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Vera, Alvaro Ferreira de. Orthographia ou modo para escrever certo na lingua Portuguesa – T01

[Orthographia Da lingoa Portuguesa]

Ortographia,
ov
arte para escrever
certo na lingua Portuguesa.

Capitulo I.
Que cousa seja orthographia, & quanto
importa escrever com certeza.

Orthographia he arte de escrever as vozes
com as letras dividas á direita pronunciação,
& segundo sua orijem porque
orthos (em Grego) quer dizer, direito,
& graphos, escrevo: como se dissessemos, escrevo
como pronuncio.

A pronunciação he hũa voz de hũa, ou muitas
syllabas, a qual se chama voz articulada, porq̃ sendo
ouvida, se escreve na forma, que se entende. Esta
voz he distinta de outra, que se chama coufusa, porque
não representa mais que hum simplez som; como
17hum jemido, ou balido de animaes, alarido de cães,
canto de aves; & a voz articulada he clara, & intelligivel,
da qual a mais pequena parte, & individua
he letra & dellas constão as syllabas, & das syllabas
as dicções, ou palavras. Polo que os antigos chamárão
ás letras elementos; porque da maneira que delles
estão todas as cousas fabricadas, assi das letras
o estão todas as palavras.

Despois de compostas, & unidas as letras ficão, sẽdo
syllabas, & as syllabas juntas ficão sendo dicções,
inda que ha algũas palavras de hũa só syllaba, q̃ fazem
cabal sentido; as quais ja deixão de ser syllabas,
porque se chamão dicções: não trato destas, se não de
aquellas, que se compõem de duas, ou mais.

Derivase syllaba de syllabanos, verbo Grego, q̃
quer dizer cõprehẽder: hũas saõ lõgas; outras breves;
outras commũas, & neutraes. As breves (como taes)
se abrevião na pronunciação; & nas longas se alarga:
porem as commũas hora saõ breves; hora longas:
conforme a disposição do escritto.

A syllaba (emquanto he parte de dicção) carece
de sentido, & significação: porque se dissessemos, homem
(separada hũa syllaba de outra) nesta maneira,
ho mem, não fica dizendo nada; mas juntas sim, por
que dizem, homem.18

Desta maneira se formão as dicções, a que os Dialeticos
chamão termos, quer sejão verbos, quer nomes.
Destes termos, ou dicções, tem conhecimento o ouvido
pela voz, que se forma com a percussaõ do ár ajudado
dos instrumentos da bocca, arteria, lingua, &
beiços.

Dividese a voz (como tenho ditto) em duas maneiras;
articulada, & confusa. Diremos articulada
á do homem porque desde qualquer de suas letras
juntas, ficão fazendo claro, & distinto significado.
A confusa (como tambem tenho ditto) he propria de
animaes, & de qualquer som, ou estrondo, que carecendo
de letras, não se aclara, supposto que tenhamos
conhecimẽto natural de sua significação: como o suspiro,
ou jemido do homem.

Destas mesmas vozes, palavras, ou dicções se faz
hũa clausula, ou periodo, que se compõem de varias
orações, que estão sinaladas com virgulas, & pontos,
sinais admirantes, parenthesis, interrogantes, notas,
& accentos, de que usamos para intelligencia do escritto,
sem o qual não se entende bem o q̃ se lee, corrõpendose
muitas vezes as palavras.

De maneira q̃ não somẽte se chamará orthographia
a de bẽ escrever mas ainda a de boa, & cõgrua põtuação.
Porq̃ o escrever, como se pronũcia, he com a penna
19imittar a lingua, estampar com letras aquillo, que
declaramos com palavras: (não acrescentando, nem
diminuindo, pois não he necessario, antes fiqua sendo
mais perfeiro o modo de aquelle, que cõ esta arte imittar
a natureza) & quanta mais propriedade tiuer
nos pontos & accentos, tãta mais ventajem terà. Por
que as letras se inventáraõ para dar noticia em presença
das cousas, que se fizerão em ausencia: o que
naõ poderá fazer escrevendose confuso. E com isso
naõ seriamos entendidos (ou mudarsehia a pronunciação,
& com ella a lingoajem) usando o som das
vozes com o rigor das letras, que estiuessem á vista,
que feria erro manifesto.

Por onde esta arte mostra ser de muita importancia
por ser o bom escrever copia de bem fallar, & lume
das scripturas, que como tal a estimarão sempre
os doutos, sendo exquesitamente curiosos della.

Capitulo II.
Da divisaõ das letras: & seu principio.

Letra he voz simplez, que se nota com hũa soo
figura: como A, B, C, &c. Os antigos disserão
que as letras tiverão denominação de legiterae,
20que para cõ os Latinos, he o que qua dizemos, alivio
de caminho, para saber leer. Outros dizem que vem
de lino, linis; que quer dizer manchar: ou litura, ae,
que significa borraõ, polos sinais pretos cõ que se formão
as letras, que fazemos no papel, ou pergaminho.
Mas de qualquer dirivação que venha, seu fim principal
de se averem inventado. foi pera grande mysterio
da religião, & ornamento da vida humana, &
para thesouro, & custodia de acontecimentos de cousas
feitas, & palavras dittas.

Estas letras saõ mais, ou menos, segundo as linguas;
porque segundo suas pronunciações hũas tem
menos, & outras mais. As Hebreas foraõ as primeiras
de q̃ se teve noticia: valèraõse de vinte, & duas.
Siguirão os Caldeos, & Sirios a mesma ordẽ: cujas
letras foraõ as mesmas, quanto ao numero, & sentido;
porem (nos caracteres) em figura differentes. Os
Phenices attribuiaõ a si a invẽção das letras, por serem
os primeiros, que as trouxerãõ a Grecia no tempo,
que Cadmo buscava a sua irmãa Europa. Assi
o affirmão muitos authores: dos qeais de hum o Poëta
Lucano, que diz no lib. 3.21

Phenices primi (famae si creditur) ausi,
Mensuram rudibusvocẽ signare figuris.

De Grecia as trouxe Nicostrata a Italia, onde
as ensinou na lingua Latina cõ dezasette letras sómente:
sem embargo que o povo usava de hũa maneira
de letras; & os Sacerdotes de outras diversas. Os
Latinos despois destas dezasette letras forão acrescentãdo
em seu alphabeto outras, com que fizerão numero
de vinte & tres, em que entra a letra H, de que
diremos. Nòs á sua imittação pusemos em nosso alphabeto
as mesmas letras, que saõ as seguintes.

A B C D E F G H I K L M N O P Q R S T V X
Y Z. Destas saõ seis uogais, a, e, i, o, u, y. Chamãose
assi, porque ellas per si mesmas enchem a voz: como
se vé quando as pronunciamos, sendo mais interiores
hũas que outras, começando da primeira. Destas vogaes
tém vigòr de consoãtes (ferindo outra vogal) i, u.
Esta razão me obriga dizer que saõ differentes porq̃
em boa orthographia tém outra forma, que he j, v;
& não i, u: como mostrarei a diãte em alphabeto mui
declarado, que se deve imittar. Posto q̃ no principio
(em que as cousas sempre saõ asperas) pareça difficultoso,
em pouco tempo se acharà per experiencia a
muita importancia de assi o irmos introduzindo na
22nossa escrittura & boa orthographia Portuguesa;
por serem estas duas letras j v differentes das outras q̃
pronunciamos como vogaes. E assi tambem differençaremos
a letra C (a que respõde a letra K dos Gregos)
da letra ç que he propria da nossa lingua; como
o provaremos a diãte, tratãdo do vigor de cada letra.

Finalmente (tiradas as vogaes) as de mais se chamão
consoantes, porq̃ não se podẽ pronunciar, se não
ferindo, ou soando com vogal. Destas consoantes ha
duas especies: hũas mudas; outras semivogaes. As mudas
saõ estas B, C, D, G, K, P, Q, T. E chamãse mudas
porque per si sòs não se pódem pronunciar, nem sóaõ
sem ajuntamento das vogaes. As semivogaes, q̃ quer
dizer meias vogaes, saõ outras oito: F, L, M, N, R, S
X, Z. Destas saõ liquidas L, R, quando lhes precede
muda: como clamar, gravar. F, ante destas liquidas
fica muda; como flãma frutto. H naõ he letra, senaõ figura
de aspiração. Alem destas temos outras em pronunciação,
posto q̃ em figura as não tenhamos em nosso
alphabeto, & saõ estas ch. lh. nh: como direi despois
do seguinte alphabeto;

Aa, Bb, Cç, Dd, Ee, Ff, Gg, j, Hh, Ii, Cc, Ll, Mm, Nn
à, be, ce, de, é, efe, ga, je, h, i, ca, ele, eme, ene,
Oo, Pp, Qq, Rr, Ss, Tt, uu, Vv, Xx, Yy, Zz, ~
ò, pe, que, re, se, te, ú, ve, xi, ypsilõ, ze, til.23

As vogaes saõ a, e, i, o, u, y. As mudas saõ, b, ç, d,
g, j, c, p, q, t, v; semivogaes, f, l, m, n, r, s, x, z. Destas
saõ liquidas l, r: & dobradas, x, z: & precedẽdo
f, ao, l, r, tem força de muda. H não he mais que
figura de aspiração com que damos força ás vogais.
Alem destas temos tres tenues; mas não aspiradas,
ch. lh. nh. Poderemos usar em nomes Gregos, & Latinos
destas suas aspiradas, ph. rh. th. dandolhes a
pronunciação de f, r, t. Porem da aspirada ch, por
se encontrar com a nossa ch, a não usaremos: soomẽte
aconheceremos para quando a leermos darlhe esta
pronunciação, qui. Como tambem conheceremos a letra
K, dos Gregos soomente para leermos duas dicções
Latinas, Kirios, Kalendas.

Pontos, & notas, de que frequentemẽte usamos: | Notas menos usadas:
, Virgula | .. Apices
; Colon imperfeito | $ Vnião
: Colon perfeito | $ Desunião
. Ponto final | F Falta
? Interrogação | C Meio circulo
! Admiração | * Asterisco
( ) Parenthesis | — Obelisco
- Diuisaõ | ˘ Brachia
24Λ Angulo | – Longa syllaba
§ Paragrapho.

Dos tres accentos chamado agudò, grauè, circunflexò
usamos somente de dous: & outro si do chamado
Apostropho: como se verà neste trattado.

Capitulo III.
Das letras do alphabeto começando
da primeira letra
A.

Esta letra A, he vogal simplez, & pura, & na
quantidade duvidosa, assi para nòs, como para
os Gregos, & Latinos: porque he breve; & pòde ser
longa, segundo o lugar onde cair: para o que servem
os accentos agundo, & circunflexo, de que avemos de
trattar.

Os Hebréos, Gregos, & Latinos (a que nós
imittamos, por a lingua Portuguesa tèr orijem da
Latina) começárão seus alphabetos nesta letra A. Os
Hebreos lhe chamárão Aleph: os Gregos Alpha: os
Latinos A: na forma que a pronunciamos.25

Dão varias razões os que escrevérão sobre esta
materia. Hũs dizem que os Gregos, & Latinos começárão
por esta letra, por imittarem o alphabeto Hebreo,
reconhecendo esta lingua per origem, & inventora
das letras. Outros dizem, que a razão de se pòr
no principio de todas as letras, foi por ser a mais pro
xima ao coração; que como elle he principio da vida,
assi o he de todas as letras; que parece sae do mais interior
de nosso peito, quando pronunciamos esta letra
A. Finalmente dizem outros, que he posta no princicipio
de todas as mais por ser a primeira que pronun
ciamos quando nascemos.

De hũa maneira, ou de outra, quer breve, ou longa,
não he mais que hũa sò letra: & em quanto letra
elemental, não tem accento, nem medida; se não despois
que he feita dicção: porque per si só não he breve
nem longa; que a selo, he accidentalmente.

Capitulo IIII.
Da letra B.

He esta letra B. das que chamamos mudas:
a qual se forma com a respiração, que chegando
aos beiços estando cerrados, & juntos, os abre,
26& sae do meïo delles o som com seu inteiro soido.

Tem esta letra muita semelhança, & affinidade
com a letra consoante v; com que faz errar a muitos
Portugueses de entre Douro, & Minho, & os mais
dos Castelhanos, que não advertindo o que vai de hũa
á outra, as trocão na pronunciação, dizendo: Brabo;
& bravo: avano; & abano: aldraba; & aljava: como
aldrava; aljaba: barrer; & varrer: & peior, dïzendo
bosso, buestro; por vosso, & vuestro &c.

Tem mais hũa propriedade esta letra B, que não
admitte ante si N, se não M: como a ditta letra M;
& outrosi a letra P: de que daremos razão quando
dellas trattarmos.

Capitulo V.
Da letra ç.

Esta letra ç, he mui differente de C, assi no nome,
como na figura: & como taes tem duas pronunciações
diversas: porque com hũa dizemos, caca,
& com outra caça: barca, que navega; & barça,
vaso de palha: acude, verbo; açude de moînho: & assi
calco; & calço moca; & moça: cappa; & çappa.
E por ter esta clareza me admiro não estar posta em
27nosso alphabeto na forma, que agora o ordenei. Porque
no trocar hũa letra por outra, não sòmente troca
o sohido; mas ainda altéra o sentido nas dicções, que
tem differente significação.

Polo que digo que esta letra ç, he das que chama
mos mudas: & tem por excellẽcia não se acabar nella
dicção algũa; nem ser ferida de outra algũa letra:
antes fere, & toca todas as vogaes com aquella brãdura,
que esta letra de si tem: como se vè nestes exẽplos,
açucena, cifra, maçãa, poço, buço: sua pronunciação
se faz tocando brandamente com a lingua
no ceo da bocca, & alto dos dentes; bem differente do
que quando pronunciamos a letra C, q̃ a modo do pronunciar
do, K, Grego (em cujo lugar ha de ficar) sae
do interior da lingua, lançando a respiração com a
bocca mais em alto.

Por onde importa muito aos q̃ guardão as boas
regras de orthographia, escrever nesta conformidade
para ficar introduzido (porq̃ a obrigação minha
não he mais, que de como avemos de escrever, & declarar
a força, & vigor das letras, com o significado
& voz dellas) não sòmente polo proveito, que disso tiramos,
mas pola reputação, que a lingua Portuguesa
terà entre as mais nações, que carecem della: por
tér cada letra seu officio, & não hũa sò letra dous
28diversos; hum proprio; & outro improprio: como todos
os Ortographos dizem.

Advirto que não tem esta letra necessidade do
rasgo, ou cifra debaixo, quando tocar as letras e,
i, porque junta a qualquer dellas, não tem outro sohido,
segundo a pronũciação destes tempos: & assi dizemos,
cinquo, cinto, cisne, cidra, cesto, certo, cento.
Mas se se puser não será erro, visto ser esta sua forma.

Capitulo VI.
Da letra D.

Temos pouco que trattar desta letra D, mais q̃
dizer q̃ he hũa das consoantes, a que chamamos
mudas: & que tem hũa certa simpatia, ou igualdade
com a letra T. Polo que os antigos usarão hũa
por outra, pronũciãdoas de hũa mesma maneira. Por
que formãose ambas tocando com a lingua nos dentes
altos; não obstante que pera a letra T, convẽ pronunciarse
com mais espirito.

Nenhũa dicção terminamos nella: como fazem os
Castelhanos. Donde errão dizerem, q̃ tem dous dd: hũ
para o principio da dicção, outro para o fim della: &
assi dizem merced, maldad: terminando nella todos
os imperativos do plurar: como traed, amad.29

Capitulo VII.
Da letra E.

Menos ha q̃ dizer desta letra vogal E, sòmẽte
que he letra simplez; & não de duas maneiras,
como algũs cuidão, fazendoa hũa vez grande;
& outra pequena: sendo assi, que na pronunciação a
não differençamos dos Latinos: sòmente no escrever
a notamos com accentos, ou com dous, ee: na maneira
que fica ditto da letra A, & a diante diremos da
letra, O. em seu capitulo.

Capitulo VIII.
Da letra F.

He esta letra F, das que chamamos semivogaes;
inda que algũs querẽ que o não seja; se
não sempre muda. O qual lugar sòmente lhe
damos quando precede às duas letras liquidas L, R,
dizendo Flandes, França. Não se acaba nella dicção
algũa: sua pronunciação se faz tocando com o
beiço baixo nos dentes altos. Não tem differença esta
30letra F, do Ph.Grego: inda q̃ tinha muita em algum
tempo; porque se pronunciava com muita suavidade
Ph; o que não tinha o F, Latino por valer tanto
como V, consoante, a que os Eolicos chamavão, vau:
& delles a tomàrão os Latinos para escreverem os
vocabulos de sua lingua, que escrevião per V, consoãte.
Mas despois para fazerem a differença dos nomes
Latinos aos dos Gregos (porq̃ todos os escrevião per
Ph. começárão usar a ditta letra F, nos nomes Latinos,
que não tinhão a origem Grega. E afsi se hade de
advertir que as dicções Latinas escreveremos com a
ditta letra F: & as dicções, & palavras Gregas, que
tem Ph podemos escrever na mesma maneira, ou com
F, Latino: como orthographia, & ortografia, Philosophia,
& filosofia; a propriando esta letra Ph. á
Portuguesa. Ainda que muitos, & boõs Orthographos
escrevem este nome Filippe, desta maneira, &
não Philippe: como muitos do vulgo, & quasi todos, o
escrevem. Nisto vai pouco; porque não se impedindo
a pronunciação se ha de seguir o uso em algũas palavras.31

Capitulo IX.
Da letra Ga: & je.

Esta letra G, (a que chamaremos, ga) he muda,
de q̃ usamos em sua propria pronunciação quãdo
precede a estas tres vogaes, a, o, u: como garganta,
gomo, gume. E esta letra j (a que chamaremos je) he
tambem letra muda & tem sempre sua pronunciação
com todas as vogaes, dizendo, jazmim, jejũar, jinja,
jogo, jugo. A qual pronunciação fazemos igualmẽte
sem trocarmos a valia desta letra, nẽ mudarmos o soido
della: o q̃ não fazemos cõ a ditta letra G, q̃ para tér
sempre a pronũciação, he necessario em chegando ás vogaes,
e, i; meter de permeïo a letra vogal, u, fazẽdoa
liquida; que muïtas vezes o não fica sendo: como se vé
nestas dicções, guela, arguir. E em todas as dicções,
que antes do, a, entremetemos a ditta vogal, u; tem esse,
u, liquido, meïa pronunciação de, o; como se vé nestas
palavras aguarda, agua, lingua, mingua.

E assi ve que he mui differente dizerse, ja, je,
ji, jo, ju; do que ga, ge, gi, go, gu; que para tér, a pronunciação
de ga com as dittas letras, e, i, havemos de
dizer, & escrever desta maneira: Ga gue, gui, go, gu:
como gaguejar, guisar, gotejar, gurgulho.32

Polo que se ha de differençar, j, de G; chamando
a primeira je; & a segunda ga, que he sua pronunciação
direita; & toda a mais que atè gora lhe davamos
(juntas as letras e, i) he alheia de sua valia. E assi no
pronunciar desta letra, j, tocamos com a lingua no ceo
da bocca branda, & suavemente dizemos, je; mui dif
ferente da pronunciação do Ga, que se forma com a
respiração do mais interior da nossa lingua, que propria
pronũciação dos Mouros, dos quaes a recebemos.

E escrevendose assi, ficase dando a cada letra o
que he seu, sem se mudar o sohido, nem alterar o sentido:
estimando esta letra, por suprir o desconcerto de
dizermos guelra; & logo, trocandolhe a valia, dizemos
guela; não ficando o, u, liquido antes do, e; nem
menos antes de, i: como se vio no exemplo, arguir.

Capitulo X.
Da aspiração H.

H não he letra mais que na figura: sòmente
serve aos Latinos para nota de aspiração
(como logo diremos) que para isso a inventàrão,
que he dar força a vogal, a que se ajunta. Mas para
33a lingua Castelhana he de muita importancia, & tem
muita valia, ser vindolhe de F, nos vocabulos, que com
elle pronunciavão antigamente, que onde dezião, fidalgo,
fijo, fazienda; dizem hijo, hidalgo, hazienda. E
nestes vocabulos, huevo, huérto huevo, huerfano, huesso,
& outras semelhantes lhes serve de G, na pronunciação:
como, gueco, guesso guevos, &c. Porque fica
soando mal, & peïor escrevendose, uevo, uerto, uesso:
porque se ha de escrever na forma acima com o ditto
H.

Nós usamos desta letra na escrittura como os Latinos
antes de vogal, & despois de consoante: como,
Henrique, homem Mathematico, Rhetorico, Philosopho.
Porem na pronunciação a não sentimos: porque
tanto pronunciamos com aspiração, como sem ella: dizendo,
Enrique Matematico, Filosofo, &c. pronunciando
erdeiro, como herdeiro: onrado, como honrado.

Sòmente sentimos a ditta aspiração, quando pronunciamos
ha, ha: (significando riso) como nas duas in
terjeições dos Latinos ah, oh. (dicções em que somente
precede a vogal) porque com ah escrevẽdo nesta forma
significamos temor; ou indinação, a differença de,
A, articulo, & preposição: & com oh significamos espanto
a differença de O. Quando chamamos: cujo modo
34entendem os Grãmaticos: & a elles pertence mais
este modo do que a outros.

Porem pronunciaremos, & escreveremos cõ a ditta
aspiração termos differentes que saõ estes Ch. Lha.
nh: tres pronũciações proprias da nossa lingua, que os
Latinos não conhecèrão. Donde errão os que escrevem
dicções Portuguesas per ch. dirivadas dos Latinos,
& Gregos, com que se embaração muitos, que não sabendo
differençar os nomes Latinos dos vulgares pronuncião
hũs por outros, errando na pronunciação, como
no significado: como coro (per ajuntamento) escrevem
ch. ro, por se mostrarem Latinos: não vendo que
dessa maneira significamos pranto: & que de hũa maneira
pronũciamos coro; & de outra choro: como caco,
& cacho: caca, & cacha: marca, & marcha. Polo
que nestes nomes monarchia, architecto, chimera, &
outros desta maneira aspirados, escreveremos per qui,
ou co: como Monarquia, maquina, quimera, ancora
arquitecto, carissimo: & outros desta maneira, que
por brevidade deixo, assi os escreveremos, porque da
mesma maneira os pronunciamos. Porque a boa ortographia
consiste em escrever, como pronunciamos: &
da mesma maneira pronunciar como escrevemos. E
assi como os Gregos Latinos, & Arabes não tem, nem
conhecèrão esta nossa pronunciação cheminé; chinella,
35marcha, chora, chupa; assi nòs não temos (na nossa
materna) a sua per ch; nem letra com que signifiquemos
o χ dos Gregos. Assi que quando virmos escrittos
estes nomes, & outros semelhantes, lhes daremos
a pronunciação de qui, & C: & assi o usaremos na escrittura
Portuguesa.

E do que toca a lh. & nh. trattaremos nos capitulos
desta letra, L, N: que nelles se verà, como devemos
usar dellas.

Capitulo XI.
Da letra vogal I.

Esta letra I, andou atégora com dous appellidos,
de vogal, & consoante; fazendo igual, I, a je.
Sendo assi que todos dizem, que hum he curto, & outro
comprido: & que de hum usariamos per vogal &
do outro per consoante. Pois porque não lhe daremos
seu lugar apartado, assi como o he na pronunciação,
& forma? Porque o proprio sohido de I, vogal he o
destas dicções as primeiras syllabas, ira, imajem: &
de j, o destas, jazmim, jejũar, jinja, joga.

Polo que assi como fica dïtto no capitulo da letra
36G, & adiante tratto no da letra y, devemos de usar
de I, vogal (a que chamamos I, Latïno) na nossa escrittura,
como os Latinos, por atalharmos a tantos em
baraços, quantos cada dia vemos cõ escrevermos hũas
dicções hora com j; hora com I: & por termos nisso cõfusaõ
escrevemos quasi todas per y: & aonde a devemos
escrever não sabemos; porq̃ ha de ser nas dicções
Gregas, a onde he necessario escreverse com ella: como
hymno, mysterio, nympha: como se dirá no capitulo
desta letra: para o qual fica esta duvida: Como devemos
escrever a construição deste nome Latino, & seu
adjitivo, Baculus de albatus? Porque muitos os escrevem
hora com j hora com y; hora com I, curto: sendo
que ha muita differença nestas tres palavras, chamadas
je, ypsilon, & iota.

Capitulo XII.
Da letra K dos Gregos, de que não usamos:
& da letra C propriamente
nossa.

Esta letra K, por imittarmos aos Latinos, a pusemos
em nosso alphabeto sem necessidade: pois
temos a letra Ca, q̃ responde a ella: & assi ambas tem
37hum sohido, & formão a propria voz. Os Latinos a
tomàrão dos Gregos, para escreverem sómente duas
dicções com ella, Kirios, Kalendas, que escrevião
pelo mesmo C, ficando para todo o mais tam superflua,
como para nòs impertinente, & de todo o ponto
inutil. E assi não escrevemos com ella dicção algũa.
Polo que a não teremos em nosso alphabeto; antes em
seu lugar poremos a letra C: pois não he conveniente,
nem licito gastar o tempo com letra, que não serve:
mormente quãdo temos letra propria, que nos serve,
como serve o K, aos Gregos: tendo em tudo seu uso,
antes das letras vogais, a, o, u; dizendo cama, caminho,
caco; copa, cofre; cume, cubo.

E por tér a pronunciação de qo; & não a mesma
valia, quando se ajunta ás outras vogaes, e, i, mudamos
o C, em q, com u, liquido, com que ficamos expremindo
todas as vogaes de hũa mesma pronunciação,
dizendo cappa, quedo, quieto, coma, custo. A
inda que os Latinos pronunciavão o C, com, e, i: como
se fosse junto com, a, o, u: segundo se collige de
Quintiliano, que diz o C, tér igualmente sua valia cõ
todas as vogaes: & que assi se pronunciava coce; como
quo que: & Antioquia; como Antiocia, sem aspiração.

Porem nòs, por atalharmos acorrucções, escreve
38remos na forma acima com C, junto ás letras, a, o, u:
& com qu, junto às letras, e, i: conhecendo a letra C,
por K: & a letra ç por terceira do nosso alphabeto,
com que dizemos, a, b, ç.

Polo que não admittiremos em nossa escrittura
a ditta letra K, dos Gregos, pois pera nòs he ociosa,
& sobeja.

Capitulo XIII.
Da letra L.

A Semivogal letra L, he liquida, quando lhe
precede muda. Sua pronunciação he suave.
De maneira que os pividosos a formão conforme sua
natureza, que he tocando com a lingua no alto do paadar.
E por ser esta os Hebreos, Gregos, Latinos,
& Arabes, & todas as mais nações do mundo a usàrão
sempre; porque he mui importante com todas as
vogaes. Porem nòs atemos de maneira aspirada, ou
tenue nesta maneira per lh, que nenhũs dos acima a
tem, nem conhecérão: & algũas nações ha, que nem
com tormento a pronuncião. Assi que esta pronunciação
mulher, melhor, he propria da nossa lingua
Portugueza.39

Os Castelhanos a querem suprir com dous ll: &
dõde nòs dizemos Castelhanos; dizem elles: Castellanos:
ou a mudão em j: como nestes vocabulos, semelhança,
telha, trabalho, mulher, & dizem semejança, teja,
trabajo, mujer. E daqui vem escreverem mal todos os
vocabulos Latinos, que tem dous ll. que na sua lingua
Castelhana guardão o sohido Latino, por estarem incorruttos:
porque necessariamente lhe tirão hum dos
dous ll: como nestas palavras, syllaba, Tullio; escrevẽ
Tulio, sylaba. Porque escrevendoas como devéra ser
ficarião dizendo Tulhio, sylhaba. Ao que elles respõdem,
que a letra l, duplicada, & feita em ll, não fica
sendo dous ll se não hum só. E ja que assi o querem,
assi seja, pois pagão com dizerem que o mesmo fazemos
nos com dous rr: como nestas dicções; terra, corrutta.
E não vem que estas palavras pronunciamos
de maneira a que sentimos ficar hum r, com a syllaba
precedente, & outro com a seguinte: assi, ter-ra, cor
rutta. O que não he, nem poderá ser neste nome Castelhano,
villa: porque não o pronuncião de maneira que
pareça, que fica hum l. com a syllaba precedente, &
vai outro com a seguinte: mas assi a pronuncião, como
se, l, el, fossem hũa sò letra. Porque não se pode divi
dir assi vil-la; mas assi vi lla, que he divisaõ sua: em
que dous ll, ferem hũa mesma vogal, q̃ he contra toda
40razão da boa ortographia. Porque nenhũa lingua sof
fre, que duas letras de hũa especie possaõ juntas ferir
hũa mesma vogal. E por ser tam urgente esta razão,
nos vão imittando algũs Castelhanos esta nossa ortographia.

Capitulo XIIII.
Da letra M.

M he letra semivogal: sua pronunciação he
branda, por se formar quasi fora da bocca
entre os beiços: fere todas as vogaes direitamente; não
admitiindo antes, nem despois de si outra consoante,
mais que B, & P: & a mesma letra M. Ante as quaes
sempre escreveremos M, & não N: & assi dizemos am
bos, tempo, immenso; & não tenpo, anbos, inmovel.

Os Castelhanos dizem que não tem obrigação de
guardar esta regra: & tem por mais acertado dizerse
em sua liguajem inmortal, enbaraço, inperio; do que
immobil, embarcacion, & imperios: que he o que nos
fazemos da letra N, quando se segue consoante, dizẽdo
Antonio ensina; & não Antonio emsina: immittando
aos Gregos, & Latinos, que guardão esta regra de
escrever M. antes de B, & P, M.41

Com tudo hasse de advertir, que ha algũs nomes
propriamente Gregos, & verbos Latinos, que admittem
m, & não n, antes da ditta consoànte n, que he
bem se saibão, para sabermos usar delles sendo necessario:
como hymno, solemne; somno, condemno, calũnio:
& muitos nomes proprios, que por brevidade deixo:
como Agamemnon, Polymneia, Clytemnestra, &
outros, que os versados na lingua Latina sabem, &
usaõ na pronunciação, & escrittura. E só este nome
Latino se acharà, que se escreve com m antes de s,
que he hyems.

Capitulo XV.
Da letra N.

N he semivogal: della se servem as linguas por
ser mui necessaria: & nenhũa a põe (salvo
a Castellana) antes das tres letras, B, M, P: nem se
ajunta com outra consoante, mais que com a letra S:
como, transferir, instrumento. Polo que na composição
das vocabulos, quando vem as pronunciações, in,
con: se o verbo, ou nome, a que se ajunta, começa em algũa
das dittas letras, B, M, P; o N, se muda em M:
como embeber, commutar, implorar.42

Esta letra N, temos tambem tenue, ou aspirada;
della usamos nos vocabulos meros Portuguéses, ou
curruttos dos Latinos, q̃ na corrucção da lingua tomárão
essa letra em lugar de outras: como engenho, pinheiro,
penhor, lenho, grunhir, tamanha. Mas as dic
ções Latinas, que antes de N, tem G, tendo as admittidas
em nosso vulgar, ja mais as alterarémos, nem escreveremos,
se não como os mesmos Latinos: dizendo
magno, insigne, magnifico, digno, ignoto, consignar; &
outros desta maneira, que temos incorruttos.

Porem estes nomes, sino, sinal, sinette, assinar, &
os q̃ destas palavras se derivão, escreveremos nesta maneira.
Porque a escrittura he retrato do que falamos;
& na pronũciação temos tirado o G, nos dittos nomes:
& não he inconveniẽte escrevermos estes, & outros sẽ
elle. Porque de algũas palavras Latinas nos servimos
sem as corrompermos; & outras que por estarẽ corruttas
assi as pronunciamos, & escrevemos.

Assi que as dicções Latinas corruttas escreveremos
da maneira que as temos; & as inteiras pronunciaremos,
& conservaremos na escrittura sem as cor
rõpermos: como neste nome signum, que corrompemos
per detracção do G, diremos sino; & delle sinal, &c.
mas significo, & insigne, q̃ se derivão do ditto nome
ficão inteiros: & assi os escreveremos.43

Capitulo XVI.
Da letra O.

A letra vogal O, assi como não tem mais que
hũa figura, assi não tem mais que hũa sô natureza:
como fica ditto da letra A: que ser breve, ou longa,
he accidente, como todas as outras vogaes. Não
(como muitos cuidárão) que tenhamos dous, Oo, hum
grande, & outro pequeno; como a cerca dos Gregos
omega, & omicron. A razão, que algũs tiverão para
cuidar, que na lingua Portuguesa avia dous, Oo,
foi, por verem, que em hũs lugares pronunciamos com
grande hiato, & abertura da bocca; & em outras cõ
muito menos: como se vê nestas palavras, corvo, cor-vos:
cuja differença não consiste na grandeza, ou pouquidade
do O; se não no alevãtar, ou abaixar do tom.
E assi não he necessario notar estas palavras com os
accentos agudó, & circunflexô se não nas dicções em
que póde aver embaraço, & differença na significação:
como na construição da terceira pessoa de possum
potest, que no preterito diremos pôde, com accento circunflexo,
& no presente com agudò, dizendo pòde; ou
sem elle: & assi em outros desta qualidade.44

Capitulo XVII.
Da letra P.

Esta letra P, he das que chamamos mudas: aqual
tem grande affenidade com o B: & por terem
este semelhança mudamos muitas dicções Latinas,
que tem P, em B, ou pelo contrario, as que tem B,
em P: como de Aprilis dizemos Abril; & de capra,
cabra; & de rabosa dizemos raposa, &c. O que não
he de espantar, fazermolo assi, por parecer, que não
imittamos os Latinos; sendo assi que para em tudo os
imittarmos, lhes fazemos o propio, que elles mesmos
fizerão aos Gregos nas mesmas letras, inda que em dicções
differentes.

Arazão he, porque estas letras pronunciaõse, &
formãose na mesma parte da bocca, & quasi com a
mesma postura dos instromẽtos, dãdo hũ som mui seme
lhante. Sô tem esta differença, q̃ o B, se pronũcia lãçãdo
do meïo dos beiços o som, & o P, pronũciase aper
tando os beiços, & lançando o folego mais de dentro.

Esta letra tem os Latinos aspirada, por quanto
escrevião per Ph, as dicções Gregas: como fica trattado
no capitulo da latra F: mas nòs (nem elles) a
não temos no nosso alphabeto, porque não temos
45figura propria perque se denote, como tem a cerca dos
Gregos (a que dizem Phi) que para cõ elles tem o lugar
do nosso F. Porem podemos escrever com a ditta letra
aspirada, os nomes Gregos: como antiphona. phantasma,
nympha, triumpho: apropriãdo à Portuguesa esta
letra Ph: na forma que fica ditto no capitulo da letra
F, que de hũa ou de outra (nas dittas dicções) nos
servimos, sem nisso aver erro.

E acerca da letra M, que se ha de escrever antes
desta letra P, está largamẽte ditto no capitulo da mesma
letra M, onde se poderá vèr, que sempre será M;
& não N, tirando esta dicção, inprimis, que inda que
Latina, està admittida en nosso vulgar.

Capitulo XVIII.
Da letra Q.

He letra muda esta letra Q. a q̃ chamaremos
que: della usamos como os Latinos, que só elles
(& os que delles tem origem) a tem em seu alphabeto.
Nòs temos pouco que dizer della por ficar tratta
do a que basta no capitulo da letra K.

Sòmente resta dizer que despois de Q. sempre se
46escreve u, liquido, para modificar sua pronunciação:
como quando, quasi, quedo, quieto, vacqueiro, quero,
acquiro, quotidianno, cinquo, quomo, (per interrogação)
à differença de como. E algũas vezes se segue ou
tro, u: mas he em dicção Latina; & não Portuguésa.
E pondose o til (que he hum risco, que ordinariamente
se poem sobre vogal, supprindo a letra m, & n) sobre
esta letra Q, suppre estas, ue: como q̃.

Capitulo XIX.
Da letra R.

R he letra semivogal: & quando lhe precede
muda fica liquida; como aggravar, Abril, fresco.
Por ser a pronunciação desta letra aspera, he mui
trabalhosa de formar a muitas nações: & comumente
a todos pevidosos, quando se dobra, ou soa como dobrada.
Polo que se enganou com ella hum author moderno,
dizendo que hũa cousa he, r, dobrado; & outra
2. singello: que o primeiro serve no principio, &
meïo das dicções; & o segundo só no meïo, & fim dellas.
Porque hum se forma com aspereza; & outro cõ
mais branda, & singella pronunciação.47

Assi que tem por grande erro escrevermos com dous
rr, na maneira que fica ditto no capitulo da letra
L. O que não sigo, por não aver razão pera isso. Porq̃
dessa maneira à todas as letras se podião dar duas
figuras: hũa para quando saõ sinjellas; & outra para
quando saõ dobradas. O que enganou a este author
foi, que ás vezes, sem se dobrar, se pronuncia
quasi como dobrado; sendo na verdade sinjello. O se
faz de cinquo, ou seis maneiras. A primeira se se poẽ
em principio de dicção: como raiz, roda, redonda, rico,
rubi. Onde está claro que não pode ser dobrado,
por ser principio de syllaba; & não poderem duas letras
de hum jenero ferir a mesma vogal: como fica declarado
no capitulo da letra L. A segunda se antes
do, r, vai n: como honrado, genro. A terceira se pelo
contrario antes do, n, vem, r: como sarna, perna,
torna, furna. A quarta, se antes do r, vem s: como
Israel. A quinta da mesma maneira se antes de, r,
vem, l: como bulrar, pilrão. A ultima se a dicção,
que começava em, r, se compòs com algũa das preposiçoẽs,
pre, ou pro: como prerogativa, prerogar.

Polo que entenda, & não se admire este author
de se escrever as palavras, que elle tras (rebuelta, rueda)
com hum sò, r, no principio; & no meio da dicção
o dobremos, dizẽdo, arrastrar, derramar. A razão
48he porque sô entre vogaes se dobra, pronunciado
com aspereza. Donde errão os, que escrevem dous, rr,
antes ou despois de consoante, usando de letra superflua,
por se enganarem com a pronunciação aspera,
dizem Henrrique elrrei goverrna. Assi que não ha
mais que hũa sô letra R, em potestade, simplez, &
não dobrada: que quando se dobra em voz, se dobra
tambem em numero, & isso entre vogaes.

Capitulo XX.
Da letra S.

S. he hũa sô letra, & não duas; como algũs puserão
em seus alphabetos, por estas figuras, S,
s. Porque essa differença he para graça da escrittura;
mas não para fazer differença na pronunciação:
que ser, s, comprido, ou, s, curto, não he por serem
de duas especias: nem menos hum sinjello; & outro
dobrado. Porque se ha de notar, que todas as vezes,
que as dicçoẽs começão em, s, & despois delle se
segue vogal, naturalmente se pronuncia como dobrado;
& sômente se dobra entre vogaes pronunciado a
modo de ç: como massa, passa, posso: na forma que
se dirà no capitulo das letras, que se dobrão em dicção.
49Tambem se ha de advertir, que na mesma maneira
se pronuncia como dobrado, quando vem despois
de consoante, como falso, manso, persuadir.

Assi que esta letra, s, ou s, comprido, ou curto,
he hũa sô letra semivogal: & mais asobîo que letra:
(segundo dezia Marco Massala) porque imitta no
sohido ao silvo da cobra. E daqui (dizem algũs) se
deu a feitura S s torcida, & enroscada, â feição,
& postura, que a cobra tem.

Capitulo XXI.
Da letra T.

No capitulo da letra D fica ditto a muita semelhãça,
q̃ esta letra T tem cõ a mesma letra
D, sẽdo ambas mudas, & de hũa mesma pronũciação.

Temos tambem a Th dos Gregos, de que usamos
em dicções Gregas, ou peregrinas: como, Thomas,
Mattheus, Bartholomeu, Iudith, thema, labyrintho,
methodo, catholico: & outros muitos, que os versados
nas letras sabem, q̃ por serem muitos, deixo pola
brevidade, q̃ sigo. A qual letra nòs não acrescentamos
ao nosso alphabeto, nem os Latinos ao seu, pola
mesma razão, q̃ dei da letra P aspirada. Os Gregos a
figurão per hũa sô letra, que nòs não temos: polo que
a suprimos com o T, & h: como, Theologo.50

Os Latinos usaõ tambem da letra T em lugar
da nossa letra ç, quando despois della se segue I, cõ
outra vogal. Cuja maneira de escrever algũs reprovão,
dando a tal culpa aos modernos, que não alcançárão
a verdadeira pronunciação Latina. Da qual
ficou em seu proprio ser, & com o proprio sohido, d'
antes o ç cõ lhe seguir I, & outra vogal, & mais
vogaes: como parece nestas dicoẽs, species, ei; officiũ,
ii; & seus dirivados, speciarius, ii; objicio; & outros
muitos verbos & nomes, que não tratto aqui: pois mi
nha obrigação não he descobrir erros antigos; nem
menos defendelos sendo alheios: que sômente pretendo
emmendar os que tenho: que assaz farei em limalos.

Sô direi que errão algũs, que querendo ser mais
Latinos do que he necessario, usaõ da ditta letra, t,
em dicçoẽs vulgares; dizendo, gratia, prudentia: &
inda peior, escrevendo offitio, juditial. Sendo assi
que os mesmos Latinos não escrevem offitium; se não
officiũ, por vir de facio, como tambẽ dizẽ judiciũ, de
judico; q̃ corrõpemos, & mudamos em juizo. Polo q̃ não
escreveremos cõ t; senão cõ ç, todos os nomes verbaes
corruttos dos Latinos acabados em tio: como de oratio,
diremos oração: & de generatio, geeração: tirando
razão de ratio, que escreveremos com z,
â differença de ração, por porção. Assi tambem
51os nomes, & vocabulos acabados em tium, ou tia: como
de servitium, diremos serviço; exercitium, exercicio;
de scientia, diremos, sciencia; & paciencia, de
patientia: & assi os mais. Porque a nossa lingua não
admitte nelles a pronunciação Latina, que não he a,
que lhe nòs damos vulgarmente. Polo que os hemos
de escrever, como os pronunciamos.

Capitulo XXII.
Da letra u.
& da consoante Ve.

Estas duas letras u, & ve (vogal, & consoante)
atê hoje forão incertas, & se duvidava quãdo
era hũa, ou quãdo era a outra, sem a isso se dar remedio,
por parecer difficultoso tirar raîzes tam antigas,
que nem os Latinos, nem outras naçoẽs podérão
arrancar. Com tudo a mim me pareceo mui facil
mostrar, que estas duas letras, hũa he vogal, & outra
consoante, tam differentes (hũa de outra) entre sî
na forma, como na pronunciação, & nome.

Porque quem não dirá, que duas pronunciações
diversas pedem duas figuras diversas: & que hũa
cousa he. u. vogal; & outra ve consoante? E assi a
52letra vogal tem sômente esta figura, u; & não faz
mais sohido que hum sô a modo de bramido de lobo,
dizendo, u; & a letra consoante ve (escrevo assi, por
ficar seu nome introduzido) anda variando com todas
as vogaes, dizendo: vas, vees, viste, vou, vulto. E
assi em quantas dicções entra, fere sempre a vogal, a
que se ajunta; & não he ferida de outra letra algũa:
porque he letra consoante muda; & nenhũa syllaba
pode acabar nella; quanto mais dicção, ou palavra,
como se acaba na letra vogal u. Polo q̃ digo, & affirmo,
que he hũa das mais importantes letras do nosso
alphabeto; ou para melhor dizer, a mais importante
de todas. Porque escrevendose nesta forma não errará
o que leer muitas dicçoẽs, que com ellas se escrevião
erradamente: como, viuo vure, vua, laura,
viuo: & assi em outras muitas dicções Latinas (como
logo direi) duvidamos se se ha de ferir na pronunciação
a vogal seguinte; ou se se ha de pronunciar
o, u, como vogal: como se vee nestes exemplos:
solui, solui; calui, calui; parui, parui; voluerim, voluerim;
deseruit, deseruit: & outros muitos, que se
sabem tem esta semelhança. E vai muito a dizer escrevelos
todos na forma, que se deve â boa orthographia
Latina, & Portuguesa. Porque vendo escritto
vivo, & uivo; diremos do primeiro que he verbo, viver:
53& do segundo q̃ he construição do nome Latino
ululatus, us; bramido de lobo, ou uivo: & assi escreveremos
uva; & não vua: uvre; & não vure: lavra,
verbo; Laura, nome: & assi nos verbos, & nomes Latinos;
como quando virmos escritto, solui, diremos que
he preterito de soleo, es; & quãdo, solvi, que he preterito
de solvo, is: & quando calui, que he do verbo caleo,
es; & quãdo calvi, de calvo, is: & quando parvi,
que he genetivo de parvus, i & quãdo parui, q̃ he preterito
do verbo pareo, es: & assi volverim, & voluerim;
deseruit, deservit; dos verbos volvo, is; q̃ faz
no preterito, volvi, per v, consoante: & o outro faz,
volui, per u vogal, que he preterito de volo, vis; &
hũa cousa he querer, & outra envolver: & assi tambem
deseruit terceira pessoa do preterito do verbo desero,
is; & quando deservit, terceira pessoa do presente
do verbo, deservio, is: tam differentes, que hũ
quer dizer, desemparar; & outro ser vir humilmente:
& assi os mais, que deixo porque toca sômente aos
Grãmaticos. Dirão algũs q̃ para tirar esta duvida
se usarâ da nota Diëresis: assi como volüi, vòlui. Ao
q̃ respondo, q̃ aonde ha letra propria, bem se podẽ escusar
notas alheias, que sô vierão em supprimento de
faltas. Alem disto fôra da lingua Latina, mui poucos
usaõ desta nota Diëresis. Polo q̃ se se guardar na escrittura
54esta differença de, u vogal, & ve consoante,
não cahirão algũs pouco versados na lingua Castellana
em muitos erros na pronũciação: como, auré, aurá;
avendo de pronunciar, & escrever, avré, avrá.

Pareceme q̃ estâ bastantemente provada esta opinião:
& q̃ se pode imittar; & não a do q̃ diz, que nos
principios das dicçoẽs serve este v; & no meio, & fim
dellas o outro u, quer seja vogal; quer consoante.

Assi que se deve daqui pordiante escrever o nosso
alphabeto com mais esta letra, que tudo consiste no
que nos pusermos: pois não introduzimos differentes
formas; senão boa usança, & conhecimento de cada
hũa destas letras.

Finalmente digo, que esta letra consoante ve he
muda: cuja pronunciação he branda tocando todas
as vogaes: & nos soa como F, por terem muita semelhança;
como se vee nestas palavras, verdade, variedade,
&c. Polo q̃ o Emperador Claudio Cesar em lugar
de V escrevia hum F âs avessas, â differẽça de
quãdo servia direito por ph: como hoje em dia se vee
em letreiros antigos de seu tempo: onde se lee: TERMINAℲIT,
AMPLIAℲITQVE: por terminavit,
ampliavitque: ℲIXIT por vixit. Morto porẽ este mao
Emperador por ser muito aborrecido, & odiado, ordenou
o povo Romano, que por senão lembrarem de
55seu nome, não usassem das letras, que elle avia invẽtado:
que se usasse, V, consoante pola letra Ⅎ, que relevava
tanto, como o vau dos Eolicos (que era Ⅎ)
que lhes servia do mesmo, que agora a nòs o, ve. derivada
da etymolojia da palavra vau.

Capitulo XXIII.
Da letra X.

X. he semi vogal, & hũa das duas letras, que
dizemos dobradas. Por ella usavão os Romanos
(até o tempo de Augusto Cesar, em que se introduzio)
destas duas letras cs, dizendo, apecs, por
apex: & tambem por gs; como gregs, por grex. E
parecendolhes mais a proposito, valerense de hũa sô
letra, que com força dobrada tivesse aquelle sohido,
recebérão a letra X, dandolhe a ella sô a pronunciação,
que antes (em duas maneiras) pronunciavão
com quatro: & assi ficàrão escrevendo pax, & lex;
& não pacs, legs: dandolhe porem a mesma formação
nos casos; como se vê nestes nomes, em que sômente
se acrecenta i no meio das dittas letras, cs,gs;
porque dizemos lex, & logo, legis; pax, pacis; & não
lexis, nem paxis: & assi nux, nucis; rex, regis, &c.
56Nos na lingua Portuguesa pronunciamos o. x. como
os Arabes, de cuja vezindade o tomamos pronunciãdoo
da mesma maneira q̃ elles pronuncião o seu xin.
Polo q̃ nas palavras Hespanhoes não nos fica servindo
o. x. dos Latinos em força, & potestade, senão em figura,
porq̃ lhe damos a ditta pronũciação Arabica: co
mo se vê nestas dicçoẽs, paixão, caxa, bruxo, enxuto.

Com tudo usamos do ditto x dos Latinos em algũas
dicçoẽs compostas, ou derivadas da lingua Latina
pronunciandoas da mesma maneira; como de extra,
dizemos, extraordinario: exceder, exame, exercito,
exercitar, exemplo, excellente.

E porque ha algũs, que por se conformarem com o
Latim na escrittura, escrevem pax, vox, crux, lux;
por paz, luz, cruz, voz; fique por regra geeral, que
nunqua em fim de dicção o escreveremos: porque o
que o escreve assi, erra de duas maneiras. A primeira,
porq̃ escreve differente, do que pronuncia, o que não
deve, nem pode ser, porque não temos esta pronunciação
lex. A segunda, porque quando viessemos a formar
os pluraes dos taes nomes, forçosamente se ha de
dizer, cruxes, luxes, voxes, paxes: que he o como se
formão na nossa luingua. Por onde todo o nome, que
temos no nosso vulgar, se se acabar em x, escreveremos
per z: como luz, cruz, paz, voz;
57& dahi, luzes, cruzes, pazes, vozes, &c. O que
(como digo) se entende dos nomes Latinos, que a linguajem
toma sem outra corrucção: porque muitos se
acabão em x, acerca dos Latinos, que não escreveremos
com. z. na nossa lingua, por estarem corruttos,
& mudados. E assi dizemos de Rex, Rei; de grex,
grei; de lex, lei; & de sex, seis; & de dux, duque; &
de nox, noite: & outros muitos desta maneira.

Capitulo XXIIII.
Da letra ypsilon.

Esta letra Y he propriamẽte Grega, & hũa das suas
vogaes, donde os Latinos a recebérão em seu
alphabeto: & nos â sua imittação a temos no nosso,
com que fazemos seis vogaes, tendo sômente dantes
cinquo. Aos Castellanos serve de consoante, mas não
de vogal: & dão para isso razoẽs, que para sua orthographia
ficão bastantes.

O que se ha de advertir, he, que inda que na nossa
lingua ha pouca differença na pronunciação de
ypsilon, a ita no escrever vai mais. Isto digo,
porque ha algũs, que as fazem iguaes; & muitas vezes
põem, i, por y; & outras y, por i; que he erro
58pera os que sabem a lingua Latina. Polo que os que
quizerem têr nesta parte hũa regra gêral, sigão aos
Latinos, que escrevem com y sòmente as dicçoẽs Gregas,
de que usamos na nossa lingua; & não as orijinalmente
Latinas, ou Espanhoes. No que se ha de
advirtir, que todas as vezes, que adicção se começar
per y, sempre se ha de escrever com aspiração: como
hydropico, hydropesia, hypocrita, hypocrisia. Tambẽ
ha algũs nomes Latinos, a que dão orijem Grega, q̃
se escrevem com y: como sylva, & seus dirivados,
que são muitos: & assi não me detenho com os mais
exemplos, porque os mais delles, ou saõ nomes proprios,
que pelo uso se sabem, ou meramente Latinos,
cujo uso sòmente pertence aos Grãmaticos. Basta dizer,
que sempre escreveremos per i as dicçoẽs Portuguêsas;
& sômente per y, as que temos Gregas; &
as Latinas, que dellas tem orijem; & mais não: nem
menos as trocaremos por j, que tem outro significado:
como se verà neste exemplo.

Esta dicção Caiado, que tem duas significaçoẽs
Portuguêsas, pergunto ao que se presar de bom orthographo:
Como se deve escrever, que signifique bordão
de pastor, & branqueado com cal? Dirão algũs,
que desta maneira: Caiado, Caïado. Outros (que devem
cuidar que acertão) dirão, que o bordão assi:
59Caiado: & para significar branqueado assi, Cayado.
Digo, que nem de hũa maneira, nem de outra:
porque se deve escrever assi, quando significa bordão,
Cajado; & quando cuberto com cal assi, Caiado. A
razão de se não escrever (nem hũ, nem outro) per y,
he que a ditta letra acerca de nos he breve vogal; &
não consoante: como o he para com os Gregos, & para
com os Latinos juntamente: & o, i, tem valor
de dous ii posto entre duas vogaes: & assi escrevião
os antigos pronũciando, Maiior Peiior: & escrevendose
com, y, confundese a pronunciação com a dos
Castelhanos, que assi bem o escrevem.

Capitulo XXV.
Da letra Z.

Avemos chegado â letra final do alphabeto, q̃
he esta letra semivogal z, da qual carecérão
os Latimos atê o tempo de Augusto (como fica ditto
da letra X) em que a tiverão, para lhes escusar letras
dobradas, que erão, s, d. Assi que esta latra z, por
ser figura, & abbreviação de duas letras, se chama
letra dobrada. Porque assi pronunciavão os Gregos,
60& Latinos, sdacynthos, como se escrevêrão, zacynthos:
& a mesma pronunciação davão a Ezras,
que a Esdras. A pronunciação destes tempos sôa
entre s, & ç: não obstante que ç se pronuncia com
mais força, que z, & s; como se vê nos nomes verbaes,
em ção; licção, deleitação: & outros como, agencia,
officio, maço, fiança, peça, começo, caça,
paço, feitiço, &c. E o .s. se pronuncia com a lingua
mais remissa: como se notarà nos nomes verbaes
de Latinos em sio; lesaõ, conclusaõ; & outros como,
casa, caso, liso, teso, peso, preso, coser,
por coser com agulha; porque com z, significa cozinhar:
& assi os mais, que acerca dos Latinos
se escrevem com, s; como mesa; & não meza. E
o z, se pronuncia com a ponta da lingua, com mais
força que s, & menos que ç: como razão praza a
Deus, aprazivel.

E porque muitos vulgares confundem o, z, escrevendo
s, sem saberem aonde convem o accento,
farei mais compendioso este ultimo capitulo,
por acabar na letra. z. muitas palavras, que saõ as
seguintes.

Escrevemos com z todos os nomes patronymicos
Portuguêses; como de Fernando, fernandez, ou frz̃,
de Gençalo, Glz̃; de Vasco, Vâz; de Sancho Sanchez;
61de Antonio Antunez; de Lopo, Lopez; de Henrique
Henriquez: & assi Ruiz̃: Pâez, Piz̃, Martĩz,
Bermudez, &c. Os nomes femininos denominados
de outros; como avareza, simpleza, nobreza,
&c. Os que na $ima syllaba tem, a, com accento
nella como rapaz, cabaz. Os que significão augmẽto
fallaz, vivaz, efficaz, capaz. E algũs nomes na
ultima syllaba tem, e, com accento nelle; garoupêz,
axadrêz, treêz, feêz, vêz, pêz. Estes saõ puocos: os
mais se escrevem per s, ainda que tenhão o accento
na ultima: como Português, Inglês, Olandês, Marquês,
dignidade; porque quando he patronymico se
escreve com z, por vir do nome Marcos, que delle dizemos
Marquez. Os que tem accento no I; juiz raiz.
Da mesma maneira os em O; Estremoz, arroz, Badajoz;
& os monosyllabos, s, de hũa sô syllaba; noz,
voz tirando vós, nós, pronomes, que se escrevem cõ
s; & não z.

Os que tem, u, na ultima com accento nella como
Ormuz, cuscuz, arcabuz: & as dicçoẽs de hũa syllaba;
cruz, luz; tirando a primeira pessoa do preterito
perfeito do verbo, Ponho, que he, pus, que se escreve
com, s & não z.

Tambem se escrevem com z as terceiras pessoas
destes verbos, faz, diz, traz: & os que delles descendem;
62fazia, dezia, trazia.

Os nomes numeraes; como dez, onze, doze, treze,
quatorze, quinze, dezaseis, dezasette, dezoito, dezanoue,
dozentos, trezentos. Porem quatrocentos, &
os mais atê mil, se escrevem per ç; & não z, com que
se dâ fim a este alphabeto. Mas porque não fique de
fora hum til, trattaremos tambem delle.

Capitulo XXVI.
Sobre a Abbreviação a que chamamos
Til.

Til não he letra, senão hum risco sobre vogal.
O qual se escreve nas dicçoẽs de muitas letras
supprindo com poucas muitas: como se vê nestas palavras,
Misericordia sentença; & nos nomes patronymicos;
como Gonçalvez, Fernandez, Rodriguez,
& outros taes, em que escusamos com o til de escrever
tantas letras; como Miã; deixamos de escrever,
isericord: & assi nos mais escrevendo sômente sñça,
Frz̃, Glz̃, &c.

O mais frequente uso deste til he quando supprimos
com elle as letras M, ou N: como tẽpo, ou tẽto,
cõstar, cãbar. E muito mais ordinario he sobre
63q̃; porque nos suppre, ue: como q̃.

Tambem he necessario nas dicçoẽs, em que escrevendo
M, faz outro sentido: como irmãos, irmãa,
Bulhoẽs, bẽes, tõos, dõos, & doẽs, vaccũus, atũus;
ficando o M liquido.

Finalmente toda a dicção, que acabar em am, escreveremos
per ão, por ser assi necessario, como diremos
no capitulo dos ditthongos; tirando tám quàm
adverbios, que escreveremos assi, como os Latinos,
polos não corrompermos, imitando sempre as escritturas
dos homẽs doutos, regulandoas: pelo entendimento,
& ouvido, que he a melhor regra, que se pode têr,
& dar nesta materia.64

Trattado das
vogaes, qve ivntas
na linguajem Portuguesa se fazem
dittongos.

Dittongo he palavra Grega, q̃ quer dizer, som
dobrado, ou ajuntamento de duas vogaes, que
guardão sua força em hũa sô syllaba. Estes
se formão em cada lingua de differentes maneiras,
& per diversos ajuntamento de vogaes. Na nossa
lingua ha dezasette, que são estes, inluîdos no exemplo:
irmãa, capitães, vogàes, mais, mão, mao, causa,
beẽs, rei, meu, confiis, taboa, dões, foi, cousa,
muito, algũus. Os Latinos saõ estes: praemium, causa,
caelum, hei, Europa, harpyia. Mas indo o accento
na vogal não fica dittongo; assi nos que temos proprios,
como dos que temos tomados da mesma lingua
Latina, & de outras naçoẽs: como saüde, baînha,
azambôa, poëta, ceúmes, moînho, Luis, argüir, &c.
As quaes saõ letras soltas, que fazem cada hũa per
sî syllaba, posto q̃ breve, por ser vogal ante vogal. Mas
se for no verso, podese fazer de duas em hũa syllaba
pela figura chamada Synerisis; como sabem os Poëtas.
65O dittongo, que mais se ha de advertir, por ser o mais
frequente na nossa lingua, & o que mais duvidas
tem, em que lugares se ha de usar, he o que escrevemos
per, ão. Porque hũs o usaõ per, om: (como na
lingua antigua) & outros per am, confundindo aquelle
dittongo, ão, que naõ conhecem, por naõ fazerem
differença de hũa cousa â outra: contra a opinião dos
que o melhor entendem.

Polo que se quizermos escrever, como pronunciamos,
terminemos no dittongo ão todos os verbos, &
nomes Portuguêses; & não em, am, que he pronunciação
alheia, da que lhe damos: tirando aquellas palavras,
que dos Latinos nos ficârão inteiras, Tam,
Quàm: & aquellas symcopadas, Gram, por grande,
quando se segue consoante; & Sam, por Santo.

E porque no formar dos pluraes dos nomes, cujos
singulares se acabão em, ão, se embaração muitos,
sem saberem se hão de pronunciar, & escrever, cidadães,
cidadoẽs, ou cidadaõs; villaẽs, villoẽs, villãos;
cortezoẽs, ou cortezãos, farei aqui regra gêral
pera esta pronunciação, & escrittura.

Todas as vezes que na lingua Portuguêsa acabar
qualquer nome em, ão; avendo duvida no formar
do plural, vejase como se termina na lingua Castelhana:
porque se acaba em an, faz o plural (acerca dos
66Castelhanos) em anes: como capitan, capitanes; gavilan,
gavilanes; Aleman, Alemanes. E assi forma
sempre sem exceição algũa o Português o singular
em, ão, & o plural em, ães; como, de capitão, capitaẽs;
gavião, gaviães; Alemão, Alemães.

Mas se acerca dos Castelhanos o singular, que os
Portuguêses acabão em, ão, elles formão em, ano;
como villano, ciudadano, aldeano, de que elles formão
o seu plural em, anos; o nosso plural serâ em ãos:
& assi como elles dizem, villano, villanos, ciudadanos,
aldeanos; diremos nos, cidadãos, aldeãos, villãos:
& se o singular acerca dos mesmos Castelhanos for
em, on; serâ o nosso plural em, ões; como sermon, opinion,
coraçon, de que dizem, opiniones, sermones, coraçones;
diremos nos, sermão, sermoẽs; coração, coraçoẽs;
opinião, opinioẽs. Porque nisto, & em outras
cousas, que por brevidade deixo, tem respeito, & correspondencia
a lingua Portuguêsa â Castelhana.

Porem se os vocabulos em, ão, saõ meros Portuguêses,
ou commũs â outras linguas, & os não ha em
Castelhano, sempre se acabarâ a voz do plural em
ões; como patacão, patacões tecelaõ, tecelões. Porque
se tem nisto respeito ao antigo, que as palavras, que
agora acabaõ em, ão; acabavão todas em, om. E polo
costume (que nisto sempre hemos de seguir) ficârão
67fora da ditta regra, tabaliães, escrivães, que por a
ditta analojia ouverão de fazer, tabaliões, escriuões.
E tambem ficão fora desta regra estes indifferentes,
cidadaõs, cidadoẽs; villaõs, villões.

Dos mais ditthongos não tratto, por dezejar em tudo
brevidade, pois pelo uso se conhecem, & escrevem.
Sômente do ditthongo em, ii, direi q̃ he necessario nos
nomes cujos singulares se acabão em, im, que perdẽ o
M, no plural, & acabaõ em ĩi: como roim, roĩis; malsim,
malsiis beleguiis. Os quaes pluraes senão podem
formar em nossa lingua sem o vinculo do til, que liga
os dous ii (& o mesmo he do ditthongo, ẽe,) por não
dizermos, malsimis, beleguimis; & bemes: como a razão,
& analojia da nossa lingua pedia, & melhor se
escrevem sem os dittos ditthongos, sômente com o til
sobre a vogal; como fiz, bẽs, bõs, beleguis. Donde
errão os que escrevem, fins, bons, bens: porque essas
letras não dão a pronunciação Portuguêsa aquem
attentar.

Advirto que esta palavra dom quando he prenome
de nobreza, faz no plural dõos; & quando significa
beneficio, ou doação faz no plural, dões: o primeiro
vem de dominus; o segundo de donum. Polo
que senão confundão os pluraes, que saõ differentes
ditthongos.68

Divisaõ das dicçoẽs, & syllabas
no fim da regra.

Hauendo entre duas vogaes duas consoantes.
ficará huã com a vogal antecedente, & outra
irâ com a seguinte: como el-le, oc-cupa, af-feiçoa,
ag-grava, pas-so, ter-ra, op-posta, &c. Tirãose de
esta regra as dicções, que despois de, s, levão, ç, m,
c, p, q, t: as quaes juntão a sî o, s; como cre-scer,
Co-sme, ca-sco, cre-spo, e-squadra, pa-stor, ca-sto: &
as, que antes de, m, n, levão g: as quaes o levão tras
sî: como, au-gmento, di-gno, ma-gno.

Letra muda, que vai antes de liquida, & a restrinje
a sî, pertence com ella â vogal seguinte, q̃ fere:
como, aplauso, a-plauso, a-brir, af-fligir.

Concorrendo duas vogaes (não sendo ditthongos)
se podem dividir; como sa-ude: de modo, que a consoante
sempre fira a vogal seguinte.

E se entre hũa vogal, & outra ha hũa consoante,
essa consoante ha sempre de ir com a syllaba seguinte,
inda que essa consoante seja aspirada; como
a-mo, ba-nho, bata-lha, A-thenas, a-chado: porque
H, não he letra; senão figura de aspiração.

Em meio de dicção pode a syllaba terminarse em
69B C D F G O P S T; dobrandose qualquer
dellas: como ab-bade, ac-celerar, ad-dição, affeiçoar,
ag-gravar, ac-comodar, op-posição, pas-so,
got-ta: & em L. M. R. seguindose qualquer consoante;
como al-ma, pom-ba, ar-te, fal-so, cam-po,
par-te, &c.

Advirto, que se a dicção for feita em dicçoẽs
compostas de preposiçoẽs, ou particulas compositivas,
sahirão sempre com as letras, com que entrâraõ: como
con-stituir, pre-screver, re-scritto, de-scender, sobstabelecer,
ap-pellar, an-notar. O que se fara, ainda
que a derradeira letra da preposição, ou particula
compositiva estee convertida em outra letra por causa
da composição: como presup-posto, circum ferencia,
super-fluo, &c.

Das letras em que se podem acabar as
dicçoẽs da lingua Portuguesa.

Ainda que as syllabas no meio das dicções se
possaõ acabar em varias letras (& quasi todas)
do alphabeto, não he assi no fim das dittas dicçoẽs:
porque sômente podem acabar nas cinquo vogaes
Latinas A, E, I, O, V; & nestas consoantes,
L, M, R, S, Z: como serva serve, servî, sirvo, eu;
70sol, com, ouvir, nos, voz. Mas se forem dicçoẽs peregrinas
trazidas ao uso da nossa lingua, podese
acabar em B D G C H N T: como Iob, David,
Agag, Melchisedec, Ioseph, Lamech, Sion, Nazareth,
Nemrot. Porque os nomes proprios se hão de
escrever com as letras de sua orijem.

Trattado da composição das palavras:
& das letras, que nellas dobrão.

Cap. I. Das razoẽs que ha para se
dobrarem as letras.

Hũas letras se dobrão nas dicçoẽs per natureza
das palavras, de que se não pode dar regra,
porque consiste em uso, & não em arte. E assi
não se pode dar razão, porque estas palavras Latinas,
gutta, caballus (de que dizemos gotta, cavallo)
tem dous tt, & dous ll; mais que dizer: Sic voluerunt
priores: Que forão compostas â vontade de quẽ
as inventou.

Outras se dobrão per derivação, que saõ; os nomes,
ou verbos, que se tirão de outros. Os quaes guar
dão a escrittura de seus primittivos: como de gotta
71dizemos esgottar, gotteira, gottejar: de cavallo,
cavalleiro: de anno, annal. As quais dicçoẽs dobrão
sempre as dittas letras L. T. N. porque seus primittivos,
(de que elles se derivão) as dobrão.

Outras dobrão per significação, que saõ os diminutivos,
que na nossa lingua acabamos em Te; que parece
não podemos escrever bem sem dobrar, o T, segundo
a orelha nos pede: como fraquette, livrette, pequenette,
pãnette: & outros assi, que pera significarem
diminuição acabamos nestas terminaçoẽs, como
os Latinos acabão os seus diminutivos em ll; como
libellus, &c.

Outras dobrão per corrução, que saõ as que estãdo
na lingua Latina de hũa maneira, & pronunciação,
as mudamos, & fazemos nossas, corrompendo
hũa das consoantes em outra semelhante: como de
ipsum, dizemos isso: de persona, pessoa: de dictio,
dicção, & de dictum, ditto: & outros muitos desta
maneira.

Outras dobrão per variação, que saõ as que per
variação de conjugação, ou declinação acrescentão
algũa letra pera mostrar differença de tempos, numeros,
& significação: como amasse, ensinasse. E os
nomes, que sendo masculinos varião a terminação
pera formar os femininos: como mao, maa; pao, paa;
72reo, ree: ou que sendo do singular formão seus pluraes;
como barril, barriis.

Outras dobrão per composição, que saõ muitas, &
per muitas maneiras. O que se faz mudandose a derradeira
letra da preposição compositiva em outra
tal, como a primeira do verbo, ou nome composto:
como, irracional, corromper, aggravar, appetitte,
&c.

E porque estas composiçoẽs se fazem com as preposiçoẽs
Latinas, que se ajuntão aos verbos para
lhes alterar a significação, acrescentar, ou diminuir,
diremos em geeral de todas; & despois em particular
das que fazem dobrar as letras: porque nem todos
podem ter conhecimento da lingua Latina para saberem
a etymolojia dos vocabulos: & onde se devem
dobrar as letras: & ainda pera os que a sabem, senão
he exquisitamente, teem necessidade (pera a lingua
Portuguesa) de outro novo alphabeto, para saberem
onde se hão de dobrar as letras. Porque outros verbos,
que nos formamos de nosso, começados em, A,
não admitte a orelha, nem o uso, que a dobrem. A razão
he, porque aquelle, A, he propriamente nosso,
com que formamos os verbos, que o querem: como
quando dizemos, de manso, amansar, de pedra,
apedrejar; de noite anoitecer; de cabo, acabar; de
73proveito, aproveitar: de puro apurar, & outros infinitos.
Os quaes saõ simplezes, & não compostos:
porque a verdadeira composição he, quando se ajunta
a preposição aos verbos; o que não ha nestes: porque
não ha proveitar, nem mansar, & pedrejar, para
dizermos, que se compoem com a preposição Ad, para
mudar o d, na outra semelhante, que acha no principio
do verbo.

Com tudo algũs ha, que o uso, & a orelha nos
ensinão, que dobrão a letra; como saõ os que teem, F,
R, ou S, despoïs de A (seguindose porem vogal despois
das dittas letras) como afforar, affogar; arriscar
arruinar; assombrar, assoviar, assanhar: & assi todos
os mais sem fallencia. Polo q̃ não he necessario fazer
clara distinção de todos.

Cap. II. Da composição das palavras

Fazem composição as preposições, ou particulas
seguintes, que temos colhidas da lingua Latina,
porque em tudo a imitta a Portuguesa: como se
verà no trattado, que fiz da muita semelhança, que
estas duas linguas teem. As preposiçoẽs saõ estas: A,
Ab, Ad, An, Con, De, Des, Dis, En, Ex, In, Inter,
Ob, Per, Pro, Pos, Re, Se, Sub, Trans, Sobre: como
74se vê nestes exemplos, acometer, absolver, abster,
advertir, affirmar, annullar, annexar, conceber,
conformar, deservir, desfazer, deshonrar, differença,
dispor, disforme, encaminhar, excluir, intentar,
impedir, interromper, interpollar, obstar, oppor,
perfiar, perseguir, perferir, preceder, prometter,
profilhar, pospor, reprovar, repetir, separar, summetter,
substabellecer, trasladar, sobrepujar, sobrestar.

Desta maneira se compoem outras muitas palavras,
que não trago, por bastarem estas para exemplo: &
as deixo pera o meu vocabulario, aonde todas teem
lugar.

Cap. III. Das letras, que se podem
dobrar.

A.

Dobrão A. muitas diccoẽs corruttas dos Latinos,
q̃ tẽ cõsoante entre dous, aa, a qual se tirou:
como de sanare, saarar: de palatum, paadar:
de mala, maa. E os nomes (como fica ditto no primeiro
capitulo) que sendo femininos se formárão dos
masculinos: como de pao, paa: de lao, laa. E muitas
75dicçoẽs Latinas, & Castelhanas em, ana, perdem
o N: como de germana, irmãa; de lana, lãa.

Nos articulos, O, A, que se antepoem aos nomes
para mostrar, de que genero saõ, ha grande embaraço,
principalmente nos nomes femininos, que assi
como dizemos, vou ao paço; avemos de dizer, vou
aa igreja: porque o primeiro A, he preposição, para;
& o segundo A, he articulo. Donde errão os que escrevem,
vou a igreja; com hũ sô A, imajinando que
suppre hũa, & outra cousa. Os que quizerem nisto
acertar, vejão como soa na lingua Castelhana, &
achando a preposição A, e o articulo la, escreva com
dous, aa; como voi a la iglesia; voi a las Indias, diga,
vou aa igreja; vou aas Indias.

Porem por quanto o entendimento deseja brevidade,
& a lingua no concurso de duas vogaes consume
hũa, bem poderemos escrever as taes palavras
de dous aa, (& a mesma regra fique pera as mais vogaes
adiante) com hũa sô vogal, em que ficão ambas
incluidas: & desta inclusão seja sinal hum accento
circunflexo, nesta forma: vâ â armada; a
virtude he proveitosa â alma; sârar; pâdar: &
melhor se fara isto na palavra, que fica com hũa sô
vogal: como pâ, mâ. Nas palavras Latinas, & Castelhanas,
que dizemos acabarão em, ana, não corre a
76mesma razão; porque fica o nosso ditthongo, ãa: como
vilãa, lãa, manhãa, &c, em que se não pode
usar accento; assi lâ, villâ: porque he differente pronunciação.

E.

E. dobrão os nomes contractos, ou abbreviação,
a que na corrução da lingua Latina na nossa
se tirou algũa letra, que estava entre duas vogaes:
como de fides, fee: de balista, beesta: de sedes, see: de
pedes, pee; & de sagitta, seeta. E assi preegar, de
praedicare; de generare, geerar: de generalis, geeral:
& assi tambem estes verbos, teer, leer, veer; de tenere,
legere, videre.

Tambem se escrevem com dous, ee, todas as dicçoẽs,
que no singular acabão em esta terminação, em;
como bem, beẽs: vinteẽs, per ditthongo.

Podem dobrar muitos nomes em, E, levando
accento nelle: como galee, maree, polee, ree.

Mas porque (como tenho ditto da letra A) abrevidade
satisfaz, quem não quizer dobrar, use do
accento circunflexo: como prêgar, gêral, marê, galê,
bêsta: com que se tira a differença de besta animal.
Nas dicçoẽs de hũa syllaba corre melhor: como fê, pê
77vê. Porem tendo outro significado, dobrese para differença;
como, se, conjunção; See, cathedral: & sê,
verbo terà o accento circumflexo, â differença de
ambos. Da mesma maneira dobrão, dee, na segunda
pessoa do imperativo presente do verbo dou; & na primeira,
& segunda do futuro do optativo; & do presente
do subjunctivo. E tambem se pode usar nelles
do accento circumflexo: como dê; com que fica differente
de De, preposição.

I.

Dobrão I os nomes acabados em il, im, na formação
de seus pluraes, formando em, iis; &
iĩs: como buril, buriis; funil, funiis; malsim, malsiĩs;
delfim, delfiĩs; que com aquelle til ficão fazendo
ditthongo: ou tambem sem elle com til sobre vogal:
como beleguĩs. E muitos preteritos corruttos dos Latinos
dobrão I: como, eu lii, ou lî. & assi, eu vii, vî,
de vidi: currii, currî.

E os imperativos pluraes da terceira conjugação
Portuguêsa para differença de seus preteritos:
como ouvii vos, ouvîvos: acodii
vos, acodî vos.78

O.

Podem dobrar em O os nomes, a que se tirou
algũa consoante de meio de duas vogaes; ou
levando accento nelle: como de mola, moo, ou mô; de
solo, sô, enxoo, enxô, ilhoo, ilhô, & noitivoo, de noctivolans.

V.

Dobrão V sômente estes tres, nuu, cruu, muu;
de nuo; cruo: & assi no plural, cruus, nuus.
Estas letras vogaes se dobrão para denotar ser
a syllaba longa; & ter o accento agudo nella. Porque
para mostrar ser a vogal longa, se permitte, que
se dobre na escrittura, como os antigos fazião segundo
Quintiliano no lib. 1. das instituiçoẽs oratorias
cap. 6.

Y não se dobra, porque não entra, senão em dicçoẽs
Gregas, em que não ha dobrarse vogal.

B.

Estas dicçoẽs sômẽte dobrão B, q̃ são abbreviar,
Abbade, Abbadessa, Abbadia, jibba, jibboso,
sabbado.79

C.

Dobrão C, os verbos, que começando na ditta
letra se composerão com a preposição, Ad.
porque se muda o D, em ç: como accelerar, accender,
accento, accidente, accidental.

Assi tambem todos os verbos, que començando
em ç se composerão com estas preposiçoẽs Ob, sub,
& os descendentes delles: como occidente, succeder,
successor. E as compostas de Ad: como accelerar.

D.

Dobrão D. estas dicçoẽs, addicionar, addivinhar.

F.

Dobrão os nomes, ou verbos começados em F
compostos da preposição Ad. cujo D se muda
no F: como affabil, affeiçoar, affim, affinidade, affirmar,
afflijir, &c.

Os verbos da lingua Portuguesa começados em
A, que teem F entre vogal, & vogal: como afferrolhar,
affrontar, affujentar.80

Os verbos, & nomes compostos da preposição
Dis, q̃ começão em F: como diffamar, differença, differir,
diffinir, diffuso, difficil, difficultoso; tirando,
disforme, & disformidade.

Tambem os compostos da preposição Ex, se elles
começão em F: como effeituar, effeminado, efficaz.

Da mesma maneira os compostos de Ob: como officio,
offender, offerecer, offuscar.

E assi os compostos da preposição, Sub: como sufficiente,
suffraganeo, suffragio.

G.

Dobrão nesta letra as dicçoẽs compostas com a
preposição Ad, por se mudar o D, em G: como
aggravar, aggressor, aggravo, bagga de bacca.

He aspiração a letre H, polo que não ha, que dizer
della.

C.

Dobrão C os verbos compostos da preposição
Ad: como accomodar, accorrer, accumular,
accusar.

Os cõpostos de Ob, Sub: como occasião occorer, occultar,
81occupar, occupação, sucorrer, ou soccorrer.

E estes que não saõ compostos, Baccho, bocca,
Graccho, peccado, sacco, secco, socco, vacca. E nas
derivaçoẽs destes nomes seguindose E, I, se muda
o C em Q: como de sacco, sacquinho de vacca, vacqueiro.
Poruqe C, E, Q, saõ ambas hũa mesma cousa,
& tem a mesma valia, como fica ditto no Alphabeto.

L.

Dobrão L os compostos com a preposição Adjunta
a verbos começados em L: como allegar,
alludir.

Da mesma maneira os compostos de, Con, que
mudão o N, em L: como collejir, collocar, colloquio,
collejial, collejio, collateral.

Os compostos de, In; como illicito, illiberal.
illudir. Os diminutivos em Lo, La, acabados: como
portella, bacello, libello, codicillo, pupillo. Tambem
aquelles a que precede E, ante L, com accento nelle:
como martello, marmello: & tirandose da orijem não
dobra; como querela, cautela, pela, q̃ he o mesmo, q̃
pila: vela, polo instromẽto da nao, & vela de vijilia.
Mas avẽdo accẽto, & duvida se dobra: como falla, por
dizer, â differẽça de fala, por fazer algũa cousa.82

Dobrão L estes superlativos, facillimo, difficillimo,
humillimo.

Finalmente dobrão todos os que saõ tirados da lin
gua Latina: como annullar, apellar, apellação, appellante,
appellido, appellidar, cavallo, elle, parallelo,
gallinha, villa, villania; mas nao vileza, porque
vem de vil.

Não dobrão L as dicçoẽs, que ajuntão à sî os relativos
O, A; porque sômente corrompemos o S, ou
R em L: como da preposição, Per, & Por; dizemos
pela, pola. Donde errão muitos, que escrevem, pollo,
& pella, com dous ll, não advertindo (alem de confundirem
estas preposiçoẽs) que hum R convertese em
hum L; & não em dous. Polo que se ha de advertir
nisto, escrevendo sempre; pela, pelo, pola, polo; & não
polla, pello, &c. Assi que escreveremos tembem com
hum sô L os verbos, a que corrompemos o S final, por
se ajuntar os dittos relativos O, A: como fizestelo?
vistela? amamolo; por fizestes o? vistes a? E assi as
mais.

M.

Dobrão M os compostos das preposiçoẽs Con,
In, juntas a verbos, ou outras dicçoẽs, que começão
em M: como commemoração, commette, commodidade,
83commutar; immenso, immodesto, immortal,
immovel, immundo, immutavel.

Dobrão communidade, commum, communicar,
commungar, excommungar, flamma, inflammar,
gomma, grammatica, summa, summariamente, consummado.

Estes verbos, que saõ meramente Portuguêses,
compostos com a nossa preposição, En: como emmadeirar,
emmagrescer, emmanquescer, emmininescer,
emmudescer.

N.

Dobrão N, per natureza, anno, & seus comcompostos,
& derivados: como de anno dizemos
annal, annaes, anniversario; perenne, perennal;
solennidade; triennal.

Os compostos destas preposiçoẽs Ad, In, juntas â
dicçoẽs, que começão em N: como annotar, annunciar;
innavegavel, innocente, innovação, innovar: &
os em En; ennastrar, ennobrecer.

Dobrão panno, penna por pluma: porque por castigo
he com hum N singello: tinnir, tyranno, bannido,
canna, cannaveal, Ioanna, Ioanne, Britannia,
Britanno, Vianna, Viannêses.84

P.

Dobrão P, os compostos das preposiçoẽs Ad,
Ob, Sub, juntas a os verbos, ou âs dicções, q̃
começão em P: como apparescer, apparencia, apparo,
apparato, apparelhar, appellar, appellidar, appetescer,
applacar, applanar, applauso, apportar appropriar,
approvar, oppilação, oppilar, oppor, oppoente,
opposição, opportuno, oppressaõ, opprobio,
opprimir, oppugnar; supplicar, suppor, suposto,
supportar, supprimento, supprir.

Outros, que não saõ compostos, pelo uso se sabem:
como Cappadocia, cappella, cappa, cappello, ceppo,
mappa, poppa: & muitos nomes Gregos acabados
em ippo: como Aristippo, Chrysippo; Hippocrene,
Hippocrates, Philippo, &c.

Q.

Naõ se dobra esta letra Q, porque se muda
em C sua semelhante, quando se compoem
da preposição Ad: como acquerir, &c. por serem
ambas hũa mesma cousa: como fica ditto no capitulo
da letra, K, do alphabeto: & neste trattado na letra C.85

R.

R se dobra sômente entre duas vogaes, quando
tem pronunciação aspera (como fica ditto
no alphabeto no cap. desta mesma letra) como terra,
guerra, carro, ferro. E porque a aspereza desta
letra he tal, que vindo dobrada, logo se conhece, he
escusado dizer aqui, os que a dobrão: porque não ha
mais que escrever, como pronunciamos, s, o aspero
per dous rr; & o mais brando per hum sô. Advertindo
que quando esta letra vier em principio de dicção,
ou despois, ou antes de outra consoante, ainda
que soe quàm aspero quizer, não se escreverâ dobrada,
como mostrei per exemplos no ditto capitulo.

Dobrão tambem R, os verbos, ou dicções começadas
na ditta letra, juntas com as preposições Con,
In; como corromper, corresponder, & seus derivados,
correspondente, correspondencia; irracional.

S.

Dobrase S sômente entre vogaes pronunciado
a modo de ç: como massa, passo, posso: &
nos superlativos: como illustrissimo, excelentissimo,
86serenissimo, &c. Mas não (como algũs cuidão) nos
numeraes: como vijessimo, trijessimo, que erradamente
escrevem, vigessimo, trigessimo: & nos preteritos;
como amasse, movesse; per todos seus numeres,
& pessoas. Tambem muitas palavras começadas
per As; como assentar, assistir, assegurar, assinalar.
Os nomes femininos de dignidades; como Abbadessa,
Prioressa, Alcaidessa, Baronessa, Condessa;
tirando estes, Princesa, Duquesa, Marquesa, que se
escrevem per hum sô s.

Dobrão muitas dicçoẽs, que sendo Latinas com
duas consoantes diversas entre vogaes, corrompe a
Portuguesa a consoante em hũa dobrada; como de
persona, pessoa: & de ipso, isso, &c.

Mas errão tanto os, que escrevem s dobrado des
pois de verbo seguindoselhe este accusativo, se, (escrevendo,
seguesse, attentousse; devendo de escrever,
seguese, attentouse) que he necessario dar logo regra
gêral: que he, que nunqua escreveremos s dobrado,
senão quando soar como dobrado entre duas
vogaes; mas não despois de consoante,
como algũs escrevẽ erradamẽte:
dizendo, mansso, immensso,
&c.87

T.

Dobrão, T, attentar, attenção, attonito, attribuir,
attrição, gotta, & seus derivados;
& prometter, permittir, metter, arremetter, seetta

E os diminutivos em te, ta; como fica dito no principio
deste trattado: como pequenette, pequenetta.

E muitas diccões, que sendo Latinas com duas cõsoantes
diversas entre vogaes, corrompe a Portuguêsa
as duas consoantes em hũa dobrada: como de dicto,
ditto; de scripto, escritto; de corrupto, corrutto; de
victoria, vittoria, &c.

V Consoante não se dobra. E pela mesma maneira
X, & Z, que não dobrão por serem
letras dobradas. E fique por regra gêral, que nenhũa
dicção começa por letra dobrada; como llança, rrei:
nem no fim se dobra; como algũs mal escrevem: como
Manoell, fell: escrevendo tambem despois de consoãte
letra dobrada, que fere a mesma vogal; como hõrra;
porque se ha de escrever assi: Manoel, fel, lança,
rei, honra: pola razão, que tenho ditto no alphabeto
no capitulo da letra R.88

Trattado da pontvação
das clausulas, notas, & accentos
da orthographia.

Assi como no processo da oração, ou pratica,
que fazemos, naturalmente usamos de hũas
distinções de pausas, & silencio, assi para o que ouve
entender, & conceber o que se diz, como para o que
falla tomar espiritu, & vigor para mais dizer: assi
da mesma maneira usamos, quando escrevemos. Porque
como a escrittura he hũa representação do que
fallamos, para nos darmos a entender nella, usamos de
pontos, como de balisas, que dividão as sentenças,
& os membros de cada clausula. Porque com
aquelles certos sinaes tiramos, & distinguimos a
muita confusaõ, que costuma aver no que escrevemos
sem aquelles sinaes. Os quaes ordinariamente
saõ sette, em que se divide a clausula, ou perihodo,
a saber: Incisio, Colon imperfeito ; Colon
perfeito : Ponto final . Interrogação ? Admiração
! Parenthesis () Mas porque inda ha outros
sinaes, que he bem se saibão, farei mençao de hũs,
& outros.89

Pontos, & notas, de que frequentemẽte usamos: | Notas menos usadas:
, Virgula | .. Apices
; Colon imperfeito | $ Vnião
: Colon perfeito | $ Desunião
. Ponto final | F Falta
? Interrogação | C Meio circulo
! Admiração | * Asterisco
( ) Parenthesis | — Obelisco
- Diuisaõ | ˘ Brachia
Λ Angulo | – Longa syllaba
§ Paragrapho.

Temos dous accentos mui necessarios na lingua
Portuguesa, hum chamado Agudò, & outro
Circunflexô: & outro mais dos Gregos chamado
Apostropho, que se termina, como logo direi.

I Esta varinha, se diz Virgula, Coma, Incisio,
Meïo ponto. Della usamos para distinção do escritto,
& respiração do que lee: porque nella descança para
dizer mais. Poẽse antes de conjunção, & relativo,
& despois de cada verbo com seus casos, que he no fim
de cada oração.

Põese tambem despos nomes adjettivos, quando
concorrem muitos em hum mesmo caso, como aqui:
90O que quizer ser verdadeiramente nobre, ha de ser
virtuoso, prudente, liberal, & constante:

Tambem se põe entre substantivos, como: As
virtudes saõ quatro, Prudencia, Iustiça, Temperãça,
& Fortaleza. E põese outro si despos verbos simplezes
sem algum caso, que rejão, como se vê neste
exemplo. Pequei imajinando, fallando, obrando. O
mais commum he (como fica ditto) despois de cada
verbo com seus casos, distinguindo hũa oração da outra.

II Da virgula & ponto (a quê chamamos Colon,
ou Membro imperfeito) usamos, quãdo fecha sentença
imperfeita, como se vê neste exemplo: Ignorei no
principio; mas hagora alcanço, que virgula, & ponto
se põe entre palavras, & sentenças contrarias; como
carregar; descarregar: alegrar; intristecer. Assi que
usaremos da virgula & ponto aonde não basta virgula;
nem tampouco convẽ dous pontos: porque delles
se usa pela maneira, que logo direi.

III De dous pontos (a que se diz Colon perfeito)
usamos, quãdo temos cheia a sentença, sem ficar mais,
que dizer. Polo que se chama Colon perfeito, que quer
dizer Membro: porque elle he parte do periodo, que
he a clausula, ou materia acabada. Assi que he
differente de ponto, & virgula, que deixa suspenso o
91sentido (por não estar ditto tanto, que baste) atê ouvir
a particula indeclinavel, ou relativa, que se segue.
Vsamos tambem de dous pontos quando na pratica,
que fazemos, referimos palavras de outrem, como:
Boecio diz: Nenhũa cousa ha nesta vida, â qual não
falte, ou sobeje algũa cousa, com que de todo não fica
perfeita. Dizia hum discreto estas palavras: Tres
cousas desejo a meu inimigo, que lhe hão de parecer
boas: que jogue, em que ganhe: que peça, em que lhe
dem: que demande, em que vença.

E quando se referem as taes palavras, sempre se es
creve no principio letra grande, como fica no exemplo.
Mas sendo sentença suspença, & não acabada
no perihodo, que himos trattando, não se segue letra
capital, senão ordinaria; como nestes exemplos: El
Rey de Inglaterra tratta pazes com sua Magestade:
pera isso està o Embaxador em Madrid: não ha duvida,
que se hão de effeitoar. Tambem usamos de
dous pontos, quando convertemos as palavras de alguem,;
como se vê neste exemplo: Direi ao que me mal
dicer: Huiva embora como lobo; mas não me mordas
como cão.

IIII. Ponto final se põe no fim da razão, ou
sentença, quando està de todo concluida, & não
deixa suspenso o sentido. Assi que tem pouco que
92dizer, pois fecha sentença perfeita, que se diz Periodo,
Circulo, Clausula. Despois delle sempre se começa
com letra capital.

V. Do final interrogativo usamos sempre que preguntamos
algũa cousa. O qual he hum s às avesas
na parte superior, & hum ponto na inferior assi? O
exemplo he este: Se conheces a tantos, porque te não
conheces? Procuras saber cousas remotas, & deixas
as que estaõ em ti tàm chegadas? E sempre escreveremos
letra grande despois deste sinal interrogativo, como
se vee nos exemplos
.

VI. Da nota de admiração usamos no fim da
clausula, que pronunciamos com algum espanto, ou
indinação. A forma deste sinal he quasi semelhante
ao interrogativo; senão que tem em lugar do s huã
risca direita assi ! como neste exemplo: Com quanto
trabalho se sustenta a virtude ! Quàm admiravel he
vosso nome em toda a terra! E sempre se escreve letra
capital despois de admiração, como se vê no exẽplo.

VII Parenthesis (que quer dizer interposição
de palavras) são dous semicirculos entre os
quaes incluîmos algũas palavras, que tiradas
do que dizemos, não fica imperfeita a razão.
E assi as incluimos no meïo destes dous meios
93circulos () para denotarmos, que saõ alheias daquella
clausula, em que se interpoem; como quando dizemos:
Como vai arriscado (se se não emmenda) a se perder!
Bemavemturadas serão as respublicas (segundo dizia
Platão) quando os Reis philosopharem, ou os Philosophos
rejerem.

VIII. Ordinariamente nas impressoẽs se usa da
nota chamada Divisão, quando no fim da regra acerta
de vir hũa dicção, que por não caber nella se parte,
para se acabar na regra seguinte. A qual se põe
no fim da regra, & daquella dicção intercorrutta:
desta maneira = (ou assi -) he sua forma. No escritto
de mão usamos o mesmo; & com mais necessidade
quando a primeira parte da dicção dividida significa
per sî algũa cousa; como quando dizemos: tempo:
apar-ta. E aquella divisão fica mostrando, que
a dicção não está acabada: nem diz tem po; apar; se
não, tempo; aparta.

IX. Angulo denota falta no lugar, onde se põe:
usamos delle nos escrittos de mão, quando nos esquecẽ
palavras, q̃ vaõ por entre linha, desta maneira:
Luis Rei de França Filho de Carlos Magno tendo necessidade de dinheiro
levantou os tributos antigos, com que obrigou a
94todos offerecerlhe o que não erão obrigados. E quando a falta
he tam grande, que não cabe na entrelinha, poremos â
marjem o que falta com outra nota desta maneira F,
& na regra outra semelhante: com a qual mostramos,
que naquelle lugar, onde està, se haõ de meter as
taes palavras.

X. Paragrafo, Artigo Apartado, ou Aforismo,
he ponto de distinção; não de hũa clausula â outra;
mas de hum trattado a outro, ou de hũa materia â
outra diversa. Polo que sempre o escreveremos apartadamente
em outra regra, assinalandoo nesta forma
§, que he, o que mais vemos usar; ou desta $: & hum,
ou outro sempre se põe no principio de cousa dividida,
como vulgarmente usão os Iuristas.

XI. Apices, Dieresis, ou Cimalha saõ dous pontos,
que usamos sobre a vogal que queremos que retenha
seu som, podendose ajuntar com a vogal seguinte.
Polo que quando queremos mostrar, que as vogaes
se haõ de leer divididas, pomos os dous pontos desta
maneira: Argüem, Poëta, alaüde.

XII. De duas maneiras usamos do sinal Hyphen,
que quer dizer, união, ou ajuntamento. A primeira
quando se ajuntão em hum corpo duas dicções differentes,
ficando feitas hum sô: como passa - tempo:
95guarda - porta. A outra maneira de que usamos, he
quando per caso, ou per erro, se acerta de escrever
hũa palavra com as syllabas muito separadas hũas
das outras, para denotarmos que se hão de ajuntar
em hum corpo, para formar hũa dicção, & tirar a
duvida, em que estaria, quem a leesse; como se vê neste
exemplo: Confia $ doestou. De maneira que he sinal
de ajuntamento, & união de syllabas.

XIII. Pelo contrario da figura Hyphen, usamos
da que chamamos Desunião, porque aquella une, &
esta aparta, quando por descuido escrevemos algũa
dicção junta a particula, ou artigo, que se segue como
se vê de escritturas antigas, q̃ hoje muitos ignorão: sua
forma he esta ^.

XIIII. Meïo circulo se usa no fim da sentença,
que explicamos, ou quando glossamos as palavras de
algum author: & tambem quando se declara algum
ditto incluîdo nelle as palavras glossadas: põese desta
maneira $ Despois delle sempre se escreve letra
capitula.

XV. Com esta estrella * (chamada Asterisco)
se nota falta, ou ponderação. Da qual usavão os antigos,
& algũs a usaõ hoje, quando se nota algũs
versos, ou palavras, que faltão em o author: ou quando
querem mostrar algũas palavras, que saõ dignas
96de se notar.

XVI. Obelisco $ contrario ao Asterisco, quer
dizer pequena ponta de espeto, ou seeta, com que se
assinalavão os versos, ou palavras adulterinas de
algum author. Porque os bõos se notavão com Asterisco;
& os maos, & adulterinos com Obelisco.

XVII. Algũs Portuguêses usão de hum sinal,
a que os Gregos chamão Brachia; & nos syllaba
breve: com que mostramos ser breve a vogal,
sobre que se põe: porque sendo longa tem outro
significado; como Cagãdo por o animal aquatico,
a que os Latinos chamão Testudo. No Latim
se mostra este exemplo melhor: Occĩdo, por
cair; â differença de occido, por mattar. Onde
se mais usa, por ser assi necessario, he no verso, para
se abreviar a pronunciação da syllaba, em que
se põe: como tambem he sinal de ser longa a em que
se põe este sinal $ como se vee nos preteritos
dos mesmos verbos acima: Occidi,
por matar; occidi, por cair,
O que servirâ pera os
Poëtas.97

Dos accentos, & viraccentos, que usão
os Gregos, & Latinos: & quando
os devemos usar na
escrittura.

Accento he tom de cada syllaba. Os Latinos
usavão de tres, a saber Agudó, gravè, & circunflexô,
que he composto de ambos. Do primeiro, &
terceiro usamos os Portuguêses nas syllabas, que pronunciadas
altas em dicçoẽs, que tem as mesmas letras,
differenção na significação de aquellas, que teem a
pronunciação baixa: como amára, leéra, ouvíra; amarâ,
leerâ, ouvirâ; preterito, ou futuro.

Assi que onde o accento faz mudança de significação,
o notaremos sempre; como nas terceiras pessoas
do preterito perfeito do modo demonstrativo de todas
as conjugaçoẽs: porque concorrem com as terceiras
pessoas do futuro do mesmo modo, & numero, em as
mesmas syllabas; senão que differem no accento. Pelo
que para tirarmos a differença dos modos & tempos,
de que fallamos, quando for preterito, diremos: Amârão,
leêrão, ouvîrao . E quando for futuro diremos:
Amaraõ, leeraõ, ouviraõ sem nenhum accento, porque
se entende fazelo na ultima.98

O mesmo usaremos nos nomes, onde assi for necessario,
encontrandose na significação com os verbos: como
jôgo, bôlo, trôco, que pronunciamos com tom baixo,
que significão jogar, bolar, trocar; a differença de jogo,
bolo, troco, que saõ nomes, que se escrevem com accento
agudo, ou sem elle.

Advirtase, que nunqua escrevamos accento grave
polo agudo, ou circunflexo; porque sômente delle usaõ
os Latinos em adverbios, para tirar duvida, se o saõ,
pondose sempre no fim da dicção: como màl, muitò: o
que se vê melhor nas dicções Latinas, ferè, justè, malè:
& nas preposições, como quando dizem: Cùm dicis
à patre: & nestas quàm quòd, quìd: com que se distinguem,
& mostrão não serem os relativos, que se escrevem
da mesma maneira; mas sem o ditto accento.

Alem destes tres accentos usaõ os Gregos d’outro
mais, a que chamão Apostropho, tendoo entre os mais
o mesmo nome: o que na realidade não he, porque sô de
nota a vogal, que se tira do fim da dicção, pela figura
chamada synalepha, de que usamos, quãdo se segue outra
dicção, que outro si começa em vogal: como d’ouro,
est'anno, d’Evora. O qual viraccento se faz de necessidade
no verso, para se evitar o hiato, & abertura
da bocca, que se causa acabando hũa dicção em vogal
99& começa tambem a seguinte em outra.

Tambem na prosa de necessidade avemos de
usar deste apostropho, ou viraccento, quando a preposição,
De, se junta a outras dicçoẽs, que começão
em vogal por não fazermos a escrittura feia, & bar
bara, como algũs dizem, escrevendo: Cidade Devora,
Delvas, homem darmas (tudo ligado, como se fosse
hũa dicção) avendo de dizer: Cidade d’Elvas,
d’Evora, homem d’armas: assi como dizemos, de
Roma, anel de ouro, de armas. Outros confundindo
a pronunciação, & escrittura dizem: Não mamais?
Damagua. Não mouves? Não touço; por não
me amais, dame agua, não me ouves, não te ouço.

Da mesma maneira he necessario o uso deste
apostropho na escrittura de nomes proprios, & cognomes.
Porque vulgarmente dizemos: Fernão Daluares,
Pedrafonso (tudo junto) avendose de escrever
mui differente, & separado: Fernan d’Alvarez,
Pedr’Affonso. E assi não diremos Ioão Dalbuquerque,
Francisco Dalmeida, Doliveira; senão
d’Albuquerque, d’Almeida, d, Oliveira.

Assi que este viraccento escreveremos sempre sobre
a derradeira consoante da dicção, ficando em lugar
da vogal, que se tira na pronunciação, ou
escrittura desta maneira: d' m' r' t' &c.100

Regras geeraes da Orthographia da
lingua Portuguesa.

I.

Toda a orthographia consiste em escrevermos,
assi como pronunciamos; & assi hemos
de pronunciar, como escrevemos.

II.

As diccões derivadas se escrevão com as letras,
com que se escrevem suas primitivas: como de anno (q̃
se escreve com dous nn) se derivão anniversarios,
annal, annaes: de vestido se deriva vestir, vestimenta,
vestiario.

III.

Em estas vogaes Latinas, a. e. i. o. u. pode acabar
palavra Portuguêsa; & nenhũa em y Grego:
porque sômente o escrevemos em dicçoẽs Gregas: como
hymno mysterio. Tambem se termina nestas cõsoantes
l, m, r, s, z: & em nenhũa outra acabarâ mais. Dõde
errão os, que escrevem, pax, lux, crux: porque o
x se muda em z; & se ha de escrever, paz, luz, cruz.101

IIII.

Os nomes proprios se escrevão com as letras de sua
origem: como David, Nazareth. E avendo dittongo
o escusaremos: como Eneas, Etiopia; & não Æneas,
Ætiopia.

V.

Escusaremos letras superfluas, cuja pronunciação
não temos; como K, Ch, que saõ gregas, & as palavras,
que temos Gregas, as escreveremos sem K, & H: como
caridade Antioquia, Monarca, Monarquia. Porem
physionomia (que algũs dizem phylosomia) poderemos
escrever per ph Grego, ou f Latino; como fysionomia:
& assi orthographia, ou ortografia. Da mesma
maneira estas letras Th, Rh, aspiradas dos Latinos,
& Gregos; como Theologia, ou Teologia, Mathematica,
ou Matematica; Rhetorica, ou Retorica.

VI.

Por evitar superfluo, escusaremos, E, antes de S,
no principio de dicções, que temos Latinas; como spero,
102screver, scrittura, spiritu, Stevão: porque a pronunciação
assuviada escusa E; mas a respeito do vulgo
podemos ajutar E; & escrever de hũa maneira, ou
d’outra; como estado, espiritu. Porem sciencia, consciẽcia,
& muitos, que se compoem da preposição, De,
guardem sempre sua origem. E para differençar o ver
bo Estou, estás, dos nomes esta, estas cousas, poremos na
ultima vogal do verbo hum accento agudo: como, esta
pessoa está esperando por esta orthographia: & tu estás
esperando por estas letras.

VII.

As palavras Latinas, de que usamos incorruttas,
ou pouco corruttas, não devemos corrõper mais, quãdo
a pronunciação Latina he a mesma, que a Portuguesa,
por não escurecer sua origem, que não he propriedade
da lingua fazer maiores corrucções; como,
em Deus, lingua, qualidade, quantidade, quantia, cinquo,
melhor; & não milhor, sinco, lingoa, contia, calidade,
Deos, que he diversa pronunciação da Portuguesa
propria: como se notarâ, em Rex magnus super
omnes Deos; que tem differente pronunciação entre os
Latinos, de Quoniam Deus magnus. Nem pater, &
mater, Latinos, corromperemos, pai, mai; se não páe
103mãe, que fiquem as mesmas vogaes; pois não sahimos
da pronunciação Portuguêsa. Nem os pluraes dos
nomes acabarão em, is; senão em es; como vogaes,
tribunaes, perdões. Porem os verbos em, is; como
amais, buscais.

VIII.

As dicçoẽs se apartem de modo, que duas não
pareção hũa: & concorrendo vogal no fim de hũa,
com vogal no principio de outra dicção, que fazem
synalepha, se usarâ de accento virado chamado Apostropho;
como d’Ourem, d’ouro; & não dourem,
douro.

IX.

Da preposição Per usaremos, quando responde
a Per, Latina; que se usa em agencia, feitor passajem:
como trattouse a causa per procurador; feito per
tabellião; passando per França. E usaremos, Por,
quando responde a Pro, Propter, Latinas, que significão
respeito, ou amor; como fazei este negocio por
mim por amigos, por Deus.104

X.

Não confundão estas preposiçoẽs na pronunciação,
& escrittura, trocando hũa por outra. Nem
despois dellas seguindose os relativos, O, A, se dobre
L; porque hum R, convertese em hum L; &
não em dous. Isto digo, porque saõ tantos os, que errão
escrevendo L dobrado com estas preposições Per,
Por, como os que dobrão S, seguindose este accusativo
se, despois de verbo; como pello, pella pollo,
polla; seguesse, attentousse; avendo de ser pelo, pola,
seguese.

XI.

Advirtã o que não quizer errar nestas tres letras
ç, S, Z, porque a muita semelhança causa confusão,
& sendo a differença pouca, com mais dilijencia
se ha de saber, para fugir dos erros, que se seguem
do mal pronunciar ao mal escrever.

O ç se pronuncia com mais força, que z. & s;
como se vê nos nomes verbaes em ção; lição, feição,
deleitação: & outros, como tição, agencia, negocio,
maço fiança, peça, começo, caça, paço, feitiço, &c.105

S, se pronuncia com a lingua remissa, sem força;
como se notarâ nos nomes verbaes dos Latinos em,
sio; lesaõ, conclusão, casa, casamento, mesa, preso,
peso, liso, teso, coser com agulha, &c. E se se dobrar
esta letra, s, tem a pronunciação mais força; mas
não tanta como ç; nem ainda como z; como se vê em
passo, posso, remisso, pesso; possuir, &c.

Z, se pronuncia com mais força que, s; & menos
que ç, como razão, praza, a Deus, fazer, cozer,
por guizar, trazer, &c. Nesta letra z acabamos
muitas palavras; como, rapaz, raiz, arcabuz, noz,
fez; & os sobrenomes patronymicos, Martiĩz, Lopez,
Ximenez; por vir de Martinho, Lopo, Ximeno;
como fica ditto largamente no cap. 25. do Alphabeto.

XII.

Quando se hão de escrever j. v. (que são letras
consoantes) fica ditto nos capitulos 9. & 22.

XIII.

Advirtase que sempre antes de B. P. M. se escreve
em Latim, & Português, M; & antes das mais
letras, se escreue N: como Ambrosio, immovel, importuno;
106tanto, confio, pondo, tronco, angustia. Tirãose
desta regra os nomes, que se compõe deste adverbio,
Bem; & desta preposição, Circum: como, bem estreado,
bem quisto, bem ensinado; comtigo, comigo, comsigo;
circumferencia, circumflexo.

XIIII.

As palavras, que dobrão consoante, se saberão
per sua orijem sendo Latinos; & os que o não forem
aprenderão per uso, imitando aos, que melhor escrevem.

XV.

Os Latinos não apartão o, S, do C, M, P, Q,
T, se vai posto antes destas cinquo letras; como de-scer;
Co-sme cre-spo, e-squadra; pa-stor. Nem apartão o
G, do M, N: como au-gmento; di-gno; nem M, de
N; como em, colu-mna. Quem quizer imitar nisto os
Latinos (& ainda os Gregos) podeo fazer; & quem
quizer nisto seguir a pronunciação vulgar da nossa
pronunciação Portuguêsa, não deve ser reprovado:
porque mais imperio tem sobre nos o vulgo Português,
que os Latinos antigos. Porem nunqua B, D,
F, G, C, P, T, V, ficarão (saluo aquellas que em dicçoẽs
107ficão dobradas) com a vogal precedente, quando
despois dellas se segue L, ou R, liquidas; como Abril,
o-bra, e-dra, af-flijo, ag-gravar, en-crespar,
com-placencia, con-trito.

XVI.

Per letra capitula se começarão os nomes proprios
de quaesquer cousas; sobrenomes, nomes de sciẽcias,
artes, dignidades; & qualquer cousa, que se
vai trattando; como, da Caridade: os nomes de naçoẽs;
como Português, Grego: os patronymicos; como
Pirez, vaz, &c. E todo o principio da escrittura
livro, capitulo, clausula, ou perihodo, que se fecha
com hum ponto, ou com dous, quando se muda de hũa
sentença â outra: ou quando se passa de hũa pessoa â
outra, como està declarado no trattado dos pontos, &
accentos. Aonde se poderâ vêr, que tambem fecha o
sinal interrogativo, que he assi? & o admirativo
assi ! & meio circulo $ & que logo a seguinte clausula
se começarâ per letra grande.

XVII.

Em meio de dicção senão põe letra grande, porque
108he notavel erro escreverse assi, oCasiões, oBra,
orDinaria: como vî de letra de mão mui perfeita; mas
mui errada na orthographia.

XVIII.

Nas abbreviaturas se usa til, que suppre muitas
letras: as quaes devemos escrever claras, que se entẽdão
facilmente, sem se usar nellas letras dobradas
como sñça, Glz̃, Frz̃; & não Gllz̃, Frrz̃. E a mesma
advertencia averâ nas abbreviaturas dos numeros
dos Romanos; como se verâ no breve trattado,
que vai neste volume. As nossas abbreviaturas
mais notorias são as, que andão em uso, &
vão em consequençia d’outras; como V. A. por
vossa Alteza. V. E. por vossa Excellencia. V.
S. vossa Senhoria. V. M. vossa merce. V. P.
vossa Paternidade. V. R. vossa Reverencia. E por
el Rei nosso Senhor, ElR. N. S: por autor, A:
& por reo, R: sempre com letras grandes.

Mas nas outras partes, q̃ não estão pelo uso escreverense
per hũa letra, poremos mais letras, & em
regra direita; como sua Magestade delRei Philippe
nosso Senhor: escreveremos S. Mag. delR, Phil. N. S.109

Este uso tinhão os Romanos; como Q. Fab. Max.
por Quinto Fabio Maximo. C. Iul. Caes. por Caio
Iulio Caesar. M. Tul. Cic. &c.

XIX.

A ultima regra he, que avendose d’apartar da
boa orthographia seja para o Latim, descubrindo das
palavras a orijem, que se deve saber, & a lingua
Latina para escrever bem a Portuguêsa.

Com isto tenho dado fim a Orthographia Portuguêsa,
que me pareceo melhor, menos corruta, &
mais correspondẽte â Latina, de que depende. Aquelle,
que lhe parecer boa, sigaa; & aquelle, a que não,
emmendea.

Fim da Orthographia.110