,
Diamantes, Perolas
, estão na mesma rasão pela
repetição do mesmo artigo ; e os dous attributos Terra,
e Da terra, isto he, Couza da terra estão tambem
na mesma rasão pela conjuncção que os ata. O
que se vê ainda melhor no exemplo seguinte : Não ha
idade tão florente, nem saude tão robusta, nem vida
tão regrada, que tenha hum so momento seguro
. Em
todas o mesmo verbo, applicado a cada sujeito, e a
cada attributo faz de cada hum delles outros tantos
juizos parciaes da oração composta.

Regra II.

As proposições parciaes, tanto incidentes, como
integrantes, ligadas ás fataes de que fazem parte, pelo
relativo conjunctivo Que, concordão ou com o sujeito,
ou com o attributo das mesmas pela posição immediata
do mesmo conjunctivo, e não pelas terminações,
que não tem. Quando porêm as orações incidentes
se ajuntão ás suas fataes pelos relativos conjunctivos
374que tem terminações genericas, e numeraes,
como : O qual, A qual, Os quaes, As quaes, Cujo,
Cuja, Cujos, Cujas
 ; então concordão não so por posição,
mas tambem em genero e numero com os mesmos
sujeitos e attributos, de que fazem parte.

Exemplo : Quantos Letrados ha, que o são para
sustentar e defender seus máos partidos e cegos
conselhos ; aos quaes não servem de mais as sciencias
que de mãos, com que roubão o alheio, e o dão
a cujo
não he ? (Arraes). Neste exemplo ha quatro relativos
conjunctivos, que ajuntão, e concordão com a proposição
fatal Quantos Letrados ha, quatro proposições
parciaes, a saber : 1.ª a incidente explicativa Que
o são
 ; onde o Que indeclinavel concorda com o sujeito
Letrados, e a elle se refere so pela sua situação
immediata : 2.ª outra incidente explicativa, Aos
quaes
, &c. ; onde o relativo conjunctivo, declinavel,
concorda não so por posição, mas tambem em genero
e numero com o mesmo sujeito Letrados : 3.ª a
incidente restrictiva Que de mãos ; onde o Que se refere
ao substantivo occulto Prestimo, e he o mesmo
que se dissessemos : Não servem de mais prestimo
alêm daquelle que he de mãos : 4.ª outra incidente restrictiva
Cujo não he, onde Cujo se refere a dous antecedentes,
hum occulto, que he Dono, e outro claro,
que he o alheio, com quem concorda em genero e numero,
como se dissessemos : E o dão áquelle homem,
de quem, ou do qual não he
.

Nas parciaes integrantes, como por ex. : Diga
que fazes, Mande que faças
 ; o Que nunca se póde
variar como nas incidentes : mas nem por isso deixa
de concordar e conjuntar a proposição integrante com
a sua fatal, entendendo-se-lhe sempre o antecedente Isto,
como se dissessemos : Diga isto que he : Fazes,
&c. Mande isto, que he : Faças, &c.375

Regra III.

Nas parciaes integrantes do infinito impessoal o
sujeito da acção do verbo regido sempre he o mesmo,
que do verbo regente ; e esta identidade faz a sua
concordancia. Porêm as orações feitas do infinito pessoal
sempre tem hum sujeito differente do da oração
regente. Por isso não he couza indifferente empregar
huma fórma, ou outra. No pessoal disse bem Camões
Lus. X. 76.

Faz-te mercê, barão, a sapiencia
Suprema de c’os olhos corporaes
Veres o que não póde a vã sciencia.

E Garcêz Comm. Tom. II. pag. 281 not.180 não
teve rasão de taxar de bastantemente licenciosa a locução
De c'os olhos veres ; pois o sujeito do verbo
Veres he differente do do verbo Faz.

Mais rasão teve Manoel de Faria e Souza Comm.
Tom. III. Cal. 335 para notar os dous lugares de
Camões Lus. VII., 72.

… E folgarás de veres a policia
e VI., 15…… | Não te espantes
De a Baccho em teus Reinos receberes.

Nestas duas orações os sujeitos dos verbos regidos
são os mesmos que os dos verbos regentes ; e assim
devia dizer : E folgarás de ver, e Não te espantes
de receber
, para guardar a concordancia. Comtudo
algumas vezes se encontrão nos Classicos exemplos
de infinitos pessoaes com o mesmo sujeito do
verbo pessoal, a que servem de complemento. Mas
ou vem antes delle, ou depois ; em todo o caso he
376sempre para tirar qualquer equivocação, ou incerteza,
que possa haver sobre se he ou não o mesmo sujeito
de ambos os verbos. Fóra destes casos se se encontra
algum exemplo, que he raro, deve-se ter por
pouco correcto, e por hum pleonasmo excusado.

§. III.
Concordancia das Proposições Totaes, subordinadas,
com a Principal.

Regra I.

A proposição responsiva, regular, concorda com
a interrogativa na mesma linguagem e em sua regencia,
ainda que em differente pessoa. Quem es tu ? Sou
Antonio. De quem he este Livro ? De Antonio
. A rasão
está clara. Porque na frase responsiva, regular, ou
se repete, ou se entende o mesmo verbo, e no mesmo
tempo, e com as mesmas dependencias.

Regra II.

As proposições fataes subordinadas concordão no
periodo com a sua principal por meio das conjuncções,
adverbios, ou frases conjunctivas, que não so
as ligão em hum sentido total, mas mostrão ao mesmo
tempo a relação de correspondencia, em que aquellas
estão para esta ; relação, digo, ou de Excepção,
ou de Condição, ou de Prova, e de Explicação, ou
de Circunstancia, ou de Gradação ou de Contraposição,
&c. Podem-se ver a explicação, e exemplos
desta regra, Liv. III. Cap. VI. Das Conjuncções, e
as discordancias deste genero no fim do artigo seguinte.377

Artigo II.
Syntaxe de Concordancia Irregular, reduzida a
Regular pela Syllepse.

Ha discordancias apparentes, em que por huma
parte o adjectivo parece discordar do seu substantivo
ou em genero, ou em numero, ou em tudo isto ; e
por outra o verbo parece discordar do seu sujeito ou
em numero, ou em pessoa.

Procede isto de que a concordancia não se faz
então de palavra com palavra, mas da palavra com
huma idea. O entendimento obrigado da necessidade,
e auctorizado pelo uso, sem se ligar á terminação da
palavra, liga-lhe outra idea de differente genero, com
a qual a concorda ; vindo assim a fazer huma discordancia
material e apparente para fazer huma concordancia
real, porêm so mental. A isto derão os
Grammaticos o nome de Syllepse, ou Synthese, que
querem dizer Concebimento, ou Combinação. Vamos
discorrendo por cada huma dellas.

§. I.
Syllepse de Genero.

A regra da concordancia regular do adjectivo
com o seu substantivo não suppõe senão hum so substantivo
na oração. Porêm o mesmo adjectivo tem de
concordar muitas vezes com dous, ou mais substantivos,
e estes mesmos de differentes generos. Pelo que
pertence á concordancia do numero ; nenhuma duvida
ha que, sendo dous os substantivos, o adjectivo e o
verbo devão hir sempre ao plural : e Camões, Lus.
III., 41. não errou (como diz o A. dos Rudimentos
378da Gram
. P. pag. 308) na concordancia, quando disse
de Zopyro :

Onde rosto e narizes se cortava :

lugar de a si cortava. Porêm póde-a haver pelo
que pertence á concordancia do genero segundo os mesmos
substantivos se achão ou todos no singular, ou
todos no plural, ou hum no singular, e outro no plural,
pela collisão, que então ha entre a concordancia
do numero, e a do genero. A practica do uso he :

1.° Se todos os substantivos estão no singular, o
adjectivo do plural, sendo attributo da oração, concorda
em genero com o masculino, como : O marido
e a mulher são generosos
. Quando porêm o adjectivo
he apposto a muitos substantivos de couzas e
quasi synonymos, concorda com o ultimo de qualquer
genero que seja, como : O amor e a amizade verdadeira.
A virtude, valor, magnanimidade e esforço
proprio. Os adjectivos Hum e outro algumas vezes se
empregão assim no genero masculino, ainda que hum
dos substantivos antecedentes seja feminino, como : Eu
devia-lhe
a vida e o reino ; elle hum e outro me tirou.

2.° Se os substantivos estão no plural, o adjectivo
do plural concorda com o que lhe fica mais proximo,
quer atraz, quer adiante, de qualquer genero
que seja, como : Seus temores e esperanças erão vãs,
e Erão vãos seus temores e esperanças ; onde os adjectivos
seus, e vãos concordão em genero com o substantivo,
que immediatamente lhe precede, ou se lhe
segue.

A’s vezes porêm o adjectivo do plural se acha
em nossos Escriptores concordado com o substantivo
masculino, ainda que esteja mais remoto que o feminino,
como : Os vicios, e não as virtudes são os que
379entre si discordão. (1)84 Os louros e heras por ti honrados (2)85.
Porêm faz huma grande differença ser o feminino
mais proximo, excluido da affirmação do verbo
pelo adverbio negativo Não.

3.° Se hum substantivo está no singular, e outro
no plural, o adjectivo do plural concorda com o substantivo
do plural em genero, qualquer que este seja,
como : Os dinheiros e a fazenda erão muitos, e As
fazendas e o dinheiro erão muitas. Não são vossos
poderes e liberalidade tão limitados. (3)86

Porêm do contrario ha tambem exemplos, como
o de Camões : (4)87

Porque essas honras vãs, esse ouro puro

Melhor he merecêl-os sem os ter,
Que possuil-os sem os merecer.

E o de Corre Real : (5)88

Da branca seda leva o charo esposo¤
As calças e o jubão, de ouro lavrados.

E nós dizemos : Tinha os pés e a cabeça descobertas.
Mas faz huma grande differença serem os adjectivos
ou attributos da proposição, ou meramente
appostos aos substantivos.

Seja como fôr, esta mesma variedade do uso
mostra que esta ultima concordancia do adjectivo com
o substantivo feminino do plural em genero não he
380inteiramente certa, e segura. O melhor pois he ou
evitar a concorrencia de substantivos de differentes
generos e numeros ; ou, a não a poder evitar, dar a
cada substantivo seu adjectivo separado ; ou escolher
algum de huma so terminação para concordar com
ambos, como : Os dinheiros erão avultados e a fazenda
muita, ou As fazendas e dinheiro erão grandes.

Bem se vê, que em todos estes casos a concordancia
não he exacta. Porêm a Syllepse he que salva
todas estas discordancias parciaes e inevitaveis, fazendo
concordar o adjectivo com hum dos substantivos
com que mais relações póde ter ou de numero, ou
de proximidade, ou de preeminencia no genero ; visto
não o poder concordar com todos senão mentalmente,
applicando a cada hum a sua significação.

Tambem ha syllepse de genero, quando não concordamos
os tractamentos politicos das pessoas com os
adjectivos e participios, que se lhes seguem. Por exemplo,
estes nomes Magestade, Alteza, Excellencia,
Senhoria, Mercê
, &c. São substantivos femininos,
e neste genero concordamos com elles o possessivo
Vossa ; e isso não obstante, dizemos : Vossa Magestade
he
magnifico, Vossa Alteza foi servido : onde
os adjectivos magnifico, e servido não concordão
formalmente com os substantivos Magestade, Alteza ;
mas com os appellativos Rei, e Principe, que temos
em mente.

O que outrosim se vê nos substantivos femininos
Charamela, Sacabuxa, Sanfonina, Trombeta, Mascara,
Pessoa
, e outros, a que se ajuntão adjectivos
masculinos entendendo-se-lhes pela syllepse o appellativo
Homem, como : Muitas Charamelas, e Sacabuxas
vestidos ; Huma Sanfonina cego ; Hum mascara  ;
Hum Trombeta ; Huma pessoa
chamado, &c.

Os adjectivos Excepto, Mediante, Não obstante
381Salvo, Supposto
, usados adverbialmente nestas e
semelhantes expressões : Excepto algumas pessoas nobres,
Mediante as suas orações, Não obstante estas
couzas, Salvo a honra e os direitos, Supposto
esta certeza
 ; parecem discordar em genero e numero.
Porêm, entendendo-se-lhes a todos Isto, que he, como :
Salvo isto, que he, a honra, e os direitos, fica
salva sua concordancia.

§. II.
Syllepse dos Numeros.

Ha syllepse dos numeros, quando a nomes do
singular se ajuntão adjectivos ou verbos no plural ; ou
pelo contrario quando a nomes do plural se ajuntão
verbos no singular. Succede isto principalmente com
os nomes collectivos.

1.° Quando hum substantivo Collectivo Partitivo
do singular he seguido da preposição de, e de hum
nome do plural, o singular vai incluido no plural, como
a parte em o todo. O adjectivo pois e o verbo
concordão com o plural, e não com o singular, como :
Tanto que hum golpe d’elles se fizerão Senhores
della
. (Barros) Estavão pegados com elles huma infinidade
de homens. (Souza) A multidão dos artificios
de fogo, que continuamente succedião, huns a outros,
alumiavão a fumaça da polvora. (Pinto Pereira)

2.° Quando porêm o substantivo Collectivo he Geral
e não partitivo, e he igualmente seguido da preposição
de, e de hum nome do plural, este plural
vai incluido no singular como a especie no genero. O
adjectivo pois e o verbo concordão com o collectivo
singular, e não com o nome do plural, como : O exercito
dos infieis foi inteiramente derrotado.

3.° Quando o substantivo Collectivo Geral se põe
382so, ou com a preposição de, e hum nome do singular,
o adjectivo e o verbo podem concordar ou regularmente
com o mesmo collectivo no singular, ou pela
syllepse concordar em plural com os muitos individuos,
que o mesmo comprehende, como : Povoavão os
degráos muita Sorte de gente, que parecião pobres
(Souza), ou Povoava os degráos muita sorte de gente,
que parecia pobre. Começou a quebrantar o povo
com diversos gravames, tirando-lhe as forças, para
melhor os dominar, timidos, e sujeitos, (J. Freire)
ou : para melhor o dominar, timido, e sujeito :

4.° Quando algum dos adjectivos collectivos universaes
Tudo, e Nada se põe depois de muitos substantivos
continuados, ainda que sejão do plural, o
verbo vai ao singular, como : O ouro, os diamantes,
as perolas
, tudo he terra e da terra. Bens, dignidades,
honras
, tudo desapparece á morte. Jogos, conversações,
espectaculos
, nada o tirava de seu retiro.

5.° Assim como com os collectivos geraes do singular
se põe ás vezes o adjectivo e o verbo no plural,
assim com os substantivos do plural, tomados collectivamente,
se põe ás vezes o verbo no singular : o que
accontece sempre com o verbo Haver impessoal na significação
de existir, e com os verbos, que o determinão
ao infinito, como : Ha tempos, Houve muitos
homens, Haverá cem annos, Póde haver alguns,
Accontece haver pessoas
, &c.

Quando se usa dos pluraes Nós, e Vós em lugar
do singular Eu, e Tu, os verbos concordão com elles
no plural ; mas os adjectivos põem-se no singular
pela syllepse, como : Se na vida seguirdes a opinião,
nunca
sereis rico ; se a conformáreis á natureza, nunca
fôreis pobre (Lucena). Antes sejamos breve que
prolixo (Barros). Nós não somos abastante para compridamente
louvar
. (Fernão Lopes) : o que não he
falta de concordancia, como erradamente disse Francisco
383Dias na sua Analyse coroada em 1792. Mem. de
Litt. Portug. da Academia
, tom. IV. pag. 34.

Hum e outro, e Nem hum nem outro admittem
a concordancia do adjectivo e do verbo em qualquer
dos numeros, como : Hum e outro he bom, ou são
bons
 ; Nem hum, nem outro he bom, ou são bons.
Não corre a mesma regra com os appellativos. Posso
dizer : Hum e outro homem ; mas não : Hum e outro
homens
.

§. III.
Syllepse das Pessoas.

Quando na oração concorrem muitos sujeitos de
differentes pessoas do singular com hum verbo so, este
põe-se sempre no plural concordando com todos
em numero ; e em pessoa com o mais nobre, qual he
o da primeira pessoa a respeito do da segunda, e o
da segunda a respeito do da terceira, como : Eu, e
tu andamos de saude : Elle, e tu estais sentados :
Nós e vós hiremos junctos.

Em todas estas syllepses as discordancias apparentes
dos termos da proposição são admittidas pela
necessidade, concordadas pela rasão, e auctorizadas
pelo uso. Mas as que não tem por si nem necessidade,
nem rasão, nem auctoridade, são as que mais
merecem o nome de solecismos que o de syllepses, e
que igualmente se podem commetter na syntaxe ou
dos termos da proposição, ou das proposições parciaes
com as totaes, ou das totaes entre si, como
passamos a ver no artigo seguinte.384

Artigo III.
Das Discordancias, ou Solecismos.

Segundo Quintiliano (I, 5) ha solecismo em
qualquer oração de hum sentido total, quando nella se
põe adiante alguma palavra, que não condiz, nem
concorda com as antecedentes. Todo solecismo pois
he hum erro de syntaxe ou de concordancia, ou de
regencia ; mas daquella especialmente. Estes erros podem-se
commetter ou nos termos mesmos da proposição
quer simples, quer composta, ou na união das
proposições parciaes com suas totaes, ou na união das
totaes entre si.

§. I.
Discordancias, ou Solecismos nos termos da
Proposição.

Nos termos da proposição ha erro, quando as
conjuncções copulativas ajuntão sujeitos, attributos, ou
complementos pertencentes a differentes verbos, como :
Condemno sua preguiça ; e as culpas, que seu descuido
lhe fez commetter
, são inexcusaveis. Este defeito tem
os versos de Camões, Lus. I. 2.

… Que farão dilatando
A Fe, o Imperio, e as terras viciosas
D’Africa e d’Asia andarão devastando :

ou quando se emprega a disjunctiva Nem sem preceder
outra negação, a qual se entende nas frases interrogativas
negativas, como : Por ventura ha merecimento
algum no bem, que hum homem faz a si, nem
385aos outros por amor de si ? Porêm ainda com o mesmo
Vieira não diria eu : A afronta da Cruz foi a
maior, que padeceo, nem podia padecer Christo a
mãos da infidelidade, e temeridade humana
. V. Levizac
Gramm. Part. II. C. X. Art. III.

Com Hum e outro, ou Nem hum nem outro
podemos concordar o verbo e o adjectivo no plural,
como vimos ; porêm não os appellativos. Fr. Luiz de
Souza (Vid. do Arceb. V, 4.) disse com mais liberdade
do que devia : Não erão bem despedidos de hum
e outro Arcebispos.

Cada, Cada hum, Cada qual, como são distributivos,
não admittem o verbo no plural depois de si,
dantes sim. Assim Azurara disse bem e mal ao mesmo
tempo neste lugar da Chr. de D. João I, P. III. C. 34.
Cada hum trazia tamanha ledice, como se determinadamente
soubessem, que sem nenhum perigo aviam de
aver
victoria. Admittem porêm no plural depois de si
nomes, que se lhes referem, como : Vivia cada hum
(dos Heremitãos) em sua cella, feitas de pedra e cobertas
com ramos. Brito Chr. V. 6.

Pelo contrario quando muitos substantivos continuados
não estão na mesma relação, huns para outros,
mas em differente, pode-se o verbo pôr no plural, como :
Patecasir com todolos seus padecião grande fome.
Goes Chr. de D. João III. Liv. III. 28 : mas he
erro concordar com elles o adjectivo em o numero plural.
Assim disse mal Cort. Real (Naufr. Cant. VI II.)

No batel vistes ja quasi alagados
Esse bom Capitão com quanta gente¤

Naquella embarcação primeira vinha.

Melhor disse o mesmo Goes, ibid. I. 35. Nesta
angra foi Vasco da Gama com outros tres homens ferido.
386O artigo neutro O, juncto ao verbo substantivo
Ser, he sempre hum attributo, relativo ao sentido de
hum adjectivo, ou appellativo da oração antecedente.
He por tanto erro ou concorda-lo com os dictos adjectivos
e appellativos em genero e numero ; ou concorda-lo
no genero neutro, não tendo a palavra, a que
se refere, genero algum, como se dissessemos : Esta
historia acabará de desenganar os que devem se-lo, isto
he, desenganados ; o que não está na primeira frase,
mas desenganar. No mesmo erro cahio Vieira,
Cart. I, 67 : Debaixo destes accidentes se encobre
grande substancia, a qual se manifestará brevemente
quando ja hoje o não esteja.

Tambem se erra ou omittindo o artigo, quando
se deve pôr ; ou pondo-o, quando se deve omittir.
Quando concorrem muitos substantivos de differentes
generos e numeros, principalmente não sendo synonymos,
não basta pôr o artigo so ao primeiro ; he
necessario repeti-lo a cada hum, e dizer : Os pais, e
as mãis
 ; O senhorio dos homens, das terras, e dos
ventos (1)89 ; e não : Os pais, e mãis ; O senhorio dos
homens, terras
, e ventos.

O mesmo se deve practicar com os adjectivos,
que tem significações oppostas. Jacyntho Freire disse : (2)90
Onde se consumem com os successos prosperos e
adversos
. Deveria dizer : e com os adversos. Quando
em lugar do artigo se põe outro determinativo, este
mesmo se deve repetir a todos os substantivos continuados,
principalmente quando são de differentes generos
e numeros, e dizer : Meu pai, e minha mãi,
Seus vestidos
, e suas joias ; Este homem, e esta mulher ;
e não : Meu pai, e mãi ; Seus vestidos, e joias ;
387Este homem, e mulher. Pelo contrario, quando qualquer
nome appellativo he determinado por algum dos
adjectivos determinativos, he hum pleonasmo excusado
ajuntar-lhe o artigo. Nossos melhores Classicos dizem
sempre : Meus avós, Teus antepassados, Seus bens
Vossa fortuna
, &c., e não : Os meus avós, Os teus
antepassados, Os seus bens, A vossa fortuna
, &c.

O collectivo universal Todo, quando se toma distributivamente
em lugar de Cada, tambem não admitte
de companhia artigo depois de si, como : Todo homem
pode mentir, mas nem todo homem mente
. Esta
he a practica de nossos melhores Escriptores. Quando
porêm se toma pela totalidade ou absoluta, ou parcial
dos individuos, admitte artigo, mormente seguindo-se-lhe
alguma incidente, que o restrinja, como :
Querer contentar todo o mundo he loucura : He necessario
cumprir todas as obrigações, que contrahimos
.
Taes são as discordancias e solecismos, em que
inda agora cahem muitos a respeito dos termos da proposição,
e seus modificativos.

§. II.
Das Discordancias e Solecismos na união das
Proposições Parciaes.

Passando ja ás discordancias das proposições parciaes
com suas totaes ; he huma observação certa, que
nenhuma proposição incidente póde modificar hum antecedente,
que se não ache ja determinado ou pelos
artigos, ou por outro determinativo. He pois erro
ajuntar qualquer incidente a hum appellativo indeterminado,
como seria : Pedro he homem, que muito estimo :
Casa, que mal se edifica, em breve cahe. Devo
dizer : Pedro he hum homem, que muito estimo. A casa,
que mal se edifica, em breve cahe. Por esta rasão he
388incorrecta a expressão de Barros (1)91 : O tempo não
gastará
doutrina, costumes, linguagem, que os Portuguezes
nestas terras deixárão
. Ficava melhor : a
doutrina, os costumes, e a linguagem, que
, &c.

Daqui vem, que, quando o antecedente he hum
appellativo com artigo, seguido de outro substantivo
com a preposição de sem artigo ; o relativo conjunctivo
Que, que lhe ata a proposição incidente, se refere
naturalmente ao substantivo determinado, e não
ao indeterminado. Quando digo v. g. Pedro he hum
homem de honra, que eu muito estimo ; o Que não
causa equivoco, porque se refere não ao substantivo
immediato antecedente Honra, que se acha indeterminado ;
mas sim ao mais remoto homem, especificado
pelo artigo Hum.

Não succede porêm assim, quando o segundo substantivo
tem tambem artigo. Então o Que pode-se referir
ou ao primeiro, ou ao segundo ; e neste caso
deve-se variar a fórma do relativo para tirar a ambiguidade,
como neste exemplo : Hum milagre da Divina
Providencia, que he grande, &c. Onde o Que
he equivoco, e faz duvidar, se a incidente pertence ao
primeiro substantivo Milagre, se ao segundo e mais
proximo Providencia. Para se tirar a duvida, deve-se
mudar o Que em O qual, se se refere a Milagre ; e
em A qual, se se refere a Providencia.

Tambem se costuma errar na concordancia das
proposições parciaes, feitas pelos participios imperfeitos
activos em ndo, quando tendo differente sujeito do
da sua principal, este se lhe não exprime, deixando
assim em duvida, se o agente de ambos os verbos he o
mesmo, se diverso. Jacyntho Freire na mesma fala de
Coge Çofar cahio duas vezes nesta inadvertencia : a primeira,
quando diz : Sendo vassalo, me tratou como
389amigo, e me amou como filho
. Devia dizer : Sendo eu
vassalo
, &c. A segunda, quando diz : Pois, insensiveis,
e ingratos, estamos alimentando os homicidas
de nosso monarca em nossa mesma casa
, gozando como
herança a praça, que assegurarão com tão atroz
delicto, hontem hospedes, agora senhores
. Deveria dizer :
Gozando elles, &c.

Hum semelhante erro se commette nas orações
parciaes integrantes do infinito, quando o verbo, que
as determina para lhe servirem de complementos, tem
o mesmo sujeito, ou differente, usando da fórma pessoal
no primeiro caso, e da impessoal no segundo, e
dizendo v. g. Vens para me veres, e não para te ver,
quando pelo contrario se deve dizer : Vens para me
ver, e não para te verem
. Veja-se Cap. II. Art. I.
§. 2. Regr. III.

Outro solecismo bem vulgar he empregar o relativo
conjunctivo adverbial Cujo, que val o mesmo,
que De quem, D’o qual, ou sem a sua relação propria
de Possessão em lugar de Qual, ou Que sem
preposição, dizendo : Hum homem, cujo não conheço :
ou como complemento de outra preposição differente
daquella, que sempre leva comsigo, como : Em todas
estas sepulturas e moimentos ricos dos donos de cujas
forão. (Tenreiro Itin. Cap. 10.) ou dando á preposição
de, incluida no mesmo conjunctivo, outra relação
differente da que naturalmente tem para exprimir
hum possuidor, como fez nosso Lobo na Egloga III,
dizendo :

Ao rico tudo lhe cabe :
O pobre lamenta e chora,
He so a canceira sua,
E o bem de cujo Deos sabe.

De cujo em lugar de De quem he hum pleonasmo
insupportavel ; e se De por ellipse está em lugar De
390aquelle
, o relativo Cujo ja se não refere ao substantivo
Bem, nem com elle concorda, como devia ; mas
com o possuidor do qual, ou qual Deos sabe. De
qualquer modo o abuso deste e dos mais conjunctivos
relativos perturba inteiramente a ligação e concordancia
das proposições incidentes com suas totaes, de que
fazem parte.

§. III.
Das Discordancias, ou Solecismos na união das
Proposições Totaes entre si.

Finalmente tambem ha solecismos e discordancias
na ligação das proposições totaes, que compõem os
membros de qualquer periodo, todas as vezes que ha
inconsequencia entre a proposição principal e suas subordinadas,
ou por não haver correspondencia entre as
conjuncções periodicas para as fazer jogar humas com
outras ; ou por esta correspondencia se achar perturbada
com outras orações mal collocadas, que se lhe mettem
per meio.

Os Grammaticos chamão Anacolutho a esta especie
de solecismo, como, se principiando v. g. o periodo
por Aindaque, e fazendo esta conjuncção esperar
a sua correspondente, que he Comtudo ; se lhe
substituisse a de Assim tambem : ou ás avessas começando
por Assim como ; acabassemos por Comtudo, e
assim em outras, como : Simão da Costa em vendo as
vellas
, e se affirmou serem galés se foi saindo para
o mar
. Andrade, Chr. D. J. IV, 92. Começou a abrir
outras minas, que sendo tambem conhecidas, se atalharão
 :
as quaes não referimos, porque não involvem
successo memoravel, como por evitar o fastio de relatar
cousas tão parecidas
. Jacyntho Freire II, 183.

Mas, guardada ainda a devida correspondencia
entre os conjunctivos e pensamentos, que elles ligão,
391pode haver confusão no sentido, por não estarem as
orações em seus devidos lugares. Hum Auctor illustre
diz : Sendo sempre justa e santa a vontade de
Deos ; dia da mesma sorte he sempre adoravel, e
sempre digna de nossa submissão e amor ; bem que
seus effeitos sejão para nós algumas vezes custosos e
duros : pois que so as almas injustas he que podem
achar que dizer contra a Justiça
.

A proposição principal deste periodo he : A vontade
de Deos he sempre adoravel
, &c. Ella he precedida
de huma proposição subordinada, e seguida de
outras duas. Cortada a ultima que he : Pois que so as
almas injustas
, &c., não ficaria o periodo máo ; porque
esta oração, posta no fim delle, causa seu embaraço,
e sua confusão : embaraço, porque não está em seu
lugar em rasão de se referir á proposição principal,
que lhe fica acima alguma cousa distante ; e confusão,
porque parece á primeira vista referir-se á subordinada
immediata, que lhe precede.

Nem este effeito se remediaria com transpo-la para
o seu lugar ; antes se viria a recahir em outro. O
unico meio pois de o evitar he cortar-lhe a conjuncção
Porque, e fazer huma oração á parte, que o sentido
mesmo ligará naturalmente com as de cima.

Capitulo III.
Syntaxe de Regencia.

REger quer dizer determinar, e demandar alguma
couza. E como em todas as linguas ha humas palavras,
cuja significação he transitiva, ou relativa, e
que por isso requerem se lhes complete para não ficar
suspensa ; daqui veio dizer-se que, assim como a relação
de Identidade entre as ideas he o fundamento da
syntaxe de concordancia, assim a relação de Determinação
392entre
as mesmas he o fundamento da syntaxe
de regencia.

Por exemplo : Os verbos activos transitivos requerem
depois de si hum objecto, em que passe sua acção.
Os adjectivos da mesma sorte, que tem huma significação
relativa, requerem depois de si hum termo,
que lhes complete sua relação ; e as preposições com
seus complementos requerem outrosim hum antecedente,
a quem sirvão de complemento.

Ha outras palavras, cuja significação he intransitiva
e absoluta, e que porisso não demandão depois de
si outras para lhe completarem ; como são quasi todos
os nomes appellativos, e os adjectivos, e verbos, que
exprimem hum simples estado, huma qualidade absoluta.
Porêm assim mesmo são susceptiveis de varias determinações,
e circumstancias, com que sua significação
se pode ou restringir, ou explicar pelas preposições
com seus complementos, que se lhes ajuntão. Estas
palavras pois não são regentes, mas sim regidas ;
e d’aqui duas especies de regencias, humas Correlativas,
e outras simplesmente Relativas.

Quando as palavras tem huma significação relativa,
que para se terminar necessita de huma preposição
com seu complemento, esta regencia he correlativa ;
porque, se a palavra demanda huma preposição
com seu complemento, esta mesma preposição com
seu complemento demanda hum antecedente, a que
sirva de complemento. Quando digo, por ex. Amo a
Deos
 ; o verbo Amo pede hum complemento ; mas
tambem o complemento A Deos pede hum antecedente,
qualquer que elle seja.

Quando porêm as palavras tem huma significação
absoluta, esta nada determina ; e porêm pode ser determinada
e modificada por huma preposição com seu
consequente, a qual demanda necessariamente hum termo
antecedente, a quem complete, qualquer que elle
393seja. Esta regencia pois he simplesmente relativa ; porque
nella não ha senão huma so relação, que he a do
termo consequente ao antecedente, e não deste áquelle.
Quando digo, por ex. O amor de Deos, o appellativo
Amor per si nada pede ; porêm o complemento
De Deos pede infallivelmente hum antecedente.

Onde ha regencia, necessariamente hade haver
Partes Regentes, e Partes Regidas. As partes regentes,
propriamente falando, não são senão duas, a saber :
O adjectivo de significação relativa, e a preposição ;
porque no adjectivo vai incluido o verbo adjectivo,
e o adverbio mesmo de significação relativa ;
pois que elles não tem esta significação senão do attributo
relativo, que levão comsigo. Depender de Deos,
Dependente de Deos, Dependentemente de Deos
, he
tudo a mesma idea relativa de Dependencia, que se
reproduz debaixo destas differentes formas. A preposição
tambem de sua natureza he relativa, e pede não
so hum termo consequente, que complete sua relação,
mas tambem hum antecedente, a quem ella mesma
com seu consequente sirva de complemento. Quando
digo : A Deos ; a preposição a não so requer o nome
que tem adiante, mas hum antecedente de significação
relativa, a que sirva de complemento, v. g. Rogo a
Deos
.

Partes Regidas podem ser todas as que compõem
a oração ; ou hum Nome, quer proprio, quer appellativo,
Livro de Pedro, onde Pedro he regido da preposição,
e Livro regido outrosim da mesma preposição
com seu complemento : ou hum Verbo v. g. Quero
amar, Para amar
 : ou hum Adverbio, como : D’onde,
Por onde, Para onde
 : ou qualquer outra parte
substantivada, como : Com outro Eu, Querer o justo,
o bom ; Lançar ais ; Dizer pro e contra ; Sem
senão
, &c.

As Linguas Grega e Latina, para mostrar as differentes
394relações, em que estas palavras regidas estavão
para as que as região ; servião-se ou das differentes
terminações, que davão ao mesmo nome, chamadas
Casos : ou, quando a palavra regida era indeclinavel,
pondo-a juncto da regente, como : Genu flectere,
Homo frugi, Exinde, Commisisse cavet
. Nós, á excepção
dos pessoaes primitivos, não temos casos. Mas
nem porisso deixamos de exprimir as mesmas relações,
que os Gregos e Latinos exprimião pelos seus
casos, ou sos sem preposição, ou com ella. O que elles
fazião pelas Posposições, ou terminações accrescentadas
no fim do nome, fazemos nós pelas Preposições
junctas ao principio do mesmo. Os signaes são
alguma couza differentes ; as relações porêm significadas
por elles são as mesmas.

Ora todas estas relações se reduzem geralmente a
quatro, correspondentes aos quatro casos Latinos. Porque
ou a parte regida está em rasão do objecto para
a parte regente ; e lhe daremos o nome de Complemento
Objectivo
, que corresponde ao accusativo Latino ;
ou em rasão de Termo, e lhe chamaremos Complemento
Terminativo
, que corresponde em parte ao
dativo Latino. Ambos estes completão a significação
relativa das partes regentes.

Ha outros dous complementos, que não completão,
mas mudão a significação vaga e absoluta das
partes, que não regem ; outros ou restringindo-a, ou
explicando-a. Ao primeiro dou o nome de Complemento
Restrictivo
, que corresponde ao genitivo Latino ;
e ao segundo o de Complemento Circunstancial, que
corresponde ao ablativo Latino. Os primeiros dous são
regidos pelas partes regentes : estes dous segundos não
são regidos, nem determinados pelas palavras a que
servem de complementos ; mas elles são os que propriamente
as regem e determinão. O que passamos a explicar
no artigo seguinte, que tracta da syntaxe de regencia
395regular, reservando para o segundo o tractar da
regencia irregular.

Artigo I.
Syntaxe de Regencia Regular.

A regencia he regular, quando as palavras regentes
tem expressos na oração os seus devidos complementos,
e os complementos os seus devidos antecedentes,
sem ser preciso entenderem-se-lhes de fóra. As
palavras regentes ou significão tão somente huma acção,
ou tão somente huma relação, ou huma acção
e ao mesmo tempo huma relação.

As primeiras devem ter hum complemento objectivo,
as segundas hum terminativo, e as terceiras
dous, hum objectivo e outro terminativo. As palavras,
que não significão nem acção, nem relação, não requerem
complemento, mas podem receber ou o restrictivo,
ou o circunstancial, como passamos a mostrar
discorrendo por cada hum delles.

§. I.
Complemento Objectivo.

Chama-se assim toda palavra, ou oração, que he
o primeiro termo, ou objecto, sobre que se exercita
a acção do verbo activo ; com a qual se responderia
á pergunta O que ? como quando digo : Eu amo ;
se se me pergunta O que ? e respondo a Deos ? Este
substantivo Deos com a preposição a he o complemento
objectivo do verbo Amo.

Quando este complemento objectivo he de pessoa
ou couza personificada, sempre leva comsigo a preposição
a, excepto se são pronomes pessoaes. Porque como
396estes tem casos apropriados para exprimir esta
relação objectiva, comsigo mesmos levão adverbialmente
a mesma preposição. Assim dizemos com preposição :
Amar a Deos e ao proximo como a nós mesmos ;
Honrar a seu pai e a sua mãi ; e sem ella : Eu
te amo, Tu te amas, Elles nos amão, Tu me amas,
Elles
vos amão, Elle se ama, Elles se amão, Eu o
amo, Tu os amas. Estes casos são encliticos, e porisso
tem todos accento grave, e podem estar antes, ou
depois do verbo. Estes mesmos pronomes nunca são
complementos objectivos do verbo, senão quando este
he simplesmente activo, e não ao mesmo tempo relativo.
Porque então mudão de relação, como veremos
mais abaixo.

Quando porêm o complemento objectivo he de
couzas, e não de pessoas, então não leva comsigo preposição
alguma. O lugar immediato, que se lhe dá
logo depois do verbo, na construcção directa, he o
signal desta sua relação, quer leve artigo, quer não,
como : Amo a virtude, Aborreço o vicio, Busco honra
e dinheiro, Quero viver
 : onde as palavras virtude,
vicio, honra
, e dinheiro, e o infinito viver sem
ser precedidos da preposição a, so pela sua posição,
fazem os complementos objectivos, cada hum de seu
verbo.

A rasão de huns complementos objectivos levarem
preposição, e outros não, he, porque muitos verbos
activos tem significação activa e ao mesmo tempo
relativa ; e pedem por consequencia não so hum
objecto, mas tambem hum termo. E como aquelle
ordinariamente he de couzas, as palavras, que exprimem
estas, vão sem a preposição a, ficando esta reservada
para o termo da relação, que as mais das vezes
he pessoa, como melhor se verá no §. seguinte.397

§. II.
Complemento Terminativo.

Chama-se assim toda palavra, ou oração, que
serve de termo á significação relativa das palavras regentes :
e assim como as significações relativas são differentes,
assim o são tambem as preposições, que se
empregão n’estes complementos terminativos. As mais
usuaes são seis, a saber : a, para, por, de, com,
contra
, com as quaes, e com seus consequentes se
responde ás perguntas, que naturalmente se farião a
quem empregasse huma destas palavras relativas sem
termo algum, que completasse sua relação, dizendo :
Abalançar-se, Prestar, Trocar, Lembrar-se, Reconciliar-se,
Conjurar-se
, &c. Pois justamente se lhe
perguntaria : Abalançar-se, a que ? e se lhe responderia
v. g. Aos perigos : Prestar, para que ? Para
muito : Trocar ouro, por que ? Por prata : Lembrar-se,
de que ? Do tempo passado : Reconciliar-se, com
quem ? Com seus inimigos : Conjurar-se, contra quem
 ?
Contra a patria. O mesmo acconteceria com os adjectivos
de significação relativa, como : Pertencente,
Apto, Empenhado, Dependente, Concorde, Indignado
,
e infinitos outros.

Aqui sería o lugar proprio para fazer o catalogo
de todas estas palavras de significação relativa, e das
differentes preposições com seus complementos, que
depois de si pedem como termos de suas relações, como
fez o Auctor da Grammatica da Lingua Castelhana,
gastando nelle huma sexta parte de sua obra.
Porêm esta empresa, para ser completa, requereria
hum largo diccionario, que, depois de feito, pouco
aproveitaria aprende-lo de cór. Para saber as preposições
regidas destas palavras, basta reflectir em sua
398significação, consultar o uso vivo, e na duvida os
diccionarios da Lingua.

Os adjectivos e adverbios, que podem reger, nunca
tem senão significação relativa. A maior parte dos
verbos activos não tem senão esta significação simplesmente
sem ser relativa. Porêm ha muitos, cuja significação
activa he tambem relativa. Taes são grande
parte dos verbos pronominaes, e os que significão Accommodar,
Ajuntar, Attribuir, Dar, Tirar, Receber
,
&c.

Estes tem ordinariamente dous complementos,
hum objectivo correspondente á sua acção, e outro
terminativo correspondente á sua relação, como : Dar
louvor ao merecimento : Tirar o direito a quem o tem
 :
Receber alguma couza de alguem, &c.

Como os casos pessoaes Me, Nós, Te, Vós,
Se
, valem tanto como A mim, A nós, A ti, A vós,
A si
, quando se ajuntão aos verbos meramente activos,
são sempre complementos objectivos dos mesmos.
Quando porêm se ajuntão com os verbos activos relativos,
de que estamos falando, são sempre complementos
terminativos. O pronome directo da terceira pessoa
lhe, lhes, he sempre terminativo, como se pode
ver nestas frases : Faze-me isto, Faze-nos este favor,
Faço-te mercê, Faço-vos mercê, Dar-se louvores,
Querer-lhe todo bem
, &c.

§ III.
Complemento Restrictivo.

Os dous complementos objectivos e terminativos,
de que acabamos de falar, são os unicos regidos e
determinados pelas partes regentes, e como taes os
unicos tambem, que são necessarios e indispensaveis
399para completar as significações das mesmas, a qual
sem elles ficaria por completar e suspensa.

Os dous seguintes porêm, que são os complementos,
Restrictivo e Circunstancial, não são determinados,
nem regidos por parte alguma da oração ; mas
addicionados a ellas por quem fala ou escreve, para
lhes modificar e mudar a significação, ja restringindo-a,
ja explicando-a, e ampliando-a. Não são portanto
essenciaes e necessarios á integridade grammatical
da oração, ainda que o sejão para a sua verdade,
e boa intelligencia.

O Complemento Restrictivo he qualquer palavra,
precedida da preposição de, e posta immediatamente
depois de qualquer nome appellativo, para lhe restringir
e determinar a significação vaga á geral, que sempre
tem, como quando digo : Livro de Pedro, Homem
de virtude, Amor de Deos, Senhor de escravo
 ;
onde os nomes appellativos Livro, Homem, Amor,
e Senhor, sendo communs a toda a casta de livros,
de homens, de amores, e de senhores, são restringidos,
o 1.° a hum individuo pela addição do nome
proprio Pedro ; o 2.° a huma classe particular de homens
virtuosos pelo complemento de virtude ; o 3.° a
hum amor singular pelo complemento de Deos ; e o
4.° a hum possuidor privativo pelo complemento de
escravo
.

Os Grammaticos derão a este complemento, e ao
genitivo Latino que lhe corresponde, o nome de Caso
de possessão
. Porêm, se o he algumas vezes, não
o he sempre, como se vê nos tres exemplos ultimos :
Homem de virtude, Amor de Deos, Senhor de escravo ;
e o nome de complemento restrictivo sempre lhe
convem.

Este complemento, quando se faz dos pronomes
pessoaes, sempre se exprime pelos pessoaes derivados
Meu, Nosso, Teu, Vosso, Seu ; e não pela preposição
400de com os pessoaes primitivos De mim, De nós,
De ti, De vós, De si
, como : Saudades minhas,
Saudades tuas
, isto he, que eu tenho, que tu tens.
Quando dizemos : Saudades de mim, Saudades de ti,
são as que outrem tem de mim e de ti ; e então he
este complemento, não restrictivo, mas terminativo.

Porque não se deve confundir a mesma preposição
de, quando he restrictiva, quando terminativa, e
quando circunstancial. Ella he restrictiva, quando se
ajunta a nomes de classes, ou appellativos. Quando
porêm se põe depois de substantivos, adjectivos, ou
verbos de significação relativa, he terminativa, como
quando digo : Filho de Antonio, Pai de Pedro, Irmão
de Sancho, Desejo das honras, Compaixão dos
miseraveis, Cheio de favores, Rico de dinheiro, Pobre
de fazenda
 ; e geralmente falando, quando seu
antecedente tem a significação de encher, despejar,
privar, separar, carecer, gosar
, &c.

Quando porêm o antecedente tem huma significação
absoluta, a mesma preposição he então circunstancial,
como : Tractar, ou Falar de alguma couza.
Se em todos estes casos a preposição de parece
tambem restringir de alguma sorte a significação de
seu antecedente, he porque todo o complemento
ajuntando sempre alguma idea nova á palavra, que
modifica, parece tambem restringi-la : mas este não
he o seu fim principal.

§. IV.
Complemento Circunstancial.

Toda palavra, ou oração precedida de preposição,
qualquer que esta seja, e juncta a qualquer
verbo, ou adjectivo sem ser pedida pela sua significação
401he hum complemento circunstancial, que se lhe
dá para a explicar.

Estes complementos são de dous modos. Huns
pertencem ao verbo substantivo, que faz sempre o
fundo e a base de todo o verbo adjectivo ; e outros
ao attributo, ou adjectivo proprio de cada verbo. Todos
os complementos circunstanciaes relativos ao lugar,
ao tempo, e aos gráos de affirmação pertencem
ao primeiro ; porque todos elles dizem respeito a existencia,
e ao modo de a enunciar ; o que he privativo
do verbo substantivo, e não da idea attributiva,
que o verbo adjectivo lhe accrescenta.

Todos os mais complementos circunstanciaes relativos
á quantidade, qualidade, modo, fim, e
meios, ou instrumentos, com que alguma couza se
faz, pertencem ao attributo do mesmo verbo adjectivo ;
pois que todos são modificações ou da acção do
verbo, ou da qualidade, que elle exprime. Tudo isto
se perceberá melhor neste exemplo feito de proposito
para o demonstrar.

“ Em Coimbra, desde aquelle tempo até agora,
sem interrupção alguma, com todo o ardor me entreguei,
entre outros, aos estudos das sciencias naturaes
sob Professores excellentes para instrucção
minha, e em utilidade publica. ”

O unico verbo desta oração he o verbo activo
Entreguei, que dividido em seus elementos val o mesmo
que Estive applicado. A elle so estão subordinados
nada menos que onze complementos, hum sem
preposição, que he o pronome me, e os mais regidos
todos das preposições em, desde, atê, sem, com, entre,
a, sob, para
, e outra vez em.

O primeiro, que he o pronome pessoal me, he
o complemento objectivo sobre que cahe a acção do
verbo Entregar ; o segundo he Aos estudos, complemento
terminativo da significação relativa do mesmo
402verbo. Estes dous complementos são indispensaveis e
necessarios para encher e completar a significação do
verbo, porisso mesmo que delle são demandados e regidos.
Todos os mais são accessorios, e sem elles ficaria
a oração perfeita em sua integridade grammatical,
bem que imperfeita quanto a seu sentido, e circunstancias.

Taes são os nove complementos circunstanciaes,
dos quaes os primeiros quatro pertencem ao dicto verbo
como substantivos, e os outros cinco ao mesmo
como adjectivos. Aquelles são : Em Coimbra, Desde
aquelle tempo, Até agora
, e Sem interrupção alguma.
Todos elles são relativos á existencia em Coimbra,
e ao espaço de tempo da mesma, fixado pelas
duas epochas Desde, Até, e pela sua continuação Sem
interrupção alguma
. O que se vê claramente juntando
estes quatro complementos so ao verbo substantivo,
e dizendo : Desde aquelle tempo até agora, sem
interrupção alguma estive em Coimbra applicando-me,
&c.

Ja os outros cinco são todos relativos á applicação,
que he o attributo do mesmo verbo. O primeiro
Com todo o ardor nota a circunstancia do modo. O
segundo Entre outros nota a circunstancia da concomitancia
de huma applicação com outras. O terceiro
Sob Professores excellentes nota a circunstancia dos
meios e instrumentos da applicação. O quarto Para
instrucção minha
accrescenta a circunstancia do fim
proximo
da mesma applicação. E o quinto Em utilidade
publica
ajunta a circunstancia de outro fim mais
remoto e ultimo, que me propuz na mesma applicação.

Alêm destes onze complementos, pertencentes todos
ao mesmo verbo, ja como substantivo, ja como
adjectivo, ha ainda hum duodecimo, pertencente ao
nome appellativo Estudos, que he Das sciencias,
403complemento restrictivo, que limita a significação dos
estudos em geral ao estudo particular das sciencias
naturaes. Daqui se vê, que cada huma das preposições,
debaixo da sua relação geral, se pode applicar
a muitas particulares segundo a significação das palavras
regentes, que a determina, e segundo os consequentes,
que se lhe dão. Passemos á syntaxe de regencia
irregular.

Artigo II.
Syntaxe de Regencia Irregular, reduzida a Regular
pela Ellipse.

Pelo que temos dicto se vê, que qualquer frase,
ou oração, para ser cheia e inteira, deve ter hum sujeito,
hum verbo, e hum attributo ou separado, ou
incluido no mesmo verbo ; e qualquer dos termos da
proposição, ou oração tendo significação ou activa, ou
relativa, deve ter hum complemento, que lha complete
e termine ; e todo o complemento hum antecedente,
ao qual se refira.

Todas as vezes pois, que falta qualquer destas
partes na oração ha oração, ha Ellipse, ou Falta, a
qual he huma figura, pela qual se cala alguma palavra,
ou palavras necessarias para a integridade grammatical
da frase, mas não para sua intelligencia. Digo :
não necessaria para sua intelligencia : porque
toda ellipse, que não he viciosa, anda sempre juncta
com os supplementos, que ou a Rasão, ou o Uso
subministrão ao Espirito de quem ouve, ou lê para
completar o sentido ; e daqui duas sortes de ellipses,
humas que tem por fundamento a Rasão, e outras o
Uso.404

§. I.
Ellipses, que tem por fundamento a Rasão.

Tem a rasão por fundamento todas as ellipses,
que se supprem com alguma palavra, declarada ja em
alguma parte analoga da mesma oração, ou periodo,
e que se não repete nas outras por causa de brevidade,
e por ser facil de entender. Taes são

1.° Quando nas orações, compostas de muitos sujeitos,
ou de muitos attributos, se põe hum so verbo
ou no principio para se entender a todos os que se seguem,
ou no fim para servir a todos os que precedem,
como : No ceo creou Deos os Anjos, no ar as
aves, no mar os peixes, na terra as plantas, os
animaes, e ultimamente o homem
. Onde o verbo
creou se entende a cada hum dos objectos, que se
lhe seguem ; e nestes exemplos : O mercador no tracto,
o lavrador no campo, o bom frade na Religião

se deleita ; o verbo deleita, que está no fim, se
entende a cada hum dos sujeitos antecedentes.

2.° Todas as vezes, que se repete o artigo sem
substantivo, se lhe entende sempre o que immediatamente
lhe precede, como : O caminho da verdade he
o unico e simples ; e o da falsidade he vario e infinito.
Onde os dous artigos, seguintes ao primeiro,
querem se lhes emenda o substantivo caminho.

3.° Nas proposições complexas de muitas incidentes
continuadas, o mesmo sujeito, ou attributo da
primeira se subentende a todos os relativos conjunctivos
das seguintes : o que não succede, quando as incidentes
são subordinadas humas ás outras. Exemplo :
A ingratidão, que perverte o juizo, que perturba a
rasão
, que cega o entendimento, que corrompe a vontade,
impede o caminho da salvação
.405

Nestas e semelhantes ellipses a rasão mesma, e
a analogia das orações entre si, mostrão logo a palavra,
que se lhes deve entender sem ser necessario repeti-la ;
e porisso ellas são mui ordinarias e communs
a todas as linguas.

§. II.
Das Ellipses, que tem por fundamento o uso, e
solecismos do abuso

Naquellas ellipses porêm, que so são auctorizadas
pelo uso de cada lingua, não ha o mesmo recurso,
que nas primeiras. He preciso supprir de fóra as
palavras, que faltão, que porisso não são sempre as
mesmas em todas as linguas, e cada huma tem as
suas. As mais ordinarias são :

1.° A todo adjectivo, que se acha so na oração,
se entende sempre hum substantivo. Assim, quando
dizemos : Os mortaes, Os Christãos, Os Infieis, Os
sabios
, se lhes entende Homens.

2.° A todo artigo, que não tem nome appellativo
diante de si, se lhe entende ou o proximo antecedente,
ou hum de fóra. Assim, quando elle vem com
nomes proprios de provincias, reinos, rios, e ainda
de pessoas, se lhe deve entender o nome commum a
cada hum delles, como : O Brazil suppl. O paiz do
Brazil
 ; O Portugal antigo suppl. O Reino de ; O
Douro, O Tejo, O Mondego suppl. O Rio de ; O
Camões suppl. Poeta.

3.° A todo appellativo, ou adjectivo, ou complemento
qualificativo com sua proposição, quando sem
conjuncção se achão appostos ao sujeito, ou attributo
da proposição, se entende sempre o relativo conjunctivo
Que com o verbo substantivo ou no indicativo,
ou no participio em ndo, equivalendo a huma
406proposição incidente, como : O Tejo, rio principal
da Europa
suppl. Que he hum ; Lisboa, Cidade das
mais nobres do mundo
, suppl, Que he huma ; As
couzas bem acertadas hão de ter execucão breve
,
suppl. Que são bem acertadas ; Hum engenho naturalmente
mordaz assim reprehende as couzas, que
não sabe, como as que entende
, suppl. Que he naturalmente
mordaz
 ; O homem de prudencia e conselho
considera primeiro do que obre
, suppl. O homem, que
he homem de prudencia
.

Em perigos e guerras esforçados
Mais do que promettia a força humana
,
suppl. Sendo em perigos, e guerras esforçados.

4.° A todo relativo, que está so na oração sem
antecedente, ou pareça meramente conjunctivo, ou faça
parte de huma frase adverbial, ou seja interrogativo,
se entende sempre seu antecedente, como : Creio
que sabes, Duvido que saibas
, suppl. Isto que he :
sabes, Isto que he : saibas ; Depois que partiste,
Desde que partiste
, suppl. Depois, ou desde o momento
em que partiste ; Visto que não he possivel
,
suppl. Visto isto, pelo que não he possivel.

Em todas estas frases interrogativas : Quanto custa
este livro ? Como vão as couzas ? Aonde vás tu
 ?
Porque ? Quando tornarás tu ? Que se segue ? Quem
he ? Que esperas tu ? Qual dos dous
 ? em todas, digo,
se entende sempre a frase imperativa, Dize-me o
preço por
quanto, O modo como, O lugar aonde, A
rasão
por que, O tempo quando, Aquillo que se segue ;
A pessoa quem he ; Aquelle dos dous o qual,
&c.

5.° A todo substantivo solitario, que está na oração
sem verbo, se emende hum, como : Antes poucas
letras com boa consciencia, que muitas sem temor
407de Deos
, suppl. Haja. Bons dias, suppl. te dê Deos,
Que tal
 ? suppl. te parece. Bem vindo, suppl. sejas.
Todos os vocativos são humas orações ellipticas, cujo
verbo he Ouve-me, Attendei-me.

6.° A todo verbo, que está na oração sem sujeito,
se deve entender hum. Assim emendemos nós facilmente
os pronomes pessoaes Eu, Tu, Nós, Vós,
em todas as fórmas verbaes das primeiras e segundas
pessoas de ambos os numeros, quando se não expressão ;
e huma terceira pessoa do singular se deve entender
em todos os verbos, chamados impessoaes, como :
Chove, Faz bom tempo, Neva, Trovoa, onde
suppl. O Ceo, ou Deos : e bem assim : Peza-me, Cumpre,
Releva, Importa
, e outros semelhantes, em que
de ordinario servem de sujeitos as orações mesmas,
que se lhes seguem, ou couza semelhante.

7.° A todo verbo activo, e a qualquer outra palavra
de significação relativa, estando so e absoluta
na oração, se deve entender hum complemento, que
seja ou o objecto da sua acção, ou o termo de sua
relação ; e a toda linguagem subjunctiva se deve entender
outra indicativa, que a determine. Assim : O
Turco arma
, suppl. gente. Este homem está sempre
lendo, meditando, e escrevendo
, suppl. lendo escriptos,
meditando couzas, escrevendo papeis. Sou pai
,
suppl. de filhos. Os estudos são uteis, a ignorancia
prejudicial
, suppl. ao homem. Eu vou agora, tu hirás
depois
, suppl. de mim. Praza a Deos que te encaminhe
bem
, suppl. Desejo que praza a Deos ; e assim
em todas as mais.

8.° A toda a preposição a com seu complemento
se deve entender hum antecedente de significação relativa,
quando o não tem. Assim nestas expressões vulgares :
A Deos : Até logo, suppl. A Deos peço que te
guarde, Atê logo te espero
, e em Camões, Lus. III,
45.408

Elle adorando a quem lhe apparecia
Na Fe todo inflamado assi gritava :
Aos Infieis, Senhor, Aos Infieis,
E não a mim, que creio o que podeis :

suppl. Aos Infieis apparecei, e não a mim que creio, &c.

Da mesma sorte a toda a preposição de com seu
complemento, sendo restrictivo, se deve entender hum
nome appellativo, quando o não tem claro, para lhe
poder restringir a significação. Vejão-se estes supplementos
no Cap. V. Da Preposição.

Todas estas syntaxes ellipticas são irregulares. Porêm
os supplementos, que ou a rasão, ou o uso promptamente
subministrão, fazem com que facilmente se
reduzão ás mesmas regras da regencia regular, que
propuzemos no artigo precedente. De resto as ellipses
são naturaes a todos os homens. Porque todos procurão
dar ás suas expressões a mesma rapidez do pensamento,
que em huma idea vê muitas ao mesmo tempo.
As ellipses reduzem á menor expressão possivel as
frases inteiras, do mesmo modo, que os nomes appellativos
são humas reducções dos nomes proprios, que
serião infinitos ; os adjectivos humas reducções dos attributos
que notão, e dos sujeitos que denotão ; o
verbo adjectivo huma reducção do verbo substantivo
com o attributo da proposição ; e os adverbios e casos
humas reducções das preposições com seus complementos.

As mesmas ellipses são uteis no estylo simples para
lhe dar mais luz e clareza ; porque quanto menos
palavras se empregão em huma frase, mais se chegão
as ideas humas ás outras, e melhor se percebem assim
suas relações. Ellas por outra parte são necessarias ao
estylo pathetico e vehemente para dar mais fogo e vivacidade
ao discurso, e assim imitar melhor a marcha
409precipitada das paixões. O ponto todo está em
que as ideas, que se supprimem, sejão faceis de supprir
ou pelo raciocinio, ou pela associação, que o
uso tem feito de humas com outras, ou pelo estado
de agitação, em que se acha tanto quem fala, como
quem ouve.

Os solecismos contra as regras da regencia pouco
lugar tem no que respeita aos complementos restrictivos,
e circunstanciaes. No uso delles póde haver impropriedade,
como dizer : Morto com espada, Edificio
posto em terra, Historia contada por pedaços
 ;
em lugar de Morto á espada, Edificio posto por terra,
Historia contada a pedaços
 : mas estes erros não
são propriamente erros de regencia.

Onde os póde haver, e ha frequentemente, he no
uso dos complementos objectivos e terminativos, principalmente
quando estes são infinitos regidos de outros
verbos. Pois ha verbos que querem infinito sem preposição,
como : Devo dizer, Faço saber, Ouço falar,
Pretendo alcançar, Sei viver
, &c.

Outros querem infinito com a proposição de antes,
como : Acabar de fazer, Acertar de passar, e
por este mesmo modo Admirar-se, Cançar-se, Cessar,
Convencer, Desacostumar-se, Desesperar, Desgostar-se,
Desviar-se
, e outros semelhantes compostos
de des ; Edificar-se, Espantar-se, Ensoberbecer-se,
e outros pronominaes semelhantes.

Outros querem a preposição a antes, como : Acostumar-se
a estudar
, e do mesmo modo Ajudar,
Animar, Aprender, Chegar, Contribuir, Convidar,
Exhortar
, &c.

Outros querem em, como : Condescender, Convir,
Comprazer, Cuidar, Empenhar-se, Exercitar-se,
Metter-se, Occupar-se, Persistir
, &c.

Outros em fim usão-se com quasi todas estas regencias,
como : Começar escrever, Começar de escrever
410e Começar a escrever, e com a e em são usados
de nossos Classicos Accrescentar, Determinar-se,
Inspirar, Outorgar, Provêr, Restituir, Resolver,
Sobir, Tornar, Trabalhar
, e outros muitos.

Dar pois outras regencias a estes, e outros verbos,
que não sejão do uso Portuguez, he solecismo.

Hoje confundem-se ordinariamente as duas preposições,
usando-se de Por em lugar de Per, quando
não tem artigo diante de si, dizendo-se : Por interposta
pessoa, Requerer
por procurador, Conseguir por empenho,
Obrar
por interesse. Nossos melhores Classicos
empregavão nestes e semelhantes casos a preposição
Per. Porêm se nesta parte se tem cedido ao uso,
não se lhe deve ceder ao menos, quando as mesmas
preposições são seguidas do artigo, e para melhor se
ligarem com elle mudão o r final na consonancia euphonica
l. Comtudo muitos usão ás avessas sempre
de pel’o, pel’a, pel’os, pel’as em lugar de pol’o,
pol’a, pol’os, pol’as
, quando deverião fazer distincção
de huma couza e outra nos casos competentes, e dizer :
Pol’o amor de Deos, Pol’a graça de Deos, e
Pol’a via ordinaria, Pol’o empenho
, &c. Mas para
exemplos do solecismo na regencia bastão estes. Passemos
á construcção.

Capitulo IV.
Da Construcção Direita da Oração Portugueza.

Ja dissemos, que Syntaxe e Construcção são couzas
differentes. A syntaxe não consiste senão nos signaes
escolhidos por qualquer lingua para indicar as correlações
e relações das ideas, exprimidas pelas palavras.
A construcção porêm consiste nos differentes arranjamentos
e collocações, que se podem fazer destas mesmas
411palavras na oração, salvas suas concordancias e
regencias. Ora, como estes arranjamentos das palavras
e das frases podem variar segundo as differentes disposições,
que ou pede a necessidade da enunciação,
ou se permitte o genio do escriptor, as construcções
são tambem differentes ; porêm a syntaxe fica sempre
a mesma.

Todas as construcções se reduzem a duas geraes,
que são a Direita, e a Invertida. A direita he aquella,
em que as palavras e as orações seguem a mesma
ordem de sua syntaxe, referindo-se cada huma
successivamente áquella, que lhe precede immediatamente,
de sorte que o sentido nunca fica suspenso,
antes se vai percebendo á medida, que se vai ouvindo,
ou lendo. A invertida pelo contrario he aquella,
em que se muda a ordem da syntaxe, e as palavras
e orações ou regidas, ou subordinadas vão primeiro
que as que as regem, ou subordinão, de sorte que o
sentido vai suspenso.

Exemplo de construcção direita : Hum Principe,
que cumpre exactamente com suas obrigações, merece
o amor de seus vassalos, e a estimação de todos
os povos
. Aqui Hum Principe he o sujeito da oração,
e o objecto principal, de que se fala, o qual
nada suppõe d’antes, e todas as mais palavras, que
se seguem, se vão referindo successivamente cada huma
áquella, que lhe precede, de sorte que o sentido
se vai desenvolvendo á medida, que a oração vai correndo.

Viremos agora a mesma oração deste modo : Merece
o amor de seus vassalos, e a estimação de todos
os povos hum Principe, que cumpre exactamente
com suas obrigações
. A ordem aqui ja he invertida ;
porque principia pelo verbo, que suppõe d’antes
hum sujeito, e vai a oração continuando assim suspensa
até chegar a elle.412

Ambas estas construcções se podem chamar naturaes,
porque ambas são necessarias, e usadas, mais
ou menos em todas as linguas. Para a direita se chamar
a natural com exclusão da invertida, sería preciso
que tivesse seu prototypo na mesma ordem successiva
das ideas em os pensamentos. Porêm as ideas de
qualquer pensamento são simultaneas no espirito, bem
como o são á vista todos os objectos de huma fachada,
para se fazer idea de todos della.

A successão não a ha senão no discurso, que arranja
as ideas e consequentemente as palavras na ordem,
que mais lhe convem para ser entendido, guardadas
as regras da syntaxe. Da construcção invertida
tractaremos no Capitulo seguinte : agora da direita,
que se póde considerar nas palavras ou da oração
simples, ou da composta, ou da complexa, ou do
periodo.

§. I.
Construcção Direita da Oração Simples.

A oração simples não tem mais que tres termos,
que são hum sujeito, o verbo substantivo Ser, e hum
adjectivo, ou appellativo ; por ex. Eu sou amante  ;
Eu sou homem
. O adjectivo mesmo póde hir incluido
no verbo, como : Eu amo, que he o mesmo que
Eu sou amante, e o sujeito mesmo, quando he da
primeira, ou segunda pessoa, como : Amo, Amas.

Quando a oração se reduz ao verbo Ser, não póde
haver ordem ; quando porêm tem os dous, ou tres
termos expressos, a ordem e construcção direita dos
mesmos he : o sujeito preceder ao verbo, e o verbo
ao attributo, quer seja adjectivo, quer appellativo,
como nos exemplos acima. Porque o sujeito he a
idea principal da frase, á qual estão subordinados o
verbo, e o adjectivo. Nas frases prohibitivas, imperativas
413e interrogativas o verbo vai antes do pronome,
como : Não te persuadas tu ; Ama tu ; Amai
vós ; Queres tu
 ?

Todo sujeito de qualquer oração deve ter huma
idea determinada ; pois que he a couza, de que se fala,
e porisso se deve representar como per si subsistente.
Não póde por tanto ser senão ou hum nome
substantivo, ou hum pronome, ou qualquer outra parte
da oração, mas substantivada por algum dos artigos
geraes.

O substantivo póde ser ou hum nome proprio,
Deos he Sancto, ou hum nome appellativo ; porêm
sempre determinado por hum dos dous artigos O, ou
Hum, ou por outro qualquer determinativo. Eu não
posso dizer : Homem fez ; Homem he mortal. Hei de
dizer : Hum homem fez ; O homem he mortal. Nestes
casos os artigos, ou qualquer outro determinativo sempre
precedem o nome appellativo. Tal he a construcção
ordinaria e regular dos termos da proposição simples.

§. II.
Construcção Direita da Oração composta.

Mas na mesma oração podem-se combinar muitos
sujeitos com hum mesmo attributo, muitos attributos
com hum mesmo sujeito, ou ao mesmo tempo
muitos sujeitos e muitos attributos entre si. Em todos
estes casos temos huma oração, implicitamente composta
de outras tantas, quantos são os sujeitos e os
predicados.

A construcção de todas estas palavras continuadas
na mesma oração não tem maior difficuldade.
Quando nos varios sujeitos da mesma proposição ha
precedencia ou de dignidade, ou de tempo, esta
mesma se deve seguir na sua ordem, e dizer : Eu,
414Tu
, e Elle ; O pai, e a mãi ; O marido, e a mulher  ;
O filho, e a filha ; O Rei, e os vassalos ; As Cidades,
Villas, e Lugares ; O Ceo, e a Terra ; O Sol, e a
Lua ; O nascente, e o poente ; O dia, e a noite
 ; e
não ás avessas.

Da mesma sorte, quando nos attributos ha alguma
especie de gradação, deve-se guardar na sua construcção
a ordem della, como guardou Camões, Lus.
I, 88 falando do toureiro, e do touro :

O Touro busca, e pondo-se diante,
Salta, corre, assovia, acena, e brada.
Mas o animal atroce neste instante
Com a fronte cornigera inclinada,
Bramando, duro corre, e os olhos cerra,
Derriba, fere, mata, e põe por terra
.

Mas ja a não guardou, quando de Baccho disse :
VI, 6 : Arde, morre, blasfema, e desatina.

Quando não ha que guardar nenhuma destas ordens,
as construcções são então arbitrarias ; e para ordenar
as palavras não se consulta senão o ouvido, a
fim de evitar os concursos asperos das vogaes, ou das
consoantes, e procurar á frase toda a melodia e harmonia
possivel.

§. III.
Construcção Direita da Oração Complexa.

Os tres termos da oração, quer simples, quer
composta, o nome, digo, o verbo, e o attributo, podem
ser modificados com varios accessorios, que se lhes
ajuntão ou por apposição, ou com as conjuncções.
Estes accessorios são ou adjectivos, ou adverbios, ou
substantivos regidos de preposição, ou orações parciaes,
415ou tudo isto juncto. Qualquer destas modificações,
que accresça a hum dos tres termos da oração,
a faz complexa, ou complicada ; e tanto mais he mister
saber a ordem, que guardar se deve na construcção
destes accessorios. Para procedermos com clareza,
tractaremos separadamente das modificações do nome,
das do verbo, e das do attributo.

1.° O nome, ou sujeito da oração, quando he
modificado por hum adjectivo, ou este he determinativo,
ou restrictivo, ou explicativo. Se he determinativo,
deve-se pôr antes delle, e dizer : Este homem,
Qualquer homem, Todo homem
, &c. Se he restrictivo,
deve-se pôr depois por via de regra, e dizer : O
homem sabio, A mulher uirtuosa
. Pondo-se d’antes,
muda muitas vezes de sentido, como dizer : Bom homem,
ou Homem bom ; Pobre homem, ou Homem pobre.
Se em fim he explicativo, he couza indifferente
po-lo dantes, ou depois, e dizer : Este feliz mortal,
ou Este mortal feliz.

Se o nome he modificado por hum substantivo
com sua preposição, ou este substantivo se toma em
hum sentido vago e adjectivamente pela preposição de
sem artigo, ou em hum sentido determinado e individual
pela mesma preposição com artigo. No primeiro
caso o uso não permitte aos prosadores senão huma
construcção, que he pôr-se sempre depois do nome,
que modifica. Assim diremos : O homem de fortuna,
e não De fortuna o homem. No segundo caso póde
ou seguir-se, ou antepor-se ; e dizer-se : Os revezes da
fortuna
, e Da fortuna os revezes.

A’s vezes se ajunta ao nome para o modificar
hum adjectivo tambem modificado por hum substantivo
com sua preposição, como : O homem, cheio de
dinheiro, quer mais. O povo, distante do mar, commercêa
pouco. Os povos, proximos á Corte, vendem
mais e melhor seus fructos. Os homens, inclinados á
416ambição, nunca socegão
. Aqui a construcção he obrigada
pela subordinação e regencia das palavras, humas
ás outras. Quando não haja esta, nem por conseguinte
equivoco, podemos dizer : Hum excellente
fructo do Brazil
, ou Hum fructo excellente do Brazil.

Se o nome he modificado por huma oração incidente,
esta se junta immediatamente a elle por meio
dos demonstrativos conjunctivos O qual, Que, Cujo,
ou sos, ou precedidos de preposição, como : O homem,
que me falou de ti, o qual tu conheces
, cujo
nome sabes, e a quem tu veneras. Quando por este
modo são muitas as incidentes pertencentes ao mesmo
nome, he preciso dispo-las na ordem ou dos tempos,
ou da gradação das ideas, por ex. : Este grande
General, que atacou as tropas inimigas com hum exercito
mui inferior, que as desbaratou em muitas
batalhas seguidas, que pôz nossas fronteiras em seguro
contra qualquer insulto
, &c.

Finalmente se o nome he modificado ao mesmo
tempo por adjectivos, substantivos, e proposições incidentes,
os adjectivos e substantivos devem seguir-se-lhe
immediatamente, e depois as incidentes. Porque,
ainda que todas estas modificações se podem reduzir a
proposições parciaes, comtudo as que tem expressão
por palavras simples, chegão-se mais á idea principal
que modificão, e não arredão tanto da mesma a incidente,
que tambem lhe pertence, como se vê neste
exemplo : O famoso descobrimento da Navegação do
Oriente, tantas vezes tentado, e ultimamente feito
por Vasco da Gama
, sobre que Camões compoz seu
poema
, &c. Isto, pelo que pertence ao nome, que faz
o sujeito da oração.

2.° Quanto ás modificações do attributo, se este
he hum adjectivo, póde ser modificado ou por hum
adverbio, ou por hum substantivo com sua preposição.
Se por hum adverbio, ou este he de quantidade, deve
417hir antes do adjectivo, como : Os phenomenos são
mais communs, depois que os observadores são menos
raros
 : ou de qualidade e modo ; e então podem-se
pôr ou antes, ou depois, como : Este homem he claramente
ambicioso, ou ambicioso claramente.

Quando o adjectivo he modificado por hum substantivo
com sua preposição, se este equival a hum
adverbio, deve hir depois do adjectivo : Poupado sem
avareza, Intrepido com prudencia. Porêm se o substantivo
com a preposição he complemento da significação
relativa do adjectivo, não póde deixar de hir
diante elle, como : Dependente do fortuna, Superior
aos outros, Igual a todos
. A construcção ficaria invertida,
dizendo : Aos outros superior, a todos igual.

Todo verbo adjectivo leva incluido em si o attributo
da proposição ; e quando sua linguagem he simples,
constroe-se com os adverbios, e com os substantivos
precedidos de preposição do mesmo modo
que o attributo, exprimido separadamente pelo adjectivo.
Quando porêm sua linguagem he composta dos
verbos auxiliares com os participios, ou infinitos, o
adverbio póde hir ou antes, ou depois dos mesmos
participios, ou infinitos, e dizer-se : Este homem me
tem tractado magnificamente
, ou magnificamente tractado.
Não succede o mesmo, resolvendo-se o adverbio
pelo substantivo com sua preposição. Não posso dizer :
Este homem me tem com magnificencia tractado,
mas sim tractado com magnificencia.

Quando o attributo he hum substantivo, devem-se
fazer a respeito delle as mesmas observações, que
ja fizemos a respeito do nome substantivo, quando he
sujeito da oração ; so com a differença, que o substantivo
attributo não he tão susceptivel de transposições
em suas modificações, como o he quando sujeito da
oração.

3.° Resta-nos falar das modificações, que se costumam
418juntar ao verbo da oração, e das que se juntão
a seu objecto, e a seu termo. Das modificações do
verbo como adjectivo ja fica dito acima. Como substantivo
tem as mesmas, que o verbo Ser ; que são
todas as modificações relativas ás circunstancias do
lugar, do tempo, e ao modo de affirmar. Estas podem
ter lugar, onde melhor couberem na oração, quer
antes do verbo, quer depois, como : Os conselhos
agradaveis raras vezes são uteis : e aquillo, que mais
lisongea os Principes
, de ordinario causa a desgraça
dos povos
. Onde as locuções adverbiaes Raras vezes,
e De ordinario podião tambem estar no principio das
orações, em que se achão. E do mesmo modo posso
dizer : De certo não posso affirmar, e Não posso affirmar
de certo
. Todas estas modificações, como dizem
respeito á existencia e á affirmação, em qualquer
lugar que estejão, dahi per si mesmas se referem á
significação substantiva do verbo.

Aos verbos activos se costuma ajuntar primeiramente
seu complemento objectivo, sobre o qual cahe
immediaramente sua acção, Dei hum livro. Em segundo
lugar o complemento terminativo, se o mesmo
verbo tem tambem significação relativa, Dei hum livro
a Pedro
 ; e muitas vezes o fim da mesma acção,
Dei hum livro a Pedro para estudar. O complemento
objectivo, quando he de couza, sempre deve hir
depois do verbo ou immediata, ou mediatamente,
Dei hum livro a Pedro, ou Dei a Pedro hum livro,
ou A Pedro dei hum livro. Ja são justamente notadas
de equivocas as construcções de Camões :

Senão no Summo Deos, que o Ceo regia,
Naquelle Deos, que o mundo governava.

Pelo sentido bem se vê, que o nome Deos he o
sujeito de Regia, e de Governava, mas a syntaxe e
419construcção pedem mais, que elle seja o objecto da
acção dos verbos, e o Ceo e Mundo seus sujeitos. O
Author da Arte da Gramm. Portug. impressa em
Lisboa 1799 principia a dedicatoria : Quando esta
Grammatica Portugueza comecei a escrever
, &c. querendo
por ventura imitar a João de Barros, Dial. em
louvor da L. P
. p. 207 da edição de Lisboa 1785,
onde diz : Que importa o meu trabalho ao Principe
N. S. começar d’aprender
, &c. Porêm esta construcção
he muito mais retorcida, que a que o mesmo João
de Barros tacha de tal nos versos ibid. pag. 219.

Quando porêm o complemento objectivo he de
pessoa sem preposição, como acconrece nos pronomes
me, te, se, nos, vós, o, a, os, as, então póde hir
antes, ou depois immediatamente ; e quando he de
pessoa com preposição, a ordem direita pede que vá
depois, como : Amo a Deos. Mas, como a preposição
he que indica a relação, ás vezes póde hir antes,
como : A Deos amo de todo meu coração.

Estes dous complementos são os unicos necessarios
para completar todas as relações do verbo activo.
Os mais tirados das circunstancias, do fim, dos meios,
do modo, do lugar, e do tempo todos são accidentaes,
e de sobresilente, e porisso não tem lugar certo
na oração. Podem hir ou antes do verbo, ou depois.

Mas o objecto, o termo, e o fim da acção de
hum verbo podem ser outros verbos, como : Quero
mandar entregar este livro a Pedro para estudar
.
Vou a dizer, &c. Venho de passear pelo campo. Trabalho
por ganhar a vida
, &c. : e outrosi póde ser
tambem huma proposição parcial integrante, ligada
pelo conjunctivo Que, como : Creio que sabes, &c.
Quero que saibas, &c. Exhorto-te a que faças, &c.
e todos estes verbos subordinados podem igualmente
trazer depois de si os mesmos complementos e modificações,
que são dados ao verbo principal. Ora como
420se hãode accommodar e construir na oração todos estes
complementos, quando passão alêm dos tres acima
dictos ?

As duas regras mais geraes, que se podem dar
para bem ordenar os complemenros, pertencentes ao
mesmo verbo, quando são muitos ; são :

1.ª Nunca pôr depois do verbo mais de dous até
tres complementos, entre os quaes devem ter o primeiro
lugar o objectivo, e terminativo ; e se ha mais,
po-los d’antes, como : Hoje pelo meu criado mandei
hum livro a Pedro para estudar
.

2.ª Ordenar estes mesmos complementos appostos
e pertencentes á mesma palavra de modo, que o mais
curto va sempre immediato á palavra, a que serve de
complemento, e hir seguindo nos mais a mesma regra
de maneira, que o mais comprido fique para o
fim. Desta sorte os que ficarem em ultimo lugar, achar-se-hão
o menos longe, que he possivel, da palavra,
que modificão, e sua relação por consequencia menos
se perderá de vista. Assim diremos : Disfarçar o vicio
com a mascara da virtude
, e Disfarçar com a
mascara da virtude os vicios mais vergonhosos, e
infames
.

Esta mesma regra se deve guardar com as orações
incidentes. Assim em vez de dizer : O Evangelho
inspira huma piedade, que nada tem de suspeitosa
ás pessoas, que de veras se querem dar a Deos
 :
fica melhor, mudada a construcção, pôr primeiro a
incidente menos comprida deste modo : O Evangelho
inspira ás pessoas, que de veras se querem dar a
Deos, huma piedade, que nada tem de suspeitosa
.421

§. IV.
Da Construcção Direita do Periodo.

Quanto á construcção das proposições subordinadas
por ordem á principal, na composição e coordenação
de qualquer periodo, a principal sempre he a
primeira na ordem direita. Ella se dá a conhecer logo
pela linguagem indicativa, quando sua affirmação
se não suspende com alguma conjuncção, propria a
produzir este effeito.

Mas esta ordem direita inverte-se muitas vezes,
assim para variar a marcha do discurso, como para
melhor ligar huns pensamentos com outros, e sobre
tudo para excitar mais a attenção por meio da suspensão
do sentido, e dar com isto mais fogo e alma
á oração. Taes são os fins das construcções invertidas,
de que passamos a falar no Capitulo seguinte.

Capitulo V.
Da Construcção Invertida da Oração Portugueza.

A contrucção invertida he a contraria á direita.
Esta pede o sujeito antes do verbo, aquella depois ;
esta põe o adjectivo depois do substantivo, e o adverbio
depois do adjectivo, aquella dantes ; esta põe
os complementos depois de seus antecedentes, aquella
dantes ; esta em fim contrahe as palavras na ordem de
sua subordinação e regencia, as subordinantes primeiro
que as subordinadas, e as regentes primeiro que
as regidas de sorte, que a marcha do pensamento
vai seguindo a da oração sem suspensão, nem embaraço
algum ; aquella constroe as palavras pela ordem
422retrograda, de sorte que o espirito está sempre suspenso
á espera das palavras seguintes, de que depende
o sentido das antecedentes. Os Gregos e Latinos chamavão
Anastrophes a estas inversões, e não Hyperbatos,
como ora lhe chamão nossos Grammaticos.

O Hyperbato quer dizer Transposição, a qual se
faz, ainda sem haver inversão, quando entre as palavras
ou concordadas, ou regidas, postas mesmo em
sua ordem direita, se mette alguma couza por meio,
de sorte que as duas ideas correlativas não ficão junctas
na oração, mas separadas huma da outra por algum espaço
pequeno, ou grande.

Nesta expressão, por ex. : O espaço dilatado do
Ceo á terra
, a construcção das palavra s está direita.
Se digo : Do Ceo á terra o espaço dilatado, ja a
mesma fica invertida, sem comtudo se separarem as
ideas humas de outras. Porêm dizendo : O espaço do
Ceo á terra dilatado
, a construcção fica então transposta.
Porque as duas ideas correlativas do Espaço, e
da sua Extensão, junctas nas duas primeiras construcções,
ficão transpostas e separadas huma da outra pelas
palavras Do Ceo á terra, que cahem no meio.

As construcções Direita e Invertida são ambas
naturaes, porque ambas, quanto lhes he possivel, se
conformão á ordem, com que nosso espirito concebe
as couzas. Elle concebe os objectos junctos com suas
relações ao mesmo tempo, e liga assim tudo sem todavia
fazer succeder huma idea á outra. O discurso
não póde fazer o mesmo. Como suas palavras se succedem
necessariamente humas ás outras, as ideas, que
as mesmas representão, hãode hir tambem necessariamente
humas após outras. Mas em que o discurso póde
imitar o pensamento he em ligar humas com outras, as
ideas correlativas, pondo junctas immediatamente as
palavras, que as significão. Ora esta união he a que
se vê tanto na construcção direita, como na invertida.
423Ou o substantivo va atraz, ou adiante do adjectivo, a
ordem he differente, porêm a ligação he a mesma.

Não succede ja o mesmo no Hyperbato, ou ordem
transposta. Cicero lhe dá com rasão o nome de
Interrupta. Porque assim como a Tmese rompe a unidade
da palavra composta, separando seus elementos
com lhe metter outra de permeio ; e a Parenthese
rompe a do sentido da oração, mettendo-lhe outra no
meio : assim o Hyperbato rompe e separa a unidade
da idea da da sua modificação, que na natureza e no
nosso modo de pensar andão junctas.

A ordem pois interrupta, ou Transpositiva he a
unica contraria á natural, que consiste na ligação immediata
das ideas relativas, a qual o discurso guarda,
quando ajunta suas palavras quer na ordem direita,
quer na invertida. Como porêm nem todas as transposições
são viciosas, tractaremos no artigo seguinte
das que podem ser permittidas aos prosadores, e aos
poetas, e das que não ; e neste das inversões concedidas
á nossa linguagem, e auctorizadas pelo uso da
mesma.

Artigo I.
Das Inversões, ou Anastrophes.

Todas as linguas tem inversões, mais ou menos.
As Transpositivas, que são aquellas que tem casos,
admittem mais em rasão dos nomes levarem comsigo
os caracteres de suas relações, e serem assim mais faceis
de se reconhecerem em qualquer parte da oração,
em que estejão. As Analogas, que são as que carecem
de casos, admittem menos ; mas nem porisso as deixão
de ter, e quasi tantas, como as transpositivas, á
excepção das que dependem da declinação. A nossa
pelo menos he huma das mais abundantes neste genero
424de construcções pela facilidade, que para isto lhe
dão os artigos, e os casos obliquos de seus pronomes
pessoaes.

As inversões humas vezes são necessarias, e outras
uteis. São necessarias para approximar mais as
ideas relativas ; para evitar as Amphibologias ; para
dar força aos Contrastes ; para ajuntar em hum pensamento
total
muitas parciaes ; e para certas fórmas
de expressão
, que não admittem construcção direita.

1.° Para approximar mais as ideas relativas.
Daqui vem que todas as orações parciaes, que principião
pelos demonstrativos ou puros, ou conjunctivos
quando fazem o complemento objectivo de algum verbo,
ou são regidos de preposição ; todas de necessidade
tem sua construcção invertida, como se póde ver
nestas orações de Jacyntho Freire :

“Chamou o Capitam-mor os nossos a segundo
trabalho, o qual lhes fez mais facil ou a necessidade,
ou a victoria. = O que se lhes devia por
seus merecimentos, perdião por falta dos alhêos. =
Cujo nome os Africanos ouvião
com temor, e nós
com reverencia.” Como estes demonstrativos são
todos relativos, se se construissem pela ordem direita
de sua regencia ficarião mui apartados dos objectos,
a que se referem, e perturbarião as relações das couzas,
querendo seguir escrupulosamente as grammaticaes.

2.° Para evitar as Amphibologias quando a ordem
direita as traz comsigo, como neste exemplo :
Este he o mais digno de compaixão ; de todos os homens,
dizendo ás avessas : De todos os homens, este
he o mais digno de compaixão
 ; evita-se a ambiguidade,
que podia causar a primeira frase, querendo pôr
o substantivo depois do partitivo.

3.° Para dar forca aos Contrastes faz-se outrosi
necessaria a inversão todas a vezes, que se ajuntão
425duas ideas, ou dous pensamentos, e para melhor se
compararem se põe hum juncto de outro, a fim de
fazer mais sensivel o seu constraste. Jacyntho Freire
he abundante em demasia neste genero de inversões.
Delle são as seguintes : Crescerá com a nossa paciencia
o seu atrevimento. = Que a tão ardua navegação
os estimulou sua ambição, guiou sua fortuna. =
Elles tinhão a vantagem do numero, a do lugar os
nossos. = Assim o fazião duas vezes cruel
o vicio
e a necessidade, = e por este modo infinitas outras.

4.° A necessidade tambem de ajuntar em hum periodo,
ou pensamento total, muitos parciaes traz
comsigo as inversões. Por pouco composto que seja
hum pensamento, mal se póde elle desenvolver, como
convem, e arranja-lo de macio que se perceba o
todo delle, sem o meio das inversões. Sem estas por
exemplo não poderia Duarte Ribeiro ajuntar com
graça em hum ponto de vista suas ideas, como juntou,
quando falando dos validos, que se querem levantar
sobre as ruinas dos outros, diz assim : “A’quelles,
a que conservão merecimentos, e fidelidade inculpavel,
dão commissões perigosas, exercitos sem
força, e subsistencia para expugnar praças fortes,
em que percão a vida, ou a reputação. ” (Disc.
VII.)

5.° As inversões mesmas são formas consagradas
pelo uso para certa especie de frases, quaes entre outras
são as interrogativas, e exclamativas. Ninguem
póde dizer de outro modo as seguintes : Que disciplina
póde estabelecer em seu exercito hum General,
que não sabe regular a sua vida ? Como poderá ou
excitar, ou acalmar em seus soldados differentes
paixões conforme he preciso, quem não he senhor das
suas
 ? Nem tão pouco posso dizer de outro modo estas :
Ditosos pais, que tem bons filhos ! Feliz o reino,
426em que os homens vivem em paz ! = Acertadamente
governa quem sabe precaver os delictos. = Raramente
se perde lugar, que póde ser soccorrido. Se
todas estas orações se reduzirem á ordem directa, perderão
não so sua força, mas ainda o sentido. He pois
de absoluta necessidade o fazer inversões ; e se ellas
são necessarias, tambem não podem deixar de ser naturaes.

Mas ainda sem necessidade se costumão ellas fazer
pela utilidade, que das mesmas resulta, ou para
variar a fórma das construcções, e evitar assim a monotonia ;
ou para apresentar e pôr desde logo á vista
huma idea importante, que nos occupa, e queremos
occupe tambem o espirito dos ouvintes ; ou finalmente
para desempeçar mais a marcha da oração, e dar-lhe
assim mais facilidade, graça, e harmonia.

Pela primeira rasão de variar as construcções, não
ha couza mais ordinaria nos bons Escriptores do que
principiar as orações pelo verbo, e pôr-lhe depois o
seu sujeito. So na primeira folha da Vida de D. João
de Castro
empregou Jacyntho Freire não menos que
cinco inversões desta especie, que são : Foi D. João
de Castro, entre os de tão grande appellido, illustre
descendente. = Nas casas grandes forão sempre neste
Reino as letras o segundo morgado. = Obedeceo
D. João em quanto não tinha liberdade. = Era naquelle
tempo clara a fama de D. Duarte de Menezes. =
Considerava D. João melhor suas victorias,
que as figuras e circulos de Euclides
. As dos adjectivos
prepostos aos substantivos, e as dos complementos
aos verbos são tão frequentes, que nem he preciso
trazer exemplos.

Pela segunda rasão, inverte-se muitas vezes a ordem
da frase, ou do periodo para pôr desde logo á
vista huma idea interessante, sobre que queremos se
fixe a attenção do ouvinte ; a qual idea em meio da
427oração ficaria encoberta ; porêm posta ou no principio,
ou no fim della, faz mais impressão. Estas ideas
importantes se vem figurar logo na cabeça destes dous
periodos, hum de Jacyntho Freire, e outro de Paiva.
A tão honrados Turcos e valentes Janizaros, como
estais presentes, toca acodir pola honra de vossa
gente, e de vosso Imperio, como causa mais justa
da guerra, que fazemos. = De perverter-se a ordem
das couzas, e levarem ás vezes ao fundo o proveito
publico respeitos particulares, e fazer sizo de accommodar
as couzas a pertenções, nascem as injustiças,
e todos os males
.

O nosso pronome directo da terceira pessoa o, a,
os, as
, juncto aos verbos, e referindo-se aos complementos
objectivos dos mesmos, facilita grandemente
estas inversões. Sem elle sería escuro o periodo de
Vieira, quando disse : Os generosos, e fieis soldados,
e capitães toda a gloria de suas façanhas, e victorias,
a devem renunciar de sua parte, e não a querer
para si, e para sua fama e honra ; senão inteiramente
para o Rei, a quem servem
 : e muito mais
o de Jacyntho Freire : Tomar para si o Reino quem
era digno delle, os primeiros o recebião como escandalo,
os outros como lei
.

Por falta do mesmo pronome pecca o periodo de
Duarte Ribeiro, Disc. Polit. VII, em que falando
dos Reis, diz : Seus pensamentos, que so se devião
occupar em acções gloriosas, e ter por objecto saude
publica, empregão
(devia dizer : empregão-n’os)
na exaltação dos validos ; abrem os thesouros para
os enriquecer
. A regra he que toda a inversão, que
faz o sentido da frase ou difficil de perceber, ou escuro,
ou equivoco, he viciosa. Por esta rasão talvez
não mereção imitar-se as inversões, que nossos antigos
sohião fazer das conjuncções Não e Nem, pondo,
á Franceza, esta primeiro, e aquella no fim, como :
428Mas de huns, nem de outros, não houve necessidade,
e estas de Jacyntho Freire : As quaes (forças),
na maior prosperidade, vão acabando suas mesmas
victorias
. Melhor diria : As quaes na maior
prosperidade suas mesmas victorias vão acabando
. E
em outro lugar : Crecia a fome, e a liberdade dos
queixosos, que fazia maior a justiça da causa, e
a conformidade do aggravo commum
. Se dissesse : que
a justiça da causa, e a conformidade do aggravo
commum fazia maior
, ficava mais desempeçada a
frase. Mas este não he o gosto de Jacyntho Freire.

Em fim a terceira couza, para que são uteis as
inversões, he para procurar ás orações mais harmonia,
dispondo as palavras de modo, que não fação embate
humas com outras ; antes corrão com suavidade, e
acabem com cadencia. Mas esta utilidade he mais do
foro da eloquencia, que da Grammatica, e porisso não
allego exemplos. Passemos ás construcções transpostas,
ou hyperbatos.

Artigo II.
Das Transposições, ou Hyperbatos.

Fazem-se as transposições ou hyperbatos, quando
se separão ou o adjectivo do seu substantivo com
quem concorda, ou a proposição incidente da palavra
a quem modifica ; ou o verbo de seus complementos
necessarios, quaes são o objecto de sua acção,
e o termo de sua relação ; ou a preposição com seu
consequente, do seu antecedente, cuja significação ou
restringe, ou completa ; ou em fim a preposição mesma,
do seu consequente.

1.° As transposições do adjectivo e do seu substantivo,
com quem concorda, nunca são permittidas,
senão quando a interrupção he feita por algum modificativo
429do mesmo adjectivo, como são os adverbios,
ou locuções equivalentes a elles. Posso dizer : Esta
queixa, mil vezes repetida ; O homem, verdadeiramente
sabio
, e com Camões Mares, nunca d’antes
navegados
. Porque as modificações fazem huma mesma
couza com a idea que modificão, e realmente não ha
interrupção alguma.

Mas se no verso se perdôa a Camões, Lus. I, 9.

Em versos divulgado numerosos ;

não se deve louvar na prosa o dizer Jacyntho Freire :
A quem o nascimento fez em Portugal, grande, o
valor no Oriente.” Melhor dissera : A quem fez grande,
em Portugal o nascimento, no Oriente o valor.
Nosso Antonio Pinheiro usa em demasia, como Jacyntho
Freire, de semelhantes transposições na Traducção
do Panegyrico de Plinio. Na dedicatoria a ella
diz : Apodaduras de homens, com abatimento de
sua pessoa, graciosos.

E nem em prosa, nem em verso se deve louvar
a transposição, que fez Camões, ibid. III, 94.

… Que em terreno¤
Não cabe o altivo peito, tão pequeno.

E muito menos a de Ferreira, Poem. I, 13.

Os louros e heras, de que coroados
Serão os bons Poetas, ja crescendo
Soberbamente vão, por ti honrados.

Semelhantes transposições causão sempre desordem
nas ideas. Os Gregos e Latinos lhes davão com
rasão o nome de Synchysis, isto he, de Mixturas
ou Confusões, e as contavão entre os vicios da Linguagem.
430Alguns de nossos Grammaticos comtudo as
tem por figuras, e as auctorizão com estes e outros
exemplos de Poetas, que mais são para estranhar, que
para imitar.

2.° Entre o nome substantivo e a proposição incidente,
que o modifica, pode-se e costuma-se muitas
vezes metter ou hum adjectivo, ou hum complemento
restrictivo, para tambem lhe modificar sua significação,
como : Os soldados valerosos, ou de valor,
que defendem a patria, &c. Porêm deve haver muito
cuidado em evitar a ambiguidade, que daqui póde
nascer todas as vezes, que o relativo conjunctivo se
póde referir igualmente bem ou ao primeiro substantivo
mais remoto, ou ao segundo e mais proximo,
principalmente quando este he determinado pelo artigo,
como nesta frase : A gloria da virtude, que he
constante
 ; onde não se sabe o que he constante, se
a gloria, se a virtude. Que quanto a transpôr o substantivo
para depois da sua incidente, isto nunca he
permittido senão nas Linguas, que tem casos ; e com
justa rasão mofa nosso Barros (Gramm. pag. 170) daquelle
letrado, que querendo passar por eloquente, traduzíra
a Oração da Paz em Linguagem deste modo :
Dá-nos, Senhor, aquella, a qual o mundo não póde
dar, paz
.

3.° Entre o verbo, e o termo de sua acção muitas
vezes se mettem palavras, e ainda alguma oração,
com tanto que seja breve, e não aparte muito as duas
relações. Nossos antigos fazião huma elegancia, mormente
nas orações incidentes, em metter os sujeitos
das mesmas, e algum adverbio entre o verbo e seu
termo, quando este era pronome, e dizer : Que vos
Deos fez : O filho, que lhe Deos dera : Terra, que te
eu leixo : Tudo o que lhe assim dêo : Por lho assim
maldizer sua mãi
. E no exemplo acima de Jacyntho
Freire se vê hum incidente entre o termo e o verbo :
431A tão honrados Turcos, e valentes Janizaros, como
estais presentes, toca, &c. O que igualmente se
vê no lugar de Duarte Ribeiro acima citado : A’quelles,
a que conservão
, &c.

Porêm entre o verbo e o objecto de sua acção não
se costuma metter senão algum adverbio, ou expressão
adverbial modificativa do mesmo verbo, principalmente
quando o dicto complemento objectivo não leva
preposição. Eu posso dizer : Amo anciosamente as
honras : Amo, mais que tudo, a Deos
 : mas não :
Amo mais, do que deveria, as honras ; Amo mais,
que tudo o que ha no mundo, a Deos
. A relação do
verbo com o objecto de sua acção he mais estreita
que todas as outras, para se não poder separar para
mui longe ainda por modificativos da mesma acção ;
que, não sendo taes, ainda peor. Eu não diria com
Jacyntho Freire (pag. 103.) Fazendo juntamente do
commercio á Religião escada
 ; mas sim : Do commercio
fazendo escada á Religião
, ou para a Religião.

4.° Mas ainda he maior a relação entre a preposição
com seu consequente e o antecedente, a quem
determina, ou por quem he determinada : para nunca
se poder interromper, mettendo alguma couza estranha
entre hum e outro. Quando digo : O Rei, que he,
de Portugal ; O Cabo, chamado das Tormentas
 ; os
antecedentes Rei e Cabo não se separão, porque se
tornão a entender a seus complementos, como se dissessemos :
O Rei, que he Rei de Portugal ; O Cabo,
chamado Cabo das Tormentas
 : mas nunca posso dizer
o que aquelle, de quem fala João de Barros (ibid.)
dizia no fim da Carta : Desta de Lixboa cadêa, onde
ha mezes sete, que sou abitante
.

A licença de separar huma couza de outra se a
póde haver, so será tolerada nos Poetas, mas nunca
louvada ; como não louvo, nem em Mausinho, dizer
em seu Affonso Africano, IX, 73.432

Entre todos c’o dedo eras notado
Lindos moços
de Arzilla, em galhardia.

Isto he, Entre todos os lindos moços de Arzilla,
com o dedo eras notado em galhardia
, &c. : nem
tão pouco em Franco Barreto, Eneid. I, 132.

Por ver em que montanhas, se dos mares
Livrou, anda vagando, e em que lugares.

Isto he, Por ver em que montanhas, e em que
lugares anda vagando, dos mares se livrou
.

5.° Finalmente he sobre todas ainda mais estreita
a relação entre a preposição e o seu consequente para
nunca se poderem separar. Se entre as preposições
e os infinitos dos verbos, que lhes servem muitas vezes
de consequentes, se mette alguma couza, he porque
he pertencente aos mesmos verbos, e não estranha,
como quando dizemos : Para, com mais clareza,
me explicar, &c. As regras pois das transposições
são : 1.ª Nunca metter entre duas ideas relativas huma
terceira, que tenha outra relação differente. 2.ª Que
as mesmas modificações, que como parte de huma das
duas ideas relativas se lhes mettem no meio, não sejão
tão extensas, que apartem demasiadamente huma
da outra.

Os nossos melhores Grammaticos enganados com
a affinidade, que ha entre a inversão e a transposição
ou hyperbato, não percebêrão bem os caracteres,
que as distinguem, como conheceu Cicero, chamando
á primeira Inversa, e a segunda Intercisa. Entre as
ideas parciaes de hum pensamento, e entre as palavras
que as exprimem, he necessario distinguir estas
duas couzas Ligação e Relação. De qualquer modo,
que se ordenem duas palavras correlativas, se huma
433fica juncto de outra, a imagem de sua ligação fica
salva. De Portugal o Reino, ou O Reino de Portugal
he o mesmo, quanto á ligação das ideas.

Mas se entre dous correlativos se mette qualquer
palavra estranha, como : O Reino, dizem, de Portugal
he muito rico
 : he hum hyperbato ou transposição
contra toda a rasão, e porisso mesmo contra a
natureza da Linguagem ; porque destroe ao mesmo
tempo toda a ordem e ligação das ideas. Estes hyperbatos,
bem longe de serem figuras da elocução, são
solecismos da construcção. Pois nesta tambem os ha,
quando se perturba a ordem das relações, segundo
Quintiliano, Inst. Orat. I, 5.

Taes são as regras e observações mais importantes
sobre a etymologia e syntaxe da Lingua Portugueza,
com cuja applicação ao principio dos Lusiadas
de Camões, daremos por concluída esta nossa Grammatica.

Capitulo VI.
Applicação dos principios desta Grammatica ás
duas primeiras Estanças do Canto I. dos
Lusiadas de Camões.

Para proceder com methodo consideraremos estas
duas Estanças primeiramente no seu todo, dividindo-o
em seus principaes membros, e subdividindo estes nas
orações de que consta cada hum : e depois analysaremos
cada huma destas orações em particular. Estas
duas Estanças formão a proposição geral de todo o
poema, e he da maneira seguinte.434

I.

As armas, e os varões assinalados,
Que da occidenral praia Lusitana
Por mares nunca d’antes navegados
Passárão inda alêm da Taprobana ;¤ (1)92
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que promettia a força humana ;¤ (2)93
E entre gente remota edificárão
Novo Reino, que tanto sublimárão ;

Ii.

E tambem as memorias gloriosas
Daquelles Reis, que forão dilatando
A Fe, o Imperio, e as terras viciosas
D’Africa, e d’Asia andárão devastando ;
E aquelles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando ;
Cantando, espalharei por toda parte :
Se a tanto me ajudar o engenho, e arte.

§. 1.
Analyse Geral.

Estas duas Estanças não formão senão hum periodo
de dous membros, ou proposições totaes, O primeiro
435membro, ou proposição corre desde o principio
até o fim do penultimo verso da segunda Estança Cantando
espalharei por toda parte
. O segundo contêm-se
no ultimo verso da mesma Estança, que he : Se a
tanto me ajudar o engenho e arte
.

Estas duas proposições totaes, que compõem o periodo,
estão na ordem direita ; a affirmativa primeiro,
enunciada pelo futuro imperfeito do indicativo Espalharei,
a qual he a principal : e a condicional em segundo
lugar, enunciada pelo futuro imperfeito do subjunctivo
Ajudar, a qual he a subordinada ; tudo segundo
a regra, que diz : que as proposições principaes
dos periodos são sempre indicativas, e que as subjunctivas
são sempre subordinadas.

A primeira proposição, e a principal está toda na
ordem invertida, e porisso vai suspensa até o fim, principiando
e continuando pelos complementos objectivos
da acção do verbo Espalharei. A ordem direita sería :
Cantando espalharei por toda parte, As armas, e os
varões assinalados
, &c. A segunda e subordinada tambem
está invertida na construcção, sendo o verbo
Ajudar precedido dos complementos de sua acção, a
saber, o terminativo a tanto, e o objectivo me ; e
seguido dos sujeitos ou agentes da mesma acção, que
são : O engenho e arte. A ordem direita sería : Se o
engenho e arte me ajudar a tanto
. Esta pequena inversão
ainda na prosa sería perrnirtida ; porêm a primeira
não. Comtudo ella faz no verso, e aqui especialmente,
hum effeito maravilhoso pela suspensão em
que tem os leitores, esperando pelo desfecho de accontecimentos
tão raros.

Tomando á primeira proposição, e principal ; ella
he Composta, e ao mesmo tempo Complexa. Composta,
não quanto ao sujeito, que he hum so, Eu espalharei ;
nem tambem quanto ao attributo, que he a
unica acção de espalhar ; mas sim quanto aos varios
436e differentes objectos desta mesma acção, que são tres,
a saber, 1.° As armas, e os varões assinalados, &c.
2.° As memorias gloriosas daquelles Reis, &c. e 3.°
Aquelles que, &c. Como os complementos do attributo
fazem parte delle, o mesmo póde ser complexo
não so per si, mas tambem pelos differentes objectos,
e termos de sua acção.

A mesma proposição he outrosi complexa por
conter em si quatro proposições incidentes ; tres expressas,
marcadas pelos tres relativos conjunctivos
Que da occidental praia Lusitana, &c. Que forão
dilatando
, &c. Que por obras valerosas, &c. ; e huma
implicita, que he : Em perigos e guerras esforçados :
as quaes incidentes, ellas mesmas são conjunctas
de varios attributos, e complexas de outras incidentes,
e muitos adjectivos, appostos aos sujeitos e attributos
das mesmas. O que melhor se verá na analyse
miuda de suas palavras.

A segunda proposição e subordinada he tão somente
composta de dous sujeitos do verbo Ajudar,
que são : O engenho, e arte. Em tudo o mais he simples
e incomplexa.

Todo este grande periodo comprehende em si dez
orações, indicadas pelos dez verbos, que nelle se vêm,
e são pela sua mesma ordem os seguintes : Passárão,
Promettia, Edificárão, Sublimárão, Forão dilatando,
Andárão devastando, Vão libertando, Cantando,
Espalharei, Ajudar
. As suas mesmas fórmas dão a
conhecer, que, á excepção do participio Cantando, e
do futuro subjunctivo Ajudar, as suas orações são todas
indicativas. Porêm destas huma so he absoluta,
que he a do verbo Espalharei. As mais todas são determinadas
por outras, e a ellas ligadas por conjuncções,
que lhes tirão a natureza de independentes. Passemos
ja a analyse particular de cada huma destas orações.437

§. II.
Analyse Particular.

Para melhor se perceber a analyse de cada huma
destas orações, toma-las-hemos em sua ordem direita,
principiando pelas ultimas, e destas subindo ao principio
da primeira Estança para daqui discorrer outra
vez até o fim.

Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte,
As armas, e os varões assinalados, &c.

Estes versos contêm tres orações, segundo os tres
verbos, que nos mesmos se vêm ; duas totaes, constitutivas
do periodo, que são, a principal Espalharei
por toda parte
 ; a sua subordinada Se a tanto me ajudar
o engenho e arte
 ; e huma parcial, exprimida pelo
participio imperfeito activo do verbo Cantar.

Cantar he hum verbo activo da 1.ª conjugação
portugueza. Cantando fórma huma oração parcial incidente,
subordinada ao verbo principal Espalharei, porque
tem o mesmo sujeito, e vale tanto como Eu, cantando,
espalharei por toda parte
. Estas orações parciaes,
formadas pelos participios, activo e passivo do
infinito, exprimem a acção particular, que serve ou
de modo, ou de meio, ou de motivo, ali de circumstancia
á acção principal, exprimida pelo verbo da
oração total ; e como taes fazem parte della, tendo o
mesmo sujeito.

Espalharei he o futuro imperfeito indicativo do
verbo Espalhar, pertencente tambem á 1.ª conjugação.
438Elle não tem conjuncção alguma suspensiva, que lhe
prenda o sentido. Está absoluto, e porisso faz a proposição
principal do periodo.

Por toda parte he hum complemento circumstancial
do lugar Por onde, que explica a significação do
verbo Espalharei, não como verbo adjectivo, mas
substantivo. A proposição Por mostra a relação do
espaço, ou do meio e instrumento, pelo qual se passa
a hum fim ulterior.

Toda parte he o consequente da proposição. Parte
he hum substantivo appellativo do genero feminino,
cuja significação indeterminada se acha determinada
pelo collectivo universal affirmativo Toda, que com
elle concorda em genero e numero. Está antes do substantivo,
porque todos os adjectivos determinativos
precedem ordinariamente aos appellativos para indicar,
que elles se tomão em sentido individual, e não no
de especie, que elles significão. Esta he a rasão, porque
Parte excusa aqui artigo, que muitos erradamente
lhe põem, qual não excusaria, se não tivesse o determinativo
Toda, com o qual se não ajunta o artigo,
quando significa o mesmo que Cada, como aqui succede.

Da oração principal passemos ja á sua subordinada,
Se a tanto me ajudar o engenho, e arte. Ella
he condicional contingente, e subordinada á principal
pela conjuncção condicional se, que leva o verbo Ajudar
ao futuro imperfeito do subjunctivo pela regra,
que os futuros indicativos demandão o mesmo tempo
do subjunctivo nas orações condicionaes, que determinão,
O sujeito do verbo Ajudar são os dous substantivos
Engenho e Arte, com os quaes concorda ; com
o primeiro, que he o mais proximo, em numero e
pessoa, e com o segundo em pessoa somente. Mas a
ellipse suppre o numero, aliàs deveria dizer Me ajudarem.439

O Poeta poz artigo so ao primeiro. Parece comtudo
deveria dizer : O engenho e a arte ; assim como
disse : As armas e os varões assinalados : porque a
regra geral he repetir os determinativos, quando modificão
substantivos de differente genero. Seja como
for, he certo, que o artigo O he aqui necessario não
so para mostrar, que o appellativo Engenho se toma
aqui individualmente pelo engenho de Camões ; mas
tambem para indicar, que este substantivo, bem que
posposto ao seu verbo Ajudar, he comtudo o sujeito
da oração.

O complemento objectivo deste mesmo verbo he
o pessoal enclitico me, terminação ou caso destinado
para complemento objectivo, e tambem terminativo.
Está anteposto ao verbo ; porque, aindaque estes casos
encliticos muitas vezes se podem pôr indifferentemente
ou antes, ou depois do verbo ; não succede assim nas
orações condicionaes quer contingentes, quer hypotheticas,
em que o uso de nossa lingua não permitte po-los
depois, mas sempre d’antes.

A tanto he o complemento terminativo do mesmo
verbo Ajudar, que alêm de ser activo, tem tambem
significação relativa : de sorte, que esta oração
vem a ter todos os complementos necessarios, quaes
são : hum sujeito O engenho e arte ; hum objecto me,
sobre que cae a mesma acção ; e hum termo, a que
a mesma se dirige, A tanto. Assim como a proposição
A com seu consequente Tanto he o complemento
terminativo do verbo Ajudar ; assim tambem o comparativo
positivo Tanto he complemento da preposição
A. Tanto concorda com o sentido da oração antecedente,
que não tem genero algum grammatical, nem
masculino, nem feminino. Está por tanto no genero
neutro, isto he, em nenhum genero ; e não no masculino,
como pertendem nossos Grammaticos.

Da oração subordinada tomando outra vez á principal,
440o seu verbo Espalharei tem tres complementos
objectivos, que levão todo resto das duas Estanças, a
saber : o 1.° As armas e os varões assinalados, &c.
o 2.° E tambem as memorias gloriosas, &c. e o 3.°
E aquelles, que por obras valerosas, &c. Destes dous
ultimos trataremos depois. Vamos ao primeiro.

1.° As armas, e os varões assinalados, &c. Armas
he hum substantivo do plural, que tomado pela
arte da guerra, como aqui se toma, não tem singular,
como nem tão pouco o substantivo Letras tomado
pela profissão litteraria. Varões he da mesma sorte
hum substantivo appellativo do plural, que se fórma
do singular Varão, pela regra mais commum aos nomes
desta terminação, que he mudarem o diphthongo
ão do singular em õe no plural, juntando-lhe o s
final. Ambos estes appellativos tem artigo, e artigo
repetido, assim por serem de differente genero, como
porque Camões não podia deixar de o pôr ao nome
Varões ; porque immediatamente lhe vai a explicar a
significação pela incidente Que da occidental praia
Lusitana
, &c. : e he huma regra geral, que as incidentes
nunca se ajuntão a nomes, que não tenhão sido
determinados ou por algum dos artigos, ou por outro
determinativo.

O primeiro artigo as concorda com Armas, e o
segundo os com Varões em genero e em numero pela
regra : que os adjectivos, que precedem aos substantivos,
concordão com elles em genero e numero : e
aquelles tambem, que se lhes seguem immediatamente,
como aqui mesmo o adjectivo Assinalados, que
concorda em genero e numero com o substantivo Varões,
que lhe precede. Este adjectivo, a incidente que
se segue, e a de Esforçados mais abaixo, todos
são explicativos ; porque se referem a pessoas determinadas
e certas, quaes erão as que com D. Vasco da
Gama embarcárão para a India, as quaes se não podião
441porisso restringir, mas so explicar pelas qualidades,
que lhes erão proprias. Passemos á incidente.

Que da occidental praia Lusitana,
Por mares nunca d’antes navegados,
Passárão inda alêm da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais, do que promettia a força humana.

A ordem direita he : Que = em perigos, e guerras
esforçados = mais do que promettia a força humana
= da occidental praia Lusitana = por mares
nunca d’antes navegados = passárão inda alêm da
Taprobana
.

O Poeta porêm por amor da rima fez nestas frases
huma grande transposição ou hyperbato, qual he
o dos dous versos : Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que promettia a força humana
, cujo lugar
proprio era o immediato ao relativo conjunctivo Que,
que tanto vai como Os quaes, por onde principia a
incidente explicativa das palavras Os varões assinalados.

Semelhante transposição, por longa, não sería
permittida na prosa. Porêm os Poetas tem outros privilegios,
que a necessidade da rima desculpa, e o uso
universal auctoriza. Ella todavia não he viciosa ; porque
tudo, o que se mette entre ella e o Que, não he
estranho ; pois são complementos circumstanciaes, que
explicão a significação do verbo Passárão, a quem
serve de sujeito o relativo Que.

Os ditos dous versos, transpostos, equivalem a
outra proposição incidente, subordinada, e explicativa
do sujeito Que, como se estivesse : Os quaes, sendo
em perigos e guerras esforçados = mais do que promettia
442a força humana = Da occidental praia
, &c.
Todos os adjectivos appostos aos relativos conjunctivos
das orações incidentes se resolvem assim pelos
participios imperfeitos do infinito, e vem por este modo
a fazer humas novas incidentes dos mesmos, ligadas
a elles pela identidade do mesmo sujeito. Vamos a
explica-la por esta mesma ordem.

O Que desta incidente se podia variar por Os
quaes
, e he hum adjectivo demonstrativo conjunctivo,
que, posto seja indeclinavel, concorda pela sua mesma
posição immediata com o seu antecedente Varões
assignalados
, ao qual se refere e se liga, fazendo parte
do mesmo complemento objectivo, pois o explica.

Em perigos e guerras esforçados. A preposição
em he huma da primeira classe, que exprime a relação
do lugar, em que o objecto está, e aqui por analogia
a materia em que alguem he esforçado. Ella tem
por consequentes os dous substantivos appellativos do
plural Perigos e Guerras, os quaes estão sem artigo ;
porque Camões não quer falar de certos perigos e guerras,
mas de todos em geral. A mesma preposição em
com seus dous consequentes he hum complemento circunstancial,
que explica e circunstancía a significação
do participio Esforçados, o qual sendo passivo se
toma aqui, como outros muitos deste genero, não em
significação passiva, mas na activa intransitiva ; pois
sua acção não passa, mas fica no sujeito, e quer dizer
Que tem esforço. Elle concorda em genero e numero
com Varões, que se entende ao relativo Que,
como se estivesse Os quaes Varões.

Continúa : Mais do que promettia a força humana.
A palavra Mais he hum adjectivo comparativo
gradual, e aqui adverbiado para se juntar ao positivo
Esforçados, e faze-lo assim comparativo. Elle
pela ordem direita deveria precede-lo deste modo Mais
esforçados
. Mas esta pequena inversão he permittida
443ainda na proza. Mais esforçados sendo hum comparativo
pede segundo termo da comparação, o qual
se lhe dá na proposição integrante Do que promettia
a força humana
. Nella o artigo O seguido de
Que mostra que ha ellipse de hum antecedente, que
se lhe entende. A expressão toda resolvida e supprida
em suas partes val o mesmo que Esforçados em mais
quantidade d’aquella, que promettia a força humana.
O artigo substitue muitas vezes o demonstrativo Aquillo,
como neste modo de falar : O que eu disse he certo,
isto he, Aquillo que eu disse.

Seja como for, O que he o complemento da acção
do verbo Promettia, e a Força humana he o seu
sujeito, posto depois delle, inversão necessaria em todas
as orações, que começão pelos relativos complementos
de outros verbos, ou preposições. Tem artigo,
porque todo appellativo, que he sujeito da oração,
he obrigado a te-lo. Promettia he o verbo activo
Prometter da segunda conjugação. Está no preterito
imperfeito absoluto, porque sua acção era passada,
mas periodica e ainda não acabada. Os perigos e
guerras forão e parecem ainda tão grandes, que excedem
as forças humanas, e não se poderião vencer
sem a ajuda de Deos. Tornemos á incidente principal.

Que da occidental praia Lusitana = Por mares
nunca d’antes navegados = Passárão inda alêm da
Taprobana
. O verbo desta oração incidente he Passárão,
preterito perfeito absoluto do verbo Passar da
l.ª conjugação, cujo sujeito he Que em lugar de Os
quaes
. He hum verbo intransitivo na significação de
Viver, como Passar bem, Passar mal ; porêm transitivo
na significação de Transitar, na qual pede por
consequencia hum termo D’onde, hum espaço Por onde,
e outro termo Aonde ; e taes são os seus tres
complementos terminativos, trazidos pelas preposições
De, Por, e pelo adverbio Alêm, que val o
444mesmo que Para la. Analysemos estes tres complementos.

Que da occidental praia Lusitana. O substantivo
Praia he hum nome commum ; mas o artigo a,
que o precede, mostra que elle se vai a tomar em hum
sentido individual ; o que faz o adjectivo restrictivo
Occidental : e como este ainda não era bastante, ajuntou-se-lhe
o outro Lusitana, que restringe a praia occidental
mui extensa á particular de Portugal na costa
de Lisboa. Estes dous adjectivos, como restrictivos
que são aqui, deverião ambos estar depois do substantivo.
Camões pondo antes delle o adjectivo Occidental
fez huma pequena inversão por causa do verso,
a qual na proza seria affectada. Ambos concordão com
Praia em genero e numero, e fazem o consequente
da preposição De, a qual com elle he o primeiro complemento
terminativo da significação do verbo Passárão.
Segue-se o segundo.

Por mares nunca d’antes navegados. Onde o
nome appellativo Mares plural de Mar não tem artigo,
porque, como estes nunca d’antes tinhão sido
navegados nem conhecidos, nenhum caracter individual
tinhão, com que se podessem determinar. O nome
Mar tomado como elemento não tem plural, como
nem tão pouco Terra, Ar, Agoa, e Fogo. Aqui
porêm não se toma nesta accepção, mas na de lugar
maritimo, no qual sentido póde ter plural. Com elle
concorda em genero e numero o adjectivo participio
passivo Navegados. Este está transposto, mettendo-se
entre elle e seu substantivo o adverbio de tempo Nunca,
que val o mesmo que Em nenhum tempo, e a
frase adverbial D’antes, que serve de complemento
restrictivo ao adverbio. Como ambos elles modificão a
significação do participio passivo, e fazem com elle
huma mesma couza, a transposição está na regra. Todas
estas palavras fazem o consequente da preposição
445Por, destinada para mostrar a relação do espaço, pelo
qual se passa. Eis-aqui o segundo complemento terminativo
do verbo Passárão. Vamos ao terceiro.

Inda alêm da Taprobana. Inda he hum adverbio
augmentativo, que quer dizer Mais, ou Demais,
e como tal demanda o adverbio de lugar Alêm, que
val tanto como Para la. E como este tem tambem
huma significação relativa, requer igualmente hum complemento
terminativo, que lha complete ; e tal he a
preposição De com seu consequente A Taprobana. Esta
he a ilha de Ceilão. Se o Poeta usasse desta palavra,
não lhe poria artigo, e diria : Inda alêm de Ceilão,
como ora nós dizemos. Para indicar porêm que
esta ilha he aquella mesma, que foi conhecida dos antigos
debaixo do nome de Taprobana, porisso he que
lhe pôz artigo ; quando aliàs se não costuma pôr a
nomes proprios. Tal he o terceiro complemento terminativo
do verbo Passárão.

Todos elles estão na ordem direita e natural da
acção de passar, a qual sempre parte de hum lugar,
que he o primeiro na ordem ; passa por outro, que he
o segundo ; e chega a hum terceiro, que he o seu termo.
Camões distribuio com muita discrição estes tres
complementos do mesmo verbo, pondo dous antes, e
hum depois delle. Se os ajuntasse todos depois do
verbo, peccaria contra a regra. Continúa ainda a mesma
incidente principal, composta dos dous attributos,
conteudos nos verbos Passárão, Edificárão.

E entre gente remota edificárão
Novo Reino, que tanto sublimárã
o.

A conjuncção copulativa E ata as duas orações
dos verbos Passárão e Edificárão, cujo sujeito commum
he o demonstrativo conjunctivo Que, em lugar
de Os quaes, que se pôz ao principio ; o que faz que
446esta incidente seja huma oração composta de duas.
Entre gente remota he hum complemento circunstancial
do verbo activo Edificárão, preterito perfeito absoluto
do verbo Edificar da 1.ª conjugação, cujo complemento
objectivo he Novo Reino, ao qual se entende
o artigo Hum para poder ser explicado pela incidente
Que tanto sublimárão : onde o demonstrativo
conjunctivo Que serve tambem de complemento objectivo
ao verbo Sublimárão, e val tanto como O qual.
O adjectivo Tanto he hum comparativo de quantidade,
o qual se acha aqui adverbiado para modificar a
acção do mesmo verbo.

Se Camões dispozesse todos estes complementos
depois do verbo dizendo : E edificarão entre gente
remota novo reino, que tanto sublimárão
 : teria feito
hum máo arranjamento, pondo sem necessidade tres
complementos depois do verbo ; e pondo hum complemento
mais curto e mais necessario ao verbo Edificárão,
qual he Novo Reino, depois de outro mais
comprido e menos relativo a elle, qual he Entre gente
remota
. Mas ainda muito peor o faria se dissesse :
E edificarão novo reino entre gente remota, que tanto
sublimárão
 : porque faltaria á concordancia da incidente
com o seu verdadeiro antecedente, que he Novo
Reino, e não Gente remota. Fez pois a melhor
construcção possivel pondo, como pôz, o complemento
circunstancial antes do verbo, e depois delle o complemento
objectivo com sua incidente.

2.° Tudo isto, que temos dicto, he pertencente ao
primeiro complemento objectivo do verbo principal
Espalharei, que he As armas e os varões assignalados,
&c. Passemos ja ao segundo, por que começa
a segunda Estança.447

E tambem as memorias gloriosas
D’aquelles Reis, que forão dilatando
A Fe, o Imperio, e as terras viciosas
D’Africa, e d’Asia andárão devastando.

Este segundo complemento objectivo do verbo
principal do periodo vai ligado com o antecedente pela
conjuncção copulativa E, e pelo adverbio conjunctivo
Tambem, que val o mesmo que Junctamente.
As memorias gloriosas he o segundo objecto do Canto
do Poeta ; e como sua significação he geral, e indeterminada,
o mesmo Poeta a especifica pelo seu
complemento restrictivo D’aquelles Reis, ja preparado
pelo artigo As posto antes de Memorias, para
mostrar que aquelle appellativo se hia a determinar
para diante.

Mas o mesmo complemento D’aquelles Reis mostra
que não se quer falar de Reis em geral, mas de
certos e determinados Reis. Pois tal he a força do
demonstrativo puro Aquelles, o qual aponta hum objecto
mais distante ou no lugar, ou no tempo, do
qual se tem falado, se fala, ou se hade falar. A incidente
seguinte restrictiva, cujo relativo conjunctivo
Que concorda com Reis, acaba de fazer aquella especificação.
Elle he o sujeito dos dous verbos Forão
dilatando
, e Andárão devastando, que fazem desta
incidente huma proposição composta.

A linguagem Forão dilatando he composta do
verbo irregular Hir, que serve de auxiliar com o participio
imperfeito activo Dilatando para exprimir huma
acção inchoativa, da qual são complementos objectivos
os dous substantivos Fe e Imperio determinados
pelo artigo a significar, não qualquer fe, nem
qualquer imperio, mas a fe catholica e o imperio
Portuguez no Oriente.448

A conjuncção E, que se lhes segue, ajunta com
a oração antecedente a seguinte, cuja linguagem tambem
he composta de outro auxiliar Andar e do participio
Devastando, para exprimir huma acção reiterada
e frequentativa, qual foi a das perdas, que os
Reis de Portugal por vezes causárão com suas armadas
e exercitos aos Mouros em Africa, e aos Turcos em
Asia, que por isso diz Andárão devastando as terras
viciosas = D’Africa e d’Asia
. Os nomes Terras viciosas
fazem o complemento objectivo do verbo, e
tem artigo, porque se tomão em sentido determinado
logo pelos complementos restrictivos D’Africa, D’Asia.
Estes nomes porêm, como são proprios, não tem artigo ;
bem que ora muitos lho põem contra o uso dos
nossos escriptores.

A conjuncção E posta entre Fe e Imperio complemento
do verbo antecedente, e Terras viciosas
complemento do seguinte podia na proza causar algum
embaraço fazendo parecer, que Terras viciosas
era tambem complemento continuado do verbo antecedente
Dilatando, como o são A Fe e o Imperio.
Camões podia evitar este pequeno escrupulo, mettendo
tambem a conjuncção E entre os substantivos Fe Imperio.
Mas a necessidade do verso e a da rima desculpa
muitas inadvertencias, que na proza se não perdoão.
Vamos adiante.

3.° E aquelles, que por obras valerosos
Se vão da lei da morte libertando
.

Eisaqui temos o terceiro e ultimo complemento
objectivo do verbo principal Espalharei ligado aos
dous antecedentes pela conjunccão E. Ao demonstrativo
Aquelles entende-se o appellativo Reis de cima pela
ellipse ; o qual appellativo he determinado e applicado
aos Reis de Portugal D. João III, e D. Sebastião,
449sob os quaes vivia Camões, quando escrevia o
seu Poema, e que se hião immortalizando pelas suas
acções de valor. A incidente pois Que por obras valerosas
= Se vão da lei da morte libertando
he huma
incidente restrictiva.

Nella temos outra vez o verbo auxiliar Hir conjugado
com o participio Libertando para denotar huma
acção começada. Seu complemento objectivo he o
pronome enclitico Se, que, como he reciproco, faz reflexo
o verbo Libertar para a sua acção, produzida
pelos agentes Aquelles Reis, recair sobre elles mesmos.
O mesmo pronome podia tambem estar depois do auxiliar,
deste modo Vão-se libertando. Porêm não depois
do participio.

Da lei da morte he o complemento terminativo
do mesmo verbo, porque sua significação assim o pede ;
e he regra geral, que todo complemento regido
pela significação da palavra regente, a não ser objectivo,
he sempre terminativo, por ser termo de sua relação.
Os mais complementos, que não são pedidos
pela significação relativa da palavra, ou são restrictivos
para limitar sua significação vaga, como o he
aqui Da morte, que restringe a significação geral do
appellativo Lei ; ou circunstanciaes, como o he Por
obras valerosas
, que explica o meio, pelo qual os dictos
Reis se hião immortalizando.

Todos estes complementos do verbo Libertando
estão em sua devida ordem e construcção. Se Camões
porêm dissesse : Se vão libertando por obras valerosas
da lei da morte
 : não diria tão bem. Porque peccaria
contra a regra, que manda que no concurso de
muitos complementos do mesmo verbo se ponhão primeiro
os que pertencem á sua acção e relação, e depois
os outros ; e bem assim, que os mais compridos
se reservem para o fim. O substantivo Lei tem aqui
artigo ; porque vai determinado logo pelo seu complemento
450restrictivo Da morte, e Morte tem tambem artigo,
porque está aqui personificada.

Isto he o que havia para dizer de mais importante
quanto a Grammatica do lugar de Camões. Outras
observações mais miudas se podião fazer ; porêm
deixão-se á intelligencia dos Leitores, para não os enfastiar
com huma analyse mais comprida.

Fim.451

1(1) Lobo.

2(2) Fernão d'Alvares d'Oriente.

3(3) Camões Lusíad.

4(4) Camões ibid.

5(1) Vieira.

6(1) Ferreira Cartas. Liv. I. Cart. V.

7(2) Camões Od. V.

8(1) Cort. Real Cerco de Diu Cant. X.

9(1) Dial. da vicios. verg. p. 255. ed. de Lisb. 1785.

10(1) Tambem Acertar de, Dever de, tem força de auxiliares,
o primeiro para exprimir a casualidade, o segundo a probabilidade
de huma acção, como : Acertou de passar, isto he Casualmente passou  ;
Os autos devem de ser perdidos
, isto he, Provavelmente se
perdêrão
.

11(1) Vieira Serm. Tom. I. Col. 312.

12(1) Jac. Fr. IV. pag. 95.

13(2) Id. ibid. pag. 96.

14(3) Heitor Pinto Dial. da Vid. Solit. Cap. V.

15(1) Fernão d’Alvares Lus. Transf. ed. de Lisboa 1781 pag. 28.

16(1) Barr. Gramm. pag. 214.

17(2) Jac. Fr. Vid. de D. J. pag. 67.

18(3) Id. ibid. pag. 334.

19(1) Jac. Fr. Vid. de D. J. pag. 43. ed. de Paris 1759.

20(1) Dialogo em louvor da nossa Lingua ed. de Lisboa 1785,
pag. 222, e 225.

21(1) Os participios imperfeitos dos verbos Estar, Andar, Hir, e
Vir, por isso mesmo que são auxiliares, costumão-se conjugar com os
participios imperfeitos de outros verbos, como : Estando sendo convalescente ;
ou Estando convalescendo, Andando vendo, Hindo continuando
seu caminho, Vindo passeando
.

22(2) Os quatro participios perfeitos Sido, Havido, Estado, Tido,
nunca se empregão sos na oração, como os dos verbos adjectivos ; mas
sempre junctos com o auxiliar Ter, como Tendo sido, Tendo havido,
Tendo estado, Tendo tido
. Neste uso so o primeiro he auxiliar : os
outros tres Havido, Estado, Tido, ou Tendo ; como se dizia antigamente,
são adjectivos, e por isso auxiliados, e não auxiliares.

23(1) Na antiga Linguagem, e ainda agora na rustica, se diz som,
depois se disse sam, e na 3.ª do plural som.

24(2) Antigamente Eres V. Bernard. Ribeir. Menin. II. 13, Moraes
Palmeirim P. I. Cap. 27

25(3) Havemos, Haveis contrahem-se muitas vezes em Hemos,
Heis
.

26(4) Vej. pag. 212.

27(1) Este tempo não he do verbo Ter como auxiliar ; mas como
activo. Porque dizemos : Logo que tive a couza feita, e não Logo
que tive feito a couza
. Vej. pag. 216.

28(1) Todos nossos Escriptores antigos antes de Camões dizião constantemente
Estê, Estês, Estê, Estemos, Esteis, Estem. Camões
usa a cada passo da mesma fórma. Mas ja disse pela primeira vez Esteja,
Estejaes
por causa da rima. A fórrna antiga ainda subsiste em alguns
adagios, como : Estê como Está.

29(1) Lus. Cant. I. Est. 88, e VI. E. 6.

30(2) Poem. VI, 4.

31(1) Barros Gramm. pag. 156.

32(1) Souza Vid. IV, 24.

33(2) Ferreira Poem. II. Cant. 2.

34(1) Luz. VII. 72.

35(2) Ibid. VI. 15.

36(1) Cam. Lus. X, 153.

37(2) Vida de D. João.

38(1) Poem. I., 8.

39(1) Tuer. Juza, Liv. II. Tit. I. Lei I.

40(2) Part. I. tit. IV. Liv. 25.

41(3) Lei 46.

42(4) Part. I. tit. IV. Lei 29.

43(5) Vida de D. João ediç. de Paris, Liv. IV. pag. 95.

44(1) Edição de Lisboa pag. 237.

45(2) Lus. Cant. I. Est. 29.

46(1) Dial. da Verd. Philos. Cap. III.

47(2) Dial. V. Cap. 12.

48(3) Canção a Nossa Senhora.

49(4) Serm. Tom. J. Column, 277.

50(5) Serm. Tom. VI. Pag. 221. Col. I.

51(6) Historia de S. Dom. Part. I. Liv. I. Cap, 3.

52(7) Ibid. Part. I. Liv. IV. C. I.

53(1) He de Fr. Marcos de Lisboa, Camões, Souza, Sá e Menezes,
Francisco Barretto, &c.

54(1) Quietar, ou Aquietar na significação de Socegar, tem Quieto,
e na de Parar tem Quedo do verbo antiquado Quedar.

55(2) He de Fr. Marcos, Sá de Miranda, Lucena, Souza, e Vieira.
Mas este tambem disse Absoluto.

56(1) Todos estes participios Defeso, Diffuso, Diviso, Instructo,
Oppresso
são de nossos melhores Classicos, Fernão Lopes, Barros,
D. Fr. Marcos, Amador Arraes, Sá de Miranda, Camões, Bernardes,
Ferreira, Heitor Pinto, &c.

57(1) Veja-se a nota da pag. antecedente.

58(2) Ibid.

59(3) Ibid.

60(4) Ibid.

61(1) Barros Dial. em louvor da nossa Lingua ediç. de Lisboa 1785
pag. 221.

62(2) Ibid. pag. 222.

63(1) Barros ibid.

64(2) Ibid. pag. 224 e 230.

65(3) Jacyntho Freire Vida de D. João, ediç. de Paris 1759 pag. 14.

66(4) Id. ibid. pag. 77.

67(5) Id. ibid. pag. 43.

68(1) Bernard. Lima. Cart. 16.

69(1) Nossos Classicos dizem antes Hum e hum, Dous e dous, que
Hum a hum, Dous a dous.

70(1) Ferr. Castro Acto II.

71(1) Paiva Sermão Part. I. folheto 165.

72(1) Lucena Lib. VII, Cap. 5,

73(1) Moraes Palmeirim Part. II. Cap. 81.

74(1) Vieira Serm. Tom. 7. Pag. 325.

75(2) Vieira Serm. ibid.

76(3) Bernardes Lima Egloga IV.

77(4) Fernão d’Alvares Lus. Transf. ed. de Lisboa 1781 pag. 1 e 8.

78(1) Ferreira Carta 2. 4.

79(2) Souza Hist. Part. I. Liv. 2. Cap. 16.

80(3) Lobo.

81(1) Moraes Palmeirim II. 96.

82(2) Paiva Sermão Part. III. Folh. 195-

83(1) Ferreir. Poem. Liv. I. Cart. 6.

84(1) Arraes, Dial. III. Cap. 5.

85(2) Ferr. Poem. I. 13.

86(3) Paiva. Serm. Tom. III. pag. 298.

87(4) Lus. IX., 93.

88(5) Naufr. IV.

89(1) Jacyntho Freire, Vid. de D. João, Liv. II. pag. 104.

90(2) lbid. pag. 104.

91(1) Dial. da L. P. pag. 229.

92(1) As edições mais antigas lem Que em perigos. Porêm o que repetido,
sobre ser excusado, corta o sentido, e de huma acção principal
vem a fazer duas. Conservo pois a Lição Em perigos, que he de
muitas edições, ou, a fazer alguma mudança, diria : E em perigos.

93(2) Nas mesmas edições mais antigas não se vê a conjuncção e,
por ser inutil, supposta a Lição Que em perigos.