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Leão, Duarte Nunes de. Orthographia da lingoa portuguesa – T01

Orthographia
Da lingoa Portuguesa,
Reduzida a arte, &
preceptos.

Pelo Licenciado DVARTE NVNEZ DO LIÃO.

Da diffinição da Orthographia,
& da Voz.

Orthographia he sciencia de
bem screuer qualquer lingoagem:
porque per ella sabemos, com que
letras se hão de screuer as palauras.
E diz se de orthos, que quer dizer
directo, & grapho, screuo, como se dixessemos sciẽcia
de directa mente screuer. E porque as palauras,
que são o subjecto desta arte, constão de letras, & as
letras de voz, começaremos da diffinição della.
E voz não he outra cousa, senão hũa percussão, ou
ferimẽto do aar, que se pronuncia pela bocca do animal,
& se forma com arteria, lingoa, & beiços. E da
voz ha duas maneiras, hũa articulada, & outra inarticulada,
ou cõfusa. Articulada se chama, a que sen
do ouuida, se entẽde & screue: a qual tambem chamão
9declarada, & intelligiuel. Confusa he a q̃ não
representa mais que hum simplez som, como hum
gemido. E da voz articulada, & q̃ se pode entender,
a mais pequena parte, & indiuidua, he letra. Porque
das letras cõstão as syllabas, & das syllabas as dições,
ou palauras. E por isto se chamão as letras per outro
nome elementos. Porque assi como dos elemẽtos
cõstão todalas cousas, assi dellas, como de principio
constão as palauras. Polo que diremos das letras em
geeral, & despois de cada hũa em special.

Das letras, & de sua diuisão & natureza.

Letra he voz simplez, que se nota com
hũa figura soo, como .a. ou .b. E diz se letra
de lego, legis, & de iter, q̃ quer dizer
caminho: porq̃ abre caminho ao que lee. Estas letras
são mais, ou menos, segũdo as lingoas: porque segũdo
suas pronunciações hũas teem menos, & outras
mais. Mas como nossa lingoa Portuguesa na origẽ
& semelhança, seja Latina, teemos em figuras as mesmas
letras, q̃ os Latinos teem: posto que tenhamos
mais algũas pronunciações, que supprimos com as
dictas letras: de que a diante faremos menção. E as
letras são estas. a. b. c. d. e. f. g. h. i. K. l. m. n. o.
10p. q. r. s. t. u. x. y. z. que são .xxij. tirãdo .h. que não
he letra, mas figura de aspiração, ou assopro, que formamos
para pronunciação d'algũas letras. Destas
letras as seis são vogaes .s. a. e. i. o. u. y. Chamãose
vogaes per excellencia: porque per si se podem pronunciar,
& formar syllaba, sem ajuda das cõsoantes.
Das quaes .i. u. teem vigor aas vezes de consoantes,
como em seu lugar se dirá. Consoantes chamão todas
as outras, tirando as vogaes: porque não se pódẽ
pronunciar, senão ferindo, ou tocando vogal: & por
isso se chamão consoantes, porque juntamente soão
com as vogaes. E destas consoãtes ha duas species:
hũas são mudas, outras semiuogaes, que quer dizer
meas vogaes. As mudas são .xj. b. c. d. f. g. K. p.
q. t. &. i. &. u. quando são consoantes. E chamão se
mudas, porq̃ per si soos, não se podem pronunciar,
nem soão sem ajuntamento das vogaes. As semiuogaes
são .l. m. n. r. s. x. z. Chamão se semiuogaes,
não como cuidão algũs, porque começão, & acabão
os nomes dellas em vogal, mas porq̃ se formão em
tal parte da bocca, que se pódem pronũciar sem ajuda
das vogaes, posto que não fazem per si syllaba.

Alem destas letras teemos mais quatro em pronũciação,
posto que não em figura, que são .ç. ch. lh.
11nh. das quaes vsamos, accrescẽtando aa primeira hũ
final de differẽça do .c. cõmum, & aas outras .h. nota
de aspiração, para supprir as figuras das dictas letras,
de que carecemos. Das quaes abaxo faremos mẽção,
tractando de cada letra per si.

A.

A. He letra vogal simplez & pura, & acerca de nos
duuidosa na quãtidade, como acerca dos Gregos
& Latinos: porque pode ser breue, & ser longa,
segũdo as letras, a que se ajunta, ou o lugar onde cae.
E não ha mais que hum .a. porque ser longo, & ser
breue, he accidẽtalmẽte. Qua elle per si não he lõgo,
nem breue, & póde ser hum, & outro. E se por em
hũa parte veermos .a. lõgo, & em outra parte breue,
ou em hũa parte cõ accento agudo, & em outra graue,
ou circũflexo, dixermos que são diuersas species
de .a. tambem dessa maneira o diremos de todalas
outras vogaes: & assi cada hũa seria de muitas maneiras.
O que se não ha de admittir acerca de nos, q̃
nas vogaes nenhũa differença teemos dos Latinos,
de quem teem origem nossa lingoa. E a razão que
faz parecer que são dous .aa. hum grãde, & hum pequeno,
he a pronunciação varia, que se causa dos accentos,
12ou das letras, a que se ajunta esta vogal. Porque
quando teem o accento agudo parece grande,
como em prato, & quando graue, parece pequeno,
como em prateleiro. E todalas vezes, que despois
do .a. se segue .m. ou .n. como nestas palauras: fama,
cano, pronuncia se com menos hiato, & abertura da
bocca, & fica parecẽdo pequeno, não sendo assi. Por
que o ser grãde, ou pequeno, cõsiste na lõgura, & spa
ço da pronũciação, & não na maneira della. E a causa
de soar assi o .a. he, que a formação da dicta letra se
faz com abertura da bocca & o .m. & .n. se formão
per contraria maneira, fechandoa. E não se póde em
tam pequeno spaço, como se consume em hũa syllaba,
seruir perfectamente a dous officios cõtrarios,
de abrir, & cerrar a bocca. Por tãto ficamos pronũciando
o .a. com aquella differẽça de pronunciação,
não menos longo em tẽpo. Porem junto a outras
letras não soa o .a. assi obtuso, como quãdo se ajunta
a .m. n. como veemos per todalas mais letras do .a.
b. c. a q̃ se póde ajũtar, como nestas palauras, aba, labaça,
adaga, cafila, praia, çalça, sapo, atabaque, arca,
casa, prata, caua, taxa, azo. Nos quaes lugares, ainda
que quisessemos dar lhe som de .a. pequeno, não,
poderiamos. Porque na verdade não o ha mais,
13que de hũa maneira, quer seja lõgo, quer breue. Assi
que todalas vezes, que virmos variar a pronunciação
do .a. causa se do accento ser differente, ou de se
ajuntar a taes letras, que o apagão, & não de esta letra
ser de outra specie. Porque o .a. em abstracto (como
dizem) & em quanto letra elemẽtar, não teem
accento, nẽ medida, se não despois q̃ he feito dição.

B. P. Ph.

B. & P. são letras mudas entre si mui chegadas.
E assi como se pronũcião, & formão na mesma
parte da bocca, & quasi cõ a mesma postura dos instrumẽtos,
dão hum som mui semelhante. Soo teẽ
esta differença, q̃ o .b. pronũciamos, lançãdo do meo
dos beiços o som: & o .p. pronuncia se apertando os
beiços, & lançãdo o spiritu & folego mais de dẽtro.
E por assi teerẽ esta semelhança, os Latinos, na trasladação
de muitos vocabulos da lingoa Grega na
sua, mudauão hũa letra em outra, dizẽdo, de triambos,
triumphus, & de pyxos, buxus: como nos tãbem
fazemos, que em muitos vocabulos, que tomamos
dos Latinos corrompemos o .p. em .b. dizẽdo
de Aprilis, Abril, & de capillus, cabello, & de capra
cabra. De maneira, que o .b. fica meo entre .p. & .ph.
14porque nem he tam puro & limpo como .p. nẽ tam
froxo, como o .ph. Porq̃ se aspira esta letra .p. a qual
acerca dos Gregos teem o lugar do nosso .f. & assi o
tinha acerca dos Latinos antigos, como a diante diremos
na letra .F.

Teem outro si esta letra .b. algũa semelhãça com
o .u. consoante. Porque assi na lingoa Latina, como
na nossa, muitas vezes se muda o .b. em .v. como nesta
palaura composta de, ab, & fero, porque dizẽ os
Latinos aufero, & de, ab, & fugio, aufugio. E nos dizemos
absente, & ausente, & abano, & auano, & aljaba,
& aljaua, & de faba, dizemos faua, & de tabula,
tauoa, & de abhorreo, auorreço, & de cibus, ceuo.
O que muito mais se vee nos Gallegos, & em algũs
Portugueses d'entre Douro & Minho, que por vós,
& vósso, dizem bos, & bosso, & por vida, dizẽ bida.
E quasi todos os nomes, em que ha .u. cõsoante mu
mudão em .b. E como se o fizessẽ aas vessas, os q̃ nos
pronunciamos per .b. pronuncião elles per .u.

Teẽ outro si estas letras hũa propriedade, q̃ não admittẽ
ante si .n. senão .m. & dizemos: ambos, tempo
triumpho, & nõ anbos, tenpo, triunpho. Da qual
scriptura se dará razão, quãdo fallarmos da letra. M.
Mas ainda que poemos o .ph. por letra distincta
15das outras, não na accrescẽtamos ao nosso alphabeto,
porque não teẽ figura propria, per que se denote,
como teem acerca dos Gregos, que he esta .φ.
Polo que nẽ os Latinos a poserão entre as suas, por
quanto a screuião per .p. & h. que são do seu alphabeto.
Da qual diremos mais na letra .F.

C

C. Teem acerca de nos muitos officios: hũ proprio,
quãdo despois delle se segue .a. o. u. como
nas primeiras syllabas destas dições .cauallo, comedia,
cutello. Da qual maneira os antigos tambem
pronunciauão o .c. quando despois delle se seguia .e,
i. segundo se collige de Quintiliano, que diz o .c.
teer igoalmente sua força com todalas vogaes. E como
se vee d'aquelle dicto gracioso de Marco Tullio.
O qual querendo motejar a hum, que lhe pedia, que
o fauorecesse em hũa dignidade, que pedia em Roma,
sendo filho de hum cozinheiro, lhe respondeo:
Ego tibi quoque fauebo. Porque assi se pronũciaua
coce, como quoque.

Mas agora damos a esta letra differente pronunciação,
exprimindoa com .e. & .i. como a pronunciamos,
quando lhe accrescentamos a cifra, ou cercilho,
16ajuntãdo o a estas vogaes, a. o. u. Porque para
exprimirmos as cinquo vogaes todas de hũa mesma
pronũciação, dizemos, ca, que, qui, co, cu, como
se vee nestas palauras de hũa mesma substãcia, & parẽtesco:
vacca, vacqueiro, vacquinha, vaccona, vac
cum. E para pronunciarmos, a. o. u. junto ao .c. como
.e. i. poemos lhe hũa cifra, ou cercilho de baxo,
que fica fazẽdo hũa specie de .z. & dizemos: çapato,
çoçobrar, çurrador. A qual cifra nõ poeremos, quãdo
depois do .c. se segue .e.i. como fazẽ os idiotas.
Porque o .c. junto aas dictas letras, não póde dar
outro soido, segundo a pronunciação destes tẽpos.
A qual pronunciação impropria do .c. com a cifra
não he de Latinos, nem Gregos, mas propria dos
Mouros, de que a tomamos.

Outro officio de .c. he ser aspirado, com a qual letra
screuemos os nomes Gregos, que dos Latinos
tomamos, como Achilles, patriarcha. Aa qual letra
os Gregos dão esta figura .χ. fazendoa distincta do
c. puro, & accrescentandoa ao seu alphabeto. O que
nos não fazemos, por não teermos figura, perque
a denotemos, & por a exprimirmos per .c. & .h.

Outro officio teem o .c. emprestado, quãdo despois
delle se segue .h. & lhe damos differẽte pronũciação
17do .c. aspirado dos Gregos, como nestas dições, chamar,
cheirar, chiar, chorar, chupar. A qual pronũciação
tam propria he da lingoa Hespanhol, que nem
os Gregos, nem os Latinos, Hebreos, ou Arabes a
tiuerão: posto que os Italianos a pareção imitar na
pronunciação do seu, ce. ci. Polo que podemos dizer,
que debaxo de hũa figura do .c. ha muitas letras
em potestade & officio.

D. T. Th.

D. T. Letras mudas teem em si muita semelhança:
porq̃ a pronunciação de hũa, & da outra, he
quasi de hũa maneira, com a lingoa posta no mesmo
lugar: saluo quanto o .t. se forma com mais spiritu,
& com a lingoa mais leuantada para o paadar,
& o .d. com ella entre os dentes. Pola qual semelhança
(como diz Quintiliano) muitas palauras,
em que entraua. d. screuião os antigos per .t como:
Alexãter, Cassantra, por Alexander, & Cassandra.
Outros screuião, set, por sed. & atuentus, por aduẽtus,
segundo Victorino screue. E pelo cõtrario outros
dizião, amauid, por, amauit.

Pola qual affinidade de letras, muitas vezes conuertemos
o .t. dos vocabulos Latinos em .d. quando os
18accomodamos aa nossa lingoa, como são todos os
participios em atus, ou itus, & os verbaes em or, &
outros muitos sem cõto, q̃ pelo vso se veerão, como
amatus, amado. auditus, ouuido. Rector, Regedor.
secretum, segredo. fatum fado.

Teem tambem os Portugueses o .th. dos Gregos aspirado
em as dições Gregas, de que vsamos, como
theologia, theorica, Thomas. A qual letra nos não
accrescẽtamos ao nosso alphabeto, nẽ os Latinos ao
seu. Porque não teemos figura, que a denote como
os Gregos, q̃ lhe dão hũa soo figura assi .θ. mas figuramola
com o .t. & .h. com a qual aspiração se afroxa
a pronũciação do .t.

E.

E. He letra vogal simplez, & não de duas maneiras,
como algũs cuidão, que fazem .e. pequeno
como em besta por animal, & .e. grande como em
bésta per arma, & instrumẽto de tirar: o que não ha.
Porque na pronunciação dessa letra, nenhũa differẽça
teemos dos Latinos. E a differença, que vai desse
c. que aos vulgares parece lõgo, ao outro, a que erradamẽte
chamão breue, notamos com accẽto agudo
ou circumflexo, ou graue (como teemos dicto do .a.
& diremos a diante na letra .O) ou com dous .ee.19

F.

F. He letra muda, a que os Aeolicos (dos quaes ella
teue origem) chamauão. Vau. & os Latinos lhe
chamauão digamma, porque na figura parece
hum dobrado .g. dos Gregos, a que elles chamão
gamma. O qual gamma he assi .Γ. & .F. parece que
fica fazendo dous. A qual letra seruia aos Aeolicos,
do que serue a nos o .u. consoãte, como se vee
do nome, Vau, que lhe deram. E esta letra tomárão
os Latinos, para com ella screueremos os vocabulos de
sua lingoa, que screuião como .u. consoante. Mas
despois para fazerem differença dos nomes Latinos
aos Gregos, porque todos os screuião com .ph. que
era letra Grega, começarão vsar a dicta letra .F. nos
nomes Latinos em lugar de .ph. & por phama, &
phucus, começarão dizer, fama, & fucus. Despois
Claudio Cesar Emperador costumou screuer em lugar
do .u. consoante o digãma, Aeolico, q̃ era o .F.
posto porem aas vessas assi. Ⅎ. aa differença de quãdo
seruia por .ph. como se oje em dia vee em letreiros
antigos de seu tẽpo, onde se lee. TERMINAℲIT.
AMPLIAℲITQVE. por terminauit, & ampliauit,
& ℲIXIT, por vixit. Morto porem Claudio,
20se deixou de costumar esta letra, & tornarão ao .v.
como se tambem desacostumou o antisigma, outra
letra, q̃ o mesmo Claudio inuentou, para supprir ás
vezes do ψ dos Gregos, que he o .ps. ou .bs. Pola qual
semelhãça, que o .f. teem com o .v. cõsoante, vierão
os Franceses mudar o .v. cõsoante em .f. & por viuo
dizem, vif, & por breue, brief.

Mas he de notar, q̃ entre o .f. Latino & o .ph. Grego
hauia muita differença na pronunciação, que agora
não sentimos. Porque (como screue Quintiliano)
o .ph. dos Gregos tinha hũ soido brando, & suaue, &
o .f. dos Latinos horrido, que quasi não parecia de
voz humana. Donde pode collegir, quam adulterada,
& mudada stá a pronunciação de muitas letras,
& quam delicada he a musica dellas.

G.

G. He letra muda, de que vsamos em sua propria
pronunciação, quando se ajunta a estas vogaes
a. o. u. como dixemos do .c. Outra pronunciação
lhe viemos dar impropria, & adulterina, quando se
ajunta ao .e. i. que fica soando como .i. consoante,
& dizemos, gato. gente. ginette. gosto. gula. A qual
pronunciação com .e. i. he alhea dos Gregos, &
21Latinos, & proppria dos Mouros, de q̃ a recebemos.
De maneira, que para pronũciarmos o .g. com .e. i.
da maneira propria, & natural, como o pronunciamos
com .a. o. u. lhe accrescentamos hum .u. liquido,
& dizemos: ga, gue, gui, go, gu.

H.

H. Não he letra, mais que na figura. Mas he hũa
aspiração ou assopro, com que se pronuncião
as letras, a que se ajũta. Da qual aspiração, os Portugueses
não vsamos em pronunciação, posto q̃ a vsemos
na scriptura. Porque assi pronũciamos homẽ,
como, omẽ, & hõra, como, onra, & hoje, como, oje,
& hoganno, como, ogãno, & hagora, como, agora,
& hauer, como, auer. E soomẽte parece, q̃ a sentimos
na pronunciação de duas interjeições .s. de ha ha, significatiua
de riso, & de ah, significatiua de temor,
ou indignação. Porem ainda que pareça esta aspiração
ociosa, pola não pronũciarmos, he porem necessaria,
para guardar a orthographia dos nomes Latinos,
& Gregos, para per ella se conhecer a origem, &
etymologia dos vocabulos, & para differença delles:
como fazem os Frãceses, q̃ muitas letras não pronũcião
perfectamẽte, em algũas palauras, & em outras
22as não pronuncião de maneira algũa, & todauia as
screuem, para entendimento das palauras na scriptura,
& para se saber a origem dellas.

E assi como esta aspiração se ajunta a vogaes, assi
tambem se ajunta a consoantes. Mas teem nisto differença,
que aas vogaes sempre o .h. precede, como,
homem, humilde, tirãdo estas duas interjeições dos
Latinos, ah, &, oh. E nas consoantes sempre vai despois,
como, philosophia, theologia. Itẽ teem outra
differença, que os vocabulos, que teem as vogaes aspiradas,
pódem ser Latinos, ou Gregos, & os q̃ teem
as consoantes aspiradas, sempre são Gregos, tirando
estes nomes, pulcher, & sepulchrum, que
são Latinos.

Item ha outra differença, que todas as vogaes se pódem
aspirar, como, hastea, herdeiro, Hippolyto,
Homero, humanidade, hydropico. Mas não se aspirão
todas as consoantes: porque soo os Gregos, &
os Latinos, que delles o tomárão, aspirão estas .c.
como em, schola .p. como em, philosophia .r. como
em, rhetorica, t. como em, Athenas.

Mas os Portugueses, por teermos tres pronunciações
proprias, & peculiares nossas, que os Latinos
não tinhão, para que nos faltão as figuras, supprimolas
23com a aspiração, dizendo: ch. lh. nh. Porque
sem aspiração, não achamos letras cõ que as formar:
por teerem muito differente pronunciação, da que
dão as dictas letras, sendo tenues, & não aspiradas.
De maneira que aspiramos o .l. & o .n. o q̃ nenhũas
outras nações fazem, & aspiramos o .c. em os vocabulos
nossos peculiares, soando a dicta letra aspirada
de differente maneira, do que soa nos vocabulos Latinos,
ou Gregos, q̃ outro si se aspirão. Porq̃ doutra
maneira soa o .c. em esta palaura, tacha, do que soa
em a palaura, mechanico.

I.

I. He letra vogal, cujo soido proprio & natural he o
das primeiras syllabas destas dições, imagẽ, ira.
Outro soido lhe damos improprio, quando he consoante,
que he falso, & alheo da natureza desta letra,
o qual he cõmum a .g. de maneira que o nos pronũciamos
com .e. i. q̃ he hũa pronunciação Mourisca,
tam alhea da propriedade do .g. como do .i. Porque
dizemos: janella, jejum, joanne, justiça. Em as quaes
palauras, não sentimos na pronũciação algũa semelhança
do .i. consoante dos Latinos: o qual teem o
soido, que veemos nestas palauras, Troia, Maio, &
24nestas palauras Latinas, hei, huic, cui. onde os autho
res antigos dizem o .i. ser consoante. Polo que pola
differença que assi faz, quando he vogal, de quando
he consoante, costumamos de o screuer, quando he
vogal, de corpo pequeno, & quãdo he cõsoante, fazẽdo
o mais cõprido, & rasgado para baxo assi .j. O q̃
eu não cõtradiria. Mas antes se fora em minha mão,
déra noua & particular figura aaquellas letras, q̃ ten
do as em potestade, lhe não derão os nossos passados
figura, como são o .ç. ch. lh. nh. & aquellas, que falsa
mẽte screuemos per as figuras alheas de .g (quãdo se
ajunta a estas letras .e. i) & de .x. & .z.

Mas sendo verdade, q̃ da mesma maneira soa .ge.
gi. do que soa .je. ji. he de saber, nas dições, onde
entra esta pronunciação, que ordem teremos em as
screuer: & se indistinctamente poderemos vsar de
hũa & d'outra. E nisso deuemos teer respecto a duas
cousas .s. aa origẽ dos vocabulos Latinos, dõde descendẽ
as palauras, q̃ screuemos, & ao costume. Polo
que screueremos impigem, & não impijem, porq̃
veem de impetigo, impetiginis: & assi virgẽ, & origem,
porque vem de virgo, & origo. E assi os mais,
que tẽm a mesma analogia, & correspondẽcia, ainda
q̃ não tenhão outros Latinos semelhantes, como
25são todos, os que teẽ .a. ou .u. na penultima syllaba,
como: ferragem, fogagem, lingoagem, passagem,
romagẽ, a marugem, ferrugem, lãbugem, babugẽ.

Item se screuerão com .g. os vocabulos, q̃ dos Lati
nos vierão a nos, que teẽ essa letra em algũas syllabas
que lhe ficarão illesas, sem as corrompermos, como
gente, gemer, legitimo, genero, & outros infinitos.

Mas per .j. screueremos todalas dições, q̃ se passarão
dos Latinos a nos, que tinhão o mesmo .j. cõsoante,
se essa syllaba ficou inteira, onde o .j. vinha, como
jejum, subjecto, enjeitar, majestade, & algũs nomes
peregrinos, como jebusseo, jephte, & outros vocabulos,
q̃ se screuião com estas letras, Hie, no principio,
ou fossẽ Gregos, ou Hebraicos, como: Hieronymo,
Hierarchia, Hierosolyma, Hieremias, Hieroboam,
Hierusalem, Hierico, q̃ vulgarmẽte screuẽ
(tirado o .h. & mudado o .i. vogal em .j. consoante)
Ieronymo, Ierarchia, Ierusalem, Ierosolyma, Ieremias,
Ieroboam, Ierico. O q̃ eu não cõtradiria, porq̃
tudo isso pode o costume, & a pronunciação, & a corrupção
de hũa lingoa a outra. Mas disso não hemos
de fazer regra geeral. Porque posto q̃ nesses o costume
fizesse essa mudança, não screueria assi os outros
que o vso, por não serem nomes mui cõmũs, não tiuesse
26mudado. Polo q̃ por Hiempsal, nome proprio
de hũ Carthagines, não screueria, Iempsal: nẽ por
Hieron, nome de hũ Rei, screueria Ieron. Porq̃ não
me entenderião de quẽ fallaua. Assi q̃ os nomes proprios
se hão de screuer, como stão nas outras lingoas
de q̃ elles são, sem mudança de algũa letra, mais q̃
a da terminação final, tirando aquelles, q̃ per costume*
stão mudados, ou corruptos. Como tambem
os Italianos fazem em Girolamo, por Hieronymo,
& Giouanni por Ioanne, & em outros
muitos.

K.

K. He letra Grega, que os Latinos trouxerão a seu
alphabeto sem necessidade: porq̃ tẽem seu .c. q̃
responde a ella. E assi na nossa lingoa, não nos serue
em palaura algũa, nem na Latina, ao presente teem
algum vso, saluo se for para screuer esta palaura
Kyrios, donde dizemos Kyrie eleison, ou esta
palaura Kalendas, que conforme ao antigo se
costumaua screuer assi. E porque não façamos difrença
do nosso alphabeto ao Latino, a deixamos
na posse, & lugar, que tinha, & para que os nossos
a não estranhem, quando vierem a apprender
27as letras Latinas. Que quãto aa nossa lingoa, & scriptura
Portuguesa, he letra sobeja, & ociosa.

L. Lh.

L. He letra semiuogal, que tẽe algũa semelhança
com o .r. sem embargo de o .l. ser notauelmẽte
brãdo, & o .r. aspero, por o vibrar da lingoa, q̃ se faz
quando se forma. Pola qual razão os piuidosos, que
não teem a lingoa habil para a vibrar, o mudão em
l. como se lee de Demosthenes, & Alcibiades. O
qual vicio chamão os Gregos lambdacismo, que
quer dizer vicio de frequentar .l. que elles chamão
lambda. Pola qual semelhança, os Portugueses,
na corrupção de muitas palauras, fugindo as delicias,
& mimo d'aquella letra, a mudão em .r. como
mais varonil, em muitas dições, em que entra .l. liquido,
despois de letra muda, como: brando de
blandus. pranto de planctus. crauo, de clauus. praz,
& prazer de placeo. supprir de supplere, & outros se
melhãtes, que deuemos screuer com .r. & não com
l. por nos desuiarmos de fallar como Castelhanos,
que dizem: blando, supplir, plaz, & plazer, clauo.
Mas outros há, em que podemos concorrer com os
Castelhanos, sem offensa das orelhas, screuendo
28com .l. ou com .r. se quisermos, como: simplez, ou
simprez, claro, ou craro, obligar, ou obrigar, clamar,
ou cramar, & muitos, q̃ por breuidade deixo. Outros
ha, que não deuemos mudar, como: clemente,
clemencia, flamma, inflammar, supplicar, supplicação,
clerigo, clerisia, flor, & flores, & outros muitos,
que o vso vos ensinará, & a scriptura de homẽes
doctos, que os vulgares erradamente screuem per .r.
dizendo, froles, & creligo, preuertendo as letras.

A este letra .l. teem os Portugueses, & Castelhanos
hũa pronunciação mui propinqua, posto que a não
tenhão em nome, nem em figura, que he tam peculiar,
& propria nossa, que nem os Gregos, nem os
Latinos, nẽ os Hebreos, nem Arabes a conhecem.
E algũas nações há que nem com tormento a pronũciarão.
A qual nos supprimos per .l. & .h. nota de aspiração
assi .lh. menos mal que os Castelhanos, que
erradamente a supprem, com dous .ll. contra toda
razão da orthographia. Porq̃ nenhũa lingoa soffre,
que duas letras de hũa specie, possão jũtas ferir hũa
mesma vogal. E não ha tanta differença, de hũa dição
scripta com .l. singello, a outra scripta com dobrado,
quanto de hũa, & outra a esta letra, que representamos
per .l. & .h. como se vee nestes exemplos:
29querela, bella, velha. Dõde vem, screuerẽ mal
os Castelhanos todolos vocabulos Latinos, q̃ teem
dous .ll. q̃ na sua lingoa Castelhana guardão o soido
Latino, por starem incorruptos. Porque necessariamente
lhes tirão hum .l. como nestas palauras:
sylogismo, sylaba, colegio. Qua screuendoas com
dous .ll. como deuia ser, ficarião dizendo, sylhogismo,
sylhaba, colhegio. Assi que os Portugueses stamos
nisto melhor: porque teemos nossas differẽças
de .l. singello, dobrado, & aspirado. Porque se bem
se attentar, a differença de dobrar se hũa letra, não
faz mudar o soido, q̃ tiuera sendo singella, mas soomente
spessa, & esforça a pronunciação, stando no
mesmo ser & figura, como: caro, carro, pela, pelle,
que tudo he hũa letra, & hum soido: senão, que em
pelle, pronũciamos de maneira, que sentimos ficar
hum .l. com a syllaba precedente, & o outro com a
seguinte assi, pel-le. O que não he nesta palaura
Castelhana, Cauallo. Porque não o pronuncião de maneira,
que pareça, que hum .l. vai com syllaba precedente,
& o outro com a seguinte. Mas assi o pronuncião,
como se .l. & .l. fossem hũa soo letra. Porq̃
não se pode diuidir assi, Caual-lo. Mas a diuisão sua
acerca dos Castelhanos, he assi necessariamente:
30Caua-llo. E os dous .ll. ferẽ hũa mesma vogal, & soão
como hũa soo letra, como na verdade he em potestade,
& pronunciação. Polo q̃ o .l. em tal pronũciação
não pode ser dobrado, senão differẽçado, como nos
fazemos cõ aspiração. E cõ o til o houuerão de differẽçar
os Castelhanos, como fazẽ ao seu .ñ. de q̃ na letra
.N. faremos mẽção. Mas o melhor fora, darmos
lhe noua figura, assi como he noua pronunciação.
E assi veerão, que os Italianos, que tãbem teem esta
pronunciação como os Hespanhoes, para a denotarem,
screuem por filho, figlio. & por folha, foglia. &
por batalha, bataglia. E os Franceses, que tambem a
teem em algũas palauras, para outrosi a denotarem,
screuẽ cõ dous .ll. como os Castelhanos. Mas por
mostrarẽ a impropriedade da scriptura, ajuntão lhe
antes hum .i. iota, que se não pronuncia, mas soo he
nota da differente pronũciação. E dizem meilleur por
melheur. & gaillart. por galhart. porque virão, q̃ por se dobrarẽ
os .ll. se não representaua o som, q̃ lhe damos.

M.

M. He letra semiuogal, cuja propriedade he não
ir ante outra algũa cõsoante. Porq̃ sempre vsa
mos do .n. ainda q̃ pareça q̃ vai teer ao soido do .m.
31Polo q̃ não diremos, Amtonio, nẽ emtemdimemto,
senão, Antonio, entendimento. Mas seguindose
outro .m. ou .b. ou .p. sempre prepoemos o .m. &
dizemos, ambos, & não anbos, & tempo, & não tenpo,
& immenso, & não inmenso. E a causa he, porq̃
d'onde se forma o .n. que he ferindo a ponta da lingoa,
na parte diãteira do paadar, até onde se formão
aquellas tres letras .b. m. p. há tanta distancia, que
foi necessario, mudar o .n. em .m. quando se seguẽ,
por o .m. star perto dellas na pronunciação. O que
sempre os Gregos, & Latinos guardarão, & nos outros
o hemos de guardar, se queremos screuer, como
pronunciamos. Porque naquelle lugar não pode
soar .n.

Mas ha se de aduertir, que algũs nomes há, que admittem
o .m. ante do .n. os quaes ainda que sejão
Latinos, & Gregos, não deixarei de os poer, porque
d'algũs delles, & de seus deriuados, podemos usar
na nossa lingoa, como: amnis, contemno, damno,
damnum, damnas, gymnasium, hymnus, somnus,
& algũs nomes proprios, como Agamemnon, Clytemnestra,
Clytumnus, Lemnos, Memnon, Mnestheus,
Polymneia. E assi acharão soo este nome Latino,
hyems, que ante do .s. teem .m.32

N. Nh.

N. He letra semiuogal, a qual se póde ajuntar a todas
consoantes, tirando .b. m. p. a que não pode
preceder, como a cima teemos dicto no precedente
capitulo da letra .M. Polo que na composição dos
vocabulos, quãdo veem preposição, que se acabe em
n. como, in. con. se o nome, ou verbo, a que se ajunta,
começa em algũa das dictas tres letras .b. m. p.
o .n. se muda em .m. como embeber, immunidade,
commutar.

A esta letra .n. teemos os Hespanhoes outra mui
affim & propinqua, que não teem nome, nem figura.
Porque os Latinos, cujo alphabeto seguimos, a
não tinhão em pronunciação. A qual por assi teer
muita semelhança com o .n. a assinalamos per .nh.
& os Castelhanos a denotão com .n. & til, assi .ñ. dizendo,
Alemaña, por o q̃ nos dizemos, Alemanha.
Da qual letra .nh. usaremos soomente nos vocabulos
meros Portugueses, ou corruptos dos Latinos,
que na corrupção da lingoa, tomarão essa letra em
lugar d'outras, como: meirinho, façanha, engenho,
testemunha.

Com o qual .nh. não screuemos algũ nome, a que
33os Latinos antes do .n. poem .g. Porque da mesma
maneira os screueremos, como os Latinos. Polo que
diremos, magno, & tam magno, magnifico, insigne,
digno, regno, ignoto. O que entendo d'aquel
les vocabulos, que stão incorruptos, como são os sobredictos,
& outros taes. Mas aquelles em q̃ houue
corrupção d'algũa letra, per mudãça, diminuição,
ou addição, ou outra qualquer maneira, screuerseão
como corruptos, aa maneira vulgar. Polo que ainda
que penhor vem de pignus, & lenho, & lenha, de
lignum, não diremos, pegnor, nem legno, por assi
já starem desuiados da forma Latina.

Item se ha de notar, que aquelles nomes, a que per
costume na pronunciação tiramos o .g. que sendo
Latinos, tinhão ante do .n. q̃ sem .g. os screuamos,
para que a scriptura não discrepe da pronunciação,
& digamos: sino, sinal, sinette, & assinar, & os que
destas palauras se deriuão, como assinatura, assinalar.
Os quaes não se deuem screuer d'outra maneira,
porque assi os pronunciamos. E quem sabe lingoas,
entenderá, que mais que isto pode o costume,
na razão de screuer: & que ainda que algũs deriuados
dos vocabulos acima dictos, screuamos com .g.
como significar, insigne, & consignar, que não he
34incõueniente, screuermos os acima dictos sem elle.
Porque d'algũas palauras Latinas nos seruimos, sem
as corrompermos, & outras corrompemos. Polo q̃
as corruptas screueremos como corruptas, & da
maneira que as pronunciamos, & as inteiras como
inteiras, como neste nome, signum, que corrompemos
per detracção do .g. dizendo, sino, & sinal. Mas
significo, & insigne, que se deriuão da dicta palaura,
ficão inteiros: polo que os screueremos como
inteiros.

O.

Muitos homẽes mui doctos, & curiosos da lingoa
Hespanhol cuidarão, q̃ acerca de nos hauia
duas maneiras de .o. hum grãde, & outro pequeno,
como acerca dos Gregos. Mas, como teemos dicto
do .a. assi como não teem mais que hũa figura, assi
não teem mais que hũa natureza: que ser longo, ou
breue, he accidente, como nas outras vogaes. E a occasião
que tiuerão, os que dizem, que teemos dous
oo. hum grande, como Ω mega dos Gregos, & outro
pequeno como .o. micron, nasceo, de veerem a
differença da pronunciação desta letra, que em hũs
lugares a pronunciamos com grande hiato, &
35abertura da bocca, & em outros com muito menos,
como se vee nesta palaura, ouo, no singular, que na
primeira syllaba parece, que a pronunciamos com
hum pequeno .o. & quando dizemos, ouos, no plural,
o pronũciamos de maneira, que parece hum .o.
grande. Polo que para mostrar a differença do .o.
que chamão grãde, screuem muitos esta palaura no
plural, com dous .oo. dizẽdo, oouos. & assi poouos,
& oolhos, & os mais desta qualidade.

Mas attentando isto mais consideradamente, & cõ
a promptidão da orelha, que a musica das letras requere
(que segundo Quintiliano não he menos
difficultosa de comprehender, que a das cordas) acharão,
que a dicta differẽça não vem do .o. ser grãde,
ou pequeno, nem longo, nem breue, mas do accento,
com que entoamos as palauras. Porque quãdo
he agudo, leuantamos o .o. & quando he circum
flexo, fica entoado de maneira, que fica obtuso, &
quasi unisono com as outras syllabas graues, fazẽdo
de hũa syllaba aa outra tam pouca differença, no leuantar,
que quasi não o sinte a orelha, como manifestamente
se vee nestas palauras, pólo por ceo, &
pôllo, por aue, ou animal pequeno. Porque em pólo,
sendo o primeiro .o. breue, & o segundo longo,
36por causa do accento agudo, que leuanta aquelle .o.
fica parecendo pelo contrairo, aos que não sintem a
musica. Porque parece, que o primeiro .o. he longo
& grande, & o segũdo pequeno, & breue. E em pôllo,
onde o accẽto da primeira syllaba não he agudo,
fica parecendo o .o. pequeno, & breue, sendo na verdade
longo.

A qual pronunciação de accento circunflexo (se o
este he) parece, que soomẽte sentimos, em as dições
de duas syllabas, que em ambas tẽm .o. & não em
outras vogaes. Porque agora nestes tempos, não há
noticia algũa deste accento, nem se sabe, em q̃ proporção
stá do agudo, ou graue: nem há orelha tam
delicada, que possa comprehender a differença, q̃ há
entre terra do caso nominatiuo, q̃ teem acerca dos
Latinos, accento circunflexo, de terra do ablatiuo,
que o tẽe agudo. Quase perdeo isto, como se perdeo
a pronunciação de muitas letras, & como se per
deo o processo da musica antiga, que hauendo tres
generos della .s. diatonico, chromatico, & enharmo
nico, soomente os musicos deste tempo conhecem
o diatonico, & ainda da theorica desse sabem mui
pouco, ou para dizer melhor, não sabem nada, quãtos
musicos hoje viuem, nẽ ainda da practica se sabe
37quomo cantauão os antigos antes de S. Gregorio,
nem per que notas: nem ha rastro, de como procedião
nisso: como tãbem ignoramos muitas artes, &
cousas dos antigos, de q̃ apenas entendemos os nomes,
como he toda a arte gymnastica, & gram parte
da architectura, & das mechanicas, de q̃ os homẽes
deste tp̃o somos tã rudes, ao menos os Hespanhoes.

E outras muitas razões há, para persuadir, q̃ não há
o. grãde, nem pequeno. Porque teẽdo a mesma posição
de letras, ouo, & ouos, não se pode dizer, q̃ em
o singular he o primeiro .o. pequeno, & no plural, q̃
o mesmo he longo. Porq̃ não se mudando as letras,
nem a significação, senão o numero, não se pode mudar
a quãtidade. Polo q̃ fica claro, q̃ a mudança he de
hum accento em outro, & não de hũ .o. grande a outro
.o. Pequeno.

Outra razão há, q̃ ainda q̃ stemos hũ grande spaço,
pronũciando, & soando a primeira syllaba deste nome,
ouo, sempre o primeiro .o. soa baxo, & com me
nos hiato da bocca. E pelo contrario, ainda q̃ mui
pequeno spaço nos detenhamos, em pronũciar a pri
meira syllaba desta palaura, modo, ou coruos, no plu
ral, fica logo soando de differente maneira, & com a
bocca mais aberta. Donde se collige, q̃ a differença
38não consiste na grãdeza, ou pouquidade do .o. senão
no aleuãtar, ou abaxar do tom, ou na differente maneira
de formarmos os .oo. na pronunciação.

Item se ha de aduertir, q̃ no soido nenhũa differẽça
ha entre .ω. mega & .o. micron, acerca dos Gregos,
mais q̃ ser lõga a syllaba do .ω. mega, & a do .o. micrõ
breue. Polo q̃ não fazẽ a differẽça do nosso .o. leuãtado,
ao baxo. Mas ẽ muitos vocabulos Gregos, em q̃
não ha mais differẽça, q̃ hum screuer se cõ .ω. & outro
cõ .o. parece q̃ pelo cõtrario o .o. micron soa mais al
to, & semelhãte ao nosso .o. q̃ querẽ chamar grãde,
& .ω. mega mais baxo, & semelhante ao q̃ querẽ chamar
pequeno, por causa do accẽto circũflexo, com
que se differenceão, como se vee nestes nomes βόλος
por funda, & βῶλος, por terrão, ou almagra, & λόμα
por dom, & λῶμα, por casa: onde ninguem na pronũ
ciação fara a tal differença de hũ a outro, q̃ se possa cõ
parar aa nossa de ouo, ou ouos, ou que pareça teer ou
tra differẽça, mais q̃ a tardãça de pronũciar a syllaba.

E o que tenho aduertido da nossa lingoa he, q̃ as di
ções, em que há esta differẽça de .oo. são os nomes de
duas syllabas, que na primeira, & na segũda syllaba
teem .o. Dos quaes muitos teem no singular accẽto
circũflexo, na primeira syllaba, & no plural accento
39agudo na mesma, como, fôgo, fógos. fôrno, fórnos,
ôsso, óssos. ôlho, ólhos. pôuo, póuos. pôrco, pórcos.
tôjo, tójos. & outros taes como estes. Mas algũus ha,
que não mudão o accento no numero plural como:
bojo, bolo, boto, coco, choro por pranto, & choro
por cõgregação, corro, coto, coxo, fojo, forro, froxo,
gordo, gosto, gozo, horto, lobo, moço, mocho, moio,
molho por escaueche ou potage, nojo, oco, olmo,
poço, potro, rodo, rogo, rolo, soldo por stipendio
ou soldada, solho, soruo, tollo, torno, troco,
vodo.

Item se pronuncião com accẽto circumflexo, assi
no singular como no plural, todo los nomes, que na
primeira syllaba teem .m. ou .n. dospois do .o. como,
lombo, momo, tombo, pombo, longo, ponto,
conto, dono. E os que na primeira syllaba teem diphtongo
de .ou. como couro, louro, touro, pouco,
rouco.

Item ha outros, que teendo no singular o accento
circumflexo, teem no plural o accento indifferente.
Porque de pôço, dizem pôços, & póços. & de tôrto,
tôrtos, & tórtos. & nôuo, nôuos, & nóuos. & de
ôsso, ôssos, & óssos, & de pôuo, pôuos, & póuos.

Item há outros dissyllabos, que assi no singular,
40como no plural, teem na primeira syllaba o accento
agudo, como: cópo, módo, mólho por fexe, sóldo
por moeda, vósso, nósso, cóllo, fróco, lógo aduerbio.

Item se há de notar, q̃ não soomente há esta differẽça
do singular ao plural, mas do genero masculino
ao feminino, q̃ assi como mudão o accẽto agudo no
plural, assi no genero feminino. Porque de tôrto, dizemos
tórta. & de pôrco, pórca. & de côruo, córua.
Mas os que não mudão o accẽto no plural, não o mu
dão no genero feminino, assi como, môço, môça.
frôxo, frôxa. côxo, côxa. gôrdo, gôrda. Tirãdo porẽ
de dôno, dóna por auóa. & de pôsto, pósta, & de nôuo,
nóua, q̃ se pronuncião com o accẽto agudo.

E a mesma regra guardão os nomes de muitas syl
labas, se na penultima, & vltima teem .o. porq̃ assi
no singular, como no plural, teem accento circumflexo,
como, xarrôco, xarrôcos. barrôco, barrôcos.
peixôto, canhôto, rapôso, & todolos nomes acabados
em .oso. como fermoso, copioso, iroso. Mas teẽ
esta differença, que os femininos mudão o accento
em agudo, como: barróca, peixóta, fermósa, irósa:
tirando rapôsa, que vem de rabôso, & rabósa.

Item não soomẽte há esta differença de accẽto nos
41nomes, mas ainda nos verbos. Porque hũs são circumflexos,
como: côrro, ôuço, pônho, cômo: & outros
são agudos . como jógo, pósso, fólgo, tróco.

Deuenos por tanto ficar por regra, que pois a differença
consiste no accento, & não na scriptura, que
não teemos mais que hum .o. & que não se deue
screuer com .o. dobrado, nenhũa dição, tirando na
vltima syllaba, os nomes contractos, de que a diante
faremos menção. Nem he necessario notar as palauras
com accento, para fazer differença, quãdo he
agudo, de quando he graue, ou circumflexo, por
não trazermos aa nossa lingoa o trabalho da lingoa
Grega. Mas baste para a pronunciação, saber as regras
acima dictas. Soomente deuemos accentuar
as dições, em que pode hauer differença de significação,
quando teem differente accento, como,
côr, por color, que screueremos com accento circumflexo,
& cór por vontade com agudo. E pôde,
quando he preterito, screueremos com circumflexo,
& póde do presente com agudo, & assi outros
desta qualidade.

Q.

Q. He letra muda, que nenhũa lingoa teem, senão
42a Latina, & as que della descendem, & pronunciase
como .c. segundo os antigos: As quaes duas
letras entre si, não se differenciauão na pronunciação,
mais que na figura. Polo que dixerão muitos
antigos, que o .q. era letra ociosa, & desnecessaria.
D'onde veo, que muitos homẽes doctos
nunqua a costumarão em sua scriptura, como foi
Nigidio Figulo contemporaneo de Marco Tullio,
que nunqua vsou .k. nem .q. Porque o mesmo effecto
tinha o .c. em tudo. E assi veerão, que muitos dos
mesmos antigos, screuião per .q. palauras que despois
se screuerão per .c. que por dizerem arcus,
& oculus, dizião arqus, & oqulus. E pelo contrario,
de sequor dixerão secutus, & de loquor, locutus.
E assi nos relatiuos, variamos os casos, hora per
q. hora per .c. como: quis, cuius, cui, quem, quo.
Mas porem esta differença há, que sempre despois
do .q. se segue hum .u. liquido, & sem força. O
qual não se pode negar fazer algũa differẽça na pronunciação
do .c. Porque de hũa maneira nos soa,
aqua, & d'outra, aca, por causa d'aquelle .u. que sempre
se sente. D'onde se segue, que a pronunciação,
que nos agora damos ao .c. como assouiando,
& chegando a lingoa dobrada aos dentes, he falsa,
43& que a verdadeira pronunciação, he retrahindo
a lingoa, que não chegue aos dentes, & apertando
a campainha, lançando a voz de dentro, da maneira
que pronunciamos o .q. dizendo que, ou como
agora os Italianos pronuncião o seu relatiuo
Che, quando dizem, Che fai? Che pensi?. Mas ainda que os
antigos chamassem a esta letra ociosa, a nos he necessaria,
assi para screuermos todas as dições, que
os Latinos per ella screuião, como por a adulterina
pronunciação, que viemos dar ao .c. junto a estas letras
.e. i. de que nos ficou necessidade, de soccorrermos
com que, qui, para correrem todas vogaes de
hum soido, & pronunciação, & dizermos: ca, que,
qui, co, cu. &, qua, que, qui, quo, quu.

R.

R. He letra semiuogal, simplez, & não de duas
maneiras, como os vulgares cuidão, q̃ põem no
seu alphabeto duas figuras: hũa, que dizem ser de .r.
singello, & outra de dobrado, q̃ se põe no principio
das dições, ou quãdo soa como dobrado. O que he
grande erro. Porque dessa maneira, a todas letras
podião dar duas figuras, hũa para quando são singellas,
44& outra quando são dobradas. Polo q̃ hemos
de dizer, que não ha mais, que hum .r. em potestade.
O qual quando se dobra em voz, se dobra tambem
em numero. E o q̃ enganou aos vulgares, foi,
que aas vezes sem se dobrar, se pronuncia, quasi como
dobrado, sendo na verdade singello. O que se
faz de cinquo maneiras. A primeira se se põe em
principio de dição, como: raposa, rio, rua: onde stá
claro, que não pode ser dobrado, por ser principio
de syllaba, & não poderẽ duas letras de hum genero
ferir a mesma vogal. A segunda se antes do .r. vai
.n. como: honra, tenro, genro. A terceira se pelo cõtrario,
antes do .n. vẽ o .r. como: sarna, inferno, forno,
torno. A quarta se antes do .r. vem .s. como,
Israel. A quinta se a dição, que começaua em .r. se
cõpôs com algũa das preposições, pre, ou pro, como
prerogatiua, prorogar.

S.

S. He letra semiuogal, & mais assouio que letra,
segundo dizia Marco Messala. Donde veo, q̃ a
figura della denotarão, como hũa cobra enroscada,
por parecer mais pronunciação de cobras, que de ho
mẽes. A qual letra, ainda que os vulgares a figurem
45em seu alphabeto de duas maneiras assi .s. s. em po
testade, & força, he hũa soo letra. Porque essa differença
he para a graça da scriptura, mas não para
fazer differença na pronunciação. Isto lembro, porq̃
há algũus que cuidão, que de .s. há duas species .s.
hum que se pronuncia dobrado, & q̃ se vsa no principio,
que he o comprido assi .s. outro curto assi .s.
mais brando, para o cabo das syllabas. O q̃ não he
assi. Porque se ha de notar, que todalas vezes, que as
dições começão em .s. & despois delle se segue vogal,
naturalmente se pronuncia como dobrado, como:
sancto, sella, sitio, solitario, summa. E apenas o
poderão pronunciar como singello, que não fique
soando como o .z. O que não he nas dições, q̃ teem
despois do .s. outra consoante, como spero, stilo. No
que tambem hão de aduertir, que da mesma maneira
se pronũcia, como dobrado, quando vem despois
de consoante, como falso, manso, persuadir, & outros
semelhantes.

V.

V. Teem dous officios, hũ proprio, quãdo soa per
si como as outras vogaes. como: vsso, vsura:
outro emprestado, quando fere vogal, q̃ teem grãde
46semelhãça cõ o .f. no som, como nestas palauras: ver
dade, virtude. A qual pronunciação (como teemos
dicto) os Latinos antigos screuião com o digamma
dos Aeolicos, que tinha semelhança do nosso .f. no
som, & na figura. Mas despois que o .f. succedeo em
lugar do .ph. Grego, tomarão emprestado o .u. & vsarão
delle em lugar do digamma. O qual differenceamos
agora, quãdo he consoante, de quando he
vogal, desta maneira .v. ao menos no principio das
dições. Porque no meo dellas, vsão do .u. indistinctamente,
quer seja vogal, quer consoante.

X.

X. He letra dobrada, que consta de .c. & .s. em al
gũus vocabulos, & em outros de .g. & .s. Porq̃
em pax, assi pronuncião os Latinos o .x. como se
dixessem, pac, & lhe accrescentassem .s. E assi pronũcião
lex, como se dixessem, leg, & despois lhe ajũ
tassem .s. O q̃ se vee pela formação dos casos. Porq̃
de pax, dizemos pacis, & de nux, nucis, & de lex,
legis, & de Rex, Regis. Mas isto he quanto aa pronunciação
das palauras Latinas. Porque a pronunciação
que agora damos a esta letra, he Arabica,
da maneira que os Mouros pronuncião o seu, xin.
47Polo que nas palauras Hespanhoes, não nos fica seruindo
o .x. dos Latinos, em força & potestade, senão
em figura, per que denotamos a dicta pronunciação
Arabica, como nestas palauras: paixão, caxa, enxada,
coxim. E assi os Franceses, que teem a mesma
pronunciação que nos, a denotão per .ch. impropriamente,
porque per .x. se não podia denotar, &
dizem, Cheval e Chapitre por Xeval e Xapitre.

Y.

Y. He letra vogal dos Gregos, que os Latinos receberão
em seu alphabeto, para com ella screuerem
os nomes Gregos, que naturalmente a teem,
como nos tambem deuemos fazer. Mas assi os Hespanhoes,
como os Frãceses vsão della mal: porque
indistinctamente se aproueitão della, em lugar de .i.
vogal, em vocabulos originalmẽte Latinos, ou pro
prios da lingoa Hespanhol, & Francesa, que não po
dem teer aquella letra, que he propriamente Grega.
A qual teue muita differença do .i. na pronũciação,
posto que ao presente a não sintamos, como he em
muitas outras letras, a que não damos seu proprio
som, por se perder com o discurso do tempo. De q̃
he grande argumento, que os Latinos antigos, quãdo
48screuião com suas letras as dições, em que entraua
.y. em lugar delle, punhão, & pronunciauão .u.
como neste nome, Sylla, por o qual dizião, Sulla, &
como se vee na trasladação de muitos vocabulos da
lingoa Grega na Latina. Porque por mylos, dixerão
mulus, & por thynnus, thunnus, & por mys, mus,
& por sambyca, sambuca. Porque nisto seguião aos
Aeolicos, que pronũciauão o .y. como .u. E assi verão,
que em muitos nomes Gregos, mudarão os La
tinos o .y. em .o. como de nyx, nox. de styrax, storax.
de myle, mola. O que quis lẽbrar, para que saibão,
quanta differença tinha o .y. do .i. na pronũciação,
que não se podia exprimir per outra letra mais propriamente,
que per .u. ou .o. com que tinha mais
semelhança. Polo que stá claro, que na pronunciação,
tinha manifesta differẽça .i. ainda que agora
a não alcãcemos. Porq̃ se não tiuera differẽte soido,
não o accrescẽtarão os Gregos ao seu alphabeto, como
letra differente do .i. & das outras vogaes. Qua
acerca delles, assi como distão as letras na figura, assi
distão na pronunciação.

Do que fica conuencido o abuso, dos q̃ fazem essa
letra consoante, como o .j. Porque sendo de sua natureza
sempre vogal, screuẽ Yeronimo, & Yoão,
49como se vee ẽ moedas de algũus Reis de Hespanha,
onde pelo .Y. denotauão, IOANNE, por a maa orthographia
de seus ministros, que derão traça para ellas.
O que os Reis não deuião cõmetter, senão a homẽes
exquisitamente doctos, & mui auisados. Porq̃ como
as moedas correm muitas terras, & muitas mãos, fica
mui exemplado o acerto, ou desconcerto dellas.
Assi q̃ hemos de seguir nisto os Latinos, & soomẽte
screuer cõ .y. as dições Gregas, de que vsamos no
Hespanhol, em q̃ vẽ a dicta letra, & não as original
mẽte Latinas, ou Hespanhoes, como: Hieronymo,
Hippolyto, hydropico, crystal, myrrha, mysterio,
& outros infinitos, q̃ os versados na lĩgoa Grega sabe
rão. Dos quaes poerei, os q̃ podẽ vir sob certa regra:
como são todos os cõpostos desta preposição, syn, q̃
quer dizer cum, & acerca de nos, cõ, como: syllaba
syllogismo, synagoga, syncopa, syndico, synodo.

Item os nomes deriuados de chrysos, q̃ quer dizer
ouro, como Chryseis, Chrysippo, Chrysogono,
Chrysostomo.

Item os deriuados de pyr, q̃ quer dizer fogo, como
Pyreneo, pyramis, Pyramo, Pyrrho, & pyropo.

Item os deriuados de lycos, que quer dizer lobo,
como Lycaon, Lycaonia, Lycomedes.50

Item os deriuados de poly, que quer dizer muito,
como polypus, Polycrates, Polydoro.

Item os deriuados de hydor, que quer dizer agoa,
como hydria, hydra, hydropico, hydropesia.

Item os deriuados de physis, que quer dizer natureza,
como physico, metaphysico, & physionomia,
por o qual os idiotas dizem phylosomia.

Item os compostos da preposição hyper, que quer
dizer, super, ou vltra, como hyperbole, hyperbatõ,
hyperboreus.

Item os compostos de hypo, que quer dizer sub,
como hypocrita, hypotheca.

No que se deue aduertir, que todalas vezes, que a
dição se começãr em .y. sempre vai com aspiração,
como nos exemplos acima dictos.

Item há algũus nomes Latinos, a que dão origem
Grega, que se screuem com .y. como sylua, de hyle,
& consyderar de sydus. O que em cõsiderar não
admittiria, porq̃ sidus he nome Latino (como diz
Macrobio sobre o sonho de Scipião) & diz se de sido,
que quer dizer star fixo, que he mais verisimel
etymologia, que a que lhe dão de syn, & de eidein,
palauras Gregas, que querem dizer juntamente
veer.51

Polo que fique por regra, q̃ toda a dição screuamos
per .i. Latino, tirando os vocabulos Gregos, em que
entra .y. porq̃ da mesma maneira os screueremos.

Z.

Z. Não he hũa soo letra, mas abbreuiação, ou figura
de duas letras, como o .x. porque se comprehendem
nesta figura .s. & .d. Porque assi pronunciauão
os Gregos, & Latinos, Zacynthos, como se
screuerão Sdacynthos. E a mesma pronũciação teẽ
Ezrás, que Esdrás. Mas com o tẽpo, perdeo se a propria
pronunciação desta letra, que os antigos lhe dauão,
& damos lha agora per hũa maneira, que soa en
tre .s. & .ç. A qual letra, porque muitos vulgares a
confundem com o .s. & aas vezes com .ç. poerei algũus
lugares, onde a deuemos vsar. E cõ ella screue
remos todolos nomes patronymicos Portugueses,
como de Aluaro, Aluarez. de Nuno, Nunez. de Pedro,
Pirez. de Antonio, Antunez. de Paio, Paaez.
de Garcia, Garcez. de Martinho, Martĩjz. de Rodrigo,
Rodriguez. de Rui, Ruiz. de Lopo, Lopez.
de Tello, Tellez. de Gonçalo, Gonçaluez. de Mendo,
Mendez. de Vasco, Vaaz. Lainez, de Lain. Bermudez,
de Bermudo. de Henrique, Henriquez. de
52Ximeno, Ximenez: de Diogo, Diaz. de Ioanne,
Ianez, ou Ianes. de Marcos, Marquez.

Item se screuem com esta letra, os nomes femininos
denominados, d'outros desta figura: auareza,
largueza, fraqueza, simpleza.

Item todolos nomes, que na vltima syllaba teem
a. com o accẽto nella, como: arganáz, cabáz, rapáz.
E os que significão augmento, ou abundancia, que
as mais vezes se tomão em maa parte, como: bebarráz,
ladrauáz, lingoaráz, truanáz, &c.

Item se screuem algũs nomes, que teem accento,
& .e. na vltima syllaba, como, axedrêz, vêz, pêz,
feéz, treéz, & garoupéz. E estes são poucos: porque
os mais se screuem per .s. ainda que tenhão o accento
na vltima, como: Português, Ingrês, Marquês,
reués, conués, &c.

Item se screuem com .z. os nomes, que teendo .i.
na vltima syllaba, teem o accẽto nella, como: abuíz,
almofaríz, chafaríz, chamaríz, codorníz, juíz, perdíz,
raíz, verníz.

Item os nomes, que teem da mesma maneira na
vltima o accẽto, & .o. vogal, como: albornóz, algôz,
arrôz, atróz, Badaióz, Estremôz. E os monosyllabos
.s. de hũa soo syllaba, que teem o accento agudo,
53como: coz, foz, noz, voz, tirando nos, & vos pronomes,
que se screuem com .s.

Item os nomes que teem .u. na mesma vltima
com accento, como: alcaçuz, arcabuz, Andaluz, alcatruz,
Ormuz, cuscuz. E as dições de hũa syllaba,
como cruz, luz: tirando a primeira pessoa do preterito
perfecto, do verbo, ponho, que he pûs, que se
screue com .s.

Item se screuem com esta letra, as terceiras pessoas
destes verbos, & seus descendẽtes: faz, diz, jaz, traz,
como: fazia, dizia, jazia, trazia . fazer, dizer, jazer,
trazer.

Item estes nomes numeraes, dez, onze, doze, treze
quatorze, quinze, dezaseis, dezasete, dezoito, dezanoue.
dozentos, trezentos. Mas quatrocentos, & os
mais ate mil, se screuem per .c.

Item se ha de notar, que por esta letra em si ser dobrada,
se não pode dobrar na scriptura. Polo que he
grãde abuso o dos Italianos, os quaes todalas vezes,
que o .z. vem entre duas vogaes, o dobrão, & dizem,
vaghezza, bellezza, dolcezza. O que não pode ser: porq̃ os
dous .zz. teẽ força de quatro consoantes, q̃ não teem
vogaes, a que vão atadas. Saluo se dixerem, q̃ esta letra
perdeo a propria pronunciação antiga das letras
54dobradas, & que agora he hũa specie de .s. que dobrando
vem dar no nosso .ç.

Til.

Til não he letra, mas hũa linha & abbreuiatura,
que se põe sobre as dições, com que supprimos
muitas letras. Dõde veo chamar se til, que quer dizer
titulo, como se vee nesta palaura, misericordia,
que abbreuiando a com o til, escusamos todas estas
letras. isericord. screuendo assi, mĩa. & assi outras
muitas letras em outras palauras, como, bispo,
apostolo, tempo, bp̃o, aplõ, tp̃o. Mas o mais frequente
vso desta abbreuiatura, he seruir de .m.n.
A qual sendo a todas nações, que della vsão, voluntaria,
a nos he necessaria, quando com ella supprimos
o .m. com que formamos algũus diphthõgos.
E a causa desta necessidade he, que a razão da ortho
graphia, em todalas lingoas, requere, quando entre
duas vogaes vem hũa consoante, que sempre essa
consoante va com a vogal seguinte, como: amo,
Roma. As quaes dições he manifesto, que se hão de
screuer assi, a-mo. Ro-ma. Mas acerca de nos,
ha hũa peculiar, & propria pronunciação, & estranha
das outras nações, que em algũas dições, onde
55o .m. vem entre duas vogaes, pronunciamolo de ma
neira, que fica com a vogal precedente, & não com a
seguinte. A qual pronunciação de .m. não he perfecta,
nem inteira. Polo que não sem razão, o chamaremos
liquido, porque fica mais apagado, & froxo,
que quando vai com a vogal seguinte, como se vee
nestas palauras, Alemam-o, capitam-o. Onde assi
soa o .m. como se ficasse com o .a. precedente, sem
ferir no .o. que se segue.

E por assi ser liquido este .m. & não ferir a vogal
seguinte, & ainda soar pouco, dá lugar, que as duas
vogaes, em que elle interuem, se ajũtem sempre em
diphthongo, fazendo hũa soo syllaba, ainda que as
vogaes ambas sejão de hum genero. Polo que para
denotarmos esta differença, de quando vai com a vo
gal precedente, & he assi froxo, o screuemos necessariamẽte
per a dicta abbreuiatura, por não teermos
outra letra, cõ que o representemos. E assi dizemos,
Alemão, capitão, falcões, beleguĩjs.

E a causa d'esta pronunciação he, por a propriedade
da nossa lingoa Portuguesa, que sempre põe .m.
no fim das dições, onde os Castelhanos põem .n. Polo
q̃ dizendo elles, hermano, hermana, lana, era necessario,
q̃ dixessemos, hermamo, hermama, lama,
56que ficaua em outra forma, & mui desuiado da razão,
& analogia Latina, & Hespanhol, a que a nossa
lingoa sempre teem respecto. E por tanto fazendo
aquelle .m. liquido, ficamos imitando a pronunciação,
& analogia da lingoa Castelhana, & não fogindo
da Latina, & guardãdo a propriedade de nossa
lingoa, de fugir o .n. & dizemos irmão, irmãa,
lãa. E assi respondemos com o .til. a todolos vocabulos
Castelhanos, que se acabão em .n. como mais
largamente diremos, em o capitulo dos diphthongos.

Da affinidade, que
algũas letras teem entre si, & como se conuertem
hũas em outras.

As letras entre si teem hũas com as outras
muita semelhança, & affinidade, & por tã
to facilmente se corrõpem & mudão hũas
em outras, não soomente de hũa lingoa a outra, mas
em hũa mesma lingoa. Polo que teendo noticia desta
semelhança, & mudança, que fazem de hũas em
outras, facilmente viremos dar cõ a origem dos vocabulos
corruptos. O q̃ muito serue, para saber a propriedade
das palauras, & verdadeira scriptura dellas.57

A. primeiramente se muda em .e. como de alacris
alegre. factus, feito. amaui, amei. & aas vezes ẽ .o.
como são todolos diphthongos de .au. em .ou. como
de aurum, ouro. de laurus, louro. de taurus,
touro. de caulis couue. por Autumnus, outomno.
E (por não gastar tẽpo) todos os mais vocabulos,
em que este diphthongo .au. entra, tirãdo author,
authoridade, aução, caução, causa, agouro, Agosto,
Agostinho, & poucos mais.

B. mudase em .u. como de debeo, deuo. de caballus,
cauallo. de cibus, ceuo. E aas vezes em .p. como de
rabosa, raposa.

C. mudase em .g. como de caecus cego. locusta, lagosta.
secretum segredo. periculum, perigo. & tãbẽ
em .z. como de recẽs, rezente. de sarcio, sarzir.
de faço, fazer. de jaço, jazer.

E. mudase em .i. como de legi, lij. feci, fiz.

F. mudase em .b. como de rafanus, ou raphanus, rabão.
de fremo, bramo. E muda se em .u. com que
teem mais parentesco, como teemos dicto, como
de ruffus, ruiuo. de trifolium, treuo.

G. mudase em .c. como de gammarus, cãmarão. de
Gades, Calez. E o .gn. corrompe se em .nh. como
de lignum, lenho. de pignus, penhor.58

I. mudase em .e. como de cibus, ceuo. de pica, pega.
de bibo, bebo. de lignũ, lenha. de pignus, penhor.

L. corrompese em .r. como de blandus, brando. de
clauus, crauo. E quãdo vem despois de .c.f.p. corrompe
se em .ch. como de clauis, chaue. de flamma,
chama. de plaga, chaga.

O. corrompese em .u. como de locus, lugar. de cognatus,
cunhado, ainda que em errada significação.
de constare, custar.

P. corrompese em .b. como de prunum, brunho. capra,
cabra. capillus, cabello. pustula, bustella.

Q. em .ç. como laqueus laço: & aas vezes em .z. como
de coquus, cozinheiro. de coquo, cozo, por co
zer no fogo. Porque por coser com agulha, de cõsuo,
dizemos per .s. Outras vezes em .g. como de
aquila, aguia. aqua, agoa.

S. mudamos em .ç. como de succus, çumo.

T. corrompese em .d. como de amatus, amado. de
de auditus, ouuido. de fatum, fado.

V. vogal corrompese em .o. como de vnda, onda.
musca, mosca. nurus, nora. lupus, lobo. vmbra,
sombra.

X. corrompese em .z. como de nux, noz. de pax,
paz. de vox, voz.59

Dos diphthongos
da lingoa Portuguesa.

Diphthongo he hum ajuntamento, ou cõcurso
de duas vogaes, q̃ guardão sua força
em hũa soo syllaba: & he palaura Grega,
que quer dizer dobrado som. E todalas lingoas teẽ
seus diphthongos proprios, & algũas teẽ triphthõgos,
que quer dizer, ajuntamento de tres vogaes
em hũa soo syllaba, como se vee nestas palauras Frãcesas,
veau, beau & nestas Castelhanas, bueis, bueitre, vaiais.
E estes diphthongos se formão em cada lingoa de
differentes maneiras, & per diuersos ajuntamentos
de vogaes. Item hũas nações teem mais diphthongos,
& outras menos. Porque os Gregos vsão de.
XII. & os Latinos de VI. s. ae. au. ei. eu. oe. yi. Posto
que antigamente tinhão .X. dos quaes se forão esquecendo
quatro. Mas em nossa lingoa há XVI. diphthongos
.s. ãa, ãe, ai, ão, au, ẽe, ei, eu, ĩj, oa, oi,
õe, õo, ou, ui, ũu. Dos quaes teemos tres commũus
com os Latinos .s. au, ei, eu. & outros tres commũus
com os Castelhanos .s. ai. oi. ui. E .X. são
peculiares nossos, & não d'outra algũa nação .s. ãa
ãe, ão, ẽe, ĩj, oa, õe, õo, ou, ũu.60

O primeiro diphthongo he .ãa. que he hũa composição
de dous .aa. com hum til, em que se acabão
muitos nomes femininos, que se não podẽ screuer
com as letras directas dos Latinos, que são as do nosso
alphabeto, de maneira que fiquem scriptas, como
as nos pronũciamos. Porque se screuerem, irmam,
romam, lam, vão dar em outro soido mui differente.
Porque ficão soando, quasi como irmão, romão,
lão. E não faz dizer, que com hum .a. & com
hum til, representarão o som, q̃ nos pronunciamos,
& que se escusará o inconueniente, de formar hum
diphthongo de duas uogaes semelhantes. Porque
esse til, assi soa no fim da dição, como .m. ou .n. por
ser abbreuiatura das dictas letras.

Item se ha de aduertir, que os nomes femininos,
que em Portugues se acabão em .ãa. teem a mesma
differença de seus masculinos acabados em .ão. que
teem os Latinos acabados em .ana. dos acabados em
anus, ou .ano. se são Italianos, ou Castelhanos, & a
mesma analogia, & proporção guardão. Polo que
assi como dizemos, germanus, ou germano, & germana,
mudada a terminação significatiua do genero
masculino de .us. ou .o. em a feminina de .a. assi
esta palaura fica na mesma regra, acabãdo em .a. porque
61o til, que se põe em irmão, não he sobre o .o.
que he a derradeira letra, senão sobre o .a. que he
a penultima, como teemos dicto no capitulo do
Til. O qual mettendose no meo, faz aquelle vinculo
de duas letras, que he o diphthongo. Assi que
irmaã, hauendo de guardar a mesma analogia, deue
se screuer mudada soo a terminação do .o. em .a.
E desta maneira fica o .a. Dobrado.

O .II. diphthongo he .ãe. em que se acabão os nomes
pluraes, cujos singulares se acabão em .ão. como
capitães, gauiães, Alemães, & outros infinitos,
que pelo vso se sabem, posto que outros fazẽ os pluraes
em .ãos. como cidadãos, villãos, aldeãos, & outros
em .ões. como cordões, roupões, quinhões, como
vereis abaxo no quarto diphthongo.

O .III. diphthõgo he .ai. como: gaita, bailo, Cairo.
As quaes duas vogaes .a. & .i. podem concorrer
em hũa mesma dição, sem formar diphthongo, &
fazer cada hũa syllaba per si, como rainha, bainha,
cair. O que se conhece, que quãdo não he diphthõgo,
vai sempre o accento no .i.

O .IIII. diphthongo he .ão. o qual he o mais frequentado
da nossa lingoa, & sobre que ha mais opiniões,
& duuida, em que lugares se ha de vsar. Porque
62hũus indistinctamente o vsão, & o confundem
com esta terminação .am. não fazendo de hum a
outro differença algũa. O que he erro manifesto.
Porque no fim das palauras, que acabamos com esta
pronunciação, achamos hum sabor de .o. que não
achamos no fim da primeira syllaba desta palaura,
campo. E he manifesto (como diz Prisciano, referindo
a Plinio) que o .m. no principio da dição dá
hum som claro, & no meo mediocre, & no fim mui
obscuro, & apagado. De maneira que se nossas dições
acabassemos em .am. soarião mui mais apagadamente,
do que soa a primeira syllaba de cam-po.
E nos pelo contrario, nas dictas dições sentimos hũ
som muito descuberto, & mui desuiado de .m. que
o não podemos exprimir, & representar, senão com
o nosso diphthongo .ão.

De maneira que com este diphthongo hemos
de screuer necessariamente as terceiras pessoas do
plural do indicatiuo modo, da primeira conjugação
dos Portugueses, como amão, accusão. Itẽ as terceiras
pessoas do plural de todolos verbos, de qualquer
cõjugação, do preterito imperfecto, como amauão
tinhão, ouuião. Item as terceiras pessoas do plural,
do preterito perfecto, de todolos verbos indistinctamente
63como amárão, lérão, ouuírão. Item todas as
terceiras pessoas do futuro de todas as conjugações,
como: amarão, screuerão, ouuirão com o accẽto na
vltima. Item todalas terceiras pessoas do imperatiuo
modo do plural dos verbos da segunda, & terceira
conjugação dos Portugueses, como: leão, oução.
Item as terceiras pessoas do futuro do optatiuo
modo da segunda, & terceira cõjugação, como:
oxala leão, oução. Item as mesmas pessoas do presente
do conjunctiuo, como: leão, oução.

Finalmente, com o dicto diphthõgo se hão de scre
uer, na final terminação, todolos nomes, q̃ vulgar
mẽte se screuem per .am. dizẽdo, capitão, Alemão,
galeão, taballião, se queremos screuer, como pronũ
ciamos. De maneira que nenhum nome, nem verbo
se screua no fim per .am. que he pronunciação
alhea, da q̃ nos damos aos dictos vocabulos. E quẽ
quiser veer a pronunciação propria de .am. & quam
differente he, da que damos aos dictos vocabulos assi
acabados, coteje a primeira syllaba desta palaura
cam-po, com a final desta palaura, falcam. A qual
pronunciação, de nenhũa outra maneira podemos
representar, senão assi, falcão. Polo que per .am. me
não atreueria screuer outras palauras, senão aquellas,
64tam, & quam, que dos Latinos nos ficarão inteiras,
& aquellas syncopadas, gram, por grande,
quando se segue consoante, &, sam, por sancto: por
as quaes algũus screuem, grand, & sanct.

E a razão d'os dictos vocabulos se não screuerem
per .am, & succeder aquelle diphthongo, em lugar
das dictas letras, segundo tenho aduertido, he a analogia,
& respecto, que a lingoa Portuguesa vai teẽdo
com a Castelhana, que sempre onde a Castelhana
diz, an. ou .on. que he sua particular terminação,
responde a Portuguesa com aquella pronunciação
de .ão. que succede em lugar da antiga terminação
dos Portugueses de .om. q̃ punhão em lugar do .an.
ou .on. dos Castelhanos. A qual ainda agora guardão
algũus homẽes d'entre Douro & Minho, & os
Gallegos, que dizem, fizerom, amarom, capitom,
cidadom, taballiom, appelaçom. O qual respecto,
& analogia, se guardão em muitas palauras, hũas
lingoas a outras, como se vee nas lingoas, Latina,
Thoscana, Castelhana, & Portuguesa, em muitos
nomes, que começão em letra muta com liquida,
que sempre vão em hũa proporção, respondendo
hũas lingoas a outras, como se vee nestes exemplos
seguintes.65

tableau latino. | italiano. | castelhano. | portugues. | clamare. | chiamare. | llamar. | chamar. | clauis. | chiaue. | llaue. | chaue. | flamma. | fiamma. | llama. | chama. | plaga. | piaga. | llaga. | chaga. | planus. | piano. | llano. | chão. | plenus. | pieno. | lleno. | cheo. | pluma. | piuma. | chumaço chumella. | plũbum. | piombo. | plomo. | chumbo. | pluuia. | pioggia. | lluuia. | chuiua. | pluit. | pioue. | llueue. | choue. | plantago. | plantagine. | llanten. | chantagẽ.

Nos quaes exẽplos de industria me quis deteer, para
saberem os lectores, q̃ pela analogia, & correspõden
cia, de hũas lingoas a outras, podem saber a origem
de muitos vocabulos, que per outra maneira não po
derião alcançar: & para veerem per esta semelhãça,
a razão do nosso diphthongo .ão. que sempre vai res
pondendo ao .n. dos Castelhanos, & dos Latinos, &
Italianos, como ao amarunt Latino, amarono Italiano,
amaron Castellano, o amarão, Portugues.

Mas porque algũus, que se não prezauão de maos
66Portugueses vierrar, & embaraçar se, no formar dos
pluraes destes nomes, cujos singulares se acabão em
ão: & hũs dizẽ, villões, & outros villãos, cidadões, &
Alemões, quero lho poer em arte, para quãdo duuidarẽ.
E tenhão esta regra: q̃ vejão esse nome acabado
em .ão. como acaba acerca dos Castelhanos no singular.
Porq̃ se acaba em .an. faz o plural acerca d'elles
em, anes, como: capitan, capitanes, gauilan, gauilanes,
Aleman, Alemanes. E assi forma sempre, sem
excepção algũa, o Portugues o singular em .ão. & o
plural em .ães. dizendo de capitão, capitães, de gauião,
gauiães, de Alemão Alemães: & assi os mais.

Mas se acerca dos Castelhanos, o singular que o
Portugues forma em .ão. se forma em ano, como vi
llano, ciudadano, aldeano, de que elles formão o seu
plural em, anos, o nosso plural seraa em, ãos. E assi
como elles dizem, villano, villanos, ciudadano, ciudadanos,
aldeano, aldeanos. diremos nos, villãos,
cidadãos, aldeãos.

Mas se o singular acerca dos Castelhanos he ẽ .on. será
o nosso em .ões. E assi como elles dizẽ sermon, sermones,
opinion, opiniones, coraçon, coraçones, assi
diremos nos sermão, sermões, opinião, opiniões, co
ração, corações. Porq̃ nisto, & ẽ muitas cousas outras
67que por breuidade deixo, tẽe respecto, & correspõdencia
a lingoa Portuguesa aa Castelhana. D'onde
vem, que dizemos por o seu, can, canes, cão, cães: &
por o seu, cano, canos, cão, cãos.

Porem se os vocabulos em .ão. são meros Portugueses,
ou commũus a outras lingoas, & os não há
em Castelhano, sempre se acabará a voz do plural
em .oẽs. como patacão, patacões, tecelão, tecelões,
follião, folliões. Porque se tẽe nisto respecto, que as
palauras, que se agora acabão na lingoa Portuguesa
em .ão. se acabauão todas antigamente em .om. como
acima stá dicto. E pelo costume (que nisto sem
pre hemos de seguir) ficarão fora das dictas regras,
taballiães, & scriuães, que por a dicta analogia, houuerão
de fazer, taballiões, & scriuãos. E tãbem ficão
fora desta regra estes indifferentes, cidadãos, & cidadões,
de cidadão, villãos, & villões, de villão.

O .V. dipthongo he .au. com que se screuem os
nomes Latinos, que ficarão incorruptos na nossa
lingoa, como author, authoridade, Aurelio, causa.
Mas bem podem concorrer estas duas vogaes, sem
formar diphthongo, & ir cada letra per si, & fazer
syllaba, como em saúde, alaúde, ataúde. O que se conhece
no accento, que vai no .u.68

O .VI. diphthongo he .ei. como geito, feito, Rei.
As quaes letras podem outro si cõcorrer, sem se coalharem
em diphthongo, como em Deíphobo, Deíphile.
O que se conhece pelo accento q̃ vai no .i.

O .VII. diphthõgo he, ẽe, q̃ vem nos nomes pluraes,
cujos singulares se acabão em .em. bẽ, bẽes, vin
tẽ, vintẽes. Os quaes pluraes, se não podẽ formar ẽ
nossa lingoa, sem o vinculo do .til. q̃ liga os dous .ee.
por não dizermos, bemes, como a razão & analogia
da nossa lingoa pedia, nẽ benes, como Castelhanos.

O .VIII. diphthõgo he .eu. como Euphrates, Eugenio,
meu, teu, seu. O qual concurso de letras pode
tambem fazer suas syllabas separadas, sem se diphthõgarem,
como, ceúmes, teúdo, mãteúdo, meúdo.
O que se conhece no accento que vai no .u.

O .IX. diphthõgo he, ĩj, o qual vẽ necessariamente
nos pluraes dos nomes, cujos singulares se acabão ẽ
im. como malsim, malsĩjs. roim, roĩjs. beleguim, be
leguĩjs. Os quaes se não podẽ formar sem o dicto diphthõgo,
como teemos dicto no diphthõgo .ẽe.

O .X. diphthongo he .oa. q̃ vem despois do .g. em
lugar do .u. liquido, que vinha em vocabulos Latinos
despois do .q. como de aqua, agoa. equa, egoa.
lingua, lingoa. & em outros meros Portugueses, como
69fragoa, ou corruptos, & cõtractos, como de macula,
magoa. Mas quando se o accento põe no .o. que
denota diuisão da syllaba, não forma diphthongo,
como Lisbôa, borôa, azambôa.

O .XI. diphthongo he .oi. como noite, coiro. Mas
não sempre se estas letras ajũtão em hũa syllaba, formando
diphthõgo: porq̃ muitas vezes se diuidem,
como em soidade, soido, arroido, moinho, & outros
muitos. O q̃ se conhece no accento, que vai no .i.

O .XII. diphthongo he .õe. como cordões, roupões,
quinhões.

O .XIII. diphthongo he .õo. q̃ vem para formação
dos nomes pluraes, cujos singulares se acabão ẽ
om. como, bom, tom, som, Dom. Porq̃ dizemos,
bõos, tõos, sõos, Dõos, pela razão, que deemos no
diphthõgo. VII. E de caminho lẽbro aos lectores, q̃
esta palaura Dom, quãdo faz Dõos, he prenome de
nobreza, q̃ vem de dominus, & quãdo significa beneficio,
ou doação, q̃ vem de donum, faz dões, pela
razão da analogia, q̃ deemos no .IIII. diphthõgo.
por o qual dizẽ os outros Hespanhoes, don, dones.

O .XIIII. diphthongo he .ou. q̃ succedeo acerca
de nos, em lugar do .au. dos Latinos. Porq̃, por o que
elles dizião aurum, dizemos nos ouro, & por laurus,
70louro. & por raucus, rouco. & assi os mais.

O .XV. diphthõgo he .ui. como, muito, cuidado,
ruiuo. As quaes duas vogaes podẽ ir desatadas, sem
fazer diphthongo, como Luis, ruina.

O .XVI. diphthõgo he .ũu. q̃ serue para formação
dos nomes pluraes, cujos singulares se acabão em
um. como de vaccum, vaccũus. de atum, atũus, pela
dicta razão do .VII. Diphthongo.

E não serão diphthongos, senão as vogaes, que se
coalhão, & ajuntão em hum soido, fazendo hũa syl
laba. No que muitos teem errada opinião, cuidando,
que são diphthongos, quando concorrem estas
vogaes .ae, como amae .ao, como pao .ea, como cea,
eo, como ceo .ia, como Maria .ie, como frieira .io, co
mo rio . ë, como poëta . üa, como rua . üe, como
crueza . üo, como nuo . üu, como muü. Porque a orelha
nos ensina, que são letras soltas, & sem vinculo,
que fazem cada hũa per si syllaba, posto que breues,
por serem vogal ante vogal: & que em verso, quando
fosse necessario, facilmente se poderião fazer de
duas ẽ hũa syllaba, per a figura chamada syneresis,
como em o concurso de algũas das dictas vogaes se
pode veer, ẽ os Poetas Thoscanos, & Hespanhoes.71

Das syllabas, e dições.

Sabida a qualidade, & natureza das letras,
fica tractarmos, que cousa he syllaba. Por
que das letras constão as syllabas, & das
syllabas as dições, ou palauras. Qua as syl
labas são partes das dições. E syllaba he hum vinculo,
& ajuntamento de letras, que se pronũcia debaxo
de hum spiritu, & hum accento. E dizse de syllambano,
verbo Grego, que quer dizer comprehendo.
E a syllaba, em quãto he parte de dição, carece de sen
tido, & significação. Porque dizendo templo, q̃ he
dição, entendemos que quer dizer, casa de oração.
Mas separada per si esta primeira syllaba, tem, não
quer dizer nada, nem menos a final, plo. Mas bem
podia hũa syllaba, & hũa soo letra, ser dição, & teer
significado, como, vou, vas, &, i, por ide, segũda pes
soa do imperatiuo modo. Porque então não significa
em quanto syllaba, senão em quanto dição acabada.
Mas este ajuntamento de letras, a que chamamos
syllaba, não pode ser, sem interuir algũa vogal,
com que as consoantes vão ligadas. E hũas syllabas
são de menos letras, outras de mais, & outras de hũa
soo letra, & essa necessariamẽte, há de ser vogal. Porque
72as consoantes não podem fazer syllaba per si.
E por isso se chamão vogaes, porque per si sem consoante,
podẽ soar, & fazer syllaba. E a que he de hũa
soo letra, não he propriamente syllaba, mas abusiua
mente se chama assi. De maneira que pode hauer
syllaba da hũa letra, de duas, de tres, de quatro, &
de cinquo, como se vee nesta palaura, a-ua-ren-to.
de que a primeira syllaba, he de hũa letra, a segunda
de duas, a terceira de tres. E como na primeira syllaba
desta palaura, scripto, que he de quatro, & na
palaura Latina, scrobs, que he de hũa syllaba, & cinquo
letras. Item pode começar a syllaba pela vogal,
como auarento, & pode preceder a vogal hũa consoante,
como, Deos, & podẽ preceder duas como,
prado, & tres, como, scripto.

Das letras em que as
syllabas podem acabar no meo
das dições.

Em todas vogaes, & diphthõgos, se pode
acabar hũa syllaba acerca de nos, tirando
os diphthongos .ãe. a que necessariamẽte
accrescentamos .s. porque não serue,
senão no numero do plural de algũus nomes: tirã
73do o diphthõgo .ão. no meo das dições, pelas razões,
que deemos acima, onde tractamos delle. Polo q̃ errão,
os q̃ screuem cãopo, & brãoco, & outros assi.

Em .b. pode acabar a syllaba, se a que se segue começar
em outro .b. como abbade, gibba, gibboso,
sabbado. Saluo se são dições Latinas, compostas cõ
estas preposições ab, ob, sub, porq̃ seguindose vogal,
acaba syllaba em .b. como de obedio, ob-edeço,
ab-ortiuo, ab-ominauel, ab-undante, ab-orreço, &
tirando absente, obscuro.

Em .c. pode acabar a syllaba, seguindo se outro .c.
ou .q. como Bac-cho, vac-ca, vac-queiro, ac-quirir.

Em .d. não há syllaba de dição simplez, q̃ se acabe,
senão composta, como, addição.

Em .f. não se acaba syllaba de algũa dição simplez,
senão das compostas, quando em lugar de .b. d. s. x.
derradeiras letras das preposições, entra o .f. como
em sufficiente, affeição, difficil, effecto.

Em .g. da mesma maneira não se acaba syllaba algũa
de dição simplez, se não das compostas, quando
se muda a letra final da preposição em .g. como aggrauar,

Em .h. não acaba syllaba algũa em meo de dição.

Em .k. não acaba syllaba, porque he letra ociosa,
74& que não serue.

Em .l. se pode acabar a syllaba, ainda que se sigão
quaesquer consoantes, tirando .k. x. z. que nunqua
se seguem despois do .l. como, albarrada, alcofa, coldre,
alfaça, Algarue, aljaba, collo, olmo, alno nome
de aruore, culpa, alqueire, palrar, salsa, alto, caluo.

Em .m. se pode acabar a syllaba, se a seguinte começar
em b. m. p. como ambos, commẽtario, tempo,
& quando a syllaba de .m. he de composição, como
circumcisão, circumflexo, circumferencia, ainda
que não se siga algũa das dictas tres letras. Posto q̃
algũus na composição, mudão o .m. em .n. & dizẽ
circuncisão, circunflexo.

E se em algũa dição se ajuntar o .m. cõ .n. o .m. irá
ligado com a syllaba seguinte: & não se acabará a syl
laba nelle: como autu-mno. da-mno. de que a diãte
no capitulo seguinte faremos menção.

Em .n. se pode acabar hũa syllaba, se a seguinte co
meçar em .c. d. f. g. n. q. r. s. t. & em .j. & v. consoantes
como, cancella, Conde, inferir, manga, can
na, nunqua, honra, conselho, tentar, conjurar, conuerter.
O q̃ muito se deue encommẽdar aa memoria,
por os erros em que caimos, screuendo .m. antes
das dictas letras.75

Em .p. não pode acabar syllaba algũa, senão começando
a seguinte tãbem em .p. como, ceppo, poppa,
supplicar.

Em .q. se não acaba syllaba, nem dição algũa.

Em .r. se pode acabar a syllaba, ainda que se siga
qualquer consoante, como, orbe, arca, arder, garfo,
Margarida, marlotar, arma, carne, corpo, arquibãco,
serra, verso, arte, Xerxes, Aribarzanes. E ante
.i. & .u. consoante, como, perjuro, aruore.

Em .s. não se acaba syllaba algũa em meo de dição
simplez, senão seguindose outro .s. como passo,
spesso. Porque quando se segue .c. m. p. t. como em
pascoa, cosmographia, prospero, testemunha, vai o
s. ligado com a consoante seguinte, por serem letras
compatiueis, como a diante se dirá.

Em .t. se não pode acabar syllaba algũa, se não
seguindo se outra, que comece na mesma letra, como,
gotta, metto, admitto, prometto.

Em .x. nenhũa syllaba se pode terminar, tirando
sexto, texto, dextra, mixto.

Em .z. não se acaba syllaba algũa em meo de dição,
porque sempre he principio de syllaba, como,
Zacyntho, Zephyro, gozo.76

Das letras, em que se podem
acabar as dições da lingoa Portuguesa.

Ainda que as syllabas se possão acabar nas
dictas letras, no meo das dições, no fim
dellas não he assi. Porque soomente se po
dem acabar nestas. Primeiramente, em
as vogaes Latinas, como, serua, serue, seruí, siruo,
tu. E nos diphthongos todos, tirando .au. ẽe, ĩj,
ũu, ãe, em que se não pode acabar dição, como, pai,
irmãa, irmão, Rei, meu, agoa, põe, boi, bõo, grou,
fui. E nestas consoantes .l. m. r. s. z. Como.

tableau cardeal. | anel. | barril. | sol. | azul. | tam. | tambem. | malsim. | com. | vaccum. | fallar. | screuer. | ouuir. | senhor. | artur. | aeneas. | achilles. | paris. | marcos. | mattheus. | rapaz. | axedrez. | codorniz. | voz. | luz.

Mas se forem dições peregrinas, trazidas ao vso da
nossa lingoa, podem se acabar em outras letras .s.
em .b. como Iob. em .c. como Melchisedec. em .d.
como Dauid. em. g. como Agag. em .n. como Sion.
em .ch. como Lamech. em .ph. como Ioseph. em
th. como Nazareth.77

Da divisão das dições, e
como se deuem separar as syllabas.

Soletrar bem as palauras, & cortalas em
partes de maneira que vaa cada parte, ou
syllaba cõ suas letras, he cousa mais difficultosa,
do que parece, & que algũus, dos
que hão de teer esta minha empresa por baxa, não sa
bem. Polo q̃ deuem sempre de trabalhar os q̃ screuẽ,
por acabar no fim de cada regra, as dições, para q̃
as não diuidão & acabem no principio da regra seguinte,
assi por o sentido se não distrahir, como
por a maa diuisão, que fazem algũus, esfarrapando
as syllabas, como os maos trinchantes, quando não
acertão com a juntura, do que querem cortar. D'onde
veo, que o Emperador Octauio Augusto, principe
doctissimo, nas cartas, que screuia de sua mão
(como conta Suetonio Tranquillo na sua vida) por
não fazer algũa maa repartição de letras, soia sẽpre
acabar as regras com as palauras inteiras. E para saber
diuidir as palauras, & dar a cada syllaba suas letras,
teerão as regras seguintes.

Presupponhão primeiramente, que nenhũa vogal
em palaura Portuguesa, pode teer ante si mais q̃
tres consoantes, como, screuo, nem despois de si,
78mais que hũa: saluo em algũa palaura contracta, &
abbreuiada, como algũus screuẽ, sanct, por sancto,
quando se ajunta a nome, que começa em consoãte,
como, sanct Pedro. O q̃ algũus screuem per .m. Sam.

Item nũqua despois de hũa cõsoante, de qualquer
genero, se podem seguir duas outras consoantes irmãas.
Polo que erradamente screuẽ, conlluio, ou
traslladar, cõ dous .ll. & Henrrique, & honrra, com
dous .rr. Porque o .l. & .r. primeiros não ferẽ vogal,
nem são feridos, nem teem letra, a que se ajuntem.
E tal erro he o dos que dizem, Elrrei, começando
rrei, em duas letras de hũa sorte.

Item se há de presuppoer, q̃ toda letra muda, que
despois de si leua liquida, são ambas compatiueis, &
não se podem separar, como, ma-dre. ale-gre.

Isto presupposto, a primeira regra de diuidir as letras,
seja esta. Se na dição não há cõsoante entre hũa
vogal & outra, não há que fazer mais, q̃ acabar hũa
syllaba em vogal, & começar em outra vogal a outra
syllaba, como, ce-o. De-os.

Se entre hũa vogal & outra há hũa soo consoante,
essa consoãte há sempre de ir com a syllaba seguinte,
como, fa-ma. lu-me. ainda q̃ essa cõsoante se
ja aspirada, como ba-nho. bata-lha. Porque .h.
79não he letra, senão figura de aspiração.

Se entre vogal, & vogal, há duas consoantes, & são
incompatiueis de se ajuntarem a hũa vogal, hũa das
consoantes ficará com a syllaba precedente, & outra
irá com a seguinte, como, fal-so. cam-po. par-te.
cor-po.

Se da mesma maneira, se ajuntarem duas consoantes
ambas de hum genero, hũa dellas ficará com
a syllaba precedente, & outra com a seguinte, como
vac-ca. ab-bade. ad-dição. af-feiçoar. ag-gressor.
val-lo. flam-ma. an-no. cep-po. ter-ra.
pas-so. got-ta.

Se as duas consoantes forem compatiueis de se aajuntarem,
ambas irão sempre com a vogal seguinte,
& nenhũa com a precedente, como di-gno,
re-gno. ho-spede. ca-sto. scri-pto.

Se entre vogal & vogal, vão mais q̃ duas consoantes,
hi ha moor trabalho, de saber, quaes letras vão
com a vogal precedente, & quaes com a seguinte.
Polo que he necessario saber, que letras são compatiueis,
de se ajuntar em hũa syllaba, para que concor
rendo, as não apartemos. Porque ha algũas consoãtes,
que assi vão ligadas a outras, que não se podem
apartar, de que diremos por sua ordem.80

Das letras, que se podem
ajuntar a outras, na composição das syllabas.

B. Podese ajuntar a .d. como neste nome
bdelium de certa aruore. & como em
A-bdera cidade de Thracia. E pode se
ajũtar a .l. & a .r. como, Hi-blea. o-bra
& ante outras consoantes não se soffre.

C. podese ajuntar a .l. como, Hera-clito, & a .r. como
ale-crim. & a .m. n. t. como nestes nomes
Al-cmena. Ara-cne. He-ctor. do-ctrina, & a
outras consoantes não se ajunta.

D. podese ajuntar a .r. como, pa-dre. a-dro. E em
algũas dições peregrinas a .l. m. n. como Abodlas,
nome de hum rio. Ca-dmo. Aria-dna.

F. ajuntase a estas duas consoantes .l.r. como flamma,
fresco.

G. ajuntase a .l. m. n. r. como, e-gloga. au-gmẽto.
di-gno. a-gro.

L. nunqua se ajunta a outra, que vá diante delle: mas
sempre elle vai despois destas letras mudas .b. c. d.
f. g. p. t. com as quaes fica liquido, como blasphemo
.claro. Abodlas. flãma. gloria. Platão. Atlante.

M. nunqua se põe na mesma syllaba antes d'outra
consoante, senão em algũas palauras Gregas, &
81Latinas, seguindose .n. como, hy-mno. autumno.
da-mno. tirãdo a palaura Latina, hyems, q̃
antes de .s. tẽe .m. & algũus nomes proprios peregrinos,
como. Amri, Nemrot, Samson.

N. nũqua se põe antes d'outra consoante, mas antes
vai despois de algũas, como, en-ten-di-men-to.
pneu-ma. Ara-cne. di-gno.

P. se pode ajuntar em hũa mesma syllaba antes de .l.
n. r. s. t. como disci-plina. Tera-pne. le-pra.
psal-mo. Hiem-psal. scri-pto. a-pto.

Q. não se põe antes d'outra consoante algũa, porq̃
necessariamẽte leua despois de si hum .u. liquido.
E ainda despois desse .u. nunqua se segue outra cõ
soante, senão sempre vogal, nem o .q. se ajunta a
outra consoante, que vá antes delle.

R. não se põe antes d'algũa consoante na mesma syl
laba, mas ella segue sempre as consoantes, como
vimos nos exemplos acima dictos.

S. podese ajuntar na mesma syllaba a .c. m. p. q. t. como
screuer. scudo. fi-sco. Co-smo. spa-smo.
a-spereza. Ga-spar. me-squinho. e-squadrão
te-stamento.

T. podese na mesma syllaba ajuntar a .l. como A-tlas.
& a .m. como, Tmolus, por hũ mõte de Sicilia.
82Ari-thmetica, & a .r. que he o mais cõmum
como, ma-trimonio. qua-tro.

V. consoante não se ajunta a outra algũa consoante,
soomente na lingoa Portuguesa ao .r. nestas palauras.
la-urar. la-urador. li-ura. li-ure. li-uro. v. ure
& em nenhũa outra dição, que me lembre.

X. & Z. como são letras dobradas, não se ajuntão cõ
outras consoantes em palaura algũa.

Da divisão das dições
compostas.

Se a dição for composta, & a quiserem cortar pela
primeira syllaba, sempre as preposições, ou
particulas cõpositiuas, q̃ pola moor parte são de
hũa syllaba, saião com as letras com que entrarão,
ainda que a derradeira letra da particula compositiua,
stee conuertida em outra letra, por causa da cõposição,
como, cõ-stituir, pre-screuer, re-scripto,
re-stituição, de-scender, sob-stabelecer,
ap-pellar, an-notar.

E se se houuer de cortar pela segunda syllaba, &
a dição for composta de preposição, ou particula
outra de duas syllabas, cortarseão da mesma maneira,
saindo a preposição com as suas duas syllabas
inteiras, ainda que a derradeira letra stee
83corrupta, & mudada em outra, por causa da composição,
como subter-fugio, super-fluo, circumferencia,
presup-posto.

Das letras, que se
dobrão nas dições.

Hũas letras se dobrão nas dições per natureza
das palauras: outras per deriuação:
outras per significação: outras per corrupção:
outras per variação: outras per
composição. Das que se dobrão per natureza, não
se pode dar regra: nem he cousa que consiste em arte,
senão em vso. Porque os vocabulos primitiuos,
forão compostos aa vontade, de quem os inuentou.
Polo que não se pode dar rezão, porque este nome,
gotta, teem dous .tt. ou cauallo, dous .ll. Mas com
o vso, & conhecimẽto da lingoa Latina, se pode saber,
quaes dobrão as letras, & os que Latim não souberem,
com imitar a scriptura de homẽes doctos.

As que dobrão per deriuação, são os nomes, ou ver
bos, q̃ se tirão d'outros, os quaes guardão a scriptura
de seus primitiuos, como de terra, terreno, terrestre,
enterrar, soterrar, enterreirar, terrreiro. E de cauallo,
caualleiro, caualleria. E de gotta, gottejar, gotteira,
84esgottar. E de ferro, ferreiro, ferraria, ferrar,
ferrador, ferradura, ferramẽta, ferragem, ferrenho,
ferrolho, ferrão, ferrugem, afferrolhar, ferropea. As
quaes dições dobrão as dictas letras, porque seus primitiuos,
de q̃ se ellas deriuão, as dobrão. E por aqui
saberão a scriptura de muitos vocabulos, como há
de ser, sabendo soomente a de seus primitiuos.

As que dobrão per significação, são os diminutiuos,
que em nossa lingoa acabão em, te, que parece,
não podemos screuer bem, sem dobrar o .t. segũdo
nos a orelha pede, como, verdette, pequenette, scudette,
panette, camarotte, piparotte, franchinotte,
& outros assi, que para significar diminuição, acabamos
nestas terminações, como os Latinos acabão
os seus diminutiuos em ellus, ou illus. Como os Ita
lianos tãbem dobrão a dicta letra, nas terminações
de, etto, ou otto, por denotarẽ significação diminutiua.
Porq̃ de Laura, dizẽ Lauretta, & de piccolo, piccoletto,
Antoniotto, Gianotto. Polo q̃ pedindono
lo a orelha, não deuemos ser mais couardes, em dobrar
hũa letra, maiormẽte teendo exẽplo de outras
nações. E assi dobrão .s. por causa da significação os
superlatiuos, como a diante tornaremos dizer.

As que dobrão per corrupção, são as q̃ stando na
85lingoa Latina de hũa maneira, & pronunciação, as
mudamos, & fazemos nossas, dobrãdolhe algũas letras,
querendoas accommodar a nos, como por noster,
vester, nosso, vosso: & por ipse, & ipsum, esse, &
isso: & por persona, pessoa: & por vrsus, vsso: & por
mori, morrer, & outros muitos desta maneira.

As que dobrão per variação, são as que per variação
de conjugação, ou declinação, accrescentão algũa
letra, para mostrarem differẽça de tempos, & nu
meros, & significação, como nos verbos de todalas
cõjugações, em algũus tẽpos dos modos, optatiuo,
& conjunctiuo, quando dizemos . amasse, leesse, ouuisse.
E nos nomes, que sendo masculinos, varião a
terminação, para formar os femininos, como, mao,
maa, pao, paa. reo, ree. ou que sendo do singular, for
mão seus pluraes, como, couil, couijs.

As que dobrão per composição são muitas, & per
muitas maneiras. O que se faz, mudandose a derradeira
letra da preposição compositiua, em outra tal
como a primeira do verbo, ou nome composto.
E porq̃ estas cõposições, se fazem cõ as preposições
Latinas, q̃ se ajuntão aos verbos, para lhe alterar a significação,
ou lha accrescẽtar, ou diminuir, diremos
das q̃ nos seruem .s. das q̃ fazem dobrar as letras.86

Ad, preposição dos Latinos, que quer dizer para,
junta aos verbos, que começão em .b. c. f. g. l. n. p. r.
s. t. conuerte o .d. na primeira letra do verbo, a que
se ajunta, & assi fica dobrada, como, abbreuiar, accorrer,
accumular, affecto, affeiçoar, aggressor, allegar,
alludir, annotar, approuar, assinar, attribuir,
attentar. O que hemos de entẽder, nos verbos, & nomes
em q̃ já pela cõposição Latina, se dobra a letra.
Porq̃ outros verbos que nos formamos de nosso, co
meçados em .a. não admitte a orelha, nem o vso, q̃
a dobrem. Porq̃ teẽ os Hespanhoes hum .a. seu pro
prio, & peculiar, com q̃ formão os verbos, q̃ querẽ,
como quãdo dizemos. de manso, amãsar. de pedra,
apedrejar. de nocte, anoctescer. de cabo, acabar. de
proueito, aproueitar. de puro, apurar. & outros infinitos.
Os quaes são simplezes & não cõpostos, porq̃
a verdadeira composição he, quãdo se ajunta a preposição
aos verbos: o que não ha nestes. Porq̃ não
ha, proueitar, nẽ pedrejar, nem mansar, para dizermos,
que se compõe com a dicta preposição, ad.

Mas algũus há, que o vso, & orelha nos ensinão, q̃
dobrão a letra, como são os que teem. f. r. ou .s. despois
do .a. seguindose porẽ vogal despois das dictas letras,
como: afforar, affinar, affogar, arremessar, arredar,
87arruinar, assombrar, assoelhar, assanhar, & assi
todos os mais sem fallencia.

Ex, preposição junta a dições, que começão em .f.
muda o .x. em f. & assi fica dobrado, como, effecto,
effectuar: & em outra nenhũa se muda.

In, preposição muda o .n. em .m. se em .m. come
çarẽ os verbos, ou nomes com q̃ se compõe, como,
immemorial, immunidade, immudauel, immouel.
Ao que responde a nossa preposição .en. cõposta
com os verbos Portugueses começados em .m. como,
emmadeirar, emmastear, &c.

Ob, preposição junta a dições, que começão em
c. f. p. muda se o .b. nas taes letras primeiras, como,
occorrer, offender, oppoer.

Con, preposição inseparauel soomẽte, muda o .n.
em .l.m.r. quando nas dictas letras começão os nomes,
ou verbos, a que se ajunta, como, collegir, cõmetter,
corromper.

Dis, preposição inseparauel, cõposta com dições
começadas em .f. conuerte o .s. em .f. & assi fica do
brado, como, differir, differença, diffinir, difficil.

Sub, preposição, ou a nossa sob, cõposta cõ dições,
que começão ẽ .c. f. p. cõuerte o b: nellas, como, suc
correr, ou soccorrer, sufficiẽte, supprir, supplicar.88

Das dições, que dobrão
as letras.

Teem para si algũus curiosos da lingoa
Hespanhol, que o dobrar das letras, he es
cusado acerca de nos. Porque não sentimos,
quando se dobrão, senão o .r. ou
s. & que tiradas estas, as outras todas se deuem screuer
singellas. O que he grãde erro. Porque a razão,
que ha, para se dobrarem essas, há para se dobrarem
essoutras: ainda que nem toda a orelha sinta a differença,
q̃ há de singellas a dobradas. E quanto ao .r. &
s. quando se dobrão, quem quer o sintirá. Qua assi
como o som de hum atambor, & de hũa trombetta,
até os cauallos, & bois o entendẽ, & os aluoraça, mas
nem por isso os mouerá hum instrumẽto de cordas
(porq̃ isso fica resguardado para os homẽes, que teẽ
razão) assi nas letras há hũa musica occulta, & não
menos delicada, que a das cordas, que (como diz
Quintiliano) se não deixa sentir de todos. E ainda
que na verdade, as nossas orelhas não cõprehenderão
a differença das letras dobradas, para conseruação
da origẽ & etymologia dos vocabulos, era necessario
dobrarẽse, tomando os nos dos Latinos, ou
Gregos, assi como elles nolos dão. E porq̃ aos q̃ lingoas
89não sabẽ, seria mui difficultoso, saber as letras,
que se dobrão, & ainda para os que as sabem, se não
he exquisitamente, me pareceo, que não se perderia
o trabalho, de poer specificadamente as dições, que
dobrão, por não ser cousa, de que se podia dar em to
das certa regra.

E ainda me pareceo mais necessario poer as dições,
que aspirão as letras. Porque como a aspiração, não
sentimos na pronunciação de nossas palauras Portuguesas,
segundo tenho dicto acima na letra .K.
ficaua mais difficultosa a orthographia dellas, pois
era screuer differẽte, do que pronunciamos. E posto
que de hũus & outros, aja algũus mais dos que aqui
ajunto, bastem estes, para quem não tomou de empreitada,
fazer vocabulario, senão reduzir a regras,
o que podia ser.

Das dições que dobrão. A.

A. Dobrão os nomes femininos, cujos masculinos
se acabão em, ao. como, mao, maa. Iao, Iaa.
pao, paa.

Item os nomes, a que per corrupção do Latim em
nossa lingoa, cortamos algũa consoante, que staua
entre dous .aa. como de ala (que quer dizer braço de
90aue) aa, & de palatum, paadar.

Item os que teẽdo .a. antes d'outra letra, corrompemos
essa letra em .a. como de aër, aar.

Item o articulo feminino de datiuo, que se exprime
com a preposição .aa. que tambem fica seruindo
ao accusatiuo, como, dou esta regra aa memoria,
vou aa India, de que a diante tractaremos.

Das que dobrão. B.

B. Dobrão, abbreuiar, abbade, abbadessa, abbadia,
gibba, gibboso, sabbado.

Das que dobrão C.

C. Dobrão os verbos, q̃ começando na dicta letra,
se composerão com a preposição, ad. Porque se
muda o .d. em .c. como accelerar, accelerado, accẽder,
accento, accentuar, accepto, accesso, accidente,
accidental, accommodar, accorrer, accumular, accumulatiuo,
accusar, acquirir. Porq̃ o .q. como staa
dicto, & .c. são hũa mesma cousa.

Item todolos verbos, que começando em .c. se cõposerão
com estas preposições ob, sub, & os descendentes
delles, como, occasião, occidente, occorrer,
occultar, occulto, occupar, occupação, succeder, successor,
succorrer, ou soccorrer.91

Item estes não compostos, Baccho, bocca, boccado,
aboccanhar, Graccho, peccado, peccador, sacco,
sacquinho, ensaccar, seccar, secco, seccura, secquidão,
socco, vacca, vaccum, vacqueiro,

Das que dobrão. D.

D. Dobrão addição, addicionar, addiuinhar.

Das que dobrão. E.

E. Dobrão os nomes contractos, ou abbreuiados,
a q̃ na corrupção da lingoa Latina na nossa, se tirou
algũa letra, q̃ staua entre duas vogaes, como, de
fides, fee. de balista, beesta. de pedica, peega. de sedes,
see. de pedes, pee. de sagitta, seetta. E assi creedor, de
creditor, & creença. & preego, & preegador, de pre>dico.
E pela mesma razão, de generalis, dizemos geeral.
& de generare, dizemos geerar, & geeração. E
assi estes verbos, teer, de tenere. leer, de legere. veer,
de videre. Porque seria cousa desproporcionada,
ser o infinitiuo, ou outras quaesquer partes do verbo,
de menos syllabas, q̃ a primeira pessoa do mesmo
verbo. Polo q̃ diremos, vejo, vees, vee, veemos,
veedes, veem, veer. Porque a primeira syllaba
he necessaria para o começo, analogia, & formação,
92& a segunda para terminação, & demonstração
de tempo, numero, & pessoa. Ainda que algũus verbos
aja, que são de hũa soo syllaba, como, vou, vas
vai, i, por ide. sou, es, é. stou, stás, stá.

Item se screuem cõ dous .ee. todas as dições, q̃ no
singular acabão em esta terminação .em. como bem
bẽes, vintem, vintẽes, per diphthongo.

Item dobrão, dee, na segunda pessoa do imperatiuo
presente do verbo, dou, & na primeira, & segunda
do futuro do optatiuo, & do presente do subjunctiuo.

Item dobrão galee, Loulee, maree, polee, ree.

Das que dobrão. F.

F. Dobrão os verbos, ou nomes começados em .f.
compostos da preposição, ad, cujo .d. se muda no
f. como, affabil, affecto, affeiçoar, affeiçoado, affeite,
affeitar, affim, affinidade, affirmar, affligir, affligido,
afflição.

Item os verbos da lingoa Portuguesa começados
em .a. que teem .f. entre vogal & vogal, como afforar,
affugentar, affrontar, afferrolhar.

Item os verbos, & nomes compostos da preposição,
dis, q̃ começão em .f. como diffamar, differença,
93differir, difficil, difficultoso, difficuldade, diffinir,
diffinição, diffuso, tirando disforme, & disformidade,
que muitos erradamẽte dizem por deforme,
& deformidade.

Item os compostos da preposição ex: se elles começão
em .f. como effecto, effectuar, effeminado, efficaz,
efficacia, effigie.

Item os cõpostos da preposição, ob, como officio,
official, officiar, officina, offender, offensa, offerescer,
offerescimento, offerta, offertar, offuscar.

Item os compostos da preposição sub, como sufficiente,
sufficiencia, suffragio, suffraganeo.

Das que dobrão G.

G. Dobrão as dições começadas nesta mesma letra
cõpostas cõ a preposição, ad, por se mudar
o .d. em .g. como aggrauar, aggrauo, aggressor, aggerar,
& exaggerar, bagga, de bacca.

Das que dobrão I.

I. Dobrão os nomes acabados em .il. na formação
do seu plural, como barril, barrijs, septil, septijs.
couil, couijs. buril, burijs. E assi todos os mais, accrescentando
ao singular hum .i. em lugar do .e.
94que os outros nomes acabados em consoante tomão,
na formação de seus pluraes.

Item os nomes pluraes, cujos singulares se acabão
em, im. como arbim, arbĩjs. beleguim, beleguĩjs. delfim,
delfĩjs. malsim, malsĩjs. Os quaes entre os dous
ijs. admittem o .til. q̃ os ata, & faz ser diphthõgos.

Item dobrão .i. estes preteritos lij, de legi. vij, de
vidi. corrij, de cucurri. & crij, de credidi.

K. não se dobra, porque he o mesmo que .c.

Das que dobrão. L.

L. Dobrão muitos, d'onde veo, que algũus ignorã
do a natureza das palauras, & sitio das letras, &
syllabas, o dobrão em quasi todas as dições sem juizo,
não deuendo fazelo assi. Porque lhe alterão o accento,
& as vozes, & a significação. E os que deuem
screuer com .l. dobrado são estes. Primeiramente os
compostos com a preposição, ad, junta a verbos co
meçados em .l. como allegar, alludir, alluuião.

Item os compostos de dições começadas em .I.
com a preposição, con, por mudarem o .n. em .l. como:
collação, collaço, collateral, collegio, collegial,
collegir, collector, collocar, colloquio, colludir,
colluuião.95

Itẽ os cõpostos cõ a preposição, in, como, illação,
illicito, illiberal, illudir, illusão, illustrar, illustre.

Item todos os nomes diminutiuos acabados em
lo. ou la. como bello, libello, castello, bacello, cadella,
donzella, janella, portella, codicillo, pupillo.

Item todos os nomes acabados em .lo. ou .la. a que
precede .e. ainda que não sejão diminutiuos: porq̃
assi parece que o pede a orelha, como adella, carauella,
scudella, amarello, singello, verdizello. E outros
taes: porque nenhũa differença lhe achamos de
janella, nem de bello.

Mas aquelles screueremos com .l. singello, que os
Latinos assi screuem (digo dos acabados em .lo. ou
la.) como, camelo, pelo, querela, cautela, tutela, tela,
pela, que he o mesmo, que pila, vela polo instrumẽto
da nao, & vela, de vigilia.

Item os verbos, a que ajuntamos os relatiuos, o, a,
em lugar de is, ea, id, Latino, a que por bom soido
mudamos o .s. em .l. em algũas pessoas do singular,
& plural, como, vistela? vistelo? fizestela? fizestelo?
amastela? amastelo? amalo? amala? amamolo . Item
tirando a preposição, per, & por, junta aos artigos
masculino & feminino, pelo, pela, polo, pola. Item
tirando os nomes, que teem .l. aspirado, como abelha,
96ouelha, coelho, trebelho.

Item dobrão .l. estes superlatiuos, facillimo, difficillimo,
humillimo, simillimo.

Item dobrão estes per natureza das mesmas palauras,
sem virem debaxo de regra geeral.

Achilles, alli aduerbio local, amollescer, ampolla,
annullar, appellar, appelação, appellante, appellidar,
appellido, Apelles, Apollo, Apollonio, aquel
le, aquella, aquelloutro, aquello, ou aquillo, auellãa,
auelleira.

Bellicoso, bulla.

Cabello, calle, callo, Calliope, Camillo, Camilla,
cauallo, cebolla, cella, celleiro, chanceller, colla por
grude, colle por monte, collo, collar, colleira, collyrio,
compeller.

Degollar.

Elle, ella, ello, excellente, excellencia.

Falla, fallar, fallacia, fallencia, fallescer, fallescido,
fallescimento, folle, follia.

Gallego, Galliza, Gallia, gallo, gallinha, gallinheiro,
gallinhola.

Helleboro, Hellesponto, Hollanda.

Illyrico, interuallo.

Marcello, martello, melles, mellado, meollo,
97molle, mollette.

Nullo, nullidade.

Ollaria, olleiro.

Parallelo, Pallas, pelle, & os que delle descendem,
como pellica, pelliteiro. Mas não peló me, porq̃ não
vem de pelle, senão de pelo, & de pelar, que se screuem
com .l. singello. pollegar, pollo por aue pequena,
pollução, polluto, pusillanimo, pusillanimidade.

Repeller, reuellar ou rebellar, reuellia.

Sella, selleiro, sello, Sibylla, stillar, strella, Sylla,
syllaba, syllogismo.

Tollo, tolla, Tullio.

Vacillar, valle, vallado, vallo, vello de lãa, vello
por cabello, velloso, villa, villão, villania, mas não
vileza, que vem de vil, vllo.

Das que dobrão. M.

M. Dobrão os compostos das preposições, con, &
in, juntas a verbos, ou outras dições, que começão
em .m. como, commemoração, commẽdar,
commendador, commendatario, commercio, commetter,
commissario, commiserar, commissura,
commodo, incommodo, commodidade, accommodar,
98commutar, commutação.

Immemorial, immenso, immodesto, immodico,
immortal, immouel, immundo, immunidade, immutauel.

Item estes meros Portugueses compostos com a
nossa preposição, en, emmadeirar, emmagrescer,
emmanquescer, emmastear, emmininescer, emmẽ
ta, emmudescer.

Item dobrão cammarão, cimmerio, commum,
communidade, communicar, commungar, excõmungar,
communhão, epigramma, flamma, inflammar,
gomma, grammatica, summa, summo,
summario, summariamente, consummado.

Das que dobrão. N.

N. Dobrão os cõpostos destas preposições, ad, &
in, jũtas a dições, q̃ começão ẽ .n. como, annotar,
annumerar, annũciar, annunciação, annũciada,
innauegauel, innocente, innouar, innouação, innumerauel.
E os Portugueses cõpostos da nossa prepo
sição, en, como: ennastrar, ennobrecer, ennuurar.

Item dobrão per natureza, anno, & seus cõpostos,
& deriuados, como, annal, anniuersario, annojal,
por cousa de hũ anno, annata, ou mea annata, annel,
perenne, perennal, solenne, solennidade, triennal.99

Item dobrão banno, bannido, Britannia, Britanno,
canna, cannaueal, cannauoura, cannaue, gannir,
Gebenna, Ioanna, Ioanne, Iannez nome patronymico
de Ioanne, panno, penna, por pluma: porque
por castigo he com .n. singello, tinnir, tyranno, tyrannia,
tyrannizar, Vianna.

Das que dobrão. O.

O. Dobrão os nomes contractos, & abbreuiados, a
que se tirou algũa consoãte do meo de duas vogaes,
como, noo, de nodo, onde se tirou o .d. &
moo, de mola. & soo, de solo, onde se tirou o .l. &
poo, de poluo, & de puluere Latino. & noctiuoo, de
noctiuolans. A qual letra se dobra em outros para
denotar a vltima syllaba ser longa, & teer o accento
agudo. Porq̃ para mostrar a vogal ser longa, se permitte,
que se dobre na scriptura, como os antigos fa
zião segundo Quintiliano no lib .I. das instituições
oratorias cap. vj. & Angelo Politiano nas Miscellaneas.
Polo que screueremos tambem assi enxoo,
eiroo, ilhoo, ichoo, traçoo, malhoo, auoo. E isto soo
mente nas dições, que teem .o. final, & o accento agudo
nelle.

Das que dobrão .P.100

P. Dobrão os verbos compostos, que teendo .p. no
principio, se cõposerão com as preposições ad,
ob, sub, como,

Apparar, apparato, apparo, apparelhar, apparescer,
apparẽcia, apparescimẽto, appellar, appellação,
appellante, appellado, appellidar, appellido, appetite,
appetescer, applacar, applanar, applauso, applicar,
apportar, appresentar, appresentação, appropin
quar, appropriar, approuar, approuação, approuadamente.

Oppilação, oppilar, oppilado, oppoer, oppoente,
opposição, opportuno, opportunidade, oppressão
opprimir, opprobrio, oppugnar.

Supplicar, supplicação, suppoer, supposto, presuppoer,
presupposto, sapphira, supportar, supprir, supprimento,
supprimir,

Item estes não compostos, Agrippa, Agrippina,
Appio, Appiano, cappa, Cappadocia, cappella, cappello,
ceppo, mappa, pappar, pappa por comer de
meninos: porque por summo Pontifice se diz Papa,
poppa. Sapphira.

Item os nomes Gregos deriuados desta palaura
hippos, que quer dizer cauallo, como Aristippo,
Chrysippo, Cratippo, Damasippo, Hippocentauro,
101Hippocrates, Hippocrene, Hippodamia, Hippolyto,
Hippomenes, Hipponax, Philippo, Xanthippo,
Xanthippe.

Q. Não se dobra, porque se muda em .c. sua seme
lhante, quero, acquiro, vacca, vacqueiro.

Das que dobrão. R.

R. Como as mais outras letras, que se dobrão, não
se pode dobrar, senão vindo entre duas vogaes,
como, arra, carro, ferro, terra. E porque a aspereza
da letra he tal, que vindo dobrada, logo se conhece,
he escusado particularmente poer aqui os que a dobrão:
porque não ha mais, que screuer, como pronũciamos
.s. o aspero per dous .rr. & o mais brãdo per
hum. Soomente nos deue lembrar, que quando esta
letra vier em principio de dição, ou despois, ou antes
de outra consoante, ainda que soe, quam aspero
quiser, não se screuerá dobrada, como ja teemos dicto,
no capitulo desta letra .R.

Das que dobrão. S.

S. Dobrão muitos, que he escusado poer particular
mẽte: porque he letra tam apparente, quando se
dobra, q̃ qualquer orelha o sinte: como dixemos do
r. Polo que não fica mais, que screuer, como pronũciamos
102com a obseruação, & regras, que teemos dadas,
no capitulo desta letra .s. & com nos lembrar, q̃
nenhũa letra se dobra, senão vindo entre duas vogaes,
q̃ he hũa regra, em que poucos caem. D'onde
vem dizerem mansso, immensso, & outros assi erradamẽte.
Mas o que se pode dizer em somma, & per
via de regra he, q̃ dobrão esta letra os superlatiuos, co
mo, doctissimo, illustrissimo, serenissimo. Mas não
os numeraes, como algũus mal cuidão, como, vigesi
mo, trigesimo, porque erradamente dizem, vigessimo,
trigessimo.

Item os verbos Portugueses, q̃ começão em .a. &
teem logo depos elle .s. & despois outra vogal, como
assacar, assanhar, asseettear, assegurar, assẽtar, assesse
gar, assinalar, assoelhar, assolar, assoldadar, assomar,
assombrar, assouiar.

Item os nomes femininos de dignidades como
Abbadessa, Prioressa, Alcaidessa, Baronessa, Cõdessa,
tirando estes, Princesa, Duquesa, Marquesa, &
da mesma maneira Deosa, que stá recebido pronũciarem
se, & screuerem se per hum .s.

Item dobrão os verbos deste tempo de todas conjugações,
amasse, leesse, ouuisse, per todos seus numeros,
& pessoas.103

Das que dobrão. T.

T. Dobrão, attento, attenção, attẽtado, attonito,
attraher, attribuir, attrição, & os nomes proprios,
Atteio, Attico, Attica, Attilio. Item gatto,
gotta, gotto, metter, arremetter, permittir, prometter,
Scotto, Scottia, seetta.

Item os diminutiuos em .te. ou .ta. como verdette,
pequenette, pequenetta, mocette, mocetta, &c.

Das que dobrão. V.

V. Dobrão, cruu por cruo .nuu, por nuo .muu, por
muo. & assi no plural .cruus. nuus. Muus.

X. & Z. não se dobrão por serem letras dobradas.

Y. Não se dobra porq̃ não entra, senão em dições
Gregas, em que não há dobrarse vogaes.

Das letras que se aspirão.

As consoantes, que se aspirão, são quatro
c.p.r.t. das quaes porei algũus exemplos
de dições, que podem vir em vso em nossa
lingoa. E não chamamos aspiradas .ch
(da maneira que os Portugueses a pronuncião differente
dos Latinos) nem .lh. nem .nh. porque o não
são, como teemos dicto acima.104

Das dições que aspirão. C.

C. Aspirão todos os nomes compostos desta palaura
Grega archos, que quer dizer principe, ou
principal, como Archangio, architriclino, architecto,
monarcha, monarchia, patriarcha, tetrarcha,
tetrarchia.

Item os compostos desta palaura Grega, chrysos, q̃
quer dizer ouro, como Chrysostomo, Chrysolito,
Chryseida, Chrysippo.

Item os compostos da palaura chír, que quer dizer
mão, como chiromantia, chirurgia.

Item aspirão estes: Achaia, Achilles, anchora, An
tiocho, Antiochia, Baccho, charo, charissimo, charidade,
cherubin, chimera, cholera, choro por congregação,
CHRISTO, Christouão, drachma, machina,
mechanico, melancholia.

Os quaes vocabulos para bẽ ser, se hão de screuer
assi, posto que a pronunciação, que vulgarmẽte damos
a .ch. seja mui differente da que se ha de dar aos
dictos vocabulos. Porque a q̃ os Gregos, & Latinos
lhe dão he como .c. & a que agora lhe damos he en
tre .s. & .c. Pola qual razão aos que não souberẽ dif
ferençar os nomes Gregos, & Latinos dos vulgares,
será trabalhoso entenderem, quando o pronunciarão
105aa maneira dos Latinos, ou Gregos, & quando
aa maneira vulgar. Polo que deuiamos de fazer hũa
de duas, ou screuermos os dictos nomes Gregos, &
Latinos, per .c. simplez, como fazem os Franceses, q̃
teendo a mesma differença q̃ nos, os nomes vulgares
de .ch. pronuncião como com .x. & os Gregos,
& Latinos, que teem .ch. screuem com .c. simplez,
para fazerem differença na scriptura, como fazem
na pronũciação, dízendo por camara, chambra, & pro
nunciando xambra. & por caualleiro screuem cheualier,
& pronuncião xeualier. & por castello, chasteau, & pro
nuncião xasteau, & por dizerem cholera, chame>leon.
dizem, colera, cameleon. Ou screuamos o ch. dos nomes
vulgares, que se pronuncia como .x. ou .s. ou .ç. cõ
a cifra abaxo do .c. que faça a differẽça, de choro por
pranto, a choro por ajuntamento, q̃ se faz de cappa,
a çapa, dizendo, choro, & çhoro, taçha, monarcha.
Porque não ha duuida senão, q̃ se screuessemos per
c. simplez, os que teem .ch. aspirado, q̃ nos embaraçariamos,
quãdo viessemos screuer, Antiochia, Antiocheno.
Porque seria necessario soccorrermonos a
letras alheas, & dizer Antioquia, Antioqueno. Por
que dizendo Antiocia, vai dar em outro soido differente,
por o corrupto, que viemos dar ao .c. junto a
106e. i. Polo que fica mais necessidade da aspiração, para
screuer o dicto vocabulo, do q̃ tinhão os Latinos.
Porque assi se pronunciaua acerca delles Antiocia,
sem aspiração, como Antioquia, como teemos dicto
mais largamente no capitulo da letra .C.

Das que aspirão. P.

P. Aspirado teerão acerca de nos os nomes Gregos
assi como o tinhão acerca dos Latinos, como
antiphona, aphotismo, apophthegma, blasphemo,
blasphemia, philosopho, philosophia, phantasma,
phantasia, physico, physionomia, Philippe, triumpho,
nympha, camphora, diphthongo, porphydo.

Das que aspirão. R.

R. Aspirão os nomes Gregos, q̃ começão na dicta
letra como, Rhetorica, Rhodes, Rhodope, Rhadamãtho,
& os q̃ teem .r. dobrado, sempre aspirão o
derradeiro delles, como Tyrrheno, Pyrrho, catarrho.

Das que aspirão. T.

T. Aspirão asthma, Arithmetica, Athenas, Atheniẽse,
anathema, anathematizado, author, & authoridade,
segundo o costume, ainda que Andre
Alciato diz, que em hũa pedra antiga vio scripto
107auctor, a qual scriptura agora os mais seguem na lin
goa Latina. Item cantharo, catholico, Carthago,
Carthagines, Corintho, cathedra, Ethiopia, epitha
lamio, Iacyntho, Labyrintho, Mathematica, methodo,
parenthesis, orthographia, rithma, Scythia,
theatro, amphiteatro, thema, Thebas, Theseu,
Thracia, thio, Thessalia, thesouro, Thetis, Thoscano,
throno,

Item os nomes compostos desta palaura, theos, q̃
quer dizer deos, como, theologo, theologia, Theodosio,
Theotonio, Theodoro, Theophrasto, Theocrito,
Theophilo, Theophilacto, Timotheu.

Item os nomes proprios Gregos, q̃ se compõem
desta palaura, Sthenos, q̃ quer dizer força, ou potẽcia,
como Demosthenes, Callisthenes, Antisthenes.

E os que se compõem de agathos, que quer dizer
bom como, Agathocles, Agathosthenes.

Item estes peregrinos. Elizabeth, Nazareth, Iudith,
Iapheth, Ruth, Goliath, Thamar, Seth, Zenith,
Martha, Mattheus, Thomas, Bartholomeu,
Mathias, Mathusalem.

Item os nomes de q̃ a sagrada scriptura vsa, cõpo
stos de beth, q̃ quer dizer casa, como, Beth-ania, Beth-phage,
Beth-leẽ, Beth-sabee, & outros muitos.108

Regras geeraes
Da orthographia da lingoa
Portuguesa.

Regra. I.

Do que tractei em particular da força, &
natureza de cada letra, podemos inferir
a primeira regra da orthographia Portuguesa:
que assi hemos de screuer, como
pronunciamos, & assi hemos de pronunciar co
mo screuemos.

Regra. II.

D'esta primeira regra se infere, q̃ nunqua na scriptura
accrescentemos, nem mudemos letras a
dição algũa, querendo nos accommodar aa origem,
& scriptura Latina. Porque isso he fazer noua lingoagem,
& mudar a commum & vsada, que fallamos.
Porque não consiste a policia da lingoa Portuguesa,
em as palauras serem mui conjunctas &
parecidas com as Latinas. Mas antes quanto nos
desuiamos da Latina, tanto fica teendo mais graça,
& sendo mais nossa, como tambem dizem os
Italianos da sua. Os quaes chegada aa Latina chamão
lingoa pedantesca, que quer dizer lingoa de pascasios.
109Polo que he nojenta scriptura, & fora de razão,
a dos que dizẽ princepsa, por princesa. & epse,
por esse. & oclho, por olho. & comptar, por contar,
por ser mais conforme ao Latim. Porq̃ sendo a nossa
lingoa corrupta da Latina, & fazendo nos desta cor
rupção noua lingoa propria, & peculiar nossa, q̃ pelo
vso se foi deriuãdo, & introduzindo, não hemos de
mudar, nem torcer os vocabulos, do soido, & vso cõ
mũ. Qua as palauras são como as moedas, q̃ não va
lem senão as correntes, & as q̃ stão em vso. E d'outra
maneira, se fosse melhor reduzirmos as palauras
todas ao Latim, & por, esse, podessemos dizer,
epse, tãbẽ diriamos por elle, ille, & por, agoa, aqua.
& assi ficariamos fallando tudo Latinamente. Qua
menos mudãça he, cõuerter hũa letra em outra sua
affim, q̃ accrescentarlhe outra differente. Polo q̃ nos
fique por regra, q̃ aa commũ pronunciação, não accrescẽtemos,
nem diminuamos, nem mudemos letra
algũa. Mas que na scriptura sigamos corrupção
dos vocabulos corruptos, & não a origẽ, & digamos
pẽtem, & não pectem. feito, & não fecto. contar, &
não comptar: pois já stão corruptos. No q̃ se deue ad
uertir, q̃ algũus vocabulos há, q̃ descendendo todos
de hũ primitiuo, em hũus seguimos a scriptura Latina,
110& ẽ outros a corrupta: porq̃ na verdade os pronũciamos
assi differẽtemente. Porq̃ hũus vocabulos
corrõpemos, & outros deixamos incorruptos, q̃ pola
maior parte são os de q̃ a gẽte vulgar não vsa tãto.
Porq̃ screuemos insigne, significar, & significação
cõ .g. porq̃ stão incorruptos: mas sinal, sinette, assinar,
sem .g. por starẽ corruptos, sendo certo q̃ todos
descendẽ de signum. E screuemos vnidade sem aspiração,
por star quasi incorrupto, & o primitiuo ser
vnus. Mas, hũ, & hũa, screuemos com ella, pelo costume,
que não carece de razão. Porque se dixeramos,
um, & ũus, ũa, & ũas, causara duuida, por se
encontrarem com outras dições de differente significado.
O que tambem fazemos em o verbo substãtiuo,
he, por se desencontrar do, e, conjunção.

Item se deue aduertir, que aquelles vocabulos po
deremos screuer cõ orthographia Latina, q̃ acharmos
incorruptos. E incorruptos chamo aquelles,
em q̃ não stá mudado mais, que a terminação final,
que he geeral em todas as lingoas corruptas. Polo q̃
se ha de screuer officio cõ dous .ff. porq̃ officium se
screue assi, & cauallo cõ dous .ll. porq̃ caballus se screue
assi. E screueremos docto, doctor, doctrina, precepto,
preceptor, pecto, pectoral, perfecto, cõtracto,
111usufructo, & outros taes. E se algũus de orelhas mais
mimosas dixerem, que lhe soa melhor, pronunciar
se estes como corruptos, & dizer douto, doutor, dou
trina, noute, ou noite, peito, perfeito, não lho estranharia.
Porque na verdade, a pronũciação d'aquelles
vocabulos, & de outros semelhantes, algũus a fazem
sem .c. Mas por starem tam inteiros na forma
Latina, eu os não screueria senão per .c. que o uso tu
do vem amollẽtar, & fazer corrẽte. Polo que a cada
hum fique, screuelos como os pronuncia. Mas os
versificadores, cujo trabalho he buscar consoantes,
poderão screuer de hũa maneira, ou d'outra.

Regra. III.

Item se infere da sobredicta regra, que na scriptura
não ponhamos letras, que não se ajão de pronũciar,
& de que as mesmas palauras não constão, como
os vulgares fazem no nome de CHRISTO, que o
screuem com .x. & p. dizendo Xp̃o, & Xp̃ouão,
não sendo estas dições compostas d'aquellas letras.
No qual erro tiuerão esta occasião de cair, q̃ os Gregos
screuião o nome de Christo com suas letras capitaes
assi XP̃Σ como se em letras Latinas dixessem
CHRS. E como este sanctissimo nome por a celebridade,
112& frequẽcia delle, seruia de figura tanto co
mo de letras, como agora, IHS, que scripto em letras
cabidolas, o entẽdem os que não sabem leer, os
mesmos Latinos o screuião com as mesmas letras
Gregas. Mas os scriptores indoctos despois, não entendendo
os characteres Gregos, cuidarão, que erão
as letras Latinas, & que o .X. era .x. & que o .P. era o
p. nosso, não sendo assi. Porque esta figura .X. he o
c. aspirado dos Gregos .s. ch. & .P. he o seu .R. por
que são suas letras assi na figura differentes das correspondentes
Latinas. Polo que enganados cõ os di
ctos characteres, screuião despois Xp̃o, & Xp̃ouão,
não entrando em taes nomes .x. nem .p. E da mesma
maneira se houuerão com o nome de IESV. Por
que screuendoo os Gregos abbreuiado desta maneira,
IHΣ. cuidarão, que a letra do meo era .h. nota de
aspiração, não sendo assi senão .H. letra vogal dos
Gregos, que pronunciamos como .é, longo, como
se dixerão IẼS. D'onde veo, screuerem este diuino
nome com .h. não o teendo, assi IHESV, notando
com cinquo figuras de letras o nome tetragramma
ton, que he de quatro per secreto mysterio.

Regra. IIII.113

Item se infere, que deuemos fugir o abuso, que algũus
teem, por se conformarem com o Latim na
scriptura, os quaes screuem crux, por cruz. & vox,
por voz. pax, por paz. perdix, por perdiz. No que
errão de duas maneiras, a hũa porque screuem diffe
rente do que pronuncião (o que não deue, nẽ pode
ser) a outra porq̃ quando viessem formar os pluraes
dos taes nomes, era necessario, que dixessem de vox,
voxes. & de crux, cruxes. & de pax, paxes. & de perdix,
perdixes. Porque a formação dos Hespanhoes
nos pluraes, he accrescẽtar aos dictos nomes, & aos
mais dos acabados em consoantes, hum .es. sobre a
terminação do singular. Polo que accrescentando a
pax as dictas letras, dirá paxes. & de vox, se dirá voxes.
& de crux, cruxes. Assi que fique por regra, que
todo nome Latino acabado em .x. de que os Portugueses
vsão cõuerte .x. em .z. como cruz, luz, paz,
perdiz, verniz, simplez, anthraz, capaz, rapaz, voz,
noz, pez, féz, atroz. O que como digo, se entẽde dos
nomes Latinos, que a lingoagem toma sem outra
corrupção. Porque muitos se acabão em .x. acerca
dos Latinos, que não screuemos com .z. em Portugues,
porq̃ stão corruptos, & mudados. Qua de rex,
dizemos rei, & de grex, grei, & de lex, lei. & de sex,
114seis. & de dux, duque. & de nox, nocte, & outros, que
d'outras maneiras stão corruptos.

Regra. V.

Ainda que digamos, que os nomes Portugueses
hauião em todo de seguir a orthographia Latina,
não sejamos tão supersticiosos, que algũa dição,
que já he feita Portuguesa, ainda que stee inteira La
tina, screuamos com diphthongo de ae. nem de .oe.
dizendo aedificio, haerdeiro, aestio, Æthiopia, poena,
foeno. Porq̃ nem nossa lingoa os recebe, nem a nossas
orelhas soão mais que .e. Mas diremos edificio,
herdeiro, estio, Ethiopia, pena, feno. E soomente po
deremos screuer com diphthongo, os nomes proprios
Latinos, ou Gregos, que o tiuerem, que não fo
rem mui vsados, para que nos não fação duuida, &
entẽdamos de quẽ se falla, como Oenone, Oedipo,
Ælio, pola razão, q̃ deemos no capitulo da letra .I.

Regra. VI.

Que não sigamos o abuso, de accrescẽtar a todalas
dições Latinas, q̃ começão em s. hũ .e. fazendoas
sempre de mais hũa syllaba, do q̃ teem de sua colheita.
Porq̃ dizem vulgarmente escriuão, esperar,
115espirito, Esteuão, & outros infinitos. O que he grãde
erro, & maa maneira de screuer. E o q̃ enganou
aos vulgares foi, que o .s. como he mais assouio, que
letra, da hũa apparẽcia de lhe preceder hum .e. Mas
os doctos, que são os que fazem o costume, não screuem
assi. E assi veemos, que os Italianos, & Franceses,
que da mesma maneira tomarão dos Latinos
as dictas dições, não as screuem, nem pronũcião per
e. No qual erro a gẽte Castelhana tãbem cae. Assi q̃
hemos de dizer, stado, studo, star, statua, Steuão,
spirito, sperar, scriptura, scriuão, &c.

Regra. VII.

Que não soomente os vocabulos Portugueses,
que stão inteiros, como no Latim, mas os corru
ptos, no que não stiuerem mudados, deuẽ guardar
a mesma orthographia. De maneira que assi como
stella, dobra o .l. em Latim, assi o dobrará strella em
Portugues. E assi como dizemos gutta, diremos
gotta: & como dizemos spissus, diremos spesso.

Regra. VIII.

Que esta particula, se, junta aos verbos da terceira
pessoa do singular, de quarquer tempo, faz q̃
116signifiquem passiuamẽte, ou impersoalmente, per
arrodeo, por falta de palauras, de q̃ a lingoa Hespanhol
careçe. Porque em lugar de amatur, & amabatur,
impersoal, dizemos amase, & amáuase, & em
lugar de amatur da voz passiua, dizemos tambem
ámase, em lugar de he amado, como dizemos, a virtude
amase dos bõos. A qual particula, se, deuemos
screuer separada, & per hum .s. no que vulgarmẽte
os mais errão, & dizem, digasse, façasse, passesse, não
attentando, que alterão assi as syllabas na quãtidade,
& mudão o accento, & de duas dições fazẽ hũa,
& causão confusão no significado. Polo que assi como
dizemos aquillo se ama, prepoẽdo o, se, assi hemos
de dizer separadamente, amase, quãdo o postpoemos,
& cõ hum .s. soomente, como faz se, diz se,
nauega se, ajunte se, póde se, passe se.

Regra. IX.

Que não confundamos esta particula, ou preposição,
de, com as dições, a que se ajunta, que começão
em vogal. E que ainda que o .e. da dicta particula,
se aja de elidir, & comer na pronunciação, q̃
se não coma na scriptura, que he cousa fea, & barbara.
Porque screuem vulgarmente, a cidade deuora,
117anel douro, homem darmas, delle, della, tudo ligado,
como se fosse hũa dição, hauẽdo de dizer a cidade
de Euora, assi como dizem de Roma, anel de ouro,
homem de armas, de elle, de ella. E já que quises
sem logo na scriptura tirar o .e. como se tira na pronunciação,
fação como os Italianos, & Franceses,
que denotão a detracção d'aquella vogal com hum
apostropho, como os Gregos, desta maneira cidade
d'Euora, anel d'ouro, homem d'armas, d'elle, d'ella.
O que parece mui bẽ, & vsão já algũus Hespanhoes
curiosos das lingoas. O que tambem fazem nestas
particulas, no, na (q̃ são a preposição, en, junta a articulo)
quãdo as ajuntão a pronomes, ou nomes come
çados em vogal, como n'este, n'aquelle, n'quella, n'a
quelloutro, n'outro, n'algum n'um. Dos quaes direi
no capitulo dos apostrophos.

Regra. X.

Que não vsemos fallãdo, ou screuẽdo indistincta
mente destas preposições, per, & por, nem as cõ
fundamos, como fazẽ vulgarmẽte, não fazẽdo diffe
rẽça de hũa a outra, sendo entre si tam differẽtes, co
mo no Latin são, per, & pro, q̃ teẽ differẽte significa
ção, & pedẽ diuerso caso. Assi q̃ quãdo quisermos di
118zer o meo, per q̃ se faz algũa cousa, o hemos de signi
ficar, & screuer per esta preposição, per, & não per
esta, por, como he quando dizemos: Eu vos mostrarei
isto per razões euidentes: Este liuro he composto
per tal author: & tudo o mais ; que os Latinos dizem
per a dicta preposição.

Mas o nosso, por, poemos em lugar do, pro, dos La
tinos, como quando dizemos: Eu vos tenho por amigo,
este lugar stá por elRei, trocai me este liuro
por outro. O que não se soffria dizer assi: Tenhouos
per amigo, este lugar stá, per el Rei, trocaime este liuro
per outro. E aas vezes se põe a mesma preposição
em lugar de propter, como nestes exẽplos: Por a
tempestade q̃ vai, não nauego: fazei isto por hũ vosso
amigo. Posto q̃ quando se põe na dicta significação,
pola maior parte se lhe ajũta esta palaura amor,
ou causa. Porq̃ dizemos: Por amor das neues não pas
so os alpes: & por amor dos Turcos não passo o mar.
As quaes palauras, amor, ou causa, não seruem de
mais, que de explicar a significação da dicta preposição.
Porque não tẽe a lingoa Portuguesa voz,
que responda a, propter, & por isso vsão d'aquelle
rodeo. E a mesma ordem se deue guardar no vso
das mesmas preposições juntas aos articulos, o,
119a, quando por bom soido, mudamos o .r. em .l.
dizendo. Polo amor de Deos, pola honra, pelo caminho,
pela terra. Porque do, per, vẽ pelo, pela, & do
por, polo, pola, & a conjunção polo que, q̃ dizemos
por a Latina, quapropter. De que se collige tambem,
que se deuem screuer per hum soo .l. que succede
em lugar do .r.

Regra. XI.

Que tiremos outro abuso, de poer a letra .p. entre
m. & .n. como algũus maos Hespanhoes, & piores
Latinos fazião, que screuião, sompno, dampno,
solempnidade, & aas vezes antes de .u. consoante,
como, scripuão, screpuer, & peor ainda que isto dezião,
spriuão, spreuer.

Regra. XII.

Que reduzamos a melhor scriptura muitas dições,
que sendo Latinas, & stando incorruptas
em muitas syllabas, & algũas em todas, tirada a da
terminação, lhe tiramos suas letras, como são estas:
calidade, cantidade, contia, nunca, cinco, ca, acolá,
como? aduerbio interrogatiuo, hauendo de dizer:
qualidade, quantidade, quãtia, nunqua, cinquo, qua,
aquola, quomo?120

Regra. XIII.

Que nunca dobremos a primeira letra de algũa dição,
porq̃ a nenhũa vogal nem consoãte, podem
preceder duas letras semelhantes. Porque a primeira
não teeria vogal que ferir, nem letra, a que se ajũtar:
o que não pode ser. E pela mesma razão, não dobraremos
a letra final de algũa palaura: porque a vltima
não teeria vogal, a que fosse atada. Assi q̃ errão
os q̃ screuem, llourenço, rrei, & elrrei, quall, mill,
& outros assi.

Regra. XIIII.

Que por abbreuiar a scriptura, não screuamos per
notas numeraes, ou de algarismo as palauras, q̃
não denotão numero, como fazem algũus por igno
rancia da lingoa Latina, & da propriedade, & natureza
das palauras, guiados do som dellas, & não da
significação. Porque dizem: Não vos vades, sem 1º.
fallar comigo. E por dizerem, segundo Platão, dizẽ
2º. Platão. E por dizerem: Eu serei neste negocio bõ
terceiro, screuem 3º. O que he grande erro, & fealdade
da scriptura. Porq̃ alli a palaura, primeiro, he
aduerbio, que significa antes, & a palaura, segundo,
he preposição, q̃ quer dizer acerca, & a palaura, ter
ceiro, he nome, que quer dizer intercessor, & medianeiro.
121Polo que fica claro, que não denotando
numero, não se podem screuer com cifras, ou notas
numeraes.

Regra. XV.

Que guardemos a analogia, & ordem nos vocabulos
deriuados, & q̃ não variemos nelles. Porq̃
dizem muitos, rindeiro, vindeiro, vistido, não respeitando
aos primitiuos. Porq̃ se renda se screue cõ
e. necessariamente, se ha de screuer assi, rendeiro, q̃
he seu deriuado. E se dizemos veste, & vestimenta,
assi vestir, & vestido, & assi de venda, vendeiro. E co
mo dizemos, pelle, tambem diremos pelliteiro, &
pellica, & não pillica, nem pilliteiro. E assi como di
zemos pomo, diremos pomar, & não pumar, como
muitos dizem. E de gemer, diremos gemido, & não
gimido. E como dizemos pedir de peço, diremos
petição, & não pitição, pedinte, & não pidinte. E de
ferir, diremos, ferimento, & ferida, & não, firimẽto,
nem firida. E de mealha, diremos, mealheiro, & não
mialheiro. E de meço, medes, medida, & não midida.
E de mento, mẽtes, mẽtira, & não mintira: posto
que tambem digamos, minto, & mintes.

Regra. XVI.122

Que tenhamos grande tẽto nos vocabulos, em q̃
entra .c.s. & .z. Porq̃ a mais da gente, & não soo
a vulgar, se engana na scriptura, confundindo estas
letras, & poendo hũas por outras, sem distinção, sen
do ellas differentes, & distantes na pronunciação, &
natureza, assi como o são na figura. Das quaes letras
o que se pode reduzir a regra he isto: Que com .c. se
screuem todos os nomes verbaes, corruptos dos Latinos
acabados em, tio, de qualquer conjugação que
sejão deriuados, como, oração de oratio, geeração,
de generatio, lição, de lectio: tirando razão de ratio,
que dizemos aa differença de ração, por porção.

Item todos nomes cujos Latinos se acabão em,
tium. como seruiço, de seruitium, negocio, de negotium,
exercicio, de exercitium. Por o que não
dirão negotio nem exercitio. Porque como dixe na
letra .C. he pronunciação mui alhea. Nem menos
diremos, offitio, como algũus, querendo ser mais
Latinos do que he necessario, dizem. Porque os Latinos
não dizem offitium, senão officiũ, por vir de
facio, assi como tambẽ dizem judicium, de judico,
que corrompemos, & mudamos em juizo.

Item screueremos per .c. os vocabulos acabados
acerca dos Latinos em, tia, que são os nomes, q̃ chamão
123denominados, como prudencia, de prudẽtia.
paciencia, de patientia. sciencia, de scientia. Porque
a nossa lingoa não admitte nelles a pronũciação Latina,
que não he, a que lhe nos damos vulgarmẽte.
Polo q̃ os hemos de screuer, como os pronũciamos.
O que se vee em algũus, a que tiramos o .i. per syncopa,
q̃ necessariamente ficão em .ç. como justiça de
justitia, sentença, de sententia. E pela mesma analogia,
conuença, differença, Valença.

Item os verbos deriuados dos ditos nomes denominados
acabados em ça, como de sentença, sentẽciar.
de justiça, ajustiçar. de preguiça, espreguiçar.
de cobiça, cobiçar.

Item todos nomes deriuados de outros, ainda que
meros Portugueses desta figura, confiança, medrãça,
possança, bonança, abastança, &c.

Itẽ todos os verbos cõ toda sua inflexão de tẽpos,
modos, & pessoas, cujas primeiras pessoas do presẽte
do indicatiuo, se acabão ẽ, iço, como espreguiço, espreguiçar.
esperdiço, sperdiçar. enfeitiço, enfeitiçar.

Item todos nomes acabados da mesma maneira, q̃
por a maior parte significão abũdancia, ou frequencia,
como chouediço, fugidiço, feitiço, castiço, mettediço,
maciço, dobradiço, agastadiço, nouiço, &c.
124Item todos os verbos desta figura, preualeço, preualeçer,
basteço, basteçer, appareço, appareçer, & assi
conheço, stabeleço, emmagreço. E assi mesmo os
nomes que delles descendem, como conhecimẽto,
bastecimento, sobstabelecimento.

Item se screuem per .c. todos nomes, que acerca
dos Castelhanos se acabão em zo. ou za. que significão
grandura, ou abundancia, que são contrarios na
significação aos diminutiuos, como bargantaço, ca
uallaço, porcaço, negraço, gordaço, gordaça, &c.

E todos os nomes que os Castelhanos acabão na di
cta terminação, zo. ou za. ainda que não tenhão aquella
significação augmentatiua, como laço, agraço,
inchaço, chumaço, aço, couraça. &c.

Item os nomes desta figura, ladroice, truanice, bebedice,
sandice, velhice, meninice, paruoice, garridice,
&c.

Per .s. se screuerão aquelles, cujos Latinos teem .s.
Polo que de mensa diremos mesa, & não meza. E de
casa não diremos caza. E assi screueremos os deriuados
delles, como casal, caseiro, casamento, & não
cazal, nem cazamento. E se dizemos diuisio, não di
remos diuizão, & de defensa, não diremos defeza,
nem prezente, por presente. Polo que nos fique por
125regra, que todo nome verbal, que acerca dos Latinos
se acaba em sio, mudemos em, são, & digamos
de diuisio, diuisão, de conclusio, cõclusão, de pẽsio,
pensão: & todos os mais pela mesma maneira, tirãdo
paixão, que dizemos de, passio.

Per .z. se screuem aquelles, de que a tras fizemos
menção no titulo da letra .Z.

Regra. XVII.

Que todo nome proprio de homem ou molher, se
screua com a primeira letra grande, & capital,
como Lourenço, Antonio, Duarte, Maria, Ambrosia.
E assi os cognomes, ou appellidos, ainda que em
outra maneira sejão appellatiuos, ou cõmũus, como
Sylua, Pereira, Carualho, Lobo, Raposo, Gama, para
cõ a dicta maneira d' screuer, se tirar a duuida q̃ aas
vezes incide, d' quãdo são appellatiuos, ou proprios.

Item todos nomes de prouincias como: Portugal,
Algarue, França, Alemanha, India. E de cidades,
como: Euora, Lisboa, Coimbra. E os nomes das gẽtes,
que das prouincias, ou cidades se deriuão: como,
Portugues, Arabio, Lisbones, Coimbrão.

Item os nomes de montes: como, Sion, Olympo,
Tauro, Ætna.126

E de rios como: Tejo, Guadiana, Danubio, Euphrates.

E de fontes como: Arethusa, Castallio.

E de meses como: Ianeiro, Março, Maio, Nouẽbro.

E de deoses da gentilidade como: Iuppiter, Neptuno,
Venus, Diana.

Finalmente todo o nome, que não pode competir,
senão a hũa soo pessoa, ou cousa.

Item se screue com letra capital & grande, todo o
principio de lectura, & qualquer clausula, que se siga
despois de acabar outra clausula precedente, em põ
to final, ou interrogatiuo, ou admiratiuo, como se
veraa nos exẽplos, que poeremos, quando tractarmos
dos pontos das clausulas.

Item se screue com letra capital, o q̃ vai despois do
cõma, quãdo se muda de hũa sentẽça a outra, como,
Dicam Deo: Noli me condemnare. Direi a Deos:
Não me queirais cõdẽnar. Ou quãdo se passa de hũa
pessoa a outra, como, Dixit autẽ quidã: Ecce mater
tua. Dixe então hũ certo homẽ: Ex aqui vossa mãi.

E em meo de algũa dição, se não poeraa letra maiu
scula, q̃ seria feo dizer. IoAm. LouRẽço. AnRique.

Regra. XVIII.

Que em a scriptura não liguemos hũas letras a
127outras & muito menos hũa dição a outra, como fazem
geeralmente scriuães, por razão de com hũa pe
nada fazerẽ muitas letras, & em pouco spaço mais
scriptura, respectando mais ao seu proueito, que ao
dos lectores. Porq̃ da tal ligatura nasce confusão, &
obscuridade, ainda em letra de bõa mão, & não se lee
senão o que se tira per descrição. Porque por causa
das ligaturas, não se podẽ formar as letras perfectamente.
De que vem que per discurso de tempo, ou
de se costumarem outras ligaturas, ou se não costumarem,
se não leerão muitas scripturas. No que deuemos
imitar a nossos passados, cujas scripturas antiquissimas,
por não screuerem ligado, leemos sem
nenhũa difficuldade, o que nossos posteros não farão
das nossas. Outro inconueniente se segue das ligaturas,
que por causa dellas, nenhum estrangeiro pode
leer, nem entender nossas cousas. O que não fora
se as letras forão soltas, porque os characteres, &
figuras de nossas letras puros em si, são commũus a
todas nações, que vsão do alphabeto Latino. Achegase
a isto, q̃ toda letra solta & desapegada, por maa
que seja, representa ao sentido de quem a vee, & faz
conceber, o que nella se contẽe, & por maa que seja,
se lee, sem difficuldade. E pelo contrario, sendo ligada,
128ainda que bõa letra seja, se lee com trabalho, &
muitas vezes se não entende. Do que quis fazer regra
de orthographia não o sendo, por o trabalho q̃
scriuães dão, a quem lee seus processos, que por cobiça
de pouco ganho, muitas vezes offuscão a justiça
das partes, & porque meu intento he ser este tractado,
hum preludio da arte & instrução dos notarios,
que despos elle spero logo diuulgar.

Regra. XIX.

Que não confundamos, nem misturemos as figuras
numeraes da cõta Romana cõ a Arabica,
como fazem algũus, que por dizerem, xxv. xxvj.
xxvij. xxviij. screuem xx5. xx6. xx7. xx8. que he
cousa fea, & nojenta para quem entende. Nem comecemos
a conta em figura, & acabemos em letra,
mas toda a conta screuamos junta, ou per palauras,
ou per notas numeraes, & digamos: Anno de mil, &
quinhentos, & setenta & seis, ou: Anno de 1576. &
não: Anno de mil, & quinhentos & 76. nem Anno
de 150. & setenta & seis, que outro si he cousa fea &
desproporcionada.

Regra. XX.

A ultima regra, que na lembrança deue ser a primeira
129seja, que trabalhemos sempre, por inuestigar
a origẽ dos vocabulos. Porq̃ pela etymologia delles,
se sabe a orthographia, & pela bõa orthographia
a etymologia. E esta he a fonte & a raiz de fallarmos,
& screuermos bem, & propriamente, ou mal.
Porque de as palauras andarem tiradas de seu curso,
& scriptura, vem não se saber a origem, & propriedade
dellas: & de não sabermos a origem, vem
andarem muitas tam mal scriptas, que por starem
tam recebidas do vulgo, não podem já teer emẽda.
Esta palaura, memposteiro, ategora andou mal scripta,
mas agora, q̃ com outras muitas vola dou emẽdada
em, mamposteiro, facilmẽte caireis no q̃ quer
dizer, & dõde se deriua, que he homẽ posto da mão
d'alguẽ, para algũ negocio, na forma que dizemos
mãteudo, o que stá teudo, & alimẽtado da mão d'alguem.
E assi sabendo, que farropea vem de ferro, &
de pea, direis ferropea com .e. & não com .a. como
quem sabe, donde se deriua. E quem soubera, q̃ man
tobernio, queria dizer, mãto de Hybernia, ilha a q̃
per outro nome chamão Irlanda, onde se fazẽ, como,
Paris, Ruão, Hollãda, por outros panos, dixera
hybernio, & não bernio, q̃ não he menos grosseria, q̃
se dixessemos, Taliano, por Italiano, & Lemão, por
130Alemão, o q̃ se não soffre. Porq̃ em nomes proprios
ou deriuados d'lles, não pode hauer mais corrupção,
que na terminação final. Ao q̃ não obsta dizer, q̃ isso
he o effecto da corrupção das lingoas, & q̃ assi he em
todos os mais vocabulos, em q̃ se mudão hũas letras
em outras, & se accrescentão, & diminuem. Porque
hũa cousa he a corrupção, q̃ se faz por a propriedade
da lingoa, a que traspassamos os vocabulos, & perq̃
corrõpemos hũas letras em outras suas affijs, outra
he, a q̃ se faz por a ignorancia da origem dellas, q̃ he
corrupção, q̃ as orelhas de homẽs polidos, & de bom
entẽdimẽto não admittẽ, como he dizer enxucação,
por execução, socresto, por sequestro, rendição de ca
ptiuos, por redempção, alicornio por vnicornio, sorodio,
por serodio, & outros infindos vocabulos, q̃
muita gẽte pronũcia, & screue mal, por não saber a
origẽ delles, sem a qual he impossiuel screuer certo,
nem fallar proprio. Assi q̃ ainda q̃ da vulgar gẽte ve
jamos, q̃ stá recebido, screueremse d'outra maneira,
como não deuem, attreuamonos aos screuer, como
deuem sem medo, & por memposteiro, digamos
mamposteiro, por sorodio, serodio, & por bernio, hy
bernio, q̃ o vso tudo vem abrãdar, & fazer corrente,
& natural. E reuendiquemos, & restituamos a seu lu
131gar os vocabulos, & façamos costume do q̃ consiste ẽ
razão, & analogia. Porq̃ em nenhũa cousa pode mais
o costume, que na orthographia, & nas palauras, q̃
se mudão, & varião como as moedas. Scipião Africano
(segundo Quintiliano screue) de vorto, vortex,
& vorsus, começou a screuer, verto, vertex, &
versus, & assi ficou em vso. Caio Cesar de optumus
& maxumus, que então dizião, screueo optimus, &
maximus, que nos durão ategora. Por magister dizião
os antigos magester. por liber, leber. por nutrix,
notrex. por Hecuba, Hecoba. & por sibi dizião
sibe. & por quasi, quase. & outros infindos, q̃ se mudarão
com o tempo em outra maneira de screuer.
E de dez diphthongos que os Latinos tinhão se forão
esquecendo os quatro. E assi veemos na lingoa
Portuguesa, per quam differente maneira se screue
agora do que se screuia & pronunciaua, no tempo
antigo ate o delRei dom Ioão o primeiro, que parece
outra differente lingoagem. E mui facilmẽte
(para tornarmos ao proposito que comecei) se alcãçaraa
a origem dos vocabulos (moormente per os q̃
a lingoa Latina souberem) se considerarmos as letras
que se conuertem em outras, como acima vos
mostrei.132

Da observação
Dos articulos, & como se deuem
screuer.

Ainda que na lingoa Latina se escusem os
articulos, por as terminações dos casos,
que mostrão quaes são, na lingoa Portuguesa,
onde os nomes são indeclinaueis
(tirada a differença dos numeros) são necessarios,
porque per elles vimos em conhecimẽto dos casos,
pois no caso em que elles stão, sabemos star os nomes,
a que se ajuntão. Mas porque aos articulos, que
tambem são indeclinaueis, & soo teem variação no
genero & numeros, não podiamos dar esta demõstração
dos casos, soccorremonos aas preposições,
de, &, a, pelas quaes os mostramos. Porque, de, nos
serue pera o genitiuo, & ablatiuo, &, a, para o datiuo
desta maneira.

Articulo masculino. | Articulo feminino.
Singular. | Plural. | Singular. | Plural.
Ntõ. | o. | os. | Ntõ. | a. | as.
Gtõ. | d'o. | d'os. | Gtõ. | d'a. | d'as.
Dtõ. | a o. | a os. | Dtõ. | a a. | a as.
Acctõ. | o. | os. | Acctõ. | a. | as.
Ablti. | d'o. | d'os. | Ablti. | d'a. | d'as.133

O vocatiuo não tẽe articulos. Porque .ô. cõ que
chamamos, he aduerbio de chamar, & não articulo.
Porque a natureza dos nomes relatiuos, & demonstratiuos,
como os articulos são, não padece aquelle
caso, que requere presença da pessoa, a que se dirijão
as palauras de chamar. E assi vereis, que não, tẽe
variação de genero, nem de numero. Porque diremos.
ô senhor, ô senhores, ô senhora, ô senhoras.
Assi que errão, os que cuidão que o articulo tẽe variação
de caso .s. o, a, do, da, ao, aa, ô. Porque não ha
mais que, o, a, & o que se lhe prepõe, são as dictas
preposições. Porq̃ por dizermos de o .de a. viemos
dizer, do, da, comendo, & apagando o .e. per hũa figura
chamada synalepha, assi como de en o, & de
en a, viemos dizer no, na. & de com o, co. & de
com a, coa. De maneira que quando dizemos ao, a,
he preposição & o, he articulo. E quando dizemos
aa, da mesma maneira o primeiro, a, he preposição,
& o segundo articulo feminino. Donde se segue, q̃
necessariamente, quando a preposição se ajunta ao
articulo feminino, que he no caso datiuo, screueremos
per dous, aa. O que antes parecia duro a algũus
que não caíão na razão disso. Porque, o, a, como digo,
per si soo he preposição.134

E porque ha algũus de engenhos obstinados, a que
não sei se persuadi, quero lho prouar per hũa demõstração
nas lingoas Castelhana, Italiana, & Frãcesa,
que nisto cõformão com a nossa. Porque acerca dos
Castelhanos, quando dizem voy a Roma, aquelle, a, he
preposição, & não põem articulo, por Roma ser nome
proprio, que o não admitte. E quando dizem
voy a la Iglesia, fica manifesto, que o, a, he preposição,
& o, la, articulo como tambem fazem no masculino,
quando dizem, voy a Toledo, sem articulo por a
dicta razão de ser nome proprio, & voy al mercado por
ser appellatiuo, com o articulo, al, que he o mesmo
que a el, de q̃ fazem syncopa. E os Italianos da mes
ma maneira dizẽ ando a Roma, & ala piazza, & io passai per
Bologna
, & passai per la strada, E os Franceses dizem, ie voy a
Naples
, & a Rome: & ie voy a la maison, & ala eglise. Do que fica
conuencido, que necessariamente hauemos de screuer
dous .aa. quando ajuntamos a preposição, a, ao
articulo feminino no caso datiuo, & dizer, vou aa
igreja, doume aa virtude, das te aas armas.

Item deueis saber outra regra, que nunca ouuirieis,
que por os nomes proprios serem demonstratiuos
de seu genero, & por não teerem necessidade
de articulos, demonstramos os casos d'elles,
135soomente com as dictas preposições sem articulo,
& dizemos: Pedro corre, & não, o Pedro. & Caesar
vence, & não o Caesar: & de Caesar he vencer, & não
do Caesar ; & a Caesar conuem vencer, & não ao Cae
sar: & com Caesar stá a victoria, & não com o Caesar.
O que tudo he per as dictas preposições, sem articulo.
Mas nos appellatiuos, dizemos assi: O capitão
vence: Do capitão he vencer: Ao capitão conuem:
Com o capitão, &c. Dõde se segue, que errão hũus,
que por se fazerem mais Portugueses do necessario,
& muito anciãos, dizem, o Bartolo diz isto, o Baldo
diz aquell'outro. O que he cõtra a propriedade dos
articulos, que não se ajuntão aos nomes proprios:
porque não demostrão, o que naturalmente stá demõstrado.
Ainda que nos appellidos, & cognomes
de pessoas mui conhecidas, de que frequentemente
fazemos mẽção, se ponhão algũas vezes, como quãdo
dizemos, o Pinheiro, o Nauarro.

E assi como aos nomes proprios, se não ajuntão
articulos, assi nem aos pronomes, porque stão em
vez de nomes proprios, soomente lhes ajũtamos as
preposições, como de mi, de ti, de si, de este, d'estoutro,
a mi, a ti, a si, a nos, a vos, a aquelles. Mas não
ao mi, ao ti, ao este, aos nos, &c.136

Item se ha de aduertir acerca d'estes articulos outra
cousa, a que não se pode dar razão, senão pedilo assi
a orelha & costume, que a algũus nomes de prouincias
ajuntamos articulos, & a outros não. Porque dizemos:
Italia he prouincia fertil, & cidade de Italia,
& d'isto vem bẽ a Italia, & vou a Italia, & o mesmo
em Frãça, Lombardia, & Hespanha, & outros. Mas
não he assi nesta palaura, India, onde não nos soffrẽ
as orelhas dizer, India he terra grãde, cidade de India,
nem vou a India. Porq̃ dizemos, a India, da India,
aa India. E assi dizemos Cambaia stá na India,
& vou a Cambaia. Mas não diremos, China stá no
oriente, senão a China, & assi vou aa China. E assi di
zemos vou a Corintho, vou a Toledo, & não ao Corintho,
nem ao Toledo. Mas não diremos vou a
Cairo, se não ao Cairo.

Outra obseruação he, que quando os nomes das ci
dades podião per outra maneira ser appellatiuos, ou
cõmũus, sempre lhes damos articulo. Porq̃ ainda q̃
digamos vou a Toledo, vou a Roma, não dizemos
assi, vou a Porto, vou a Guarda, senão vou ao Porto,
vou aa Guarda. E da mesma maneira quando se as
prouincias nomeão pluralmẽte, como vou aas Hespanhas,
vou aas Canarias. O que não he nos nomes
137das cidades: porque dizemos vou a Athenas, vou a
Bruxellas, vou a Thebas, vou a Cumas.

Item hão de aduertir, q̃ dizemos vou a casa, quãdo
entẽdemos da nossa morada, & vou a casa de Pedro,
& não aa casa. Mas quãdo não he casa de habitação,
dizemos cõ preposição, & articulo, vou aa casa dos
tabelliães, vou aa casa da India, &c.

E porque muitos aspirão os articulos, cuidando, q̃
os tomamos dos Gregos, que no masculino, & femi
nino do primeiro caso os teem aspirados, dizendo,
ὁ. ἡ. lembro que he escusada curiosidade, assi porq̃
os não pronunciamos aspirados, como porq̃ não tomamos
esses articulos dos Gregos, ainda q̃ como elles
os tenhamos. Porq̃ os nossos articulos, o, a, são o
pronome, is, ea, id, por o qual dizemos, o, a, o, o qual
pronome não soomẽte vai antes dos nomes, como ar
ticulo, mas antes & despois dos uerbos, como relatiuo
q̃ he. Porq̃ dizemos a Pedro eu o amo, & dizemos
amoo, amoa .s. eu o amo a elle, & amo a ella. E dizemos
nos o amamos, & amamolo .s. por amamos o,
mudando o .s. em .l. por bom soido, como quando
dizemos fizestelo? ouuistela? por fizestes o? ouuistes
a ? Por tanto he desnecessario aspirar o que de sua natureza
não tẽe aspiração.138

Dos accentos, e qvando
os deuemos vsar na scriptura.

Como as palauras constão de vozes, naturalmẽte
as não podemos pronunciar, senão com differença
de accentos. s. hũus altos, & predominantes,
& outros graues & baxos. E accento chamamos,
o tom que damos a cada syllaba, que em cada
hũa dição leuantamos, ou abaxamos. E o predominãte,
de que tractamos, não he mais que hum em
cada syllaba. E tirada aquella syllaba, em q̃ stá o accẽ
to predominante, as mais teem accento graue, que
propriamente não he accento, senão quanto em respecto
do agudo. E os accentos são tres .s. agudo, gra
ue, circumflexo. Agudo he, o q̃ leuãta mais a voz,
& tẽe esta figura, á. O graue he o q̃ abaxa & he assi, à.
Circumflexo he o que participa de ambos, & assi
tẽe a figura, â. E porque muitas dições se parecem
com outras, por teerem as mesmas letras, & todauia
por serem differentes na significação, teem differẽça
no accento, releua vsar destes accentos, para demõstração
da differença. Dos quaes nas dições, que não
teem outras semelhantes, não deuemos vsar. Porq̃
não seruirão de mais, que de causar confusão aa gẽte
vulgar, & fazer cair em erro, os que os quiserem imitar,
139não o sabendo per arte.

Assi que onde o accẽto faz mudãça de significação,
o notaremos sempre, como nas terceiras pessoas do
preterito p>fecto, do modo demõstratiuo de todalas
cõjugações. Porq̃ concorrem cõ as terceiras pessoas
do futuro do mesmo modo, & numero, em as mesmas
syllabas, senão que differem no accento. Qua
as vozes do preterito teem o accento agudo na penultima,
& as do futuro na vltima. Polo q̃ para tirarmos
a differença dos modos, & tempos, de que fallamos,
quãdo for preterito, diremos amára, leéra, ouuíra.
E quãdo for futuro diremos, amarâ, leerâ, ouuirâ,
com accento circumflexo.

O mesmo vsaremos nos nomes, onde assi for necessario,
como nesta palaura, cór, por võtade, que no
taremos com accento agudo, aa differença de côr
por color, que o teem circumflexo: & como em fêz
pessoa do verbo faço, aa differença de féz por borra:
& ía pessoa do verbo vou vás, aa differença de já aduerbio
tẽporal, &, ê, terceira pessoa do verbo sou, aa
differença de, e, conjunção, ainda q̃ neste a differẽça
se tira sem accento, ou pela aspiração, q̃ se lhe põe de
costume, quando he verbo, ou por a figura que dão
ao, e, quando he conjunção assi, &.140

Mas algũus ha, que por não teerem noticia dos ac
centos, em lugar delles, dobrão as vogaes do accẽto
predominante, & screuẽ, amaarão, ouuijrão, aa differẽça
do futuro, & amaraa no futuro do indicatiuo,
& amaara no presente do optatiuo, & preterito imperfecto
do subjunctiuo, & assi em os mais. Porque
as syllabas, que teem o accento, pela moor parte são
lõgas acerca de nos. O q̃ não carece de exemplo dos
antigos, como acima teemos dicto, dos q̃ dobrão .o.
Mas o melhor será, notar a differença com os accentos,
por não poer letras ociosas, que na verdade se
não pronuncião.

Dos apostrophos

Apostropho he hũa figura, que os Gregos
contão entre seus accentos, sem ser accẽto.
Porque soo denota a vogal que se tira
do fim da dição, per hũa figura chamada
synalepha, quando se segue outra dição, que outro si
começa em vogal. O que se faz no verso, para se euitar
o hiato & abertura da bocca, que se causa acabãdo
hũa dição em vogal, & começando outra tambẽ
em vogal. A qual nota se põe sempre sobre a derradeira
141consoante da dição, ficando em lugar da vogal
que se tira, cuja figura he a metade de hũ circulo
assi .ɔ. E as dições acabadas em vogal, em que mais
cõmummente comemos & tiramos a dicta vltima
vogal, são estas, de, me, te, se, que, ante, no, na, esse,
este, aquelle, outro. Polo q̃ as screueremos assi, quãdo
lhe tirarmos & elidirmos aquellas vogaes, m',t'.
s', qu', n', n', ant', ess', est', aquell', outr', como d'ambos,
d'isto, não m'ouuis? não t'ouui, não s'entende,
qu'andais dizẽdo? n'este, n'esta, n'outro, ant'ontem,
ess'outro, est'anno, aquell'outr'anno. E cõfundindo
tudo, & ajuntando o na scriptura, como fazemos na
pronunciação, seria cousa fea, & que causaria duuida
no significado, como se screuessemos, não mamais,
por não me amais, ou não touço, por não te ouço.

E em algũus lugares necessariamente hemos de vsar
deste apostropho, ainda q̃ seja em prosa, como he
nesta preposição, de, jũta a dições, q̃ começão em vogal,
se na pronunciação comemos aquella vogal, de
que já teemos feita mẽção nas regras geeraes da orthographia.
Item he necessaria, para screuer algũus
nomes cõpostos, quãdo o primeiro simplez, se acaba
em vogal, & o segundo começa em outra vogal,
em que necessariamente tiramos a primeira vogal,
142como em Montagraço, Montargil, Portalegre. Os
quaes se hão de screuer assi, Mont'agraço, Mont'argil,
Port'alegre, Font'arcada,

E da mesma maneira he necessario, para os nomes
proprios & cognomes. Qua por o que vulgarmẽte
dizemos, Fernão daluarez, Pedrafonso, tudo junto,
hemos de dizer separado Fernand' Aluarez, Pedr'
Afonso. E assi não diremos, foão Dalmeida, Daguiar,
Dantas, Doliueira, senão d'Almeida d'Aguiar,
d'Antas, d'Oliueira, &c.

Das abbreviatvras.

Soccede serẽ na scriptura necessarias as abbreuiaturas,
q̃ já forão mui costumadas dos antigos, para
celeridade & presteza do screuer. Mas o abuso,
que entre nos anda, fora do costume d'outras nações
de abbreuiar as palauras per entrelinhas, se deue fugir.
Porq̃ he remẽdar a scriptura, q̃ pode ir limpa, &
inteira. Qua nũca nos hemos de soccorrer a screuer
em spaço, senão quãdo despois de tudo scripto nos lẽ
bra algũa cousa, q̃ se houuera de screuer em regra,
que por não hauer já lugar, a mettemos em spaço, ti
rando a abbreuiatura do, til, q̃ he necessaria, & não se
pode poer em regra. Polo que as abbreuiaturas, que
143houermos de fazer, não sejão para poupar papel, senão
para poupar tempo. Porque screuendo em spaço,
não he abbreuiar, senão mudar o lugar do papel.

Assi que nossas abbreuiaturas sejão de tal maneira,
que nas palauras, que stão mui notorias, ponhamos
letra por parte, & nas que o não forem tanto, ponha
mos tantas letras em regra dereita, ate que fique ma
nifesto, que palauras são. As muito notorias são, as
que andão em vso, & vão em consequencia de outras,
como. S. por senhor, & V. A. por vossa alteza.
V. E. vossa excellencia. V. S. vossa senhoria. V. M.
vossa merce. V. P. vossa paternidade. V. R. vossa reuerencia.
E por elrei nosso senhor ElR. n. s. & por
autor .A. & por reo .R.

Mas nas outras partes, que não stão recebidas pelo
vso, screueremse per hũa letra, poremos mais letras
& em regra dereita, & não per entrelinha, como por
El rei Dõ Sebastião nosso senhor, El rei D. Seb. N. S.
E por Caio Iulio Caesar, C. Iul. Caes. por Quinto
Fabio Maximo. Q. Fab. Max. por Marco Tullio
Cicero, M. T. Cicero. M. Tul. Cic. por Francisco,
Franc. por Bartholomeu, Barthol. & por Andre,
And. & por supplicante, supp. E assi todas as mais
abbreuiaturas que se fazem em regra dereita com o
144til. como apl̃o. mĩa. snçã. & outros taes.

Mas deuemos ser auisados, que na abbreuiatura de
algũa palaura, nunqua ponhamos letras, q̃ a palaura
scripta ao extenso não tenha, nem dobremos letra
algũa, se outro si a não teem. Polo que por Gonçaluez,
que he impossiuel teer dous .ll. não diremos,
Gllz̃. senão Glz̃. nem por Fernandez, Frrz̃. mas
Frz̃.

Item por euitar prolixidade de scriptura, se costu
mão os numeros screuer per notas, & abbreuiaturas
pela conta Romana assi.

Vnidade. I. II. III. IIII. V. VI. VII. VIII. IX.

Dezena. X. XX. XXX. XL. L. LX. LXX. LXXX. XC.

Centena. C. CC. CCC. CCCC. D. DC. DCC. DCCC.
DCCCC.

Milhar. M. IIM. IIIM. IIIIM. VM. VIM. VIIM VIIIM.
IXM.

Dezena de m. XM. XXM. XXXM. XLM. LM. LXM. LXXM.
LXXXM. XCM.

Cẽtena de m. C–. CC–. CCC–. CCCC–. D–. DC–. DCC–. DCCC–.
DCCCC.

Cẽtena de m. CM. CCM. CCCM. CCCCM. DM. DCM.
DCCM. DCCCM. DCCCCM.

Conto M–. IIM–. IIIM–. IIIIM–. VM–. VIM–. VIIM–. VIIIIM–.
IXM–.145

Reformação de
algũas palauras que a gente vulgar
vsa & screue mal.

Erradas | Emendadas.

Acipreste dignidade. | Arcipreste.
Acipreste aruore. | Cypreste.
Acolá. | Aquolá.
Acupar. | Occupar.
Adaião. | Deão ou Daião.
Agabar. | Gabar.
Agardecer. | Agradescer.
Alanterna. | Lanterna.
Alcorcouado. | Corcouado.
Alicornio. | Vnicornio.
Alifante. | Elefante.
Almario. | Armario.
Almazona. | Amazona.
Aluidrar. | Arbitrar.
Aluidro. | Arbitro.
Antre. | Entre.
Apoupar. | Poupar.
Astim de terra. | Hastim.
Astrolomia. | Astronomia.
Aualuar. | Aualiar.
Aualuação. | Aualiação.
Auangelho. | Euangelho.
Auoar. | Voar.
Auto, por conueniente. | Apto,
Baixo. | Baxo.
Barrer. | Varrer.
Bisconde. | Vizconde.146

Erradas | Emendadas.

Bitalha, bitualha. | Vitualha.
Boutiçar. | Baptizar.
Boutiço. | Baptismo.

Ca, aduerbio local. | Qua.
Ca, por quia. | Qua.
Calidade. | Qualidade.
Cantidade. | Quantidade.
Caronica, coronica. | Chronica.
Caronista, coronista. | Chronista.
Chançarel. | Chançeller.
Cileiro. | Celleiro.
Cinco. | Cinquo.
Coadrar. | Quadrar.
Como, aduerbio interrogatiuo. | Quomo ?
Compeçar. | Começar.
Compeço. | Começo.
Concurdir. | Concluir.
Conselho por pouo. | Concelho.
Consinar. | Consignar.
Consirar. | Considerar.
Contia. | Quantia.
Coresma. | Quaresma.
Creligo. | Clerigo.
Crelesia. | Cleresia.

Dedo meiminho. | Dedo minimo.
Desenuergonhado. | Desauergonhado.
Desdeque. | Desque.
Despeçome. | Despidome.
Disforme. | Deforme.

Editos. | Edictos.
Emprouecer. | Empobrecer.
Enfatiosi. | Emphiteusi.
Enfatiota. | Emphyteuta.147

Erradas | Emendadas.

Enxerca. | Enxerga.
Enxucação. | Execução.
Enxucatar. | Executar.
Era, herua. | Hera.
Escuro, | Obscuro, oscuro.
Escuma. | Spuma.
Eprimentar. | Experimentar.
Esprital. | Hospital.
Esprito. | Spirito.
Estiba. | Estima.
Estibar. | Estimar.
Estormento. | Instrumento.
Estreuer. | Atreuer.
Estribuidor. | Distribuidor.
Estribuição. | Distribuição.

Farnesia. | Frenesia, ou phrenesia.
Farnetego. | Frenetico, phrenetico.
Farropea. | Ferropea.
Ferrugem de chamine. | Felugem, de fuligo.
Filosomia. | Physionomia.
Fogir. | Fugir.
Freima. | Flegma, ou fleuma.
Frol. | Flor.
Frolido. | Florido.
Fugareiro. | Fogareiro.
Ho, articulo. | .O.

IHESV. | IESV.
Impunar. | Impugnar.
Increo. | Incredulo.
Interlucutoria. | Interlocutoria.
Ioelhos. | Giolhos.

Magestade. | Majestade.
Mancipado. | Emancipado.148

Erradas | Emendadas.

Manicordio. | Monocordio.
Manifico. | Magnifico.
Manincolizado. | Melancolizado.
Memposteiro. | Mamposteiro.
Menagem. | Homenagem.
Menhãa. | Manhaã.
Mercaderia. | Mercadoria.
Mialheiro. | Mealheiro.
Milhor. | Melhor.
Milhoria. | Melhoria.
Monipodio. | Monopolio.
Mouro deixo a vida. | Morro.
Mulher. | Molher.

Negrigente. | Negligente.
Negrigencia. | Negligencia.
Nunca. | Nunqua.

Obsequias. | Exequias.
Oucioso. | Ocioso,

Pecição, precissão. | Procissão.
Pera, preposição. | Para,
Pessuir. | Possuir.
Pirolas. | Piloras, ou pilulas.
Praceiro por companheiro. | Parceiro.
Precurador. | Procurador.
Precuração. | Procuração.
Pregunta. | Pergunta.
Preguntar. | Perguntar.
Preimatica. | Pragmatica.
Priol, | Prior.
Proluxo. | Prolixo.
Prometor. | Promotor,
Proue. | Pobre.
Pruuico. | Publico.149

Erradas | Emendadas.

Pruuicar. | Publicar.

Quiça. | Quiçais.

Rabiscara. | Rebuscar.
Reima. | Reuma.
Rendição de captiuos. | Redempção.
Resido. | Residuo.
Reueria. | Reuellia.
Rezão. | Razão.
Rindeiro. | Rendeiro.
Rolação. | Relação.
Rossio. | Ressio.

Salmo. | Psalmo.
Sambixuga. | Sanguixuga.
Socresto. | Sequestro.
Solemne. | Solenne.
Solorgião. | Cirurgião.
Solorgia. | Cirurgia.
Somana. | Semana.
Sorodio. | Serodio.

Taballião. | Tabellião.
Teima. | Thema.
Theor. | Teor.
Theudo, mantheudo. | Teudo, manteudo.
Tisouro. | Thesouro.
Titor. | Tutor.
Titoria. | Tutoria.
Trelado. | Traslado.
Tribulo. | Thuribulo.

Veador. | Veedor.
Visorei. | Vicerei, vizrei.150

Vocabvlos que
Screuendo se com differentes letras,
teem differente significação

Hũa das cousas, per que se vee, quanto importa
a razão de bem screuer, ao entendi
mento dos conceptos & palauras, he a di
uersa significação, que muitos vocabulos
teem, por soo distarem de outros em hũa letra, perq̃
fica conuencida a barbara practica de algũus, q̃ por
palliar sua ignorancia, ou negligencia, dizem q̃ pou
co vai screuer com hũas letras, ou cõ outras, ou serẽ
as letras singellas, ou dobradas, como elles fazem, q̃
fortuitamente as dobrão, sem saberem onde, nem
porque. Do que poerei algũus vocabulos, dos que
me occorrerão, para exemplo do que digo, & para
emenda dos que o mal screuem.

Abraço, com os braços. | Abraso, com fogo.
Acamar o pam. | Açamar os porcos.
Aço, ferro fino. | Asso a carne.
Acoutar, ir ao couto. | Açoutar, castigar.
Actor ou autor o que demanda. | Auctor ou author de algũa obra.
Acude, verbo. | Açude, de moinho.
Amegeas, marisco. | Amexeas frutta de aruore.
Assas a carne verbo. | Assaz, aduerbio.

Barca que nauega. | Barça, vaso de palha.
Braça, medida. | Brasa, caruão acceso.151

Caçar aues, ou animaes. | Casar tomar molher, ou marido.
Caça de aues, ou animaes. | Casa em que habitamos.
Caiado, branqueado. | Cajado bordão.
Cal branca. | Qual homem ?
Canto, faço melodia.
Canto, cantiga. | Quanto nome relatiuo.
Canto, esquina.
Ce, aduerbio* de chamar. | Se, particula condicional.
Ceda de cauallo, ou porco. | Seda, que vestimos.
Cegar dos olhos. | Segar o pam.
Cella de frade. | Sella de cauallo.
Celleiro de trigo. | Selleiro que faz sellas.
Ceo & janto.
Ceo empyrio. | Seo de Abraham.
Ceo hei ceumes.
Cerrar com fecho. | Serrar, com serra.
Cerra verbo, fecha. | Serra instrumẽto de serrar, ou montanha.
Ceruo, Veado. | Seruo captiuo.
Cesta vaso de vime. | Sesta nome numeral por sexta.
Ceuo, comida. | Seuo, grossura do animal.
Cinto que cinge. | Sinto, tomo sentimento.
Como, mastigo.
Como por cum conjunção. | Quomo ? aduerbio interrogatiuo.
Concelho ajuntamento de pouo. | Conselho dos sabios.
Coso o panno com agulha. | Cozo a carne no fogo.

Empoçar, metter no poço. | Empossar, tomar posse.
Era, verbo substantiuo. | Hera herua.
Era dos annos.

Força, fortaleza. | Forca de ladrões.
Forçado que padece força. | Forcado pao de duas pontas.
Franca liberal. | França prouincia.

Incerto duuidoso. | Inserto enxerido.

Laço armadilha, ou prisão. | Lasso, froxo.
Liço de tear. | Liso, sem aspereza.
Louça de barro. | Lousa, armadilha.152

Maça de ferro, ou pao. | Massa de farinha.
Marquesa dignidade. | Marqueza nome proprio.
Meça, verbo de medir. | Mesa em que comemos.
Moça, que serue. | Mossa de spada.

Ouço o que falla. | Ouso, atreuome.

Paço, casa real. | Passo, de cinquo pees.
Parceiro, companheiro. | Praceiro de praça, ou publico.
Passo, ando. | Pasço o gado.
Peço com rogo. | Peso com as balanças.
Poço de agoa. | Posso, tenho poder.
Preço valor da cousa. | Preso na carcere.

Queijada de queijo. | Queixada, parte da cabeça.
Queijo de ouelhas. | Queixo da cabeça.
Queijar, fazer queijos. | Queixar, fazer queixume.

Raça, casta. | Rasa, chãa.
Ração, quinhão, ou porção. | Razão, causa.
Ressio campo largo. | Rocio chuiua meuda.
Roça de mato. | Rosa de cheiro.
Roido dos ratos, ou traça. | Ruido de agoa.

Spera, teem sperança verbo. | Sphera, corpo redondo, nome.

Vaso de prata, ou barro. | Vazo entorno, ou derramo.

Vocabvlos que scriptos com
letra singella significão de hũa maneira, &
com dobrada de outra.

Atras, aduerbio, retro. | Attraz, verbo, attrahir.

Barata de pouco preço. | Baratta, bicho.
Besta animal. | Beesta, arma.
Bota de calçar. | Botta de vinho.
Botar, lançar. | Bottar perder a côr, ou agudeza.

Capa, os bois, verbo. | Cappa vestido.
Caro que custa muito. | Carro de boi.
Caso accontescimento. | Casso irrito & vão.
Caso com minha molher.
153Cera de mel. | Cerra fecha verbo.
Cometa, strella. | Commetta verbo.
Coro de Igreja. | Corro de touros.

Encerar, vntar com cera. | Encerrar fechar.

Fero, cruel. | Ferro, metal.
Fora aduerbio local. | Forra liure.
Foro, tributo. | Forro, liure.

Mascara figura fingida. | Mascarra de caruão.
Meses do anno. | Messes do campo.
Moleira do moinho. | Molleira de cabeça.
Molinhar, moer. | Mollinhar, chouer meudo.

Peco nescio, nome. | Pecco, faço peccados, verbo.
Pega, aue. | Peega, prisão de bois.
Pena, castigo. | Penna pluma de aues.
Pero por pomo. | Perro por cão.
Polo por o ceo, ou norte. | Pollo, animal pequeno.
Prego o crauo na parede. | Preego o euangelho no pulpito.
Presa molher que staa em prisão. | Pressa celeridade, ou trabalho.

Quinta nome numeral de cinquo. | Quintãa, casal.

Reuelar, descobrir. | Reuellar, ou rebellar, resistir.

Saca tirada para fora. | Sacca sacco grande.
Se conjunção dubitatiua. | See cathedral.
Sesta por sexta numeral. | Seesta hora da calma.
Serão tempo da tarde. | Serrão cousa da serra.

Veelo, tu o vees. | Vello de lãa.
Velar de noite. | Vellar a freira, ou os casados.
Vso, costume. | Vsso, animal.

Vocabvlos, que mvdado o
accento, significão de diuersa maneira.

Acérto dou no fito. | Acerto, caso.
Amára, preterito. | Amará, futuro.
154Auóo, ou auoa, mãi de meu pai, ou mãi. | Auô, pai de meu pai, ou mãi.

Báia, corada. | Baía, enseada.

Céo, empyrio. | Cêo, como a noite.
Cópo de beber. | Côpo, de lãa, ou algodão.
Cór vontade. | Côr, por color.
Córte, quintal. | Côrte delrei.

Gósto, verbo. | Gôsto, nome.

Mólho de crauos. | Môlho de coelho.

Pégo, do rio. | Pêgo, aue.
Péso, com a balança. | Pêso com que pesão.
Pésame a carga. | Pêsame leuo desprazer.
Póde de presente. | Pôde de preterito.

Sáio, vestido. | Saío, verbo.
Sóldo, moeda. | Sôldo, stipendio.

Véo, toucado. | Vêo, he vindo.

Tractado dos
Pontos das clausulas, & de outros que
se põem nas palauras, ou
oração.

No processo da oração, ou practica, que fa
zemos, naturalmente vsamos de hũas di
stinções de pausas & silencio, assi para o
que ouue entender, & conceber o que se
diz, como para o que falla, tomar spirito & vigor,
para pronunciar. E assi he da mesma maneira, quãdo
155screuemos. Porque como a scriptura he hũa representação
do que fallamos, para se tirar a cõfusão,
do que queremos dar a entender, & para saber onde
começamos & acabamos as clausulas, vsamos de
pontos, como de hũas balisas & marcos, que diuidão
as sentenças, & os membros de cada clausula. E he
tam importante o apontar a scriptura, que muitas
vezes se ignora o verdadeiro sentido della, por falta
ou erro dos pontos. Item serue para cõceber na memoria,
o que se lee. Porque os spaços ou balisas fazem
parecer o caminho mais pequeno, & ser mais
facil, & o que não stá diuidido, he mais comprido,
& enfadonho.

E os pontos que neste tempo se vsão, no partir & diuidir
as clausulas, assi na scriptura de mão, como na
stampada, são tres .s. virgula, coma, colon, que teem
estas figuras.

Virgula ,
Comma :
Colon .

E a differença que há entre estes tres pontos he,
que a uirgula se põe, & faz distinção, quando ainda
não stá dicto tal cousa, que dee sentido cheo, mas soo
mente descansa para dizer mais.156

O segundo se põe, quando stá dicto tanto, que dá
sentido mas fica ainda mais para dizer, para perfeição,
& acabamẽto da sentença. O qual ponto se chama
comma, que quer dizer cortadura.

O terceiro se põe, quando teemos chea a sentẽça,
sem ficar della mais que dizer. E chamase colon, que
quer dizer mẽbro. Porque elle he parte do periodo,
que he a clausula ou materia acabada, de que a baxo
diremos mais. O qual periodo, que quer dizer arrodeo,
cõsta de tres membros, & ao menos de dous.

E os exemplos destes põtos, como se deuem vsar,
se podẽ veer nestas clausulas: Creo em Deos padre,
todo poderoso, criador do ceo, & da terra: & em
Iesu Christo seu filho, hũ soo nosso senhor. Amerceaiuos
senhor de mi, segundo vossa grande misericordia:
& segundo a multidão de vossas misericordias,
apagai minha maldade.

Item se ha de notar, que em hũa clausula pode vir
hũ cõma, ou mais, sem nenhũa virgula, como nestes
exemplos: Senhor não me argüaes em vosso furor:
nem me comprehẽdaes em vossa ira. No principio
era a palaura: & a palaura era acerca de Deos: & Deos
era a palaura.

E assi podem vir muitas virgulas, sem algum cõma,
157como neste exẽplo. Quem me dará pennas, co
mo de pomba, & voarei, & descansarei ? E em verdade
vos digo, q̃ quẽ não receber o regno de Deos,
como hum menino, não entrará nelle.

Item pode hauer clausulas, em que não entre virgula,
nem cõma: se não soo o ponto final como aqui.
No principio criou Deos o ceo & a terra. Qual de
vos me arguirá de peccado ?

Mas para saberdes vsar destes pontos em seu lugar,
heis de notar, q̃ a virgula se põe para distinguir, não
soomente hũa oração da outra, mas ainda para distinguir
hũas dições de outras. Porque se põe despos nomes
adjectiuos, quando cõcorrem muitos em hum
mesmo caso, como aqui: Deuida cousa he ao principe
ser humano, liberal, justo, prudente, & constante.
Item se põe entre substantiuos, como aqui: As
virtudes são quatro, fortaleza, justiça, temperança,
prudencia. Item se põe despois de adjectiuo junto a
substantiuo assi: Homem de grãde coração, de singular
prudencia, & de diligencia estremada. Item se
põe entre aduerbios puros, sem outra cousa, como el
le o fez galantemente, valerosamente, & diligentemente.
Item se põe despos verbos simplezes, sem al
gum caso que rejão, como aqui: Pecquei em comer,
158em beber, em rijr, em escarnecer. E o mais cõmum
mẽte, despos verbos, que regem casos, que he a oração
perfecta & acabada, como seruir a Deos, amar o
proximo, lembrar da morte.

O comma se põe sempre em sentença suspensa, &
não acabada, como nos exemplos acima dictos. Itẽ
se põe, quãdo na practica que fazemos, referimos pa
lauras d'outrem, como aqui: Sam Paulo diz: fee sem
obras he morta. E Platão diz: Os homẽes não nascerão
para si soos. Item vsamos do comma quando
conuertemos as palauras em alguem, como naquellas
palauras: Direi a Deos: Não me condeneis: Mostraime
como me julgaes assi.

O colon & periodo tudo se assinala com hum põto,
& nisso ha pouco que dizer, pois são pontos, q̃ se
põem no fim da sentença acabada, ou da clausula toda,
em que não ha que errar.

De maneira, que hũ cõma pode cõprehender muĩtas
virgulas, & hum colon muitos cõmas, & hũ periodos
muitos colõs, desta maneira: O Emperador
conhecẽdo, quam melhor he viuer em paz, q̃ andar
em guerra, fez concertos com elRei de França: &
para confirmar estes concertos, se vírão em Niça: da
qual vista ficarão reconciliados, & os poucos mui cõtentes.
159Agora se spera por a resolução do que se assentou.
Prazerá a Deos, será para quietação do pouo
Christão. Isto se chama periodo, onde vai a clausula,
& materia toda acabada, incluindo tres membros,
que são tres sentenças, que vão distinctas com o ponto
final, que he o colon.

De outro ponto vsão agora algũus modernos, que
consta de hum colon, na parte superior, & de hũa vir
gula na inferior assi ; do qual dizem, q̃ querem vsar,
onde não stá dicto tanto, que se aja de poer comma,
nem tãpouco, que se aja de poer virgula. Mas a meu
veer, he inuẽção de pouca vtilidade, & desnecessaria,
& que eu não imitaria. Porque pelos pontos antigos
se distingue tudo, & este faz mais toruação, que distinção,
que he o fim dos pontos.

Alem d'estes pontos, que seruem de demarcar as
clausulas, há outros mais para outros effectos,
cujas figuras são as seguintes.

Interrogatiuo ? | Hyphen –
Admiratiuo ! | Asterisco *
Paragrapho § | Obelisco —
Parenthesis () | Brachia ˘
Meo circulo ɔ | Diuisão –
Apices .. | Angulo ^

O primeiro he o interrogante, q̃ se põe no fim da
160clausula ou sentença interrogatiua .s. quando se pergunta
algũa cousa, como nestas palauras: Se vos eu
digo verdade, porque me não credes? Qual de vos
m' arguira de peccado?

O .II. ponto he o admiratiuo, que quasi se parece
na figura cõ o interrogatiuo senão que teem a plica
direita para cima. O qual se põe no fim da clausula,
que pronũciamos cõ algũ espãto ou indignação, como
neste exẽplo: Quãta diferẽça ha de hũ homẽ a ou
tro! Com quã grãde trabalho se sostenta a virtude!

O .III. he o paragrapho, o qual he ponto de distinção,
não de hũa clausula a outra, mas de hũ tracta
do a outro, ou de hũa materia a outra, cuja figura era
esta .#. donde se tirou o § dos Iuristas. Mas o proprio
deste ponto he, poer se no principio da cousa diuidida,
como o vulgarmente veemos vsar.

O .IIII. he parẽthesis, que he hũa formação de diuersa
sentença, & palauras estranhas, q̃ se interpõem
na clausula, & se podem tirar, ficando perfecto o sentido.
As quaes palauras interpostas incluimos em
meo destes dous meos circulos. (). para denotarmos,
q̃ são alheas d'aquella clausula, em que se inter
põem, como quando dizemos: Se accõtecesse caso
(o q̃ Deos não permitta) q̃ eu não torne da India:
161Bem auenturadas serão as republicas (segũdo dizia
Platão) quando os Reis philosopharem, ou os philo
sophos regerẽ. E aas vezes seruem estes dous meos
circulos, sem força de parenthesis, quando nelles in
cluimos algũa addição, ou declaração nossa, sobre a
materia que tracta algum author, q̃ interpretamos.

O .V. he hum meo circulo da parte directa, de que
vsamos, quãdo glossamos algũa sentença de algum
author, ou quãdo declaramos algũ dicto, incluindo
nelle palauras glossadas assi.)**

O .VI. são hũs apices ou cimalhas, das quaes vsamos,
quãdo se ajuntão duas vogaes, q̃ se podião leer
de duas maneiras, ou jũtas em hũa syllaba, ou separadas
em duas. Polo q̃ quando queremos mostrar, q̃ as
vogaes se hão de leer diuididas, poemos os apices
nesta maneira, aïo por mestre de criação, caïado por
brãqueado, a differẽça de, cajado, por bordão, ïa, pre
terito imperfecto do verbo vou, a differẽça de já, aduerbio
tẽporal, & assi boïada, boïa, argüir, saüde.

O .VII. he o hyphen, q̃ quer dizer vnião, ou ajuntamẽto.
O qual se vsa de duas maneiras: a primeira,
quãdo se ajũtão em hũ corpo duas dições differẽtes,
ficãdo feitas hũa soo, como passa-tẽpo guarda-porta,
val-verde, Mont'-agraço & aquellas palauras Latinas,
162venum-dare, pessum-dare, ab-intestato, & ou
tras muitas. A outra maneira de q̃ a vsamos he, quã
do per caso, ou per erro, se acerta de screuer hũa pala
ura cõ as syllabas muito separadas hũas das outras,
para denotarmos, q̃ se hão de ajũtar em hum corpo,
para formar hũa dição, & tirar a duuida em q̃ staria
o lector, como aqui: Confia-do na vossa palaura. De
maneira que he sinal de vnião & ajuntamento, & co
mo hũa solda, & ferruminação de syllabas.

O .VIII. he o asterisco, que quer dizer strellinha.
Do qual vsauão os antigos, & se vsa agora, quando
se notão algũus versos, ou palauras, que faltauão em
o author, ou quando querem mostrar algũas palauras,
que são dignas de se notar, & he assi, *

O .IX. he o obelisco $** cõtrario ao asterisco, &
quer dizer pequena ponta de espeto ou seetta, com q̃
assinalauão os versos ou palauras adulterinas, d'algũ
author. Das quaes duas figuras, o q̃ primeiro vsou,
foi Aristarcho, na censura q̃ fez dos versos de Homero.
Porque os bõos & genuinos notaua com asteriscos,
& os maos & adulterinos com obeliscos. De
quem despois os tomarão Origenes, & S. Hieronymo,
& os vsarão na sagrada scriptura.

O .X. he a nota, que os Gregos chamão brachia.
163O que he sinal, de ser breue a vogal, sobre q̃ se põe.
Da qual vsamos, quando queremos fazer differẽça,
em algũa palaura, de que hũa syllaba pode ser longa
& breue, & que sendo breue, tẽe differente significado,
de quando he longa, como cagado por o animal
aquatico, a que os Latinos chamão testudo, &
no Latim occído** por cair, a differẽça de occido por
matar.

O .XI. se chama nas impressões diuisão, quando
no fim da regra acerta de vijr hũa dição, que
por não caber nella, se parte, para se acabar na regra
seguinte. O qual se põe no fim da regra, na derradeira
syllaba da dição interrupta, desta maneira, Antonio,
para demostrar que a dição não stá acabada.

O .XII. he o angulo ou meta, que os scriptores
de mão vsão, quando lhe esquecerão palauras, q̃
vão per entrelinha, ou se põem na margem da scriptura,
com o qual mostramos que naquelle lugar
onde elle stá, se hão de metter as taes palauras desta
maneira.

Anno [do nascimento] de nosso senhor Iesu Christo.

Finis.164