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Feijó, João de Morais Madureira. Orthographia, ou Arte de escrever – T02

[Orthographia, ou Arte de Escrever…]

Prolegomeno
necessario ao leitor, e indicativo
de toda a óbra.

Leitor sábio, e entendido, isto naõ he prólogo,
para antecipar satisfaçoens á crîtica dos Zoilos;
porque depois que o doutissimo Bluteau fez prólogos
para todo o genero de Leitores, todos os mais
ficaõ escusados para confusaõ da mordacidade,
na crîtica. He sim hum Prolegómeno, ou prepáro
necessario a todo o Leitôr deste livro, para a comprehensaõ de
toda a obra, sem o trabalho de a lêr; de que conseguirás o conhecimento,
ou da sua utilidade para a estimaçaõ, ou da sua
inutilidade para o desprezo; porque naõ he justo que te enganes
com a vista do frontispîcio, ou fachada do titulo; como muitas
vezes succede nos Templos, e naõ poucas nos livros.

Aqui pois tens duas Orthografias, para a eleiçaõ da que te
parecer mais facil, quando julgues, que ambas naõ saõ necessárias.
A primeira he a que se reduz áquellas poucas régras, e menos
preceitos, de que consta esta Arte; que principiei pelas difficuldades,
que encontra, quem escréve de similhante matéria,
para que saibas, que para mim he chimérica aquella Orthografia
universal
, em que muitos fállaõ; porque naõ póde ter mais possibilidade
para se pôr em praxe, que a imaginaçaõ daquelles, que
a facilitaõIn voce,e naõ o estudo, a experiencia, e o trabalho
daquelles, que muitas vezes a examináraõ, sem nunca lhe acharem
fundamentos para regras universáes, e infallivelis como poderás
inferir do que digo nas mesmas difficuldades da introducçaõ,
e no preludio da Terceira Parte p. 144 n 2, e nos seguintes.

As unicas regras, que ha, e pódem ser universáes, saõ as que
iiiacharás na Primeira Parte desta obra com toda a clareza, e extensaõ
necessaria. Naõ me cansei em descrever aqui, que orîgem
tivéraõ as letras, quem foraõ os seus inventôres, como principiáraõ
no uso, e com que caractéres se começou a escrever no
mundo: nem examinar os primeiros rudimentos da lingua Portugueza,
o seu augmento, a sua singularidade, e differença das
mais; porque além, destas noticias andarem já em outras Orthografias,
e serem mais históricas que doutrinaes, todo o fim do incansavel
estudo, que fiz nesta matéria, foi só tirar o necessario para
a utilidade dos leitores, e naõ aproveitar tudo para a recommendaçaõ
do Auctôr.

Por isso antecipei ás regras das letras o uso dos accentos,
porque mal póde aprender a escrever sem erro, quem primeiro
naõ souber ler com acêrto; e como o ler inclue a pronunciaçaõ,
ou seja vocal, ou mental, naõ pode haver pronunciaçaõ récta,
sem a intelligência, e uso dos accentos, que saõ os sons, ou tons,
com que se pronunciaõ as palavras, já levantando, e já deprimindo
a voz em cada hũa das vogáes, com que as palavras se escrévem.
E quem passar a ler a diante, sem saber primeiro o uso
dos accentos, vay exposto a errar muitas vezes a bõa pronunciaçaõ;
porque só por elles ensino a pronunciar, como se verá do
numero 40 por diante.

Segue-se logo a pronunciaçaõ de cada hũa das vogáes, os dithongos,
que dellas se fazem na nossa lingua, e o seu differente
uso. Que palavras se haõ de escrever com letras grandes. Como
se escrévem as palavras compostas. O uso das preposiçoens assim
no Portuguez, como no Latim. De cada hũa das consoantes, e
quando se haõ de escrever dobradas; e aqui acharás, além do
preceito, todas as palavras, que dóbraõ letra, dispostas pelo abecedário
para uso facîllimo. Do mesmo modo vaõ alfabetadas todas
as que tem orthografia especial, como as que se escrévem
com ct, mn, pt &c. As terminaçoens dos nomes no plural; e he
tudo o que contém a Primeira Parte.

Na segunda acharás como se deve fazer a perfeita divisaõ
das palavras, que naõ cábem inteiras no fim das regras. O uso da
pontuaçaõ na divisaõ das oraçoens por vîrgulas, e pontos &c.
Hum bréve Appendice de algumas abbreviaturas, conta dos Romanos
pelas letras, todos os modos de contar na lingua Latina;
ive como se contaõ os dias dos mezes por Calendas, Nonas, e Idos.
E he athe onde se extendem todas as Orthografias: e sendo esta
a mais amplificada entre as outras, que me viéraõ á maõ, vi que
naõ excedia o volûme de tres quadérnos de papel, e só por isso
merecerîa o nome de Arte:Ars quia Arctè docet.Mas reflectindo
com mais attençaõ nos preceitos desta Orthografia, entrei a
considerar, se bastarîaõ elles, para sabermos escrever, e pronunciar
com acerto todas, ou ao menos as principáes palavras da
nossa lingua Portugueza? E achei, que naõ; porque nem esta
nem outra algũa nos dá regras para acertar na variedade, e um
dança, que na sua conjugaçaõ tem os verbos anômalos, e irre
gulares, de que abunda a nossa lingua. Nenhũa diz como se tira
a dúvida em innumeraveis palavras, que saõ controversas naõ só
nas letras, com que se escrévem, mas nos tons, ou accentos, com
que se pronuncîaõ. E nenhũa ensina como se devem emendar os
erros vulgáres da pronunciaçaõ commua; e por isso me resolvi a
continuar com a Terceira Parte.

Terceira Parte.

Intitula-se a Terceira Parte erros do vulgo, e emendas da Orthografîa
no escrever, e pronunciar. E bem lhe pódes chamar
hum Thesouro, ou Vocabulário Orthográphico da lingua Portugueza;
porque só neste acharás o como se escrévem, e como
se pronuncîaõ todos os vocábulos da nossa lingua, que poderîaõ
causar dúvida, ou nas letras, ou na pronunciaçaõ. Só neste acharás
os erros oppostos, para os conhecer por táes, ainda quando
se encontraõ em alguns Auctores. Só neste acharás examinado o
que em hũas palavras he uso, e em outras abuso, a conjugaçaõ,
e declinaçaõ dos verbos anômalos, e irregulares, e cada hum na
letra, a que pertence: o exame das palavras controversas, e a que
déve prevalecer. E por isso bem pódes chamar a esta Terceira
Parte segunda Orthografia; porque toda a palavra, em que tiveres
duvida de como se escreve, ou como se pronuncîa, acharás
no seu lugar pela ordem do Alfabéto. Nem eu sei, que de outro
modo se possa fazer, ou inventar hũa Orthografîa universal para
toda a lingua Portugueza. Só me pódes estranhar, que as significaçoens,
que ajunto a todas as palavras, que necessitaõ dellas, naõ
vpertencem á Orthografia, e que essas tinhas tu em Bluteau. Respondo,
que tens razaõ, porque daqui se segue, que se eu naõ tivéra
o excessivo trabalho do que estranhas, naõ terîas tu o allîvio
de saber como se escréve, e pronuncia esta, e aquella palavra,
mas ficarias ignorando o que significa, ou irias buscarlhe a
significaçaõ a Bluteau; e quem naõ tiver aquelles dez Vocabularios,
ficará tambem ignorando as significaçoens de dez mil palavras,
que dos Gregos, e dos Latinos passáraõ, e vaõ passando para
o nosso uso. Eu entendia, que me devias agradecer, e naõ estranhar,
o acháres neste pequêno volûme de quarto aquelles
dez de fólio, para o estudo, e uso de hũa banca, e naõ para o
ornato, e pezo de hũa livrarîa. Ora estranha o que quizeres, com
tanto, que te aproveites della, para naõ vermos entre nós a muitos
homens aliundé Letrados, que naõ sabem pôr hũa letra no
seu lugar.

Advertencia.

So quéro, que todo o Leitôr advirta, que no tempo, em que
compuz a Primeira, e Segunda Parte, ainda me naõ vinha ao
pensamento a Terceira pelo methodo, com que vay disposta; e
por isso me hia accomodando ao uso commum dos nossos Auctores,
sem a rigorosa observaçaõ dos accentos para a pronunciaçaõ,
e sem aquelle particular exame, com que a fui apurando.
Pelo que toda a palavra, que se achar na Primeira, e Segunda
Parte, e causar duvida, vejase na Terceira, aonde pertencer,
que lá se acharâõ todas segunda vez para a emenda, e
significaçaõ.

Vale.vi