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Duarte, Antonio da Costa. Compendio da grammatica philosophica – T01

Compendio
da
Grammatica philosophica
da
lingua portugueza.

Grammatica Portugueza é a Arte que ensina
a fallar, ler, e escrever sem erros a Lingua Portugueza. (1)1

Divide-se a Grammatica em quatro partes,
que são : Orthoepia, Orthographia, Etymologia, e Syntaxe.
A Orthoepia tracta da boa pronunciação e
leitura da Lingua. A Orthographia ensina a escrever
certo. A Etymologia distribue todas as
palavras em certas classes, segundo suas differentes
propriedades e serventias. A Syntaxe ensina
a dispor bem as palavras no discurso.

Capitulo I.
Da orthoepia.

§ I.
Dos sons e das letras que os representão.

A Orthoepia, isto é, a boa pronunciação e leitura
da Lingua depende do conhecimento distincto
de tres cousas. 1.ª dos Sons elementares
9e fundamentaes, que entrão na composição dos
vocabulos. 2ª das Letras que representão os Sons
articulados. 3ª do conhecimento da quantidade,
e do accento da voz na pronunciação delles ; mas
este ultimo exame pertence á Prosodia, parte da
Orthoepia.

Os Sons elementares e fundamentaes de todas
as Linguas são de duas qualidades. Sons Vogaes,
e Sons Consoantes. Os Sons Vogaes na nossa Lingua
são quatorze, a saber : á, a, é, ê, e, i, ó, ò, u,
ã, ẽ, ῖ, õ, ũ
. Os primeiros nove chamão-se Oraes,
porque quando se articulão sae todo o som pela
bocca, e os outros cinco chamão-se Nasaes, porque
quando se pronuncião, sae parte do som
pelo nariz. (2)2

Os Sons Vogaes Oraes todos se escrevem com as
cinco letras vogaes a, e, i, o, u, accentuadas, quando
é preciso evitar equivocos, como se vê na regra
acima ; e os Sons Vogaes nasaes escrevem-se
com as cinco letras vogaes com o til ; ou com m,
ou n, como : Lã, Tempo, Tanto.

Os nossos Sons Consoantes (segundo a ordem
mesma de sua natural geração), e as letras que
10os representão, são os seguintes : b, p, m, v, f, g, q,
c, d, t, s, ç, z, j, x, ch, n, nh, l, lh, r, rr
. Estes Sons,
e as letras que os representão chamão-se Consoantes,
porque sempre soão juntamente com sons
vogaes. (3)3.

O nosso Alphabeto é este : a, b, c, d, e, f, g, h,
i, j, k, l, m, n, o, p, q, r, s, t, u, v, x, y, z
 ; mas todas
11as consoantes se devem nomear, como se tivessem
um e brevissimo depois de si, deste modo :
be, ce (que), de, fe, ge (gue), je, le, me, ne, pe,
qe (que), re, se te, ve, xe, ze
.

O g antes de e ou i tem o som de j, como :
Giro Gente. O c antes de e ou i tem o som de s,
como : Cera, Cinza.

Depois de q sempre se escreve u, que sempre
se pronuncia em qua como Quatro, Quando : exceptuão-se
Quaderno, Quatorze e seus derivados,
nos quaes se não pronuncia o u. Nos outros casos
o u depois de q, e depois de g, umas vezes
se pronuncia, como em Liquido, Guarda ; outras
não, como em Questão, Guerra.

O s quando está só antes de consoante, sôa
como se tivesse um e brevíssimo antes de si,
como em Studo, Estudo ; entre vogaes tem o som
de z, como : Rosa, Vaso, mas em palavras compostas
tem o som de ç, como : Resentir, Verosimil.
O x ás vezes tem o som de ç, como : Proximo
12Maximo ; vale tambem por is ou iz, como : Expor.
Exemplo : e por cs, como : Fixar, Reflexo. No fim
as palavras Portuguezas, o x, e o z tem som de s,
como : Index, Cruz.

O ch antes de r tem o som de c, como em
Chrisma, Christão. O n e o h, ainda que junctos,
não tem o som de nh em palavras compostas da
preposição in, como : Inhabil, Inhibir. O r entre
vogaes sôa brandamente, como em Hora, Caro ;
mas em palavras compostas sôa forte ; como em
Prorogar, Derogar.

Eis aqui pois os Sons elementares e fundamentaes
da nossa lingua, e as letras que os representão
na escriptura.

A sua diferente combinação produz todas as
nossas syllabas, que andão por 1 :800 ; e estas,
differentemente combinadas dão o ser a todos os
nossos vocabulos, que passão de 40 :000.

§ II.
Dos dithongos e das syllabas.

Dithongo é um som composto de dois sons
vogaes, pronunciados de uma só emissão de voz,
como : Eu, Pão ; e por consequencia haverá Dithongo,
quando uma syllaba constar de dois sons
vogaes, sensiveis na pronunciação. (4)413

Chamão-se oraes os Dithongos que só tem vozes
oraes, como : Meus, Pais ; e chamão-se nasaez
os Dithongos que tem alguma voz nasal, como :
Mão, Pão.

Syllaba é aquelle som, que se pronuncia de
14uma vez, como : Sol, Gral. As Syllabas podem
constar, ou só de um som, ou de mais.

Vocabulo é, ou uma Syllaba de som forte e
predominante, ou um composto de Syllabas graves,
subordinadas todas a uma de som predominante.
Daqui se vê que ha Vocabulos de uma
Syllaba só, como : Deus, e Vocabulos de mais de
huma Syllaba como : Justo.

As letras de cada Syllaba devem soletrar-se
junctas, por ex., mais não se deve soletrar ma-is,
porque as letras e os sons das Syllabas não se
devem separar : e porisso quando quizermos dividir
qualquer vocabulo de mais de uma Syllaba,
o dividiremos pelo fim de cada uma, como se vê
em Co-ra-ção, Ma-gna-ni-mo.

Para que os Vocabulos sejão bem pronunciados
é necessario articular distinctamente as Syllabas,
de que elles constão, subordinando-as todas
á Syllaba de som predominante, a qual para evitar
equivocos ou má pronuncia, principalmente
em palavras menos conhecidas, deve ser notada
com um accento.15

§ III.
Dos signaes da escriptura que regulão a boa
leitura dos vocabulos.

Accento ou tom é a maior ou menor elevação
da voz na pronunciação das syllabas, de que se
compõe os vocabulos. Os Accentos são tres : Agudo,
Grave
, e Circumflexo.

O Accento Agudo é aquelle, com que levantamos
com força a voz sobre qualquer syllaba, pronunciando-a
em tom elevado e muito claro. O
seu signal na escriptura é este (’), como se vê
em Avó, Café.

O Accento Grave é aquelle, com que depois
de levantar-se o tom da voz, o abaixamos em
uma ou mais syllabas, pronunciando-as com menos
força e intensidade. O seu signal na escriptura
é este (`), como se vê em Ferrò, Casà, mas
não está em uzo entre nós.

O Accento Circumflexo é o tom da voz medio
entre o Agudo e o Grave. O seu signal na escriptura é
este (^), como se em Avô, Almôço.16

O h só em algumas interjeições é accento indicativo
de aspiração, isto é, de que a vogal se
deve pronunciar com grande affluencia de ar,
para mostrar o desabafo das paixões, como : Ah !
Oh ! &c.

O til (~) alem de mostrar som nasal nas vozes
ã, ẽ, ῖ, õ, ũ é tambem signal de que na palavra
faltão letras, que se omittirão por brevidade como :
Frz ̓ por Fernandes, Glz ̓ por Gonçalves.

Apostropho ou Viracento é uma virgula posta
no alto de uma consoante, e ás vezes de uma vogal,
para indicar suppressão, ou de vogal ou de
17consoante, ou de consoante e vogal ; v. g. SantIago
em lugar de Santo Iago, Co’este por com este,
co’
andar por com o andar.

Ordinariamente a maior suavidade da pronunciação
pede que na concorrencia de vogaes
identicas ou similhantes no fim de uma palavra e
no principio da seguinte, ambas se pronunciem,
como se fossem uma só, ainda que na escriptura
não venha o signal do Apostropho, como : de Oliveira,
minha alma, Onde iremos
 ; devemos pronunciar
Doliveira, Minhalma, Ondiremos.

A Risca de distinção e união é esta, (-) e serve
para distinguir e ao mesmo tempo ajunctar na
escriptura duas palavras, afim de se pronunciarem
junctas, como se fossem uma só ; e tambem
para unir as syllabas de uma palavra, quando
esta se divide no fim de uma regra, por não caber
toda nella, como se vê em Ouvio-me, Retirou-se ;
e se está vendo nesta mesma regra.

O Trema, Dierese, ou Apices (tudo é o mesmo)
são dois pontos postos horisontalmente (. .) sobre
a vogal, para mostrar que ella não faz dithongo
com a seguinte, como em Säude, Rïo ; e
serve tambem para mostrar que se pronuncia o u
depois de q, e de g, como em Seqüestro, Güarda.
Não está em uso entre nós.18

§ IV.
Dos signaes que regulão a boa leitura de um
discurso.

Os Signaes da escriptura, de que temos fallado,
ensinão a boa pronunciação e leitura dos
vocabulos em separado ; e os de que imos a tractar
regulão a boa leitura de um discurso, dando-lhe
clareza, elegancia, e facilidade.

Estes Signaes são a Virgula (, ), o Ponto e Virgula ( ;),
Dois Pontos ( :), Ponto de Interrogação ( ?),
Ponto de Admiração ( !), Angulo (˄), reticencia (…),
e Ponto Final (.)

A Virgula é signal para fazer uma breve pausa,
levantando ao mesmo tempo a voz. O Ponto
e Virgula, Dois Pontos, e Ponto Final são para
fazer tambem uma breve pausa, abaixando ao
mesmo tempo a voz. O Ponto de Interrogação
mostra que se deve ler como quem pergunta.
O Ponto de Admiração indica exclamação.

O Angulo serve para mostrar que esqueceo
alguma palavra, a qual se deve ler no logar em
que elle estiver ; ou a palavra esquecida esteja na
margem com outro Angulo, ou em cima da regra
sem elle. Reticencia é signal para suspender a voz
na leitura, conservando porém certo modo, indicativo
de que se não disse quanto se quisera
dizer, como : Bem quizera… porém…

O Asterisco (*) serve para mostrar, que se
deve ir procurar, ou nas margens, ou no fim do
texto, alguma prova do que se disse, ou alguma
advertencia ou explicação, marcada com outro
igual.

Paragrapho (§) indica divisão na materia de
que se tracta.19

§ V.
Da prosodia

Prosodia é a parte da Orthoepia que ensina a
quantidade, e o accento ou tom da voz, com que
se deve pronunciar cada syllaba de qualquer vocabulo.

Quantidade é o espaço de tempo que se gasta
na pronunciação de qualquer syllaba ; e porisso
se chamão breves, isto he, rapidas aquellas syllabas,
cuja pronunciação gasta pouco tempo, e longas,
isto é, extensas aquellas, cuja pronunciação
leva o tempo de duas breves. (5)5

Uma syllaba póde ser breve ou longa, ou de
sua natureza, ou por uzo. São breves ou longas,
de sua natureza aquellas syllabas, cuja pronunciação
demanda vagar ou rapidez ; e são breves ou
longas por uso, isto é communs aquellas, cuja pronunciação
póde ser ou rapida, ou vagaroza ; pelo
que umas vezes são breves, outras longas conforme
sua posição.

São longas de sua natureza as vozes á, é, ê, ó ;
ô ; todas as vozes nasaes ; todos os dithongos ; e toda a
syllaba feita por contracção de duas
, como : Avó, Ortelã,
Meu, Pão
, á por a a, (veja-se a pag. 8, not. 2.)

São breves por natureza as vozes a, e, o, como
se vê na primeira, e na ultima syllaba de Semana, e
na ultima de Ovo. Porém estas mesmas vozes a, e,
o
, são longas antes de duas consoantes, quando uma
destas lhes pertence, e a outra é da syllaba seguinte,
como : Ermida, Folgar.20

São communs as vozes i, u, e por isso serão longas
quando sobre ellas cair o accento predominante
no vocabulo e serão breves, quando não cair,
como se vê em Vicio que tem o primeiro i longo, e
o segundo breve ; e em Tumulo que tem o primeiro
u longo, e, o segundo breve.

Já fica dito que accento é o tom da voz mais
ou menos elevado e forte na pronunciação das syllabas.
Mas como uma syllaba póde ser longa, por
gastar o tempo de duas breves, e com tudo não ser
aguda ; segue-se que ha muita differença entre a
Quantidade e o accento das syllabas. Por tanto não
é essencial ás syllabas longas o terem um Accento
determinado, e por isso podem ter ou o Agudo, ou
o Grave, ou o Circumflexo, como se vê em Orgão que
tem a primeira longa com Accento Agudo, e a segunda
tanbem longa com Accento Grave.

Como todos os vocabulos tem uma syllaba de
som forte e predominante com Accento Agudo, ou
Circumflexo, á qual todas as outras estão subordinadas,
é importante saber qual ella é.

As palavras de uma syllaba tem o Accento predominante
nessa mesma syllaba, como : Só, Vê. Exceptuão-se
porém desta regra as palavras Encliticas
de que logo fallaremos.

Tem o Accento predominante na ultima syllaba
as palavras acabadas em á, é ; ê, ó, ô, i, u, como
Maná, Jacaré, Mercê, Filhó, Avô, Cajú, Javali ; porém
das acabadas em i e u, se exceptuão Quasi e Tribu.

Tem o Accento predominante na ultima syllaba
as palavras acabadas em alguma das vozes nasaes,
ou em dithongo, como : Irmã, Assem, Perdão. Exceptuão-se
Ordem, Homem, Imagem, e todas as formas
dos verbos acabados na voz nasal em, como : Louvem,
as quaes tem o accento na penúltima syllaba.

Das acabadas em dithongo nasal exceptuão-se
Benção, Frangão ; Orgão, Rabão, Sotão, e todas as
21fόrmas dos verbos acabados em ão (excepto as do
futuro, ) como : Louvão, Amarão.

Tem o Accento predominante na ultima [syllaba]
os nomes que no singular acabão em algumas das
letras l, r, s, ou z, como : Imbecil, Altar, Nariz. Exceptuão-se
dos acabados em l Tentugal, Setubal,
Affavel, Docil, Consul
&c. Dos acabados em r, exceptuão-se
Aljofar, Ambar, Assucar, Nectar, Martir.
dos acabados em s exceptuão-se Alferes, Calis, Herpes,
Ourives, Simples
e todos os patronimicos ; tem es,
como : Lopes, Domingues, os quaes tem o Accento na
penultima syllaba, .

As palavras esdruxulas, isto é, que tem a ultima
e penultima syllabas breves, tem o Accento predominante
na ante-penultima, porque o Accento não
póde passar para traz della, como : Optimo, Celebre.

As fórmas dos verbos no presente e no preterito
tem o Accento predominante na penultima syllaba ;
e bem assim todas as mais palavras, que não
estão comprehendidas nas regras antecedentes,
como : Amamos, Defendemos, Voto, Humanidade. (6)6

Chamão-se Encliticas aquellas particulas, que
não tem Accento proprio em razão de se encostarem
a outras palavras, debaixo de cujo Accento se
pronuncião. Taes são o artigo o, a, os, as, algumas
preposições, e os casos me, nos, te, vos, se, lhe, lhes,
como : Amão-o, Ouve-me, Ferio-se, Dando-se-lhe, &c.

§ VI.
Das figuras da dicção.

Chamão-se Figuras da Dicção certas alterações
ou mudanças, feitas só no material dos vocabulos,
22sem influencia na significação delles, pois se attender
só á maior brevidade e facilidade da pronunciação.

Os vocabulos podem ser alterados, ou por Accrescentamento,
ou por Diminuição, ou por Transposição,
e Transformação de syllabas ou letras ; o que
póde acontecer, ou no principio, ou no fim, ou no
meio dos vocabulos.

Accrescentamento.

Prothese, isto é, apposição é quando no principio,
do vocabulo se accrescenta alguma syllaba, ou
letra, como : Acredor por Crédor, Alevantar por Levantar.

Paragoge, isto é, posposição é quando no fim
do vocabulo se accrescenta alguma syllaba, como :
Pertinace em lugar de Pertinaz, Martire ; Martir.

Epenthese, isto é, entreposição é quando no meio
do vocabulo se accrescenta uma syllaba, como : Mavorte,
por Marte, Pagano em lugar de Pagão.

Diminuição.

Apherese, isto é, abstracção é quando no principio
do vocabulo se tira alguma syllaba, como :
Bobedas por Abobedas, Maginação por Imaginação.

Apocope, isto é, mutilação é quando no fim do
vocabulo se tira alguma syllaba, como : Gram por
Grande, Marmor por Marmore.

Syncope, isto é, concisão é quando no meio do
vocabulo se tira alguma syllaba, como : Imigo por
Inimigo, Mor por Maior.23

Transformação.

Metathese, isto é, transposição e transformação
é quando as letras ou syllabas, de que se compõe
as palavras, estão postas em uma ordem differente
daquella, em que se achão no vocabulo primitivo,
como : no, na, nos, nas, em logar de em o, em a, em os,
em as ; fal-o, dil-o, quil-o, pelo
, por. faz-o, diz-o, quiz-o,
per-o
 : onde se vê nos primeiros a preposição em
transformada em n, e nos segundos o z e r em l. (7)724

Finalmente a Synalepha é quando se supprime
a vogal final de um vocabulo, por se lhe seguir outro
que principia por vogal, como : do, da, deste, desse,
delle, to, lho, em lugar de de o, de a, de este, de esse,
de elle, te o, lhe o
 ; o que póde referir-se á Metathese.
As alterações de que temos fallado, são authorizadas
25pelo uso, e nascêrão do desejo de fazer a
Linguagem facil, agradavel, e harmoniosa, evitando
com ellas a concorrencia de consoantes asperas, cacophonias,
bem como hiatos que tornarião a Linguagem
fatigante.

Daqui se vê o quanto importa evitar o Barbarismo,
que é privar os vocabulos ou dos sons, ou do
accento, com que devem ser pronunciados, como
dizer Pregar por Prégar, Truxe por Trouxe, e até à
cacophonia, isto é, dissonancia ou o mau som, que
póde resultar do concurso de algumas palavras,
como : Má manhã, Por que idade.

Capitulo II.
Da etymologia.

§ I.
Das partes elementares da oração, e do discurso.

Oração ou Proposição é a enunciação de um attributo
em um sujeito, como o homem é racional. (1)8

São cinco as Partes elementares da oração, a
saber : Nome Substantivo, Nome Adjectivo, Verbo,
Preposição, Conjuncção, e a Intrejeição que não é
Parte elementar, porque ella per si só equivale a
uma oração, e ás vezes a muitas (2)9. Discurso é um
composto de proposições, e porisso ellas são os
seus elementos.

Nome Substantivo é o que significa qualquer
26cousa, como subsistente per si mesma, como : Terra,
Virtude
.

O Nome Substantivo é ou Proprio, ou Appellativo.
27Nome Proprio ou Individual é o que convém só a
uma pessoa ou cousa como : Virgilio, Brasil. Nome
Apellativo
ou Commun é o que convém a muitas
pessoas, ou cousas, como : Pedra, Brancara. (3)1028

Nome Adjectivo é o que ou significa alguma qualidade,
existente em um sujeito ; ou determina o nome
substantivo, como : Virtuoso, Alegre, Todo, Este &c.

Os nomes substantivos são ou Primitivos, ou
Derivados. Primitivo é o que não tem origem de
outro da mesma lingua : como Pedra, Mar. Derivado
é o que nasce de outro nome da mesma Lingua,
como : Pedreira, Pedrez, derivados de Pedra : Maré
Marezia, Marujo
, derivados de Mar.

Os Nomes Derivados ou nascem de nomes proprios,
ou de nomes appellativos. Os nomes Gentilicos
ou Nacionaes, e os Patronimicos são derivados
de nomes proprios.

Nomes Gentilicos ou Nacionaes são uns adjectivos,
que declarão a gente, nação, ou patria, donde
cada um é, como : Brasileiro, quer dizer natural do
Brasil, Maranhense
do Maranhão.

Nomes Patronimicos são os derivados de nomes
29proprios de homens, e servem hoje de appellidos
hereditarios a certas familias, como : de Antonio Antunes,
de Lopo Lopes. Estes nomes em outro tempo
indicavão filiação como : Alvares significa filho ou
filha de Alvaro, Lopes de Lopo &c.

Augmentativo, é o que augmenta a significação
do seu primitivo ; e Diminutivo o que a diminue,
como : de Caixa Caixão, de Homem Homemzarrão, de
Filho Filhinho, de Livro Livrinho.

Nome Collectivo é o que no singular significa
multidão, ou de cousas, ou de pessoas, como : Familia,
Rebanho
. Os Collectivos são ou Geraes ou Partitivos.
Collectivos Geraes são os que abrangem toda
a multidão, ou indeterminadamente, como : Nação,
Povo
 ; ou determinadamente, como : Dezena, Centena,
Milhar
, &c. Collectivos Partitivos são os que significão
só uma parte da multidão, como o Terço, o
Dizimo, &c.

Ha tanbem nomes compostos de duas, e de tres
palavras, ou inteiras, ou alteradas, como : Nortesul,
Malmequer, Fidalgo
, &c.

§ II.
Do genero dos nomes substantivos.

Genero quer dizer Classe. Classe é o arranjamento
de muitos individuos debaixo das qualidades
communs a todos.

Generos dos nomes é a differente classe, a que
elles pertencem ou de sua natureza, ou por uso arbitrario
das Linguas.

Os seres animados estão naturalmente classificados
no sexo, a que pertencem ; e como os sexos
são dois, masculino e feminino, tambem são dois os
Generos Naturaes, em que só entrão os seres animados.
Todas as outras cousas inanimadas pertencem,
a um destes Generos, segundo o arbitrio
30da nossa lingua, que tem sómente dois Generos,
Masculino, e Feminino. Daqui nasce a doutrina
seguinte :

São do Genero masculino os nomes que significão
macho, como : Pedro, Leão ; os que significão
officios e ministerios proprios do homem, como : Imperador,
Bispo
 : os que significão Deuses falsos, Anjos,
Ventos, Montes, Mares, Rios, e Mezes
, porque se
personalizão em figura de homem, como : Jupiter,
Lucifer, Norte, Olimpo, Atlantico, Itapecurú, Janeiro
,
&c.

São femininos os nomes que significão femea,
como : Ignez, Leôa ; os que significão officios e ministério
proprios da mulher
, como : Imperatriz, Costureira :
os que significão as Deusas falsas, as Partes
principaes
da Terra, as Sciencias, e Artes Liberaes,
as Virtudes e Paixões ; porque estas cousas se pintão
em figura de mulher, como : Juno, America, Europa,
Azia, Africa, Grammatica, Justiça, Soberba
, &c.
Por analogia tanbem são femininos os nomes
de Regiões, Provincias, Terras, Ilhas, e Cidades,
como : Numidia, Bahia, Creta, Olinda, &c.

Chamão-se Epicenos aquelles nomes de animaes ;
que sem mudar de genero, significão macho
e femea, como : Sabiá, Jacaré, os quaes sempre são
masculinos ; e Aguia, Cobra sempre femininos ; porisso,
quando quizermos fallar do macho, ou da femea
determinadamente, diremos : o Sabiá macho, a
Cobra femea, o macho da Cobra &c.

Os nomes da nossa Lingua, que significão seres
inanimados, por mero arbitrio forão classificados
uns no Genero masculino, e outros no feminino,
mas pelas regras seguintes podemos conhecer de
que Genero são.

São do Genero masculino os nomes acabados em
á agudo, e, i, o, u, ão, em, im, om, um, como : Tafetá,
Valle, Bacuri, Ovo, Angú, Pão, Vintem, Brim,
Som, Jejum
. Exceptuão-se dos acabados em á, e é,
31Pá, Fé, Sé, Ralé, Mercê, Arte, Neve, e pela maior
parte os que antes de é breve tem d, como :Sede,
Virtude
, que são femininos. Dos acabados em i, ó,
u, ão
, são femininos como : Lei, Grei, Enchó, Filhó,
Ilhó, Mó, Teiró, Mão, Multidão, Náu, Tribu
, e pela
maior parte os que antes de ão tem i, ou s, ou ss,
ou ç, como : União, Occasião, Acção. Dos acabados
na syllaba em, são femininos Ordem, e ordinariamente
os que antes de em tem g, como : Lavagem,
Margem
.

São do Genero Masculino os nomes acabados em
l, e r, como : Arraial, Buril, Amor, Prazer. Exceptuão-se,
Cal, Colher, e os acabados em ôr de uma
syllaba, que ordinariamente são femininos, como :
Dôr, Flôr.

São tambem do Genero masculino os nomes
acabados em s, e z, como : Herpes, Antraz. Exceptuão-se
Andas, Arras, Cocegas, Alviçaras, Preces,
Cutis, Paz, Tenaz, Têz, Rêz, Torquez, Vez, Buiz, Cerviz,
Matriz, Raiz, Antroz, Foz, Voz, Cruz, Luz
.

São do Genero feminino os nomes acabados em
a breve, ã ou an, como : Redea, Lã. Exceptuão-se
Dia, Diadema, Emblema, Cometa, Enigma, Dilema,
Thema, Theorema, Estratagema, Poema, Systema, Problema,
Anátema, Sophisma, Prisma, Mappa, Iman
.

§ III.
Da variação dos nomes.

Numero é a quantidade de individuos ou cousas,
que os nomes significão. Os Numeros são dois
Singular, e Plural. Dos nomes da nossa Língua uns
tem só Singular, outros só Plural ; e a maior parte
delles tem Singular e Plural, e ordinariamente varião
de terminação, quando passão de um Numero
para outro. O Numero singular indica uma só pessoa
ou cousa, o plural muitas.32

Tem só Singular 1.º os nomes proprios, como
Scipião, Albuquerque (4)11. 2.º os de idades, de virtudes,
habituaes, de artes, e sciencias, como : Meninice,
Caridade, Grammatica, Milicia
. 3.º quasi todo
os nomes verbaes, e os nomes de ventos, como :
Amar, Norte (5)12, 4.º os nomes de metaes, e dos quatro
elementos, como : Ouro, Terra, Agua, Fogo, Ar.
5.° os de cousas que tem peso e medida : e em fim
alguns nomes collectivos como : Leite, Assucar, Infanteria,
Gentilismo
&c.

E tem só plural os nomes que significão ou
ajuntamentos de cousas da mesma especie, como :
Farelos, Cominhos ; ou misturas de cousas differentes,
como : Fezes, Viveres, como tambem todos os
numeros cardeaes de dois para cima, como : Tres,
Quatro
, e outros nomes, como : Alviçaras, Cans, &c.

Tem singular e plural com uma só terminação
os nomes Alferes, Arraes, Caes, Lestes, Ourives,
Prestes, Simples
.

Todos os nomes acabados em vogal, quer seja
oral, quer nasal, ou em Dithongo, fazem o plural
accrescentando s à terminação do singular como :
Nó, Nós, Pé, Pés, Lan, Lans, Som, Sons, Rei, Reis,
Mão, Mãos
.

Advirta-se porém que dos nomes acabados em
ão, alguns fazem o Plural em ões, como : Sermão,
Sermões
, outros em ães como : Escrivão, Escrivães.

Os nomes acabados, em r, s, ou z, fazem o plural
accrescentando-se-lhes es, como Logar, Logares,
Deus, Deuses, Noz, Nozes
.

Os nomes acabados em al, el, ol, ul, fazem o plural
33mudando o l, em es como : Animal, Aninaes,
Caracol, Caracoes, Taful, Tafues
.Exceptuão-se Mal,
Cal
, (de moinho) Consul, que fazem no plural Males,
Cales, Consules
.

Os nomes acabados em el mudão esta syllaba
em eis, como : Fiel, Fieis, Papel, Papeis. Os acabados
om il, não agudo, mudão o il cm eis, como :
Agil, Ageis, Docil, Doceis ; sendo porem o il, agudo
muduo o l em s, como : Subtil, Subtis, Funil, Funis.

§ IV.
Divisão dos nomes adjectivos.

Os Adjectivos são ou Explicativos, ou Restritivos,
ou Determinativos. Adjectivo Explicativo é o que
significa alguma das qualidades, incluidas na significação
do nome appellativo, como Homem racional. (6)1334

Adjectivo Restrictivo é o que exprime alguma
qualidade, não incluida na significação do appellativo,
como : Homem virtuoso. Adjectivo determinativo
é o que, juncto ao appellativo, faz com que elle
35seja applicado a comprehender ou todos os indivíduos
da sua classe, ou somente alguns, ou um só,
ou nenhum, como : Todo o homem, Alguns homens.
Este homem Nenhum homem. Bem se vê que o Nome
Adjectivo não póde estar sem um substantivo.

§ V.
Dos adjectivos determinativos.

Podemos dividir os Adjectivos Determinativos em
Artigos, Demonstrativos
, e Determinativos de Quantidade.

Artigos são uns Adjectivos Determinativos,
monosyllabos, que antepostos aos nomes appellativos,
fazem com que elles se tomem no sentido individual,
ou determinadamente, ou de um modo
vago. A nossa Lingua tem dois Artigos, um é o Artigo
Definido O A para o singular, Os As para o
plural ; outro é o Artigo Indefinido Um Uma para o
singular, Uns Umas para o plural.

O Artigo Definido, anteposto ao appellativo,
mostra que elle comprehende determinadamente
todos os indivíduos da sua classe, como : O homem
é racional
. Porem sendo necessario que o appellativo
comprehenda um só individuo, ou menos dos
da especie, usa-se de alguma circumstancia restrictiva,
quando esta se não entende ou do contexto
do discurso, ou do sentido mesmo de quem
falla, como : O café do Pará ; Viste o homem ? (7)14

O Artigo, ou outro Determinativo, sempre é
anteposto ao appellativo que deve ser sujeito da
oração, como : O estudo aperfeiçoa a razão.36

O Artigo, anteposto a qualquer elemento da
oração, faz delle um nome substantivo como : O licito,
O amar, O porque &c.

Os appelativos sem artigo, sendo complementos
de outros, ficão adjectivados, como : Homem de
honra, que vale tanto como homem honrado.

O Artigo faz de nomes appellativos nomes proprios,
como : A Bahia, O Porto ; e pelo contrario faz
de nomes proprios nomes appelltativos, como : Os
Camões, Os Albuquerques ; isto vale tanto, como Os
poetas como Camões, Os conquistadores como Albuquerque.

O Artigo sempre é anteposto ao appellativo,
modificado por algum adjectivo restrictivo ou proposição
incidente, como : O criminoso deve ser
punido a pena devida, ou que é devida ao seu crime.

Os nomes proprios não levão artigo, como : Pernambuco,
Olinda
 ; com tudo muitas vezes usamos do
artigo antes delles ; mas nestes casos o artigo concorda
com um appellativo da classe a que pertence
o nome proprio, como : O Brazil, isto é, o Imperio
Brazil ; o Itapucurú
, isto é, o rio Itapucurú.

Tambem se não usa do artigo quando o appellativo
já está individuado por outro determinativo,
como : Este Livro, Aquella Casa ; todavia é costume
ajuntal-o a Todo, e antepol-o aos demonstrativos
Mesmo, Qual, e aos Ordinaes primeiro, segundo &c.
quando precedem o substantivo. Usa-se tambem
o artigo antes dos demonstrativos meu, teu, seu,
nosso, vosso
, quando queremos indicar uma cousa
com mais particularidade.

O Artigo Indefinido Um Uma, Uns Umas, anteposto
ao appellativo, dá-lhe um sentido individual,
isto é, faz com que elle se applique aos individuos
da sua classe, porem vagamente, como : um filho
deve ser obediente a seu pai. No plural é limitado
a uma parte indeterminada dos individuos, como :
Chegarão hoje uns homens, que &c. Quando fallarmos
37de objectos conhecidos, usaremos do Artigo Definido
o a, os as
 ; e fallando de objectos desconhecidos,
ou que não queremos dar a conhecer, usaremos
do Artigo Indefinido Um Uma, uns Umas.

§ VI.
Dos demonstrativos pessoaes.

Os Demonstrativos ou são Pessoaes, ou Puros, ou
Conjunctivos, Demonstrativos Pessoaes são uns adjectivos,
que fazem com que os nomes a que se
ajuntão, ou a que se referem, sejão uma das tres
pessoas, ou cousa que lhes pertença.

Nós temos seis Demonstrativos Pessoaes primitivos,
a saber : dois da primeira pessoa, Eu para o
singular, e Nós para o plural ; dois da segunda pessoa,
Tu para o singular, e Vós para o plural ; um
directo da terceira pessoa, Elle Ella para o singular,
Elles Ellas para o plural ; e o reciproco Si, que
sempre se refere á terceira pessoa, tanto do singular,
como do plural. Estes primitivos fazem com
que os nomes a que se ajunctão, ou a que se referem,
tenhão o caracter de uma das tres pessoas.

Tem a nossa lingua cinco Demonstrativos Pessoaes
derivados
, a saber : dois da primeira pessoa,
Meu Minha para o singular ; Meus Minhas para o plural.
Nosso Nossa para o singular, Nossos Nossas para
o plural : dois da segunda pessoa, Teu Tua para o
singular. Teus Tuas para o plural, Vosso Vossa para
o singular, Vossos Vossas para o plural ; e um da terceira
pessoa, fallando-se ou de um só individuo,
ou de muitos, Seu Sua para o singular, Seus Suas
para o plural. Estes Pessoaes derivados fazem com
que os nomes, a que se ajunctão, ou a que se referem,
pertenção a uma das tres pessoas.

Os nomes junctos sem proposição exprimem os
objectos, e ao mesmo tempo as relações em que
38elles estão uns para com os outros. As mais importantes
destas relações tem os nomes seguintes :
Sujeito, Attributo, Vocativo, Complemento Restrictivo,
Complemento Terminativo, Complemento Objectivo,
e Complemento Circumstancial. (Disto se ha
de tractar na Syntaxe
.)

Casos são a terminação differente de um nome
dentro do mesmo numero. Na Lingua Portugueza
os Demonstrativos Pessoaes Primitivos são os unicos
nomes que tem casos, porque elles varião de
terminação dentro do mesmo numero ; e por isso
mesmo são elles tambem os unicos nomes da nossa
Lingua, que varião de terminação, para exprimir
aquellas differentes relações, as quaes nos outros
nomes são indicadas ou pela sua posição, ou
por meio de certas particulas, que se lhes antepõe.

Eu tem os casos, me, mim, migo ; Nós, nos, nosco ;
Tu, te, ti, tigo ; Vós, vos, Vosco : Elle tem no singular
lhe, e no plural lhes para complemento terminativo ;
e o a no singular, os as no plural para
complemento objectivo ; (vid. pag. 24, nota 7) Si
tem os casos se, sigo ; e se usa só quando se tracta
de uma acção, que um sujeito faz em seu proprio
individuo, ou que lhe diz respeito. (Estude-se a nota
seguinte
) (8)15.39

§ VII.
Dos demonstrativos puros.

Determinativos Demonstrativos Puros são os adjectivos,
que fazem com que os appellativos mostrem
os objectos no logar e distancia em que estão.
A nossa tem seis, a saber : Este Esta Isto, Esse Essa
40Isso, Elle Ella (Ello antiquado), Aquelle Aquella
Aquillo, Mesmo, O mesmo
(9)16.

Este indica um objecto proximo a quem falla ;
Esse um objecto proximo á pessoa com quem se
falla ; Aquelle indica um objecto presente, mas remoto
da primeira e da segunda pessoa ; Elle designa
um objecto remoto e ausente ; Mesmo, junto a
qualquer dos pessoaes, e demostrativos, augmenta-lhes
a força ; O mesmo mostra a identidade de
algum objecto, indicado antecedentemente.

Tendo nós fallado de duas cousas ou pessoas,
querendo-as indicar pelos Demonstrativos Este,
Aquelle ; Este
representa o objecto mais proximo,
e Aquelle o mais remoto, como : Pedro gosta do estudo
e da conversação, porque
esta o recrea e aquelle
lhe aperfeiçoa a razão.

As terminações Isto, Isso, Aquillo podem chamar-se
neutras, não porque ellas possão jamais
concordar com nomes neutros, porque os não temos ;
mas porque se referem sempre ou a cousas,
ou a pensamentos, ou a acções, que por não terem
genero, nem masculino, nem feminino, se podem
chamar neutros, isto é, de nenhum genero. (10)17

Todos os Demonstrativos Puros podem ser relativos,
isto é, representar nomes antecedentes ; mas
não podem ser conjunctivos, como os seguintes,
que são relativos e ao mesmo tempo conjunctivos.41

§ VIII.
Dos demonstrativos conjunctivos.

Demonstrativos Conjunctivos são os que mostrão
ou o sujeito, ou o attributo de uma oração antecedente
e unem ao mesmo tempo as orações parciaes
com as de que são parte, como : Qual é a cousa, que
póde faltar a quem tem por seu um Deus, cujo é tudo,
quanto ha no Ceo e na Terra
 ?

Nós temos quatro Demonstrativos Conjunctivos,
a saber : o Qual a Qual, os Quaes as Quaes, Que
para ambos os numeros e generos, Cujo Cuja, Cujos
Cujas
, e Quem para ambos os numeros e generos.

O Demonstrativo Qual póde concordar com o
seu antecedente, como : Dize-me a cousa a qual cousa
póde faltar &c. E’ preciso não o confundir com
o comparativo Qual, pois este nunca leva artigo, e
tem antes de si Tal claro ou occulto, como : Qual o
Leão quando arremete
, isto é, tal qual o Leão &c. ;
pelo contrario o Qual conjunctivo sempre leva artigo
claro, ou occultco quando é interrogativo. (11)18

O Demonstrativo Conjunctivo Que é invariavel,
e póde referir-se a nomes de todos os generos e numeros,
e mesmo a sentidos antecedentes os quaes
42não tem genero, nem o podem ter, e neste caso
tambem é neutro, como : O que temos ensinado, é
extrahido dos melhores Grammaticos
.

Não havendo equivoco, nem repetição fastidiosa,
é o Que preferivel a Qual para sujeito das orações
incidentes, e tambem para complemento objectivo,
como : A nobreza que vem do nascimento,
é muito inferior
á que o próprio merecimento nos adquire.

Quem ordinariamente se diz de pessoas, e como
é invariavel, serve para todos os generos e numeros.

Cada uma das terminações Cujo Cuja, Cujos
Cujas
, em differentes logares, póde equivaler a todas
estas do qual da qual, dos quaes das quaes, e sempre
se deve empregar na relação de complemento
restrictivo, concordando com a cousa possuida, e
representando o possuidor de alguma cousa, seja
elle de que genero e numero fôr, como :… « com as
condicções
, cujo principal capitulo era » &c. (Couto) ;
neste exemplo, cujo, na terminação masculina do
singular, representa condicções do genero feminino
e do numero plural ; pois é o mesmo que dizer…
com as condicções, das quaes o principal capitulo
era
&c.

Todos os Demonstrativos Conjunctivos podem
ser Interrogativos, mas nem por isso deixão de ser
os mesmos Conjunctivos, como se póde vêr, pondo-se-lhe
claro o seu antecedente, que então se
acha occutto, como : Que hei-de fazer ? isto é, Dizei-me
a cousa que eu hei-de fazer. (12)1943

§ IX.
Dos determinativos de quantidade.

Determinativos de Quantidade são os que fazem
com que os appellativos, a que se ajunctão, comprehendão
ou todos os individuos da classe, ou sómente
alguns, ou nenhum, para sobre elles, ou sobre
nenhum recahir o attributo da oração, como :
Todo o homem é mortal ; Alguns homens são virtuosos ;
Nenhum homem é infallivel ; no primeiro exemplo o
attributo é applicado a todos os homens, no segundo
a alguns, e no terceiro a nenhum.

Dividem-se os Determinativos de Quantidade
em Universaes, e Partitivos, uns e outros são ou
Collectivos, ou Distributivos ; Positivos, isto é, Affirmativos,
ou Negativos. São determinativos Universaes
Collectivos
os que applicão os appellativos a
comprehenderem todos os individuos da sua classe
junctamente, isto é, na sua totalidade. São Affirmativos,
quando affirmão ; e Negativos, quando negão.
A nossa Lingua tem só dois Determinativos
Universaes Collectivos Positivos, que são : Todo Toda
Tudo, Todos Todas
 ; e o artigo definido O A, Os As ;
como : Todo o homem é mortar : O homem é mortal.
O primeiro é mais expressivo.

Todo sempre deve preceder o appellativo porque
indo depois delle significa inteiro ou total ; e
porisso comprehende todas as partes do individuo ;
razão porque uma proposição verdadeira póde ser
falsa pela simples posposição de Todo, como : Todo
o homem
é mortal, esta proposição é verdadeira ; O
homem
todo é mortal, esta é falsa.

A terminação Tudo se chama neutra, porque
sempre se diz de cousas que não tem genero, como :
Tudo está bom ; e nestes casos, referindo-se-lhe algum
adjectivo, tanbem este está no mesmo sentido.
(vede not. 10, pag. 41.)44

Determinativos Universaes Distributivos são os
que applicão os appellativos a significarem os individuos
da sua classe separadamente, isto é, um
a um, por exemp : Cada homem tem seu genio.
Temos tres Distributivos Universaes, Affirmativos, a
saber : Qualquer Quaesquer, e os invariaveis Quemquer,
e Cada. Qualquer e Cada se dizem de pessoas
e de cousas, Quemquer só se diz de pessoas. Se
qualquer dos antecedentes Determinativos modifica
o sujeito, a proposição é Universal Affirmativa.

Temos os seguintes Distributivos Universaes Negativos :
Nenhum Nenhuma, Nenhuns Nenhumas,
Nada, e Ninguém. A proposição é Universal Negativa,
quando algum destes Distributivos Universaes
Negativos modifica o sujeito.

Nenhum é composto de nem e hum. Estas expressões
são o mesmo ; porem no uso presente da
Lingua, Nem um, a que ás vezes se ajuncta , affirma
com maior força, como : Nenhum homem é infallivel :
Não ha, nem um só homem que seja infallivel.

Ninguém só tem singular, e se diz de pessoas.
Vindo antes do verbo, não admitte outra negação,
mais depois delle não a exclue, como : Ninguém é
perfeitamente feliz. Nada
diz-se de cousas indeterminadas,
e sem genero, como : O homem virtuoso
nada teme. Tambem se diz substantivamente : O
nada, Uns nadas, Uns ninguens
.

Determinativos Partitivos são os que fazem com
que os appellativos, a que se ajunctão, comprehendão
só uma parte, ou determinada, ou indeterminada,
dos individuos da sua classe ; e porisso fazem
as orações particulares, como : Alguns homens escapárão
do naufragio, e quatro morrêrão afogados. Alguns
homens
comprehende só uma parte indeterminada
dos individuos da classe, e quatro comprehende
uma parte determinada. Nós temos os seguintes
partitivos indeterminados.45

Alguem, Outrem invariáveis, e valem o mesmo
que algum homem, alguma pessoa, outro homem, outra
pessoa
. Fulano Fulana, Sicrano Sicrana, o Dual Ambos
Ambas, Outro Outra al
, terminação que quer dizer
outra cousa. Muitos Muitas, Os Mais As Mais sempre
com o artigo, Algum Alguma, Algo (antiquado),
Alguns Algumas.

Quando se diz Homens ha, Ha dias ; entende-se
alguns ; como : Alguns Homens ha, Ha alguns dias ; e
o mesmo se fará em casos similhantes. Nestas expressões
Delles mortos, Delles mal feridos, tambem
se entende alguns, como : Alguns delles mortos &c.

Certo Certa, Certos Certas, sempre se antepõe
ao appellativo, como : Ha certas cousas, Certo homem
&c. ; porque posto depois não é Determinativo, pois
significa cousa verdadeira, como : Cousa certa. Tal
taes
, como : Tal semêa que não colhe ; Não faças tal.

Os Partitivos de Quantidade, que determina ao
certo o numero dos individuos, são os Numeraes.
Estes são ou Cardiaes, ou Ordinaes, ou Multiplicativos,
ou fraccionarios. Os Cardiaes significão simplesmente
o numero das unidades, como : um, dois &c.
O numeral um não tem plural, e os numeraes de
dois para cima não tem singular.

Os Ordinaes significão numero por ordem, como :
Primeiro, Segundo, Terceiro : estes varião de terminação
para os generos e numeros.

Os Multiplicativos designão a quantidade que
resulta da multiplicação de individuos, como : Duplo,
ou Dobrado, Triplo ou Triplicado ou Tresdobrado
&c
.

Finalmente os Numeraes Fraccionarios significão
as partes ou fracções, em que se divide um
todo ou unidade concreta : elles so tem terminação
feminina, porque concordão com parte ou fracção
claro ou occulto, e levão artigo antes, ou cardeaes,
como : a quarta, a quinta, a sexta parte, &c. uma quarta,
duas sesmas, quatro decimas partes
&c.46

§ X.
Dos adjectivos explicativos e restrictivos.

Todo o Adjectivo Explicativo, pospostos ao appellativo
póde ser substituido por uma oração incidente
causal com que ou porque ; e o Restrictivo
por uma incidente condicional com que, se, ou quando,
como : Deus justo premea os bons, equivale a
esta : Deus, que he justo, ou porque é justo premea
os bons : O homem sabio aborrece os vicios, equivale
a esta : O homem, que é, ou se é sabio, aborrece
os vicio.

Daqui vem que os Adjectivos Explicativos appostos
nenhuma influencia tem na verdade das proposições,
e por isso podem-se tirar dellas ; e os
Restrictivos não, porque posso dizer : Deus premea os
bons
 ; mas não posso dizer : O homem aborrece os vicios.

E’ indifferente pôr os Adjectivos Explicativos
antes ou depois do appellativo, porque tanto faz dizer Marmore
duro
, como : Duro Marmore. Os Restrictivos
porém ordinariamente devem ir depois do appellativo ;
porque indo antes podem ás vezes mudar
o sentido, como : O homem pobre, e O pobre homem,
são sentidos differentes. Pertencem á classe dos
Adjectivos Restrictivos alguns dos nomes que significão
varios estados accidentaes do homem, como :
Velho, Moço, Martir, Virgem &c., &c. ; porem estes
mesmos, assim como outros muitos, se usão a cada
passo como substantivos, v. g : Um moço, um velho
&c.

§ XI.
Dos graus de augmento na significação dos
adjectivos.

Os adjectivos quanto ao augmento de sua significação
podem ser, ou Positivos, ou Augmentativos,
47ou Superlativos ; e todos estes graus podem ser ou
absolutos, ou comparativos.

Positivos são os adjectivos explicativos e restrictivos
considerados como base do augumento ;
que podem receber na sua significação, ou absolutamente
sem fazer comparação, ou comparativamente
fazendo-a.

São Positivos Absolutos os adjectivos, susceptiveis
do augmento na sua significação, quando qualificão
objectos sem os comparar com outros, como :
O Sol está brilhante.

São Positivos Comparativos os adjectivos, quando
qualificão objetos e os comparão com outros,
como : Annibal foi tão valoroso como Scipião.

São Positivos Comparativos os que indicão ou similhança
entre objetos, como : Tal, Qual ; ou igualdade,
como : Tanto, Quanto, Tamanho, e todos os
Positivos Absolutos feitos Comparativos pelos adverbios
Tão, Quão, Como, v. g : Camões foi tão grande
como Virgilio.

Augmentativos são os Positivos, cuja significação
recebe algum augmento, quer para mais, quer
para menos, ou fazendo comparação, como : Menos
virtuoso
 ; ou sem a fazer, como : Muito sabio.

São Augmentativos Absolutos para menos os
Positivos, a que se ajuncta o adverbio Pouco, como :
Pouco saudavel ; e são Augmentativos Absolutos para
mais os Positivos, a que se ajuncta o adverbio Muito,
como : Muito difficil.

Temos seis Augmentativos Comparativos de uma
só palavra cada um, a saber : Maior, Menor, Melhor,
Peor, Mais, Menos
quando são adjectivos do singular.
Os outros Augmentativos Comparativos fazem-se,
pondo antes do Positivo o adverbio Mais, ou Menos,
e depois o conjunctivo Que para unir os objectos
que se comparão, como : O ouro é mais precioso que
a prata, e esta menos que a sabedoria.

Superlativos são os que significão no maior auge
48possível, ou para mais, ou para menos, as qualidades
de alguma cousa, ou comparando-a com outra,
e então se chamão Superlativos Comparativos, ou
sem fazer comparação, e então se dizem Superlativos
Absolutos
.

Os Superlativos Comparativos são os mesmos
Augmentativos Comparativos, que se fazem Superlativos,
pondo-se-lhes antes o artigo, e depois a preposição
De, ou Entre, como : Cicero foi o mais eloquente
orador dos do seu tempo : O conselho prudente
é o melhor de todos.

Alem de outros recebemos dos Latinos estes
Superlativos : Maximo, Minimo, Pessimo, Optimo, Summo,
Infimo
 ; elles para nós são Absolutos, e para serem
Comparativos é necessario que sejão precedidos
do artigo, como fica dicto.

São Superlativos Absolutos todos os adjectivos
acabados em issimo, ou errimo, como : Sapientissimo
Accerrimo
. Este Superlativos ou se tomão mesmo
como estão na Lingua Latina, só com a mudança
do us final em o ; ou os formamos á Portugueza,
accrescentando issimo á ultima consoante final do
adjectivo Portuguez, como : Justo, Justissimo ; ou se
acaba em m, ou ão, mudando estas terminações em
n, como : Vão, Vanissimo, Commum, Communissimo.
Os que acabão em z, mudão-no em c, como Feliz,
Felicissimo, Veloz, Velocissimo
.

§ XII.
Das terminações dos adjectivos.

Os nossos adjectivos são ou de uma só terminação,
ou de duas, ou de tres.

Tem uma só terminação : 1.° os adjectivos acabados
em e e a, como : Prudente, Cada. 2.º os acabados
em al, el, il, ul, como : Liberal, Amavel, Docil,
Azul
. 3.° os acabados em ar, az, iz, oz, como : Exemplar,
Capaz, Feliz, Veloz
.49

Tambem são de uma só terminação Affim, Cortez
Montez, Ruim ; Grão
por Grande, e Commum se usa
tambem hoje, como antigamente, com uma só terminação. (13)20

São de duas terminações : 1.º os adjectivos
acabados em o, mudando-se este em a, como : Virttuoso,
Virtuosa
. 2.º os que acabão em êz, ol, ôr, ú,
e um, como : Portuguez Portugueza, Hespanhol Hespanhola,
Lavrador Lavradora, Cru Crua, Um Uma
. (14)21

São irregulares Judeu Judia, Meu Minha, Teu Tua,
Seu Sua, Bom Boa, Mau Má
.

São de tres terminações, Este Esta Isto, Esse Essa
Isso, Aquelle Aquella Aquillo, Todo Toda Tudo, Nenhum
Nenhuma Nada, Algum Alguma Algo, Outro
Outra Al
.

Os adjectivos de uma só terminação servem
com ella só para todos os generos, como Homem
prudente, Acção prudente
. Os de duas terminações,
a primeira serve para os nomes masculinos, e a segunda
para os femininos, como : Homem virtuoso,
Mulher virtuosa
.

Os que tem tres terminações, a primeira serve
para os nomes masculinos, a segunda para os femininos,
e a terceira para modificar ideas, discursos,
ou sentidos, que não tem genero, nem o podem
ter, e por isso a terceira terminação de taes
adjectivos chama-se neutra ; advertindo que os adjectivos
de uma só terminação, e a masculina dos
que tem duas, tem muitas vezes este mesmo sentido
neutro.50

§ XIII.
Do verbo.

Verbo é a palavra que anima os termosda proposição,
e por differentes modos, tempos, e pessoas
exprime a união de um attributo com um sujeito,
como : Deus é justo : O homem não he infallivel : Applico-me
ao estudo
. (15)2251

A essencia do Verbo consiste em animar os
termos da proposição, e ao mesmo tempo enunciar
a relação de conveniencia entre um e outro. Mas
52attendendo não só á essencia do Verbo, e ao emprego
que se lhe dá, mas tambem ás idéas accessorias,
nelle muitas vezes concentradas, podêmos
dividir o Verbo em tres especies, a saber : Verbo
Substantivo, Verbos Auxiliares
, e Verbo Adjectivo.

Verbo Substantivo é o que não tem concentrado,
em si attributo algum, e serve de copula ou nexo
que une os termos da proposição, isto é, o attributo
e o sujeito. Tal é na Lingua Portugueza o Verbo
Ser ; como : Pedro é sabio.

Tem a nossa Lingua dois Verbos que exprimem
a existencia ; o Verbo Ser, que significa uma existência
habitual e permanente
 ; o Verbo Estar, que enuncia
uma existencia actual e temporaria. Isto se dá
bem a conhecer nos exemplos seguintes : Eu sou
doente : Eu estou doente. (16)2353

O Verbo Ser toma differentes formas para indicar
as differentes epochas da existencia, mas não
tem fórmas que per si sós mostrem o estado desta
mesma existencia ; por esta razão elle é ajudado
pelos verbos Auxiliares, que são os que auxilião o
Verbo Ser e todos os outros, para tomarem todas
54as formas compostas e combinações necessarias ao
discurso. Taes são os Verbos Estar, Haver e Ter
conjugados com o infinito impessoal, e participios
do Verbo Ser e dos outros ; e é só nestes casos que
elles são Auxiliares. (17)24

Conjugação é a serie das terminações differentes,
que a forma primitiva de qualquer verbo toma,
para enunciar de differente modo a relação de conveniencia,
os differentes tempos desta relação, e
para indicar o caracter e o numero da pessoa, que
lhe serve de sujeito.

A Conjugação é ou Simples, ou Composta, Regular
ou Irregular. A Simples consta de uma só palavra,
como : Sou, Fui, Serei ; e a Composta de duas ate
tres, como : Tenho sido, Hei de ser. A Conjugação é
Regular, quando segue a regra geral da formação
dos tempos, e Irregular, quando se aparta della.
55O Verbo Substantivo, e todos os seus Auxiliares
são Irregulares.

Modo do verbo é a differente maneira de enunciar
a concordancia do attributo com o sujeito, segundo
a ordem e graduação das proposições. Os
Modos são tres, Infinito, Indicativo, e Subjunctivo. (18)25
O Modo Infinito enuncia indeterminadamente
a conveniencia de um attributo com um sujeito
qualquer, abstrahindo de Affirmação, de Tempos e
ainda de Pessoas ; porque as suas Linguagens Imperfeitas,
Perfeitas, e Porfazer, são de todos os
tempos e pessoas, a que são determinadas por
outro Verbo no Modo finito, como Ser, Sendo, Sido.

O Modo Infinito é a forma primitiva e original
de qualquer, verbo, e o formativo principal de todas
as mais linguagens do Verbo.

A Lingua Portugueza tem dois Infinitos, um
Impessoal, e outro Pessoal. Nenhum delles significa
tempos, e ambos tem o nome de substantivos
verbaes
, porque á maneira de qualquer outro nome
appellativo podem ser sujeitos e attributos de proposições,
complementos objectivos de outros verbos,
56e tambem complementos de varias proposições.

O Infinito Pessoal é uma das grandes bellezas
de nossa lingua, pois nos dispensa das circumlocações,
de que usão as outras linguas que o não
tem. Sempre usamos do Infinito Pessoal quando
o seu sujeito é differente do sujeito do verbo que
o determina, como : Julgo seres sabedor.

Participios são uns adjectivos verbaes, que participão
do nome adjectivo a propriedade de poderem
modificar nomes substantivos ; e participão do
verbo o enunciarem a relação de conveniencia de
um attributo em um sujeito. Donde se vê que os
Participios são adjectivos, porque modificão nomes
substantivos ; e são verbos, porque tem toda a sua
força e regime.

O Modo Infinito tem quatro Participios, tres são
Activos nos Verbos Activos, e Intransitivos nos Verbos
Intransitivos, e um Passivo nos Verbos Activos ;
porque os Verbos Intransitivos não podem ter Linguagem alguma
activa, nem passiva.

Os Participios Activos Portuguezes são uns adjectivos
Invariaveis, que significão algum attributo,
e tem o regime dos Verbos donde se derivão.

Segundo fica dicto, nós temos tres Participios
Activos. O 1.º é o Participio Imperfeito que modifica
um substantivo, e exprime a relação de conveniencia
de um estado ou acção incompleta em
um sujeito. Acaba cm ando, endo, indo, como :
Amando, Movendo, Unindo. (19)2657

O 2.° é o Participio Perfeito, que modifica um
substantivo, e exprime relação de conveniencia
de um estado ou acção completa em um sujeito.
58Acaba em ado, ido, como : Amado, Movido, Unido
Anda sempre junto com o auxiliar, Ter, ou Haver
como : Tendo amado, Havendo estudado, &c.

O 3.° é o Participio Porfazer, que exprime a
existencia de uma acção, ou estado começado só
na tenção e preparos, e por fazer quanto á execução.
Este Participio é composto do Auxiliar Haver,
e do infinito do Verbo, de que elle é Participio,
como : Havendo de ser, Havendo de amar, &c.

Os nossos Participios Passivos são uns adjectivos
Verbaes, que participão do verbo a sua significação
activa (empregada no sujeito da oração), e
do nome adjectivo participão a propriedade de
significar um attributo, e de concordar com nomes
appellativos em genero, e numero, como : Amado
Amada, Movido Movida, Unido Unida
.

Estes Participios tambem se conjugão com o
Verbo Ser, para fórmar a Voz Passiva dos Verbos
activos, como adiante veremos.

Muitos dos nossos Verbos tem dois Participios
Passivos
, um regular, e outro contrahido, como : Acceitado
e Acceito, Affeiçoado e affecto, Accendido e
Acceso, Affligido
e Afflicto, e outros muitos. (20)27.

O Modo Indicativo é a maneira de enunciar affirmativa
directa, e independente de outra qualquer,
para poder figurar per si só no discurso,
como : Eu Sou, Estou sendo, Tenho sido, Hei de ser.

O Modo Subjunctivo é a maneira de enunciar
affirmativa sim, mas indeterminada, e dependente
de outra que a determine, como : Eu seja, Esteja
sendo, Tenha sido, Haja de ser
.59

As Linguagens Condicionaes, e as Imperativas
pertencem ao Modo Indicativo, porque são directas
e independentes.

Tempo é uma parte da duração ou existencia.
O Tempo é relativo ao acto mesmo de quem está
fallando ; de maneira que os tempos são tres, Presente,
Preterito
, e Futuro. Presente é o tempo em
que se está fallando ; Preterito é todo o tempo que
precedeo ao Presente ; e Futuro é todo o tempo que
se ha de seguir ao Presente.

Mas cada um destes Tempos se subdivide em
Imperfeito, Perfeito, e Porfazer. Tempos Imperfeitos
são os que exprimem durações continuadas e
não acabadas ; Perfeitos os que exprimem durações
não continuadas e acabadas ; e os Tempos Porfazer
são os que exprimem uma existencia, começada só
na tenção e preparos, sem ser dada á execução. (21)2860

Eu mostra a primeira pessoa do singular ; Nós
a primeira pessoa do plural ; Tu mostra a segunda
pessoa do singular, e Vós a segunda pessoa do plural.
61Todos os outros sujeitos a fóra estes são da
terceira pessoa. O Verbo tem variações proprias
de cada uma das tres pessoas tanto do singular,
como do plural, v. g. : Eu Sou, Tu és, Elle é, Nós
62Somos, Vós Sois, Elles São : assim vem o Verbo a ter
dois numeros, e tres pessoas em cada numero,
como se póde ver nas conjugações seguintes. (22)2963

Conjugação dos verbos
Ser, Estar, Haver, e Ter.

Modo infinito impessoal.

Imperfeito.

tableau (ser) | (estar) | (haver) | (ter) (23)30

Imperfeito Porfazer.

tableau haver ou ter de ser. | haver ou ter de estar. | ter de haver | haver de ter.

Perfeito.

tableau haver ou ter sido | haver ou ter estado. | ter havido. | haver ou ter tido.

Infinito pessoal.

Imperfeito.

tableau Singular. | S. / ser eu. | seres tu. | ser elle. | estar eu. | estares tu. | estar elle. | haver eu. | haveres tu. | haver elle. | ter eu. | teres tu. | ter elle.

tableau Plural. | P. / sermos nós. | serdes vós. | serem elles. | estarmos nós. | estardes vós. | estarem elles. | havermos nós. | haverdes vós. | haverem elles. | termos nós. | terdes vós. | terem elles.

Pessoal Imperfeito Porfazer

tableau S. / haver ou ter eu de ser. | haveres ou teres tu de ser. | haver ou ter elle de ser | haver ou ter eu de estar. | haveres ou teres tu de estar. | haver ou ter elle de estar. | ter eu de haver. | teres tu de haver. | ter elle de haver. | haver eu de ter. | haveres tu de ter. | haver elle de ter.64

tableau P. / Havremos ou termos nós de ser. | Haverdes ou terdes vós de ser. | Haverem ou terem elles de ser. | Havermos ou termos nós de estar. | Haverdes ou terdes vós de estar. | Haverem ou terem elles de estar. | Termos nós de haver. | Terdes vós de haver. | Terem elles de haver. | Havermos nós de ter. | Haverdes vós de ter. | Haverem elles de ter.

Pessoal Perfeito.

tableau S. / Haver ou ter eu sido. | Haveres ou teres tu sido. | Haver ou ter elle sido. &. | Haver ou ter eu estado. | Haveres ou teres tu estado. | Haver ou ter elle estado. &. | Ter eu havido. | Teres tu havido. | Ter elle havido. &. | Haver ou ter eu tido. | Haveres ou teres tu tido. | Haver ou ter elle tido. &.

Participio Imperfeito.

tableau Sendo. | Estando. | Havendo. | Tendo.

Participio Imperfeito Porfazer.

tableau Havendo ou tendo de ser. | Havendo ou tendo de estar. | Havendo ou tendo de haver. | Havendo de ter.

Participio Perfeito

tableau Havendo ou tendo sido. | Havendo ou tendo estado. | Tendo havido. | Havendo ou tendo tido. (24)31
65

Participio Passivo.

tableau havido. | tido. (25)32

Modo indicativo.

Tempo Presente Imperfeito.

tableau S. / Eu sou. | Tu es. | Elle é. | Eu estou. | Tu estás, | Elle está. | Eu hei. | Tu has. | Elle ha. | Eu tenho. | Tu tens. | Elle tem.

tableau P. / Nós somos. | Vós sois. | Elles são. | Nós estamos. | Vós estaes. | Elles estão. | Nós havemos. | Vós haveis. | Elles hão. | Nós temos. | Vós tendes. | Elles têm. (26)33

Presente Imperfeito Porfazer.

tableau S. / Eu hei ou tenho de ser. | Tu has ou tens de ser. &c. | Eu hei ou tenho de estar. | Tu has ou tens de estar. &c. | Eu hei ou tenho de haver. | Tu has ou tens de haver. &c. | Eu hei ou tenho de ter. | Tu has ou tens de ter &c.

Presente Perfeito.

tableau S. / Eu hei ou tenho sido. | Tu has ou tens sido. | Elle ha ou tem sido. &c. | Eu hei ou tenho estado. | Tu has ou tens estado. | Elle ha ou tem estado. &c. | Eu tenho havido. | Tu tens havido. | Elle tem havido. &c. | Eu hei ou tenho tido. | Tu has ou tens tido. | Elle ha ou tem tido. &c. (27)34
66

Presente Imperfeito Imperativo.

tableau S. / Sé-tu. | Esta tu. | Ha tu. | Tem tu. (28)35

tableau P. / Sêde vós. | Estai vós. | Havei vós. | Tende vós.

Preterito Imperfeito.

tableau S. / Eu era. | Tu eras. | Elle era. | Eu estava. | Tu estavas. | Elle estava. | Eu havia. | Tu havias. | Elle havia. | Eu tinha. | Tu tinhas. | Elle tinha.

tableau P. / Nós eramos. | Vós ereis. | Elles erão. | Nós estavamos. | Vós estaveis. | Elles estavão. | Nós haviamos | Vós haveis. | Elles havião. | Nós tinhamos. | Vós tinheis. | Elles tinhão.

Preterito Imperfeito Porfazer

tableau S. / Eu havia ou tinha de ser. | Tu havias ou tinhas de ser. &c. | Eu havia ou tinha de estar. | Tu havias ou tinhas de estar. &c. | Eu havia ou tinha de haver. | Tu havias ou tinhas de haver. &c. | Eu havia ou tinha de ter. | Tu havias ou tinhas de ter. &c.67

Pretérito Perfeito Absoluto.

tableau S. / Eu fui. | Tu foste. | Elle foi. | Eu estive. | Tu estiveste. | Elle esteve. | Eu houve. | Tu houveste. | Elle houve. | Eu tive. | Tu tiveste. | Elle teve.

tableau P. / Nós fomos. | Vós fostes. | Elles forão. | Nós estivemos. | Vós estivestes. | Elles estiverão. | Nós houvemos. | Vós houvestes. | Elles houverão. | Nós tivemos. | Vós tivestes. | Elles tiverão.

Preterito Perfeito Relativo.

tableau S. / Eu fora ; tinha ou tivera sido. | Tu foras ; tinhas ou tiveras sido. | Elle fora ; tinha ou tivera sido. | Eu estivera ; tinha ou tivera estado. | Tu estiveras ; tinhas ou tiveras estado. | Elle estivera ; tinha ou tivera estado. | Eu houvera ; tinha ou tivera havido. | Tu houveras ; tinhas ou tiveras havido. | Elle houvera ; tinha ou tivera havido. | Eu tivera ; ou tinha tido. | Tu tiveras ; ou tinhas tido. | Elle tivera ; ou tinha tido.

tableau P. / Nós fôramos ; tinhamos ou tiveramos sido. | Vós foreis ; tinheis ou tivereis sido. | Elles forão ; tinhão ou tiverão sido. | Nós estiveramos ; tinhamos ou tiveramos estado. | Vós estivereis ; tinheis ou tivereis estado. | Elle estiverão ; tinhão ou tiverão estado. | Nós houveramos ; tinhamos ou tiveramos havido. | Vós houvereis ; tenheis ou tivereis havido. | Elles houverão ; tinhão ou tiverão havido. | Nós tiveramos ; ou tinhamos tido. | Vós tivereis ; ou tinheis tido. | Elles tiverão ; ou tinhão tido.

tableau Ou S. / Eu havia ou houvera sido. | Tu havias ou houveras sido. &c. | Eu havia ou houvera estado. | Tu havias ou houveras estado. &c. | Eu havia ou houvera tido. | Tu havias ou houveras tido &c.68

Preterito Imperfeito Condicional. (29)36.

tableau S. / Eu seria. | Tu serias. | Elle seria. | Eu estaria. | Tu estarias. | Elle estaria. | Eu haveria. | Tu haverias. | Elle haveria. | Eu teria. | Tu terias. | Elle teria.

tableau P. / Nós seriámos. | Vós serieis. | Elle serião. | Nós estariamos. | Vós estarieis. | Elle estarião. | Nós haveriamos. | Vós haverieis. | Elles haverião. | Nós teriamos. | Vós terieis. | Elles terião.

Preterito Imperfeito Condicional Porfazer.

tableau S. / Eu haveria ou teria de ser. | Tu haverias ou terias de ser. &c. | Eu haveria ou teria de estar. | Tu haverias ou terias de estar. &c. | Eu haveria ou teria de haver. | Tu haverias ou terias de haver. &c. | Eu haveria ou teria de ter. | Tu haverias ou terias de ter. &c.

Preterito Perfeito Condicional.

tableau S. / Eu teria ou tivera sido ; ou fôra. | Tu terias ou tiveras sido ; ou fôras. &c. | Eu teria ou tivera estado ; ou estivera. | Tu terias ou tiveras estado ; ou estiveras. &c. | Eu teria ou tivera havido ; ou houvera. | Tu terias ou tiveras havido ; ou houveras. &c. | Eu teria ou tivera tido ; ou tivera. | Tu terias ou tiveras tido ; ou tiveras. &c.

tableau Ou S. / Eu haveria ou houvera sido. | Tu haverias ou houveras sido. &c. | Eu haveria ou houvera estado. | Tu haverias ou houveras estado. &c. | Eu haveria ou houvera tido. | Tu haverias ou houveras tido. &c.69

Futuro Imperfeito.

tableau S. / Eu serei. | Tu serás. | Elle será. | Eu estarei. | Tu estarás. | Elle estará. | Eu haverei. | Tu haverás. | Elle haverá. | Eu terei. | Tu terás. | Elle terá.

tableau P. / Nós seremos. | Vós sereis. | Elles serão. | Nós estaremos. | Vós estareis. | Elles estarão. | Nós haveremos. | Vós havereis. | Elles haverão. | Nós teremos. | Vós tereis. | Elles terão.

Futuro Imperfeito Porfazer.

tableau S. / Eu haverei ou terei de ser. | Tu haverás ou terás de ser. &c. | Eu haverei ou terei de estar. | Tu haverás ou terás dc estar. &c. | Eu terei de haver. | Tu terás de haver. &c. | Eu haverei ou terei de ter. | Tu haverás ou terás de ter &c.

Futuro Perfeito.

tableau S. / Eu haverei ou terei sido. | Tu haverás ou terás sido. &c. | Eu haverei ou terei estado. | Tu haverás ou terás estado. &c. | Eu terei havido. | Tu terás havido. &c. | Eu haverei ou terei tido. | Tu haverás ou terás tido. &.

Modo subjunctivo.

Tempo Presente Imperfeito.

tableau S. / Eu seja. | Tu sejas. | Elle seja. | Eu esteja. | Tu estejas. | Elle esteja. | Eu haja. | Tu hajas. | Elle haja. | Eu tenha. | Tu tenhas. | Elle tenha.

tableau P. / Nós sejámos. | Vos sejaes. | Elles sejão. | Nós estejámos. | Vos estejaes. | Elles estejão. | Nós hajámos. | Vós hajaes. | Elles hajão. | Nos tenhámos. | Vós tenhaes. | Elles tenhão.70

Presente Imperfeito Porfazer.

tableau S. / Eu haja ou tenha de ser. | Tu hajas ou tenhas de ser. &c. | Eu haja ou tenha de estar. | Tu hajas ou tenhas de estar. &c. | Eu tenha de haver. | Tu tenhas de haver. &c. | Eu haja ou tenha de ter. | Tu hajas ou tenhas de ter. &c.

Presente Perfeito.

tableau S. / Eu haja ou tenha sido. | Tu hajas ou tenhas sido. &. | Eu haja ou tenha estado. | Tu hajas ou tenhas estado. &. | Eu tenha havido. | Tu tenhas havido. &. | Eu haja ou tenha tido. | Tu hajas ou tenhas tido. &.

Preterito Imperfeito.

tableau S. / Eu fosse. | Tu fosses. | Elle fosse. | Eu estivesse. | Tu estivesses. | Elle estivesse. | Eu houvesse. | Tu houvesses. | Elle houvesse. | Eu tivesse. | Tu tivesses. | Elle tivesse.

tableau P. / Nós fossemos. | Vós fosseis. | Elles fossem. | Nós estivessemos. | Vós estivesseis. | Elles estivessem. | Nós houvessemos. | Vós houvesseis. | Elles houvessem. | Nós tivessemos. | Vós tivesseis. | Elles tivessem.

Preterito Imperfeito Porfazer.

tableau S. / Eu houvesse ou tivesse de ser. | Tu houvesses ou tivesses de ser. &c. | Eu houvesse ou tivesse de estar. | Tu houvesses ou tivesses de estar. &c. | Eu tivesse de haver. | Tu tivesses de haver. &c. | Eu houvesse ou tivesse de ter. | Tu houvesses ou tivesses de ter. &.71

Preterito Perfeito.

tableau S. / Eu houvesse ou tivesse sido. | Tu houvesses ou tivesses sido, &c. | Eu houvesse ou tivesse estado. | Tu houvesses ou tivesses estado, &c. | Eu tivesse havido. | Tu tivesses havido, &c. | Eu houvesse ou tivesse tido. | Tu houvesses ou tivesses tido, &c.

Futuro Imperfeito.

tableau S. / Eu for. | Tu fores. | Elle for. | Eu estiver. | Tu estiveres. | Elle estiver. | Eu houver. | Tu houveres. | Elle houver. | Eu tiver. | Tu tiveres. | Elle tiver.

tableau P. / Nós formos. | Vós fordes. | Elles forem. | Nós estivermos. | Vós estiverdes. | Elles estiverem. | Nós houvermos. | Vós houverdes. | Elles houverem. | Nós tivermos. | Vós tiverdes. | Elles tiverem.

Futuro Imperfeito Porfazer.

tableau S. / Eu houver ou tiver de ser. | Tu houveres ou tiveres de ser. &c. | Eu houver ou tiver de estar. | Tu houveres ou tiveres de estar. &c. | Eu tiver de haver. | Tu tiveres de haver. &c. | Eu houver ou tiver de ter. | Tu houveres ou tiveres de ter. &c.

Futuro Perfeito.

tableau S. / Eu houver ou tiver sido. | Tu houveres ou tiveres sido. &c. | Eu houver ou tiver estado. | Tu houveres ou tiveres estado. &c. | Eu tiver havido. | Tu tiveres havido. &c. | Eu houver ou tiver tido. | Tu houveres ou tiveres tido. &c.72

§ XIV.
Do verbo adjectivo.

Verbo Adjectivo é a concentração do attributo
e do Verbo em uma só palavra, como : Eu amo, em
logar de Eu tenho amor, ou Eu sou amante. (30)3773

Todo o Verbo Adjectivo pode ser dividido
em duas partes, de maneira que as terminações, ar,
êr, ir
, fação uma parte, e as syllabas que as precedem
74outra, como : Am-ar, Tem-er, Ouv-ir. A primeira
parte é a Radical, e exprime o attributo ;
porisso esta parte Radical é sempre a mesma e invariável
em todos os modos, tempos, e pessoas dos
Verbos regulares. A segunda porem é o Verbo
que na conjugação vai tomando formas differentes.

Daqui se vê que os Verbos Adjectivos e suas
Linguagens se podem dividir, pondo em separado
as partes que nelles estão unidas, isto é, o verbo
e o attributo, deste modo : Eu amo, isto é. Eu tenho
amor
, ou Eu sou amante ; Eu tenho amado, isto é, Eu
tenho tido amor
, ou Eu tenho sido amante. Eu Hei de
75amar
. isto é, Eu hei de ter amor, ou Eu hei de ser
amante
. (31)38

A parte Radical do Verbo Adjectivo, isto é, o
attributo nelle incluido, póde ter uma signifficação,
ou absoluta, ou relativa, e porisso ou demandar
complementos, ou não os demandar. Daqui nasce
a divisão do Verbo Adjectivo em Intransitivo, e
Transitivo.

Verbo Intransitivo é o que não sό exprime a
relação de conveniencia, mas tambem tem incluido
em si um attributo, que significa um estado ou
acção absoluta e inseparavel do sujeito, e porisso
não pede complemento algum ; como : Padecer, Chorar,
Gemer, Suspirar
.

Verbo Transitivo é o que alem de exprimir a
relação de conveniencia tem incluido em si um attributo,
que significa um estado ou acção incompleta
e suspensa, e porisso pede um ou mais complementos ;
como : Servir a Deus, Dar esmolas aos
pobres
.76

O Verbo Transitivo divide-se em Relativo,
Activo, Activo e ao mesmo tempo Relativo, Passivo,
Medio, e Reflexo. Verbo Relativo é o que pede
uma proposição com seu consequente, para lhe
servir de termo da relação que elle significa ; como :
Venho de casa.

Verbo Activo é o que, em razão do attributo
nelle incluido, significa uma acção que deve ser
exercitada pelo sujeito do mesmo Verbo, e empregada
em um objecto, o qual póde ser o mesmo sujeito ;
como : Eu amo a Deus, Pedro ama-se. Verbo
Activo e ao mesmo tempo Relativo é o que, em razão
do attributo nelle incluido, pede não só um
objecto em que se empregue a acção que elle significa,
mas tambem um termo de sua relação ; como :
Dei um livro a Pedro. Verbo Passivo é o que, em razão,
77do attributo, significa uma acção que deve ser
exercitada por um agente, e empregada no sujeito
do mesmo Verbo ; como : Deus é amado por mim. (32)39

Verbo Médio e Reflexo é o mesmo Verbo Activo,
quando o sujeito produz uma acção, e a emprega
em si ; como : Pedro ferio-se. (33)40

Chamão-se Defectivos aquelles verbos, a que
falta algum tempo, numero, ou pessoa, como : Prazer,
Munir
. Impessoaes são os que se uzão só nas
terceiras pessoas ; como : Chove, Peza-me (34)4178

§ XV.
Conjugação do verbo adjectivo na sua voz activa.

Já fica dito o que é Conjugação Regular, e Conjugação
Irregular. Accrescendo agora que os Verbos
Regulares sempre conservão a parte radical
sem alteração, e os Irregulares não.

A lingua Portugueza tem só trez Conjugações
Regulares, a saber : a primeira dos Verbos acabados
em ar, como : Amar :a segunda dos Verbos em
êr, como : Mover : a terceira dos Verbos em ir, como :
Unir. (35)4279

Exemplos.
Das tres conjugações regulares.

Modo infinito impessoal.

Imperfeito.

tableau 1.ª Conjugação. | 2.ª | 3.ª | Am-ar. | Mov-er. | Un-ir.

Imperfeito Porfazer.

tableau Haver ou ter de am-ar. | Haver ou ter de mov-er. | Haver ou ter de un-ir.80

Perfeito.

tableau Haver ou ter am-ado. | Haver ou ter mov-ido. | Haver ou ter un-ido.

Infinito pessoal

Imperfeito.

tableau S. / Am-ar eu. | Am-ares tu. | Am-ar elle. | Mov-er eu. | Mov-eres tu. | Mov-er elle. | Un-ir eu. | Un-ires tu. | Un-ir elle.

tableau P. / Am-armos nós. | Am-ardes vós. | Am-arem elles. | Mov-ermos nós. | Mov-erdes vós. | Mov-erem elles. | Un-irmos nós. | Un-irdes vós. | Un-irem elles.81

Pessoal imperfeito Porfazer.

tableau S. / Haver ou ter eu de am-ar. | Haveres ou teres tu de am-ar. &c. | Haver ou ter eu de mov-er. | Haveres ou teres tu de mov-er. &c. | Haver ou ter eu de un-ir. | Haveres ou teres tu de un-ir. &c.

Perfeito.

tableau S. / Haver ou ter eu am-ado. | Haveres ou teres tu am-ado. &c. | Haver ou ter eu mov-ido. | Haveres ou teres tu mov-ido. &c. | Haver ou ter eu un-ido. | Haveres ou teres tu un-ido. &c.

Participio Imperfeito.

tableau Am-ando. | Mov-endo. | Un-indo.

Participio Imperfeito Porfazer.

tableau Havendo ou tendo de am-ar. | Havendo ou tendo de mov-er. | Havendo ou tendo de un-ir.

Participio Perfeito.

tableau Havendo ou tendo am-ado. | Havendo ou tendo mov-ido. | Havendo ou tendo un-ido.

Participio Passivo.

tableau Am-ado. | Mov-ido. | Un-ido.

Modo indicativo

Tempo Presente Imperfeito.

tableau S. / Eu am-o. | Tu am-as. | Elle am-a. | Eu mov-o. | Tu mov-es. | Elle mov-e. | Eu un-o. | Tu un-es. | Elle un-e.82

tableau P. / Nós am-amos. | Vós am-ais. | Elles am-ão. | Nós mov-emos. | Vós mov-eis. | Elles mov-em. | Nós un-imos. | Vós un-is. | Elles un-em.

Presente imperfeito Porfazer.

tableau S. / Eu hei ou tenho de am-ar. | Tu has ou tens de am-ar. &c. | Eu hei ou tenho de mov-er. | Tu has ou tens de mov-er. &c. | Eu hei ou tenho de un-ir. | Tu has ou tens de un-ir. &c.

Presente Perfeito.

tableau S. / Eu hei ou tenho am-ado. | Tu has ou tens am-ado. &c. | Eu hei ou tenho mov-ido. | Tu has ou tens mov-ido. &c. | Eu hei ou tenho un-ido. | Tu has ou tens un-ido. &c.

Presente Imperfeito Imperativo.

tableau S. / Am-a tu. | Mov-e tu. | Un-e tu.

tableau P. / Am-ai vós. | Mov-ei vós. | Un-i vós

Preterito Imperfeito.

tableau S. / Eu am-ava. | Tu am-avas. | Elle am-ava. | Eu mov-ia. | Tu mov-ias. | Elle mov-ia. | Eu un-ia. | Tu un-ias. | Elle un-ia.

tableau P. / Nós am-avamos. | Vós am-aveis. | Elles am-avão. | Nós mov-iamos. | Vós mov-ieis. | Elles mov-ião. | Nós un-iamos. | Vós un-ieis. | Elles un-ião.83

Preterito Imperfeito Porfazer.

tableau S. / Eu havia ou tinha de am-ar. | Tu havias ou tinhas de am-ar. &c. | Eu havia ou tinha de mov-er. | Tu havias ou tinhas de mov-er. &c. | Eu havia ou tinha de un-ir. | Tu havias ou tinhas de un-ir. &c.

Preterito Perfeito Absoluto

tableau S. / Eu am-ei. | Tu am-aste. | Elle am-ou. | Eu mov-i. | Tu mov-este. | Elle mov-eo. | Eu un-i. | Tu un-iste. | Elle un-io.

tableau P. / Nós am-ámos. | Vós am-astes. | Elles am-árão. | Nós mov-emos. | Vós mov-estes. | Elles mov-erão. | Nós un-imos. | Vós un-istes. | Elles un-irão.

Preterito Perfeito Porfazer.

tableau S. / Eu houve ou tive de am-ar. | Tu houveste ou tiveste de am-ar. &. | Eu houve ou tive de mov-er. | Tu houveste ou tiveste de mov-er. & | Eu houve ou tive de un-ir. | Tu houveste ou tiveste de un-ir. &.

Preterito Perfeito Relativo.

tableau S. / Eu am-ára ; tinha ou tivera am-ado. | Tu am-áras ; tinhas ou tiveras am-ado. | Elle am-ára ; tinha ou tivera am-ado. | Eu mov-êra ; tinha ou tivera mov-ido. | Tu mov-êras ; tinhas ou tiveras mov-ido. | Elle mov-êra ; tinha ou tivera mov-ido. | Eu un-ira ; tinha ou tivera un-ido. | Tu un-iras ; tinhas ou tiveras un-ido | Elle un-ira ; tinha ou tivera un-ido.84

tableau P. / Nós am-áramos ; tinhamos ou tiveramos am-ado. | Vós am-áreis ; tinheis ou tivereis am-ado. | Elles am-árão ; tinhão ou tiverão am-ado. | Nós mov-êramos ; tinhamos ou tiveramos mov-ido. | Vós mov-êreis ; tinheis ou tivereis mov-ido. | Elles mov-êrão ; tinhão ou tiverão mov-ido. | Nós un-iramos ; tinhamos ou tiveramos un-ido. | Vós un-ireis ; tinheis ou tivereis un-ido. | Elles un-irão ; tinhão ou tiverão un-ido.

tableau Ou / Eu havia ou houvera am-ado. | Tu havias ou houveras am-ado. &c. | Eu havia ou houvera mov-ido. | Tu havias ou houveras mov-ido. | Eu havia ou houvera un-ido. | Tu havias ou houveras un-ido. &c.

Pretérito Imperfeito Condicional.

tableau S. / En am-aria. | Tu am-a rias. | Elle am-aria. | Eu mov-eria. | Tu mov-erias. | Elle mov-eria. | Eu un-iria. | Tu un-irias. | Elle un-iria.

tableau P. / Nós am-ariamos. | Vós am-arieis. | Elles am-arião. | Nós mov-eriamos. | Vós mov-erieis. | Elles mov-erião. | Nós un-iriamos. | Vós un-irieis. | Elles un-irião.

Preterito Imperfeito Condicional Porfazer.

tableau S. / Eu haveria ou teria de am-ar. | Tu haverias ou terias de am-ar. &. | Eu haveria ou teria de mov-er. | Tu haverias ou terias de mov-er. &. | Eu haveria ou teria de un-ir. | Tu haverias ou terias de un-ir. &.85

Preterito Perfeito Condicional.

tableau S. / Eu teria ou tivera am-ado ; ou am-ára. | Tu terias ou tiveras am-ado ; ou am-áras. | Elle teria ou tivera am-ado ; ou am-ára. &c. | Eu teria ou tivera mov-ido ; ou mov-êra. | Tu terias ou tiveras mov-ido ; ou mov-êras. | Elle teria ou tivera mov-ido ; ou mov-êra. &c. | Eu teria ou tivera un-ido ; ou un-ira. | Tu terias ou tiveras un-ido ; ou un-iras. | Elle teria ou tivera un-ido ; ou un-ira. &c.

tableau Ou / Eu haveria ou houvera am-ado. | Tu haverias ou houveras am-ado. &c. | Eu haveria ou houvera mov-ido. | Tu haverias ou houveras mov-ido. &c. | Eu haveria ou houvera un-ido. | Tu haverias ou houveras un-ido. &c.

Futuro Imperfeito.

tableau S. / Eu am-arei. | Tu am-arás. | Elle am-ará. | Eu mov-erei. | Tu mov-erás. | Elle mov-erá. | Eu un-irei. | Tu un-irás. | Elle un-irá.

tableau P. / Nós am-aremos. | Vós am-areis. | Elles am-arão. | Nós mov-eremos. | Vós mov-ereis. | Elles mov-erão. | Nós un-iremos. | Vós un-ireis. | Elles un-irão.

Futuro Imperfeito Porfazer.

tableau S. / Eu haverei ou terei de am-ar. | Tu haverás ou terás de am-ar. &c. | Eu haverei ou terei de mov-er. | Tu haverás ou terás de mov-er. &c. | Eu haverei ou terei de un-ir. | Tu haverás ou terás de un-ir. &c.86

Futuro Perfeito.

tableau S. / Eu haverei ou terei am-ado. | Tu haverás ou terás am-ado. | Elle haverá ou terá am-ado. &c. | Eu haverei ou terei mov-ido. | Tu haverás ou terás mov-ido. | Elle haverá ou terá mov-ido. &c. | Eu haverei ou terei un-ido. | Tu haverás ou terás un-ido. | Elle haverá ou terá un-ido &c.

Modo subjunctivo.

Tempo Presente Imperfeito.

tableau S. / Eu am-e. | Tu am-es. | Elle am-e. | Eu mov-a. | Tu mov-as. | Elle mov-a. | Eu un-a. | Tu nn-as. | Elle un-a.

tableau P. / Nós am-emos. | Vós am-eis. | Elles am-em. | Nós mov-ámos. | Vós mov-ais. | Elles mov-ão. | Nós un-ámos. | Vós un-ais. | Elles un-ão.

Presente Imperfeito Porfazer.

tableau S. / Eu haja ou tenha de am-ar. | Tu hajas ou tenhas de am-ar. &c. | Eu haja ou tenha de mov-er. | Tu hajas ou tenhas de mov-er. &c. | Eu haja ou tenha de un-ir. | Ta hajas ou tenhas | de un-ir. &c.

Presente Perfeito.

tableau S. / Eu haja ou tenha am-ado. | Tu hajas ou tenhas am-ado. | Elle haja ou tenha am-ado. &c. | Eu haja ou tenha mov-ido. | Tu hajas ou tenhas mov-ido. | Elle haja ou tenha mov-ido. &c. | Eu haja ou tenha un-ido. | Tu hajas ou tenhas un-ido. | Elle haja ou tenha un-ido. &c.87

Preterito Imperfeito.

tableau S. / Eu am-asse. | Tu am-asses. | Elle am-asse. | Eu mov-esse. | Tu mov-esses. | Elle mov-esse. | Eu un-isse. | Tu un-isses. | Elle un-isse.

tableau P. / Nós am-ássemos. | Vós am-ásseis. | Elles am-assem. | Nós mov-essemos. | Vós mov-esseis. | Elles mov-essem. | Nós un-issemos. | Vós tin-isseis. | Elles un-issem.

Preterito Imperfeito Porfazer

tableau S. / Eu houvesse ou tivesse de am- ar. | Tu houvesses ou tivesses de am-ar &. | Eu houvesse ou tivesse de mov-er. | Tu houvesses ou tivesses de mov-er &. | Eu houvesse ou tivesse de un-ir. | Tu houvesses ou tivesses de un-ir &.

Preterito Perfeito.

tableau S. / Eu houvesse ou tivesse am-ado. | Tu houvesses ou tivesses am-ado. &. | Eu houvesse ou tivesse mov-ido. | Tu houvesses ou tivesses mov-ido. &. | Eu houvesse ou tivesse un-ido. | Tu houvesses tivesses un-ido. &.

Futuro Imperfeito.

tableau S. / Eu am-ar. | Tu am-ares. | Elle am-ar. | Eu mov-er. | Tu mov-eres. | Elle mov-er. | Eu un-ir. | Tu un-ires. | Elle un-ir.

tableau P. / Nós am-armos. | Vós am-ardes. | Elles am-arem. | Nós mov-ermos. | Vós mov-erdes. | Elles mov-erem. | Nós un-irmos. | Vós un-irdes, | Elles un-irem.88

Futuro Imperfeito Porfazer.

tableau S. / Eu houver ou tiver de am-ar. | Tu houveres ou tiveres de am-ar. &. | Eu houver ou tiver de mov-er. | Tu houveres ou tiveres de mov-er. &. | Eu houver ou tiver de un-ir. | Tu houveres ou tiveres de un-ir. &.

Futuro Perfeito.

tableau S. / Eu houver ou tiver am-ado. | Tu houveres ou tiveres am-ado. | Elle houver ou tiver am-ado. &. | Eu houver ou tiver mov-ido. | Tu houveres ou tiveres mov-ido. | Elle houver ou tiver mov-ido. &. | Eu houver ou tiver un-ido. | Tu houveres ou tiveres un-ido. | Elle houver ou tiver un-ido. &.

§ XVI.
Conjugação do verbo adjectivo na sua voz passiva, e
media ou reflexa.

Na Lingua Portugueza não ha Verbos Passivos,
mas nós os supprimos com grande facilidade,
ajunctando a qualquer Linguagem do Verbo Substantivo
o Participio Passivo do Verbo Adjectivo,
como : Eu Sou Amado, Tenho Sido Amado, Hei de
Ser Amado
, &c.

Quando os sujeitos dos verbos são cousas inanimadas
e da terceira pessoa, tambem se forma de
repente a Voz Passiva, ajunctando o reciproco se
ás terceiras pessoas dos verbos, como : Aqui premea-se
a virtude ; é o mesmo que dizer : Aqui é premiada
a virtude.

Tambem a Lingua Portugueza não tem Verbos
Reflexos
em forma simples, mas suppre-os, conjugando
89os verbos com os Demonstrativos Pessoaes
Primitivos, postos ou antes, ou depois, ou no meio
delles, como : Eu me amo. Tu te amas, Elle se ama,
Nós nos amamos, Vós vos amais, Elles se amão
.

Na posição do Demonstrativo é preciso evitar
qualquer equivoco, e cacophonia. Por isso no Imperativo,
e frases Interrogativas, os Demonstrativos
devem ir sempre depois, como : Ama- te tu, Tu
amas- te ? Nos tempos que tem o accento predominante
na antepenultima syllaba, devem-se pôr
antes, como : Nós nos louvavamos. Nos Futuros
Imperfeitos, e nas Linguagens condicionaes, é elegante
pôr o Demonstrativo no meio, como : Amar-me-ei,
Amar- te -ás, Amar- te -ia, &c.

§ XVII.
Dos verbos irregulares, e defectivos.

Verbos Irregulares são os que se apartão das
regras da conjugação Regular. Advirta-se que a
differença de consoantes, e mesmo de escriptura,
per si sós, sem mudança de pronunciação, as contracções,
e mutilações de syllabas, não fazem irregularidade.

E tambem manifesto que os verbos intransitivos
não podem ter Linguagens activas, nem passivas
(excepto quando tomão uma significação emprestada)
e porisso não tem Participios Passivos ;
o que todavia não faz que elles sejão Defectivos,
nem Irregulares.90

Conjugação dos [verbos irregulares.]

tableau 1.ª | 2.ª Conjugação. | Imps. | Dar. | Caber. | Dizer. | Fazer. | Ler. | Poder. | Infinito. | Part. Imperfeito. | Part. Perf. | Tendo Dito. | Tendo Feito. | Part. Pas. | Carece. | Dito. Dita. | Feito. Feita. | Carece. | Indicativo. | Pres. Imperf. | Dou. Das. | Caibo. Cabes. | Digo. Dizes. Diz. | Faço. Fazes. Faz. | Leio. Les. Lê. Lemos. Ledes. Leem. | Posso. Podes. Pόde. Podêmos. | Pres. Imperativo. | Pret. Imperf. | Pert. Perf. Absoluto. | Dei. Deste. Deo. Démos. Destes. Derão. | Coube. Coubeste. Coube. Coubemos. | Disse. Disseste. Disse. Dissemos. | Fiz. Fizeste. Fez. Fizemos. | Pude. Podeste. Pôde. Podemos. | Pret. Perf. Relativo. | Dera. Deras. | Coubera. Couberas. | Dissera. Disseras. | Fizera. Fizeras. | Pret. Condicional. | Diria. Dirias. | Faria. Farias. | Fut. Imperfeito. | Direi. Dirás. | Farei. Farás. | Pres. Imperfeito. | Caiba. Caibas. | Diga. Digas. | Faça. Faças. | Leia. Leias. Leia. Leiamos. Leais. Leião. | Possa. Possas. Possa. Possamos. | Pret. Imperfeito. | Desse. Desses. | Coubesse. Coubesses. | Dissesse. Dissesses | Fizesse. Fizesses | Futuro Imperfeito. | Der. Deres. | Couber. Couberes. | Disser. Disseres. | Fizer. Fizeres. (1)43
(2)44 (3)45 (4)4691

[Conjugação dos] verbos irregulares.

tableau 3.ª Conjugação. | Por. | Querer. | Trazer. | Valer. | Ver. | Ir. | Vir. | Pondo. | Tendo. Posto. | Tendo. Visto. | Tendo. Vindo. | Posto. Posta. | Carece. | Visto. Vista. | Ponho. Peso. Poe. Pomos. Pondes. Põe. | Quero. Queres. Quer. | Trago. Trazes. Traz. | Valho. Vales. Val. ou Vale | Vejo. Ves. Vé. Vemos. Vedes. Véem. | Vou. Vais. Vai. Vamos, ou Imos. | Ides. | Vão. | Venho. Vens. Vem. Vimos. Vindes. Vem. | Põe tu. Ponde vós. | Quer, ou Quere tu. | Querei vós. | Vai tu. Ide vós. | Vem tu. Vinde vós. | Punha. Punhas. | Vinha. Vinhas. | Puz. Puzeste. Pôz. Pozemos. | Quiz. Quizeste. Quiz. Quizemos. | Trouxe. Trouxeste. Troxe. Trouxemos. | Vi. Viste. Vio. Vimos. Vistes. Virão. | Fui. Foste. Foi. Fomos. Fostes. Forão. | Vim. Vieste. Veio. Viemos. Viestes. Vierão. | Pozera. Pozeras. | Quizera. Quizeras. | Trouxera. Trouxeras. | Vira. Viras. | Fôra. Foras. | Viera. Vieras. | Poria. Porias. | Traria. Trarias. | Porei. Porás. | Trarei. Trarás. | Ponha. Ponhas. Ponha. Ponhamos. | Queira. Queiras. Queira. Queiramos. | Traga. Tragas. | Valha. Valhas. | Veja. Vejas. | Va. Vas. Va. Vamos. Vades. Vão. | Venha. Venhas. Venha. Venhamos. | Pozesse. Pozesses. | Quizesse. Quizesses. | Trouxesse. Trouxesses. | Visse. Visses. | Fosse. Fosses. | Viesse. Viesses. | Pozer. Pozeres. | Quizer. Quizeres. | Trouxer. Trouxeres. | Vir. Vires. | For. Fores. | Vier. Vieres. (5)47
92

Contin. dos verb. irreg.

tableau 3.ª Conjugação. | Infin. Indicat. Subj. | Impes. | Fugir. | Medir. | Rir. | Vestir. | Presente Imperf. | Fujo. Foges. Foge. Fugimos. Fugis. Fogem. | Meço. Medes. | Rio. Ris. Ri. Rimos. Rides. Riem. | Visto. Vestes. Veste. Vestimos. | Presente Imperat. | Ri tu. Ride vós. | Meça. Moças. | Ria. Rias. Ria. | Vista. Vistas. Vista. (6)48
(7)49 (8)50

Verbos Defectivos são aquelles, que falta ou
algum tempo, ou alguma pessoa ; e tal é o Verbo
Prazer com seus compostos Aprazer, Desaprazer,
que só tem estas vozes da terceira pessoa ; Praz,
Prouve, Prouvera, Prazeria, Praza, Prouvesse, Prouver
,
e seus compostos do mesmo modo. Outros
93Verbos ha Defectivos, que se aprenderão com o
uso.

§ XVIII.
Da preposição.

Preposição é uma parte invariavel da oração,
que posta entre duas palavras, mostra que a segunda
está completando a primeira, como : Vou
para casa de João.

A Preposição rege, isto é, demanda depois de
si uma palavra, e mostra só a relação de complemento,
isto é, que ella com a palavra seguinte está
completando a significação de outra palavra antecedente.

Ora esta palavra antecedente póde necessitar
de Complemento, ou porque tem uma significação
vaga, e então é susceptível de restricção ; ou porque
tem uma significação relativa, e então precisa
de um termo que lha complete : no primeiro caso
a preposição com seu consequente chama-se Complemento
Restrictivo
, e no segundo chama-se Complemento
Terminativo
, como : Vou para casa de João ;
para casa é Complemento Terminativo do verbo Vou ;
de João é Complemento Restrictivo do nome casa.

As Preposições na sua origem forão destinadas
para indicarem as relações de logar, e dai por analogia
passárão a designar outras circumstancias,
como logo veremos.

Nós temos 16 Preposições, a saber : A, Ante,
Apoz, Até, Com, Contra, De, Desde, Em, Entre, Para,
Per, Por, Sem, Sob, Sobre
.

A Preposição Em, ou se exprime assim, ou
simplesmente com a letra n juncta com o artigo,
deste modo : no, na, nos, nas, indica o lugar onde alguma
cousa existe, como : Estar em casa, e por
analogia indica o tempo, como : Estamos no inverno.

Sobre indica o lugar onde, quer este logar seja
94real, como : Estar sobre a mesa ; quer seja virtual,
como : Disputar sobre alguma cousa. Por analogia
indica tambem o espaço de tempo, e de outras cousas,
como : Sobre a tarde. Sobre queda couce.

Sob mostra o lugar onde, como : Estar sob telha ;
e por analogia dizemos : Sob o governo de Tiberio,
Sob teu amparo.

Entre, indica o lugar onde, ou real, como : Entre
a arêa ; ou ideal, como : Entre falar e calar ; e por
analogia indica o tempo, como : Entre as dez e as
onze.

Ante mostra o logar onde, como : Ante os olhos :
e por analogia indica precedencia de tempo, como :
Ante hontem. A’s vezes esta Preposição se ajuncta
com outra para indicar duas relações locaes, como :
Passar por ante mim, isto é, Passar por um logar
diante de mim.

Apoz ou Poz mostra o logar onde, ou real, como :
Apoz ás costas, isto-é, atraz das costas ; ou ideal, como :
Apoz a fortuna vem a adversidade. Por analogia
mostra precedencia de tempo, como : Poz noite
o dia.

Contra indica situação fronteira, como : Cartago
contra Italia, Contra a esperança, Falar contra
alguem
.

Com mostra componha ou de cousas, ou de
pessoas, como : O Maranhão com o Pará, Estou com
meus amigos. Por analogia indica o instrumento.
como : Ferir com a espada ; o modo, como : Ler com
cuidado.

Sem mostra privação de companhia, como : Estou
sem amigo, Sem soccorro.

Se a Preposição De tem um antecedente de
significação vaga, ella com seu consequente é um
Complemento Restrictivo, que indica o possuidor,
eomo : Escravo de João ; ou a matéria, como : Vaso de
95ouro ; ou a qualidade, como : Homem de probidade ; ou
em fim O modo, como : Falou desta sorte. (36)51

Se porem seu antecedente é de significação relativa,
então ella com seu consequente é um complemento
Termniativo, e mostra ou o logar donde
alguma cousa vem, como : Venho de casa ; ou o
principio ou causa donde alguma cousa procede, como :
Nascer da terra, Morrer de fome.

Desde indica um principio ou parte donde alguma
cousa vem continuamente e sem interrupção,
e porisso ordinariamente anda com a Preposição
Até, como : Desde Maranhão até o Pará.

Per mostra o espaço per onde alguém passa, e
tambem o meio pelo qual alguma cousa se faz, como :
Andar per montes e valles, Subir aos cargos per
empenhos ; tambem precede o agente nas orações
da voz passiva, como : Vencido pelos inimigos.

Por tem duas significações, uma em logar de
por causa, e outra como se dissessemos em logar. Na
primeira significação mostra causa, como : Fazer
bem
polo amor de Deus, Obrar por interesse. Na segunda
indica troca, e substituição, como : Vender
gato
por lebre, Comprar por grande preço, Advogar
polo rèo. (37)52

A preposição A indica o logar aonde alguem vai
sem tenção de ficar, como : Vou a Pernambuco, e
dali para a Bahia. Por analogia indica o espaço de
tempo
, como : De hoje a um mez ; attribuição, e termo
proximo, como : Ser util á pátria ; preço, e proporção,
como : Custou a vintem, Vale a tostão ; o modo,
e causa
, como : Andar á pé, Passar á espada, Morrer
á fome.

Até ou indica o termo a que se dirige qualquer
movimento, ou acção não interrompida, como :
Estudar até saber.96

Para indica o lugar ou termo remoto e final
para onde se dirige qualquer movimento, acção, ou
pensamento, como : Vou para casa, Estudo para saber,
A piedade
para com Deus. (38)53

§ XIX.
Do adverbio.

Adverbio é uma palavra invariavel, equivalente
a uma preposição com seu complemento, cujas
vezes faz com mais precisão, e que se ajuncta a
qualquer palavra susceptivel de modificação, para
a modificar com as relações de logar, tempo, quan-,
tidade, modo, qualidade &c. como : Onde, que é o
mesmo que No qual logar., O termo Adverbio quer
dizer adjuncto á palavra.

Temos Adverbios propriamente ditos, Nomes
Adverbiados, e Locuções Adverbiaes. Adverbios
propriamente dictos são os que ficão definidos na
definição antecedente. Nomes Adverbiados são
alguns substantivos e muitos adjectivos, quando se
usão como Adverbios, como : Ora, Tarde, Alto, Baixo,
Rijo, Barato, Conforme, &c. que é o mesmo
que Em tom alto, rijo, &c. por preço barato, &c.

Locuções Adverbiaes são os mesmos Adverbios
e nomes, que precedidos de uma ou mais preposições,
formão expressões mais ou menos compostas,
que enuncião as circumstancias proprias
dos Adverbios, como : Donde, por onde, Daqui,
97Ateli, De fora, Em fora, Por do traz, Por de cima,
Trazantehontem, A fim, Em fim, De sorte, A torto
e a direito, A’s claras, De improviso, De mais a mais,
Em continente, Em vão, Debalde, Por de mais, Sobremaneira,
Sobre modo, De bruços, De rastos, e
um sem numero do outras expressões.

Os Adverbios, como fica dicto, exprimem as
circumstancias de Logar, Tempo, Quantidade, Modo,
Qualidade, &c., como se póde ver nas seguintes
classes, em que estão com sua analyse.

1.° Adverbios de Logar.

Onde, | Em o qual logar. Em que logar ?
Donde, | Do qual, ou de que logar ?
Algures, | Em algum logar.
Nenhures, | Em nenhum logar.
Aqui, | Neste logar.
Ai, | Nesse logar.
Ali, | Naquelle jogar.
A’ quem, | Desta parte, onde estamos.
Além, | Da outra parte contraria.
Cá, | Para este logar.
Acola, | Para aquelle logar.
Arriba, | No logar acima.
Abaixo, | No logar inferior.
Cerca, A’ cerca, | Em torno, A respeito.
Dentro, | Em a parte interior.
Fóra, | Em a parte exterior.
Diante, | Em a parte anterior.
Detraz, | Em a parte posterior.
Longe, | Em muita distancia.
Perto, | Em pouça distancia.

2.° Adverbios de Tempo.

Quando | No tempo que, ou em que tempo.
Sempre, | Em todo o tempo.
98Nunca, | Em nenhum tempo.
Agora, | Em este tempo.
Avante, | Para diante, para o futuro.
Então, | Em aquelle tempo.
Antes, | Em o tempo antecedente.
Depois, | Em o tempo seguinte.
Hontem, | Em o dia antecedente.
Hoje, | Em o dia presente.
Logo, | Em o mesmo instante.
Já, | Em este instante
Ainda, | Até esta hora.
Cedo, | Em pouco tempo.
Asinha, | Depressa.
Tarde, | Com demora.

3.° Adverbios de Quantidade.

Tão, | Em tanta qantidade.
Quão, | Em quanta quantidade.
Muito, | Em muita quantidade.
Mais, | Em maior quantidade.
Menos, | Em menor quantidade.
Assaz, | Em abastança.
Quasi, | Com pouca differença para menos
Apenas, | Com escacêz.
Cerca, | Pouco mais ou menos, Quasi, Perto de.
Sequer, | Ao menos.

4. ° Adverbios do Modo, e Qualidade.

Assim, | Em tal maneira.
Como, | Em qual maneira.
Sim, | Affirmativamente.
Não, | Negativamente.
Talvez, | Acaso.
Eis, | Em presença, A’ vista.
Fortemente, &c. | Com força, &c.99

A maior parte dos Adverbios de Quantidade se
forma, accrescentando mente aos adjectivos de uma
terminação, e á feminina dos que tem duas, como :
Prudentemente, Sabiamente, que é o mesmo que
Com prudencia, Com sabedoria. Quando se ajuntão
muitos destes Adverbios, só pomos mente no ultimo,
como : Obrar prudente, sabia, e judiciosamente.

§ XX.
Da conjuncção.

Conjuncção é uma parte da oração, que ata e
ordena entre si as orações, para fazerem um corpo
de periodo, e um discurso continuado.

Nós temos só oito Conjuncções propriamente
dictas, a saber : E, Mas, Nem, Ou, Pois, Porem, Que.
e Se. Mas como estas não bastão para indicar todas
as relações, em que as preposições estão umas
para com outras, supprimos esta falta com outras
palavras que tem força conjunctiva, como logo veremos.

Ha dez especies de Conjuncções, a saber : Copulativas,
Disjunctivus, Explicativas, Continuativas, Adversativas,
Condicionaes, Causaes, Conclusivas, Circumstanciaes
,
e Subjunctivas.

As Copulativas são : E, para affirmar ; Nem, para.
negar. Para variar temos as frases conjunctivas
Tambem, E bem assim, Outrosim.

As Disjunctivas são : Ou ; e para variar Quer,
Ora, Já, Quando
, sempre repetidas.

As Explicativas são : Como, e estas expressões
A saber, Isto é, de sorte que, Certo que, Mormente,
Principalmenie, Em quanto
.

As Continuativas são : Pois (posposta á primeira
ou segunda palavra), e estas formulas Alem disto,
Com efeito, Na verdade
, &c.100

As Adversativas são : Mas, Porém, e as frases
conjunctivas, Ainda que, Isso não obstante.

As Condicionaes são : Se, para affirmar ; Senão,
para negar ; e as formulas Como, Com tanto que, Salvo
se, Excepto se
, &c.

As Causaes são : Como ; e as frases conjunctivas
por quanto, Visto que, Porque.

As Conclusivas são : Pois, e os Adverbios conjunctivos
Logo, Donde, e as formulas Portanto, Per
conseguinte, Pelo que, Assim que
, &c.

As Circumstanciaes são os Adverbios : Tanto,
Quanto, Quando, Como
 ; e as frases conjunctivas Tanto
que, Logo que, Como quer que, Até que
.

Em fim as Subjunctivas são os Demonstrativos
O Qual, Quem, Cujo, e sobre todos o Demonstrativo
conjunctivo Que.

§ XXI.
Das interjeições.

As Interjeições são umas palavras pela maior
parte de uma syllaba, que per si sós exprimem os
sentimentos de que nosso espirito está occupado.

Como as Interjeições per si sós exprimem sentimentos,
segue-se que ellas equivalem a uma oração,
e mesmo a um discurso, em que os expozessemos
miudamente.

O affecto ou sentimento, exprimido por cada
Interjeição, da-se a conhecer pelo modo de quem
a emprega, e pelas circumstancias em que é proferida ;
porque uma mesma Interjeição póde exprimir
sentimentos differentes, e até mesmo contrários,
v. g. Ai ! exprime dor, e afflicção, e tambem
alegria e prazer ; Ha ! exprime satisfação, e tambem
indignação, como ; Ha feliz de ti ! Ha raça maldicta.
Notado isto, aí vão as Interjeições com os affectos
que exprimem.101

De reparo com admiração. | Hum !
De prazer e satisfação, e tambem de Indignação. | Ha !
De saudade, mágua, e afflicção. | Oh !
De quem chora, e se lastima, e tambem de prazer. | Ai !
De quem se sobresalta, e admira. | Ahi !
De quem pede soccorro. | A’qui (d’elrei)
De quem faz silencio. | Chi ! Si !
De quem exhorta e affaga. | Eia !
De quem ri. | Ha ! Ha ! Ha !
De quem approva e dá parabem. | Ha ! Ha !
De aversão. | Irra !
De zombaria, e tambem de dôr, e espanto. | Hui !
Para chamar simplesmente por alguem. | O’
Para chamar com reparo, e estranhamento. | Olá !
Para exprimir um desejo ancioso. | Oxalá !
De quem anima. | Sus !
Para fazer parar. |  !

Assim damos por concluido o que tinhamos a
dizer sobre a Etymologia, isto é, sobre cada uma
das Partes Elementares da oração. E’ preciso agora
mostrar como dellas se faz un discurso, o que
constitue o objecto da Syntaxe, e Construcção, de
que trataremos no Capitulo seguinte.

Capitulo III.
Da Syntaxe, e Construcção.

Syntaxe, isto é, Composição, é a parte da
Grammatica, que ensina a compor uma oração, segundo
as relações que as palavras tem umas com as
outras. Estas relações são ou de conveniencia, isto
102é, de Concordancia ; ou de determinação e dependencia,
isto é, de Regencia.

A Construcção, isto é, a Collocação, ensina a
pôr cada palavra e cada oração no logar, que lhe é
destinado pelo uso da Lingua.

Do que temos dicto se vê que todo o artificio
da Oração está em quatro cousas. 1.ª em saber
quaes são as partes essenciaes da Oração. 2.ª em
observar as regras da Concordancia. 3.ª em completar
a significação transitiva das palavras que a
tem, o que pertence á Regencia. 4.ª em observar
as regras da Construcção, pondo cada palavra e
cada oração no logar mais conveniente á força e
clareza do discurso. Tractaremos de tudo isto em
separado.

§ I.
Dos elementos essenciaes da oração.

Oração ou Proposição é a enunciação de um attributo
em um sugeito, isto é, um juizo enunciado,
como : O vicio é detestavel.

São trez os elementos essenciaes da Proposição,
a saber : um Sujeito, o qual é pessoa ou cousa,
a que se attribue alguma qualidade ; um Attributo
que é a qualidade, que se attribue ao sujeito ;
um Nexo ou Copula, que ligue e una o Attributo
com o Sujeito, como : Deus é justo. O sujeito, e o
attributo chamão-se termos de Proposição.

Pode ser Sujeito da Proposição qualquer nome
substantivo appellativo com artigo, ou proprio
sem elle ; uma proposição, e tambem qualquer
parte elementar do discurso, substantivada por
meio do artigo, como : O ser pobre não é deshonra.

O Attributo é sempre um adjectivo ou cousa
que o valha, como : Pedro é homem.

O Nexo ou Copula é sempre um verbo, ou só,
103como : Eu sou amante ; ou encorporado com o attributo
no verbo adjectivo, como : Eu amo.

Os Elementos essenciaes da Proposição podem
ser enunciados ou com trez palavras, correspondentes
a cada um, como : Eu sou amante ; ou com
duas, como : Eu amo ; ou com uma só, como : Amo.
A proposição, considerada em sua natureza,
pόde ser ou Simples ou Composta, ou Complexa.
Proposição Simples é a que tem só um sujeito e um
attributo, como : Pedro é sabio. Proposição Composta
é a que tem ou mais de um sujeito, ou mais de um
attributo, ou muitos sujeitos e attributos ao mesmo
tempo, como : A virtude, e a sabedoria são estimaveis,
e difficeis de se encontrar. Esta proposição
é composta de dois sujeitos, virtude e sabedoria, e
de dois attributos, estimaveis e difficeis ; mas tem um
só verbo, que está servindo de nexo commum a
todos elles.

A Proposição Composta inclue tantas Proposições
Simples, quantos são os sujeitos, e attributos
que nella estão. Pelo que a Proposição a cima
contém quatro Proposições Simples, que exprimidas
são estas : A virtude é estimavel, A sabedoria é
estimavel, A virtude
é difficil de se encontrar, A sabedoria
é difficil de se encontrar
.

Proposição Complexa é aquella cujo sujeito ou
attributo, ou ambos os termos são modificados por
alguma proposição parcial, ou por ideas a ella equivalentes ;
como : O homem sabio, ou que é sabio,
aborrece os vicios.

A proposição, considerada em sua graduação
no periodo, é ou Principal, ou Total subordinada,
ou Parcial ; pois quando se ajunctão muitas proposições,
uma dellas é Principal, e das outras umas
são Totaes Subordinadas, e outras Parciaes.

Proposição Principal é a que póde figurar per
si só no discurso, porque faz um sentido completo
e independente, e todas as outras proposições estão
104dependentes della. O verbo da Proposição
Principal é sempre alguma linguagem do modo
indicativo, sem conjuncção que lhe suspenda o
sentido.

Proposição Total Subordinada é a que não faz
parte de outra, mas tem o sentido suspenso, e dependente
da Proposição Principal. O verbo da Proposição
Total Subordinada
pόde ou no subjunctivo,
ou no indicativo com alguma conjunção
suspensiva do sentido, como : As delicias podem ter
algum sabor, mas não podem ter utilidade alguma
 ; a
primeira Proposição é a Principal, e a segunda é
Total Subordinada.

Os termos de uma proposição podem ser modificados
por outras palavras, que ou os expliquem,
ou limitem, ou completem. Daqui nascem as Proposiçoes
Parciais
, que são as que fazem parte de
algum termo de outra proposição.

As Proposições Parciaes são ou Explicativas, ou
Restrictivas, ou Integrantes. Proposição Explicativa
é a que desenvolve alguma qualidade, incluida já
na significação de algum termo de outra proposição,
como : Deus que é justo premêa á virtude, que é
justo
é uma Proposição Parcial Explicativa, porque
faz parte do nome Deus, desenvolvendo uma qualidade,
incluida na significação delle.

Proposição Restrictiva é a que limita alguma
palavra de outra proposição, accrescentando-lhe
alguma idea não incluida na significação della,
como : O homem que é sabio aborrece os vicios ; que é
sabio
é uma Proposição Parcial Restrictiva, porque
faz parte do sujeito homem, accrescentando-lhe a
idea de sabedoria, a qual de certo não está incluida
na significação da mesma palavra.

Proposição Integrante é a que inteira e completa
a significação tranzitiva do verbo adjectivo, isto
é, do attributo nelle incluido, como : Desejo ser virttuoso,
Dizem que Francisco é sabio, Espero que venhas
105hoje. Bem se vê que as significações dos verbos
Desejo, Dizem, Espero, ficarião incompletas, e
suspensas, sem as seguintes proposições.

As Proposições parciaes levão ordinariamente
no principio algum dos demonstrativos conjunctivos
Que, Qual, Quem, Cujo. Os verbos dellas devem
estar ou no infinito, ou no indicativo, ou no subjunctivo,
conforme o demanda a significação do
verbo determinante, como se póde vêr nas regras
seguintes.

1.ª Quando o verbo do indicativo e o seguinte
tem o mesmo sujeito, e entre elles não medêa o
conjunctivo Que, nem outra conjuncção, o verbo
seguinte vai ao infinito impessoal, como : Vou passear.
Quando porem o sujeito é differente, vai ao
infinito pessoal, como julgo seres sabedor.

2.ª O verbo seguinte vai ao indicativo com Que,
ou outra conjuncção, quando o verbo determinante
affirma alguma cousa com toda a segurança, como
são os verbos que significão Julgar, Saber, Dizer,
Contar, &c., como : Dizem que Francisco é sabio, Não
sei se isto
é verdade.

3.ª O verbo seguinte vai ao subjunctivo com
Que, se o verbo determinante affirma alguma cousa
com duvida e receio por ser futura e contingente,
como são os verbos que significão Duvidar, Temer,
Esperar, Desejar, Mandar, Pedir, &c., como : Pede
que te ensinem.

Periodo é o ajunctamento de muitas proposições
totaes, ligadas entre si, e de tal modo dependentes,
que umas suppõe necessariamente as outras,
para complemento do sentido total.

Daqui se vê que havendo uma só proposição
total, ainda tendo esta muitas parciaes, não ha Periodo ;
porque este deve constar ou de duas proposições
totaes, ou de trez, ou de quatro ; mas passando
deste numero, chama-se Oração Periodica.

Um Periodo terá tantas proposições, quantos
106forem os verbos que nelle estiverem : porisso contando-se
os verbos, está sabido o numero dellas ; e
tendo-se em vista o que fica dito, conhecer-se-ha
a qualidade das mesmas.

§ II.
Da concordancia regular.

Concordancia é a união das palavras e proposições,
que tem entre si relações de conveniencia.
A concordancia é Regular, quando as partes concordantes
correspondem exactamente áquellas,
com quem concordão, sem ser necessario fazer
supplemento algum ; e é Irregular, quando é preciso
fazer-se algum supplemento.

O Attributo concorda com o Sujeito, em razão
do verbo, que é o nexo que une um com outro,
como : O temor de Deus é o principio da sabedoria.
Quando o Attributo é um appellativo, póde em genero
e numero ser differente do Sujeito, como : O
bom filho
é as delicias de seu pai.

Mas se o Attributo é um adjectivo, deve estar
na terminação e numero, accommodado ao genero
e numero do Sujeito ; pela razão de que o adjectivo
concorda com um substantivo em genero e numero,
como : Este cravo é formoso, Estas flores são cheirosas.

Porém se o Sujeito é nome próprio, o adjectivo
não póde concordar com elle, mas sim com um
appellativo da classe, a que o Sujeito pertence,
como : Pedro é sabio, isto é, Pedro é homem sabio ;
O Brazil é vastissimo, isto é, O Brazil é um Imperio
vastissimo.

Se a proposição é composta, isto é, se consta
de muitos Sujeitos, ou de, muitos Attributos, ou de
uns e outros ao mesmo tempo ; neste caso os segundos
Sujeitos concordão com o primeiro, pela
107identidade da conjuncção que os une, como : A fé
esperança
, e caridade são virtudes theologaes.

Os Attributos concordão tambem da mesma
forma os segundos com o primeiro, e todos com
o Sujeito pela identidade do verbo, como : Deus é
justo
, sabio, poderoso, e perfeitissimo.

Se depois do Sujeito ou do Attributo houver
substantivos ou adjectivos continuados, concordão todos
ou com o Sujeito, ou com o Attributo, por serem
palavras que, ou os explicão, ou restringem,
e como fica dito, são equivalentes a proposições
parciaes ; e por ellas se podem resolver como : O
homem
prudente, modesto e honrado é estimado por
todos
.

O Verbo concorda com o Sujeito em numero
e pessoa, como : O homem é racional, Os meninos
brincão
.

As proposições Parciaes Explicativas, e Restrictivas
concordão com suas Totaes, por meio de
algum dos demonstrativos conjunctivos Que, Qual,
Quem, Cujo
, e por sua posição immediata depois da
palavra que ellas modificão, como : O homem que é
justo não usurpa o alheio (1)54.

As Proposições Integrantes que tem o verbo
no indicativo ou no subjunctivo, concordão tambem
com suas Totaes pelo conjunctivo Que, ou por
108meio de outra conjuncção, e por sua posição immediata
depois da palavra, cuja significação ellas inteirão
e completão, como : Dizem que a lua tem habitadores.

As proposições integrantes que tem o verbo no
infinito impessoal, concordão com suas totaes pela
identidade de sujeito, como : Desejo ser feliz. Tendo
porem o verbo no infinito pessoal, concordão tambem
com suas Totaes, porque são uma parte integrante
dellas, como : Julgo seres sabedor.

As Proposições Totaes Subordinadas concordão
com a Principal, por meio das conjuncções,
as quaes dão além disto seu nome ás proposições
em que estão, como : A virtude é um bem precioso,
porque nos conduz á felicidade ; porque nos conduz &c.
é uma Proposição Causal, unida á Principal pela
conjuncção porque.

A Proposição Responsiva regular concorda
com a Interrogativa em ter a mesma linguagem,
e os mesmos complementos, ou relações, como :
Quem és tu ? Sou Antonio ; De quem é este livro ? De
Pedro
 ; isto é, Este livro é de Pedro.

Isto de que temos tractado são os signaes externos
da concordancia, cujo fundamento é a relação
de conveniencia ; e porisso a razão por que as
palavras e proposições concordão umas com outras,
é o haver relação de conveniencia entre as
ideas e juizos que ellas enuncião.

§ III.
Da concordancia irregular por syllepse.

Fica dicto que o verbo concorda com o sujeito
em numero e pessoa, e que o adjectivo concorda
com um appellativo em genero e numero. Porém
ás vezes nem o verbo concorda com o sujeito que
está claro, nem o adjectivo com o appellativo enunciado ;
109mas sim com uma idea que está na mente
de quem falla ou escreve, como : O planeta que no
Ceu primeiro habita, cinco vezes apressada ; Todas as
pessoas se comem, quando se vêem
enganados ; apressada
concorda com lua que o auctor tinha em mente,
enganados concorda com homens, pela mesma razão.
Esta concordancia chama-se Syllepse ou Syntese,
isto é, Concebimento, ou Combinação, e tem lugar
nos casos seguintes.

Quando ha muitos substantivos de differente
genero, o adjectivo deve estar ou na terminação
masculina que é do genero mais nobre, ou na terminação
correspondente ao genero do substantivo
mais proximo, como : Os louros e heras por ti
honrados, Temor e esperança vã (2)55.

Os possessivos que precedem os tractamentos
politicos, concordão com elles ; porém os adjectivos
concordão com as pessoas, que estão na
mente de quem falla ou escreve, como : Vossa Magestade,
Alteza, Excellencia, Senhoria, Mercê, &c.
foi servido (fallando-se de homem) ou servirda (fallando-se
de mulher).

Quando alguem (como os auctores, prelados,
&c.) uza de Nós e Vós em lugar de Eu e Tu,
o verbo deve ir ao plural, mas os adjectivos que
se referem, devem estar no singular, porque se
referem, ao individuo que falla, como : Antes sejamos
breve que prolixo (Barros).

Quando um substantivo collectivo partitivo é
110seguido da preposição de com um nome do plural
ordinariamente o adjectivo e o verbo vão ao plural,
como : Parte dos inimigos forão ao mortos.

Porem se o collectivo é geral, o adjectivo e o
verbo umas vezes vão ao singular, como : O
exercito dos inimigos foi desbaratado
 ; outras vezes podem
ir a qualquer numero, como : Toda a Clerezia tinhão,
ou tinha tochas accezas (3)56.

Concorrendo muitos sujeitos, se um for da
primeira pessoa, poremos o verbo na primeira
pessoa do plural, como : Eu e tu estamos bons. Mas
concorrendo sujeitos somente da segunda e da
111terceira pessoa, o verbo deve ir á segunda do plural,
como : Tu e Tulia estaes bons. Porem se concorrerem
sujeitos só da terceira pessoa, poremos
o verbo na terceira pessoa do plural, como : A
nossa liberdade, honra e vida estão em perigo
(4)57.

Concorrendo dois ou mais sujeitos, querendo
nós que o attributo pertença a um só o verbo deve
ir ao singular, como : Ou eu, ou tu, ou Pedro, ha de
morrer primeiro, isto é, um de nós ha de morrer primeiro.

Quando depois de muitos substantivos continuados
vem a palavra Tudo, ou Nada, o verbo deve
ir ao singular, como : Honras, dignidades, riquezas,
tudo é vaidade aos olhos do sabio.

§ IV.
Da regencia regular.

Reger é determinar e demandar alguma cousa.
Somente o Verbo adjectivo, em razão do attributo,
incluido nelle, o Adjectivo de significação
transitiva, e a Preposição, regem outras palavras,
porque as demandão e pedem depois do si.

A significação das palavras é ou activa, porque
demanda um objecto em que empregue a
112acção, que significa, como : Amo a virtude ; ou relativa,
porque demanda um termo de sua relação,
como : Util á pátria ; ou activa e relativa ao mesmo
tempo, como : Pede sabedoria a Deus ; ou absoluta,
porque nada pede nem demanda, como : Homem.
Livro, Pedra, &c.

Chamão-se Complementos aquellas palavras, que
estão completando a significação de outras, como :
Abundante de fructos ; de fructos é Complemento do
adjectivo Abundante, porque está completando a
significação delle ; mas de fructos demanda tambem
o adjectivo Abundante ; e deste modo as palavras
regentes e as regidas estão-se regendo mutuamente.

Os verbos que tem significação activa, devem
ter um Complemento Objectivo ; as palavras que
tem significação relativa devem ter um Complemento
Terminativo ; os verbos que tem significação
activa e relativa, devem ter dois Complementos,
um Objectivo, e outro Terminativo. As palavras
de significação absoluta são susceptiveis do
Complemento ou Restrictivo, ou Circumstancial, e
nestes casos as palavras de significação absoluta
são regidas por seus Complementos, como : Homem
de juizo
 ; a palavra homem, nada pede nem demanda,
mas o complemento de juizo demanda o antecedente
Homem, e porisso o está regendo.

A Regencia é Regular quando as palavras regentes
estão com seus devidos complementos, e
estes com seus antecedentes ; e é Irregular quando
falta alguna cousa destas. De tudo isto havemos
de tractar, depois de dizermos alguma cousa sobre
o Vocativo.

Vocativo.

O Vocativo é destinado para chamar, e excitar
a attenção da pessoa com quem se falla. Elle sempre
é sujeito de um verbo na segunda pessoa, e quando
113o não tem claro, sempre se lhe entende um dos
imperativos Ouve, Attende, ou do plural Ouvi, Attendei,
como : O’ Melibeu um Deus foi quem nos deu este
descanço
, isto é, O’ Melibeu ouve-me &c. O vocativo
dá-se a conhecer por estar entre pausas, ou só,
ou com a interjeição vocativa O, como se vê no
exemplo a cima.

Complemento Objectivo.

Complemento Objectivo é toda a palavra ou oração,
sobre que o verbo activo emprega a acção
que significa, como : Amo a virtude, desejo instruir-me. (5)58.

Se o Complemento Objectivo é um nome de
pessoa, ou de cousa personificada, sempre leva a
preposição a, como : Eneas matou a Turno ; mas os demonstrativos
pessoaes primitivos não levão preposição,
porque tem casos, como : Pedro Offendeo-me.
O Complemento Objectivo em qualquer proposição,
conhece-se bem, porque é a resposta dada á
pergunta O que ?

As proposições da voz activa podem-se mudar
para a passiva deste modo : o Complemento
Objectivo passa para sujeito, o verbo passa para a
voz passiva, e o sujeito da voz activa fica na passiva
com a preposição por ou de antes de si, como : Antonio
ama as sciencias
 ; na passiva diremos : As sciencias
são amadas por Antonio
(6)59.114

Complemento Terminativo.

Complemento Terminativo é toda a palavra ou
oração, pedida por outra palavra de significação
relativa, como : Ser util á patria, Venho de casa,
Abundante de fructos, &c. Na Lingua Portugueza as
preposições são os signaes destes Complementos.

Só os casos me, nos, te, vos, se, não levão preposição ;
e quando se ajuntão a verbos activos somente,
são Complementos Objectivos dos mesmos ;
quando porem se ajuntão a verbos ao mesmo tempo
activos e relativos, ordinariamente são Complementos
Terminativos, como : Deo-me um livro ; pois
é o mesmo que Deo a mim um livro. Lhe e lhes é
sempre Complemento Terminativo, como : Fiz-lhe
um favor, é o mesmo que Fiz a elle um favor.

Toda a palavra ou oração com preposição, pedida
por outra palavra de significação relativa, é
um Complemento Terminativo.

Complemento Restrictivo.

Complemento Restrictivo é toda a palavra ou
oração com preposição de, posta immediatamente
depois de um appellativo de significação vaga e
absoluta, como : Livro de Pedro.

Complemento Circumstancial.

Complemento Circumstancial é qualquer palavra
ou oração, regida de preposição, que se ajunta a
115algum verbo ou adjectivo, cuja significação não
demanda complemento algum, como : Pedro morreo
em Agosto, por falta de tratamento, e á pura
necessidade, com grande magua de seus amigos.

Os Complementos Circumstanciaes indicão varias
circumstancias, como o Modo, Tempo, Logar,
Preço, a Causa, Companhia, &c., o que facilmente
se conhecerá pela significação dos antecedentes e
consequentes das preposições. Quando, por exemplo
eu digo : Moro com Antonio, Estudo com cuidado ;
com Antonio
indica uma circumstancia de Companhia,
e com cuidado indica o modo.

Tanto nos Complementos Circumstanciaes, como
nos Terminativos, é preciso que não haja impropriedade
no uso das preposições, como : Passar
com a espada
, em logar de passar á espada.

§ V.
Da regencia irregular por ellipse.

Temos dito que a proposição, para ser inteira,
deve ter um sujeito, um verbo, e um attributo ; e
que os elementos da proposição, sendo transitivos,
devem estar com seus devidos complementos,
e estes com seus antecedentes.

Todas as vezes que faltar á proposição qualquer
destas partes, ha Ellipse, isto é, Falta, que é
uma figura pela qual se cala alguma palavra ou palavras,
necessarias para a integridade Grammatical
da proposição, mas não para sua intelligencia. Pois
assim como é preciso cortar pelo superfluo, assim
tambem não é permittido faltar com o necessario,
para que o sentido fique sendo claro e distincto,
havendo attenção ás pessoas a quem se falla, ou
para quem se escreve.

Assim, para que a Ellipse não seja viciosa, é
preciso que se calem só aquellas palavras, que ou
116a razão, ou o uso da Lingua suppre com facilidade,
como succede nos casos seguintes.

A’s vezes o verbo, ou nome de uma proposição,
se ha de entender em outra, como : Chegarão
dois navios, um de Pernambuco, e outro da Bahia
, isto
é, Chegárão dois navios, um navio chegou de Pernambuco,
outro
navio chegou da Bahia.

Quando o adjectivo está só, entende-se-lhe um
substantivo, como : Os sabios, isto é, Os homens
sabios.

Quando o sujeito da proposição está sem um
determinativo, entende-se-lhe um artigo, ou o determinativo
alguns, como : Gente ambiciosa nem sonhar
que outrem val póde soffrer
.

Entende-se um antecedente a todo o relativo
que o não tem, como : Depois que estive doente,
isto é, depois do tempo em que estive doente ; Desejo
que
venhas, isto é, Desejo isto, que é, venhas. (7)60.

Entende-se um sujeito a todo o verbo que o
não tem. Pelo que nas primeiras e segundas pessoas
entende-se Eu, e Tu para o singular, Nós, e
Vós para o plural ; e nas terceiras pessoas dos verbos
que dizem respeito a todos os homens, entende-se
o sujeito homens, como : Dizem que Pedro é bom
estudante, isto é, Os homens dizem que Pedro é bom
estudante (8)61.117

Entende-se um verbo a toda a proposição, que
o não tem, como : Bons dias, isto é, Deus te dê bons
dias ; Bem vindo, isto é, Sejas bem vindo ; A Deus,
isto é, Peço a Deus que te aguarde ; Até logo, isto é, Até
logo te espero ; Ah ! feliz de ti
 ! isto é, Ah feliz ! fallo de ti.

A toda a palavra de significação transitiva se
deve entender seu complemento, quando o não
tem, como : A sabedoria é util, a ignorancia prejudicial,
entende-se aos homens. Os meninos devem estudar,
entende-se a lição. (9)62.

A todo o verbo do subjunctivo se deve entender
um do indicativo, se o não tem, como : Praza a
Deus
, isto é, Desejo que praza a Deus.

A todo o complemento terminativo ou circunstancial,
que não tem preposição clara, entende-se
uma conveniente, como : Os escravos de Pedro
forão avaliados a cem mil reis cada um
, isto é, por
cada um ; El-Rei D. Manoel viveo cincoenta e cinco
annos, e reinou vinte e sete, isto é, por cincoenta e
cinco annos, e por vinte e sete ; Meo pai morreo o
anno passado, isto é, em o anno passado &c.

Assim como o discurso fica muito mais natural,
quando não está sobrecarregado de palavras
desnecessarias para sua intelligencia ; assim tambem
póde ás vezes ficar mais energico e expressivo,
tendo algumas palavras de mais pela figura
Pleonasmo, a qual consiste em ter a proposição mais
palavras, do que as necessarias para sua perfeição,
como : Eu mesmo o ouvi com estes ouvidos. Só usaremos
118desta figura ou para dar maior vivacidade
ao discurso, ou para o fazer mais harmonioso, pois
do contrario será um vicio chamado Perissologia, o
qual é preciso evitar, como : Elle recuou para traz.

Não é menos preciso evitar o Solecismo, isto é,
Discordancia, que é não observar as regras ou de
Concordancia, ou de Regencia ; porque despresadas
estas, as palavras não condizem umas com outras,
como dizer : Esta dia, em logar de Este dia ;
Os homem, em logar de Os homens, Elles ama, em
logar de Elles amão ; Desejo sejas honrado, em logar
de Desejo que sejas honrado ; E’ necessario de ter amor
a Deus
, em logar de E’ necessario ter amor a Deus ;
Acostumar-se de estudar, em logar de A costumar-se
a estudar
&c.

Tambem ha Solecismo quando as conjuncções
copulativas unem sujeitos, ou attributos, ou complementos,
pertencentes a differentes verbos, como
se vê nestes versos de Camões :

… Que forão dilatando
A Fé, o Imperio, e as terras viciosas
D’Africa e d’Asia andaram devastando :

Concorrendo substantivos de differentes generos
e numeros, principalmente não sendo synonimos,
é necessario pôr o artigo ou outro determinativo
a cada um. Isto mesmo se deve fazer com os
adjectivos de significações oppostas. Pelo que erra
quem diz : Os Pais e mãis, seu pai e mãi ; pois deve
dizer : Os Pais e as mãis, seu pai e sua mãi. Jacyntho
Freire dice : Onde se consumem com os successos
prosperos, e adversos
 ; mas deveria dizer : com os successos
prosperos, e com os adversos
.

Da Construcção.

Do bom arranjamento das palavras depende
absolutamente a clareza e força da expressão. Pelo
que é preciso saber em que logar devemos pôr
119cada porção do discurso, para construirmos um
todo, cujas partes em harmonia, se ajudem, esclareção,
e se aformosêem mutuamente. Isto faz o
objecto da Construcção, a qual ensina a pôr as partes
da oração e do discurso no logar competente,
segundo o uso e gosto de cada Lingua.

A Construcção é ou Direita, ou Invertida, ou
Transposta. Construcção Direita é aquella em que
o sentido nunca fica suspenso, porque se vai percebendo
á medida que se vai ouvindo ou lendo,
como : As injustiças e todos os males nascem de perverter-se
a ordem das cousas
.

Construcção Invertida é aquella, cujo sentido
está suspenso, porque é preciso esperar por outras
palavras, como : De perverter-se a ordem das cousas
nascem as injustiças, e todos os males
, &c.

A Construcção é Transposta, quando as palavras
que devem estar unidas, se apartão, mettendo-se-lhes
outras no meio. Esta Construcção póde ter logar
tanto na Construcção Direita como na Invertida.

§ I.
Da construcção direita.

Quando a proposição é simples, primeiro está
o sujeito, depois o verbo, e depois o attributo, como :
A velhice é doença. Mas nas proposições interrogativas,
nas do infinito, e nas imperativas, o sujeito
vai depois do verbo, como : Posso eu fiar-me no
que dizes ? Sê tu mais franco
, &c.

Em todas as Construcções quando a proposição
é composta de muitos sujeitos, seguiremos nelles a
ordem de sua dignidade, se entre elles houver differença,
como : Eu, Tu, Elle ; O Rei, e o povo ; O pai,
o filho, e a filha ; Cidades, Villas, e logares
.

Quanto aos verbos e attributos, iremos das
cousas menores para as maiores, quando affirmamos,
120como : Eu sempre te protegi ; sempre te beneficiei ;
sempre te doei ; e muitas vezes te salvei tambem a
vida
 : mas quando negarmos, iremos do mais para
o menos, como : Tu nunca me salvaste a vida ; nunca
me déste nada ; nunca me beneficiaste ; nunca me protegeste
.

Quando o sujeito, ou o attributo é modificado
por algum adjectivo, se este é determinativo deve
ir antes, como : Todo o homem ; se é restrictivo deve
ir depois, como : Homem honrado ; e sendo explicativo,
póde ir antes ou depois do substantivo, como :
O brilhante Sol, ou O Sol brilhante.

O complemento restrictivo sem artigo, deve
ir depois do appellativo, como : Homem de bem ; mas
com artigo, póde ir antes ou depois, principalmente
no verso, como : Os revezes da fortuna, ou da fortuna
os revezes
.

Em todas as Construcções, os adverbios de
quantidade devem ir antes do adjectivo, como :
Muito douto ; os de qualidade podem ir antes, ou depois,
como : Firmemente creio, ou Creio firmemente.

O complemento objectivo, quando não leva
preposição, vai depois do verbo ; depois o terminativo,
quando o ha ; e depois deste ás vezes vai o
fim da acção, como : Ensino Grammatica aos meninos
para utilidade delles
. Porem se o complemento
objectivo leva preposição, ou se é algum dos casos
me, te, nos, vos, se, o, a, os, as, póde sem equivoco ir
antes ou depois do verbo, como : A Turno matou
Eneas
, ou Éneas matou a Turno, (a primeira construcção
é invertida) Pedro nos ama, ou Pedro ama-nos.
Que, Qual, Quem, vão antes do verbo, quando servem
de complemento objectivo, ou terminativo.

Os casos me, te, nos, vos, lhe, lhes, estão sempre
antes do complemento objectivo, quando andão
com verbos ao mesmo tempo activos e relativos,
como : Elle me deo um livro, ou Deo-me um
livro
. Esta doutrina, e a exposta sobre o complemento
121objectivo, é para todas as Construcções.

O objecto, termo e fim da acção do verbo, podem
trazer comsigo outros complementos, e modificações :
e neste caso é preciso arranjal-os, como
ensinão as duas regras seguintes :

1.ª Nunca pòr depois do verbo mais que dois,
até trez complementos, e se ha mais pôl-os antes.

2.ª Ordenar estes mesmos complementos, pertencentes
á mesma palavra, de maneira que o mais
curto vá immediato á palavra, a que serve de complemento,
e ir seguindo nos mais esta mesma regra,
de modo que o mais comprido fique para o
fim, como : Principiada a guerra, ó Cezar, e feita já
tambem em grande parte, de pensado e vontade propria,
sem que ninguem a isso me obrigasse, me fui metter
no partido, que tinha tomado as armas contra ti
.

Quanto ao logar das proposições no corpo do
periodo, a principal é a primeira na Construcção
Direita, e depois as subordinadas ; porem isto nem
sempre convem ; e é preciso então seguir a Construcção
Invertida, da qual trata o seguinte §.

§ II.
Da construcção invertida.

A Construcção é Invertida, quando o sentido
do que está primeiro, depende do que vai depois,
e porisso nesta Construcção está o nosso espirito
sempre suspenso á espera das palavras seguintes,
para entender o sentido das antecedentes.

Esta maneira de construir o discurso chama-se
Anastrophe ou Inversão ; porque nesta Construcção
occupão o primeiro logar as palavras, que na
Construcção Direita occupavão o segundo ; nesta se
diz, por exemplo : Sua ambição estimula-os a tão ardua
empreza
 ; na invertida porem diz-se : A tão ardua
empreza os estimula sua ambição
.122

E’ viciosa toda a Construcção em que o sentido
fica ou difficil de se perceber, ou escuro, ou
equivoco, ou absurdo, como : O homem todo é mortal ;
e Naquelle Deus que o mundo governa ; o primeiro
exemplo é absurdo ; o sentido do segundo
se não está escuro e equivoco, é porque a frase o
não permitte, mas nem porisso ella deixa de ser
viciosa : porque não é permittido pôr o complemento
objectivo antes do verbo, senão nos casos apontados
a cima.

Quando o verbo é passivo póde estar no fim
da proposição, como : Nunca a temeridade com a sabedoria
se mistura, nem a conselho o caso é chamado
.
Mas quando o verbo é activo, a Lingua Portugueza
gosta mais de o pôr á frente da proposição com o
sujeito e attributo depois, como : Era naquelle tempo
clara a fama de D. Duarte de Menezes
.

As Construcções Invertidas são muitas vezes
necessarias, para conseguir estes sete fins : 1.° para
aproximar ao objecto as ideas que lhe são relativas,
como : Cujo nome os Africanos ouvião com temor,
e nós com reverencia
. 2.° para evitar ambiguidades,
como : De todos os homens, este é o mais digno
de compaixão. 3.º para contrastar ideas e pensamentos
uns com outros, como : Elles tinhão a vantagem
do numero, a do logar os nossos. 4.° para
ajuntar e coordenar em uma proposição total muitas
parciaes, e em um periodo muitas totaes. 5.°
para variar a forma do discurso, e evitar a monotonia
das construcções. 6.° para presentar á vista,
onde mais comvem, as ideas importantes, como : A
tão honrados Turcos e valentes Janisaros, como estaes
presentes, toca acudir pola honra da vossa gente.
7.° para dar ao discurso mais suavidade e harmonia.

Daqui se vê que a Construcçção Invertida é tão
natural, como a Direita ; não só por ser muitas vezes
necessaria, mas tambem porque uma, e outra
123se conformão igualmente com o pensamento ; pois
que nelle não ha successão nas ideas relativas, ha
sim ligação ; e tão ligadas estão as ideas na Construcção
Direita, como na Invertida ; com tanto que
as ideas relativas se não separem, mettendo-se-lhes
no meio outras que não continuem a mesma relação,
como succede na Construcção Transposta,
propriamente dicta, a qual pouco logar póde
ter na Lingua Portugueza, como passamos a mostrar.

§ III.
Da construcção transposta.

A Construcção é Transposta, quando as palavras
que devem estar unidas, se apartão mettendo-se-lhes
no meio outras ou da mesma relação, como
se vê nesta mesma regra, ou de differente, como :
Em versos divulgado numerosos. Este modo de construir
chama-se Hyperbato, isto é, Transposição, ou
Ordem Interrupta.

A Lingua Portugueza não admitte senão aquellas
Interrupções que o são impropriamente ; como
succede quando duas palavras, ou concordadas, ou
regidas, se apartão, mettendo-se-lhes no meio outras,
que modificão algumas dellas.

Pelo que não é permittido separar o adjectivo
do seu substantivo, se não com alguma palavra que
modifique o mesmo objectivo, como : O amor verdadeiramente
paternal ; Mares nunca dantes navegados.
Porisso é muito para estranhar o seguinte
verso de Camões :

… Que em terreno
Não cabe o altivo peito, tão pequeno.

Entre o nome substantivo e a incidente que o
modifica, póde metter-se um adjectivo, ou complemento
restrictivo, com tanto que não haja equivoco,
124como : O Cidadão benemerito, ou de merecimento,
que serve a sua Patria, &c.

Entre o verbo e o termo de sua relação podem-se
metter algumas palavras, com tanto que não
sejão muitas, como : A um Cidadão honrado, como
tu es, cumpre, &c.

Muitas vezes entre o sujeito e o verbo se mettem
adjectivos, ou incidentes, que modificão o mesmo
sujeito, como : Todo o homem que ama a verdade,
e deseja sinceramente acertar, não deve dar ouvidos
a lisongeiros
.

E’ costume não metter entre o complemento
objectivo e o verbo, senão algum adverbio, ou alguma
pequena circumstancia, pertencente ao mesmo
verbo, como : Estudo com cuidado ou cuidadosamente
a lição ; mas não posso dizer : Estudo mais do
que em outro tempo estudava a lição.

Entre a preposição e seu antecedente, póde
metter-se alguma palavra que continue a mesma
relação, como : O Cabo chamado das tormentas ; mas
não se tolerão palavras de differente relação, como
em Camões :

A grita se levanta ao Céo, da gente.

Em fim, todas as regras das Transposições na
Lingua Portugueza, estão compreendidas nas seguintes
palavras : Entre duas palavras ou concordadas
ou regidas, nunca se metta senão alguma pequena
circumstancia, ou algumas palavras, e essas
poucas, que modifiquem uma das palavras concordadas
ou regidas.

Do desprêso desta regra nascem as Syncheses,
isto é, as Misturas e confusões das palavras no discurso,
como se vê em Mousinho em seu Affonso
Africano :

Entre todos co’ dedo era notado
Lindos moços de Arzila, em galhardia.

Isto é : Com o dedo era notado em galhardia entre
todos os lindos moços
de Arzila.125

Em Franco Barreto :

Por ver em que montanhas se dos mares
Livrou, anda vagando em que lagares.

Isto é : Por ver em que montanhas, e em que logares
anda vagando, dos mares se livrou
.

Em Ferreira :

Os louros e heras, de que coroados
Serão Os bons Poetas, ja crescendo
Soberbamente vão, por ti honrados.

Isto é : Ja crescendo soberbamente vã os louros
e heras, de que serão coroados os bons Poetas
, por ti
honrados.

Estão em fim expostas compendiosamente a
Orthoepia, Etymologia, Syntaxe, e Construcção.
Resta-nos pois a Orthographia, de que exporemos
somente as noções mais geraes no Capitulo
seguinte.126

Orthographia da lingua
portugueza.

Introducção.

Não sei por que fatalidade muitos homens se
tem esmerado em contrafazer a natureza das cousas,
dando-lhes taes voltas, que por mais clara,
simples e facil que seja qualquer materia, fica sendo
escura, dificil, e até as vezes mysteriosa. Ninguem
ha que desconheça a simplicidade e singeleza
natural da Escriptura propria da Lingua Portugueza.
Com tudo este systema de Orthographia, por
ser de facillima comprehensão, foi substituido por
outros dependentes por uma parte do capricho,
e por outra de tantos conhecimentos, que mui
poucos de entre nós podem ler e escrever sua
propria Lingua. Fallo da Orthographia Usual, que
umas vezes segue as Etymologias ; outras a Pronunciação ;
e outras vezes nem as Etymologias, nem
a Pronunciação.

A Orthographia Etymologica tem regras, é verdade,
porém é mais difficultosa do que muitos pensão ;
porque é necessario saber não só a Lingua
Latina, a Grega, e a Hebraica, mas tanbem outras
muitas, donde a Lingua Portugueza tem igualmente
recebido um grande numero de palavras. E’ muito
louvavel que os sabios examinem essas derivações,
para esclarecerem a nossa lingua, e facilitarem
a intelligencia e o estudo da mesma, conservando
na pronunciação e na escriptura os vestigios,
que indicão a origem e analogia das palavras porém
como estes vestigios estão mais nos sons, de
que os vocabulos se compõe, do que nas letras que
o representão ; parece razoavel que os Sabios se
127deverião contentar com escrever os vocabulos como
os pronuncião, e só com os caracteres do Alphabeto
Nacional porque, a se escreverem os vocabulos,
como se escrêverão ou se escrevem nas
Linguas, donde os trouxemos para a nossa, será preciso
introduzir nella caracteres de muitos Alphabetos
estrangeiros, e constituir assim a maioria da
Nação na impossibilidade de ler e escrever sua
propria Lingua. Este é verdadeiramente o estado
actual da maior parte de nossos concidadãos.

Tem sido até agora inuteis os clamores de nossos
Philologos mais abalisados, e amigos da Instrucção
Publica. Estes dizem que aos Sabios pertence
fixar a verdadeira pronunciação da Lingua, e
escrevel-a como a pronuncião ; que aos mais cumpre
rectificar a pronunciação com o estudo da
Grammatica da Lingua, com a lição dos escriptores
della, e com a communicação dos que a fallão com
pureza ; e depois escrever como pronuncião. Este
Systema é o da Orthographia Philosophica ou da
Pronunciação, no qual estão reunidas em conformidade
as derivações, a pronunciação, e a escriptura. Este
Systema é sem contradição o de menos inconvenientes ;
pois não se póde negar que em se escrevendo
como se pronuncia, sem caracteres ociosos
e estrangeiros, todos saberão ler : muitos escreverão
com certeza : e o resto escreverá com menos
erros, do que até agora.

Mas todas estas e outras poderosas razões tem
sido postergadas, e o continuarão a ser. Pelo que
neste brevissimo Tractado se acharão expostos os
tres Systemas de Orthographia, para cada qual escolher
o de que mais se agradar.

Capitulo IV.
Da Orthographia da Lingua Portugueza.

Orthographia é a Arte que ensina a escrever
128certo. (1)63 Ha tres Systemas de Orthographia, a saber :
Orthographia Etymologica, Orthographia Usual,
e Orthographia Philosophica ou da Pronunciação.

A Orthographia Etymologica manda escrever não
só os sons, com que pronunciamos os vocabulos,
mas tambem os que elles tiverão, ou tem nas Linguas
donde os houvemos ; como o vocabulo Orthographia,
que escripto deste modo, representa não
só os sons com que o pronunciamos, mas tambem os
que teve na Lingua Grega, donde o recebemos.

A Orthographia Usual quasi que não tem regra
alguma que mereça este nome (excepto as que são
communs a todas as Orthographias) ; porque umas
vezes segue as Etymologias, e outras simplesmente
o capricho ; nem ella é um systema ; é sim um aggregado
de inconsequencias. (2)64

A Orthographia da Pronunciação ou Philosophica
ensina a escrever com as letras do Alphabeto Nacional,
que forem indispensaveis, para representar
os sons de que se compõe os vocabulos no uso vivo
da Lingua ; como o vocabulo Ortografia que escripto
deste modo, representa justamente os sons com
que o pronunciamos.129

A Orthographia Etymologica, e a Usual estão
muito fóra do alcance da maior parte da Nação.
Todos podião usar da Orthographia da Pronunciação ;
e assim haveria unidade de Systema, a qual tanto
nisto, como em tudo, é muito para desejar. No entanto
aqui se acharão as Regras communs a todas
as Orthographias, e as que são particulares a cada
Systema.

§ I.
Regras communs a todas as orthographias.

Regra 1.ª

As palavras nativas da Lingua Portugueza devem
ser escriptas com as letras do Alphabeto Nacional.
Destas letras já tractamos na Orthoepia.

Nunca se dobrão as letras no principio, e fim
dos vocabulos. Os antigos dobravão as vogaes finaes,
quando as pronunciavão com accento agudo,
ou circumflexo, como : See, Mercee ; nós porém escrevemos
Sé, Mercê. Em Enjôo, Vôo, Môo, &c., dobrão-se
as vogaes, porque se pronuncião.

Não é razoavel metter nos vocabulos letras que
lhes não competem nem por derivações, nem por
motivo da pronunciação ; e porisso não é justo escrever
Hum, He com H, porque estes vocabulos o
não tem na sua origem (Unus, Est.) (3)65.

Nunca se escreve letra grande no meio e fim
dos vocabulos.

Escreve-se com todas as letras grandes os titulos
de qualquer livro, as inscripções de qualquer
obra ou sepultura, a primeira palavra por que se
130principia a tractar qualquer materia. O Santissimo
Nome de JESUS tambem se escreve com todas as
letras grandes, por motivo de respeito e veneração.
Tudo isto porem é na letra redonda, pois que em
letra de mão, escreveremos todas estas palavras só
com a primeira letra grande.

Escrevem-se com a primeira letra grande as
palavras seguintes : 1.° A primeira palavra depois
de ponto final ou simples, ou de interrogação, ou
de exclamação, e tambem a primeira palavra de
cada verso, e a primeira palavra de qualquer discurso
que se relata de outrem, ainda que precedão
só dois pontos.

2.° Todos os nomes proprios, ou sejão de pessoas,
como : Cezar ; ou de cousas, como : Brazil,
Tejo
 ; ou de appellidos, como : Souza, Menezes ; ou de
artes e sciencias, como : Theologia, Grammatica, Logica ;
e os nomes que significão os professores dellas.
como : Theologo, Grammatico, Logico ; ou sejão
nomes de mezes, como : Janeiro ; ou nomes patrios,
e gentilicos, como : Brazileiro, Maranhense, &c.

3.° Qualquer palavra que faz o objecto principal
do discurso, como : Lei, Alvará, &.c. Os tractamentos
politicos, como : V. M., Exc.ª, S.ª &c. Os
appellativos que significão ou titulos de honras,
dignidades, ou gráus de parentesco, tambem se
escrevem com letra grande, quando estes nomes
são applicados a pessoas particulares, como : Rei,
Bispo, Pai, Mãi, Primo
, &c. Finalmente, as palavras
que dizem respeito immediatamente a grandes
pessoas, como : S. M. Ordena que se Lhe enviem
&c.

Regra 2.ª

As palavras susceptiveis de duas significações,
devem ser notadas com um accento para distincção,
quando isto podér ser, como : Pregar, segurar com
prego, e Prégar, annunciar verdades religiosas.
131Em quanto aos preteritos e futuros do singular, é
preciso distinguil-os com um accento, como : Amára,
Amará
 ; mas no plural bastará accentuar constantemente
os preteritos, para os distinguir dos futuros,
pois que nestes se não pόde pôr accento,
porque o lugar delle está occupado com o til, como :
Amárão, Amarão. Em quanto ás palavras que
se não podem distinguir, como : Rio, nome, Rio,
verbo, o contexto do discurso mostrará a significação
dellas, bem como póde mostrar o das outras
acima.

Quando alguem duvidar se ha de escrever e,
ou i, o, ou u, observe se estas vozes vem antes de
syllaba aguda, ou depois. Se vem antes, é preciso
conjugar essa palavra, sendo verbo, até que a voz
confusa se faça distincta ; e sendo nome, é preciso
procurar-lhe sua derivação, a qual mostrará a letra
com que se deve escrever, v. g : quem não souber
com que vogaes deve escrever as primeiras syllabas
dos verbos Ciar, Cear, Moer, Soar, Suar, ponha
estes verbos no presente do indicativo deste modo :
Eu cio, Eu ceio, Eu môo, Eu sôo, Eu suo, e ficará sem
duvida alguma. Sendo nome, sua origem mostrará
com que vogaes o devemos escrever ; pois se, por
exemplo, escrevemos Asseado, Fofice, Pomar. &c., é
porque dizemos Asseio, Fofo, Pomo, &c.

Vindo porem as ditas vozes confusas depois da
syllaba aguda, a que sôa como i, escreva-se com e,
como : Prudente ; e a que sôa como u, escreva-se
com o, como : Antonio, Marcos, &c. Em quanto aos
dithtongos, logo fallaremos.

Regra 3.ª

Os nossos cinco sons vogaes nasaes podem escrever-se
ou simplesmente com o til por cima,
deste modo : ã, ẽ, ῖ, õ, ũ ; ou com m adiante, sendo
a ultima syllaba de um vocabulo, como : Som, ou ficando
132antes de B, P e M, como : Pombal, Campo,
Commum
, &c. ; em todos os mais casos se escreve n
como : Tanto, Touro, &c. (4)66

Em quanto aos dithongos oraes, todos podem
escrever com i estes cinco ai, ei, oi, ói, ui ; menos
os pluraes dos nomes acabados no singular em al
ol, ul
, como : Animaes, Caracoes, Tafues. Os outros
cinco au, éu, êu, iu, ou, não ha inconveniente em os
escrever assim ; porem o costume quasi geral, faz
uma excepção nas terceiras pessoas do singular
dos preteritos perfeitos da 2.ª, e 3.ª conjugação, e
tambem do verbo Dar, como : Deo, Moveo, Unio, &c.
Quem quizer póde não fazer esta mesma excepção.
Esta pratica, sendo constante, é approvada em todos
os Systemas.

Em quanto aos dithongos nasaes, ãi, ão, õe, uim,
como : Mãi, Mãis, Mão, Mãos, Poe, Pões, Ruim, Ruins ;
esta é a sua melhor escriptura, por ser livre de inconvenientes,
e approvada por todos, ainda que
muitos não a sigão.

Regra 4.ª

Nunca se dóbrão as consoantes, V, Z, J, X,
Ch, Lh, Nh, Q
 ; as mais dobrão-se ás vezes entre
vogaes.

Quando na pronunciação se não percebe u intermedio,
sempre se escreve C (que), e G, (gue)
antes de a, o, u, como : Garrafa, Costume (5)67 ; e quando
se percebe u intermedio, e tambem antes de e,
e i, sempre se escreve Qu, e Gu, como : Guarda,
Guerra, Qualidade, Questão
, &.133

Regra 5.ª

Quando for preciso dividir um vocabulo no
fim da regra observe-se o seguinte. As palavras
dvidem-se pelo fim de cada syllaba, pois nunca se
apartão as letras de que as syllabas se compõe.
Pelo que havendo duas consoantes da mesma especie,
como dois mm, dois nn, dois ll, &c., cada
qual ficará de sua parte, como : Ap-pel-li-do &c.
Havendo no vocabulo junctas as letras cc, gm, gn,
ct, nm, vt
, ambas pertencem á syllaba de diante,
como : A-cção, Au-gmento, Di-gno, Fa-cto, Som-no,
A-ptidão
, &c. .

As palavras compostas de outras, dividem-se
pelas partes de que se compõe, como An-helar, &c.
Pelo que é preciso que não haja engano, quando
se dividem as palavras em que entrão estas preposições
compositivas : A, Ab, Abs, Con, De, Des, In,
Ob, Pre, Re, Sub, Trans
, &c. como : A-spergir, Ab-lução,
Abs-trahir, Con-struir, De-struir, Des-unir, In-habil,
In-struir, Ob-struir, Pre-star, Re-star, Sub-stituir,
Trans-acção, &c.

§ II.
Regras proprias da Orthographia Etymologica, e
da Usual.

As palavras Portuguezas derivadas da Lingua
Grega, Latina, Arabe, &c., conservão na escriptura
as letras da sua origem, que ou forão admittidas
entre nós, ou costumão ser substituidas por outras
do nosso Alphabeto.

Estas Letras, mais particularmente destinadas
para mostrar a origem de muitas palavras da Lingua
Portugueza, são as seguintes : K, Y, Th, Ph, Rh,
Ch
(que), Ps, H, X, C, Ç, G, S.

O K está em desuso, porque antes de a, o, u, se
134escreve C, e antes de e, e i se escreve Qu, v. g. : Calendario,
Quirios
.

Do Y se uza nos vocabulos de origem Grega,
porém está em costume empregal-o só nas palavras
que não tem passado ao uso vulgar, como : Hyperbole,
Hypothese
, &c ; e porisso já o não escrevem em
Pigmeu, Martir, &c. Não é coherente escrever y nas
palavras que o não tem na sua origem, como escrever
Ley, Rey, Comboy, &c.

O Th conserva-se nas palavras que o tem na
sua origem Grega, como : Thesouro, Throno, &c. ; comtudo
não se repara em omittil-o nas palavras mais
vulgares, como : Asma, Cantaro, &c.

O Ph se escreve nas palavras de origem Grega,
como : Philosophia ; porem a Orthographia Usual
umas vezes usa delle, como em Phantasma ; outras
não, como em Profeta, &c.

O Rh em poucas palavras se escreve, como :
Rhetorica, Rheumatismo Catharro que ja muitos escrevem
sem h.

O Ch representa o som de X na escriptura da
Lingua Portugueza, e porisso muitos, para evitar
equivocos e erros de leitura, o não empregão com o
som de C. Escrevem por tanto : Arquitecto, Arquivo,
Caridade
, com Ch, como fazem outros, para se conformarem
com a origem desses e de outros muitos
vocabulos. Esta segunda pratica é embaraçosa,
porém mais etymologica. Advirta-se que ás vezes,
a pezar das derivações, é necessario omittir o Ch,
e usar do C, para evitar equivocos e distinguir alguns
vocabulos, v. g. Côro, de musica, de Chôro,
pranto.

O Ps tambem está em desuso, e já se escreve
Salmo, Salterio ; é porém mais exacto escrever Psalmo,
Psalterio
 ; e tambem é preciso escrevel-o nas
palavras em que se pronuncia, como em Lapso,
&c.

Fóra das interjeições o H não tem valor algum
entre nós, porém escreve-se nas palavras que tem
135H na Lingua Latina, como : Habito, Inhabil, &c. Não
se escreve nas palavras que o não tem na sua origem
Latina, como : Um, E’, Cair, Sair, Até, &c., e
tambem se não deve escrever nas palavras puramente
Portuguezas. Usa-se do H nas interjeições,
porque estas vozes são aspiradas, como : Ah ! Oh ! &c.
(vid. not. 3 pag. 130.)

Sobre quando se ha de escrever X, ou Ch, nenhuma
regra segura se póde dar, a não ser a de
consultar a origem das palavras, ou o Diccionario.
Isto não obstante, podem ser uteis as regras seguintes.
Escreve-se X, no principio de algumas
palavras, quasi todas de origem Arabe, como : Xadrez,
Xergão, Xarel
, &c. Em quanto ao meio das
palavras, depois de vogal nasal e tambem depois
de dithongo, ordinariamente se escreve X, como :
Enxada, Enxofre, Ameixa, Baixo, Deixar, &.c. Ha
porém outras palavras que se escrevem com X,
alem das comprehendidas nesta regra.

Isto é quanto a X e Ch, quando ha este som ;
porem ainda não o havendo, se escreve X nas palavras
que tem esta letra na sua origem, como :
Exemplo, Texto, Mixtura (que já muitos escrevem
Mistura), &c. Quanto aos sons que tem o X, veja-se
a pag. 12.

Quanto ao C antes de e, e i, deve ter logar só
nos vocabulos que se escrevem assim na sua origem,
como : Cem, Cera, Ceder, &c.

No principio das palavras póde-se escrever
sempre S antes de a, o, u, como : Safira, Sapato, &c. ;
pois os que escrevem estas e outras palavras com ç
no principio, não tem razão para o fazer.

Quanto ao meio e fim dos vocabulos, escreveremos
com ç todos os nomes substantivos acabados
em aça, êça, iça, oça, uça, e em aço, êço, iço, uço,
como : Ameaça, Cabeça, Rebuço, &c. ; e tambem
os acabados em ão, ia, io, derivados dos nomes
Latinos que tem a penultima ti, como : Lição, Prudencia,
136Obrepticio, &c. Por este motivo acabão em
cção os nomes que no Latim tem a penultima cti
como : Coacção, inspecção, &c., e os verbos derivados
destes, como : Accionar, Inspeccionar, &c. ;
com tudo Lição, e Interjeição se escrevem assim ; o
primeiro, porque o uso assim o manda ; e o segundo,
porque muda o primeiro e em i. Advirta-se
que antes de e, e i, o C não leva- cedilha.

Antes do i não se escreve J. Antes de e, o escrevemos
em Jejum, Jerarquia, e seus derivados :
Jeroglyphico, Jenolim, Jellata, Jeropiga, Jeronymo, Jerusalem,
Jericó, Jesus
 ; quasi todos os mais principião
por G.

Em quanto ao meio das palavras, todas as derivadas
do Verbo Latino Jacio, se escrevem com J
antes de e, como : Objecto, Sujeito, Rejeitar, &c. Em
quanto ao fim, os verbos acabados em jar, conservão
o J em todas as suas formas ; e os verbos acabados
em ger, e gir mudão o G em J antes de a, o,
u
. Em quanto ás palavras puramente Portuguezas.
deve-se usar sempre do J antes de e.

Para se saber quando se hade escrever um só
S, ou dois SS, ou Ç com cedilha, observe-se o seguinte.
Entre vogal e consoante, escreveremos um
S, como : Falso ; entre vogaes escrevemos um
só S, quando tem o som de Z, como : Rosa, mas
tendo o som de Ç, escreveremos dois SS, quando
não for palavra que esteja comprehendida na regra
a cima, nem das que tem c no Latim, como :
Faço. No principio das palavras, e entre vogal e
consoante, escreva-se Z, quando houver este som,
como : Zabumba, Anzol. (6)68137

Em quanto ao R, dobra-se entre vogaes, quando
soa forte, como : Terra ; exceptuão-se as palavras
compostas, como : Prorogar, Derogar, &c.

Em quanto ás outras consoantes que se dobrão
por causa da Etymologia Latina, nenhuma
regra segura podemos dar, pois o saber isto depende
de muito conhecimento da Lingua Latina,
principalmente para as syllabas do meio. Em quanto
ás do principio, póde ser util o seguinte.

As preposições compositivas Ad, Con, In, Ob,
e Sub mudão ordinariamente a ultima consoante
naquella, por que principia a palavra que ellas compõe,
como : Affecto, Aggravo, Commodo, Immovel, Oppor,
Suppor
, &c. Toda a palavra que principia por
Di, E, O, e Su, seguindo-se-lhe immediatamente f,
dobra esta letra, como : Differença, Effeito, Offensa,
Sufficiente
, &c.

Segue-se uma lista de algumas palavras, das
que o uso escreve de differente modo, para as distinguir,
por serem susceptiveis de mais de um sentido ;
bem que o contexto do discurso bastaria, para
se fazer esta distincção na leitura, assim como é
sufficiente para quem ouve fallar ou falla com outros.

tableau Barata, de pouco preço. | Baratta, bicho.
Bota, de calçar. | Botta, de vinho.
Capa, do verbo capar. | Cappa, vestido.
Cometa, corpo luminoso. | Cometta, verbo.
138

tableau Moleira, de moinho. | Molleira, de cabeça.
Molinhar, moer. | Mollinhar, chover.
Pena, castigo. | Penna, das aves.
Saca, verbo. | Sacca, sacco grande.
Velar, de noite. | Vellar, a Freira.
Aço, ferro fino. | Asso a carne, verbo.
Ceda, verbo. | Seda, nome.
Cegar, os olhos. | Segar, o trigo.
Cella, de Frade. | Sella, de cavallo.
Celleiro, de trigo. | Selleiro, que faz sellas.
Cem, numero. | Sem, preposição.
Cerrar, com feicho. | Serrar, com serra.
Cervo veado. | Servo, captivo.
Cinto, que cinge. | Sinto, tomo sentimento.
Concelho, ajuntamento do Povo. | Conselho, dos Sabios.
Apreçar, fazer preço. | Apressar, adiantar os passos.
Empoçar, metter no poço. | Empossar, tomar posse.
Incerto, duvidoso. | Inserto, inserido.
Maça, de ferro. | Massa, de farinha.
Paço, casa Real. | Passo, de cinco pés.

Estas bastão para exemplo. Em quanto ás que
se distinguem pelos accentos, já dissemos o que se
devia fazer.

Apezar de termos passado mui ligeiramente
pela Orthographia Etymologica, e pela Usual, bem
se deixa ver o quanto estes Systemas são cheios
de empecilhos, e porisso difficeis e complicados.
Não acontece o mesmo na Orthographia Philosophica.
Neste Systema tudo é certeza, segurança,
clareza, e facilidade. Delle passamos a tractar, e
em quanto o fizermos, servir-nos-hemos da mesma
Orthographia da Pronunciação.139

§ III.
Da ortografia filozofica ou da pronunsiasão.

Regra unica.

Qualquer palavra que se pretenda escrever,
pronuncie-se primeiro bem, e escreva-se como se
pronuncia com os caracteres do Alfabeto Nacional,
correspondentes aos sons, de que o vocabulo consta.
Esta regra não tem eissesção alguma ; é só preciso
fazer aplicasão dela.

Quanto ás vozes confuzas e, i, o, u, siga-se o
que fica dito na Regra 2.ª ; porém os que assim
mesmo ficarem indesizos, escolhão qualquer delas.

As vozes nazaes, e os ditongos escrevem-se,
como fica dito na Regra 3.ª.

A respeito das consoantes G, C, Gu, Qu, observe-se
o que fica dito na Regra 4.ª, pondo-se dois
pontos sobre o ü, quando ele se ouvir na pronunsiasão,
como em Güarda, Qüal, &c.

Os dois SS entre vogaes, o Ç com cedilha antes
de a, o, u, e sem ela antes de e, e i, nada disto é admitido
na Ortografia da Pronunsiasão, por serem
letras que muito embarasão a quem não sabe o
Latim, e quer escrever serio. Em logar desas letras,
uze-se constantemente do S com o som de Ç,
tanto no prinsipio das palavras, como no meio,
entre vogaes &c., como em Serteza, Corasão, &c.

As palavras que na Ortografia Etimologica prinsipião
por Se, ou o tem no meio, como Sciencia,
Convalescer
, &c., escrevem-se com S deste modo :
Siensia, Convaleser, &c., eisseto quando a Pronunsiasão
ordenar o contrario, como Sussitar, Condessender,
&c. ; porem asim mesmo nunca escreveremos
C, porque um sistema, fundado na razão,
não pode ser incoerente. Da mesma sorte os vocabulos
terminados em cção, nós os terminaremos
140em são, como : Acção, escreva-se Asão ; mas aqueles
vocabulos em que se ouve cs, escrevão-se como se
pronunsião, como : Ficsar, e não fixar ; Complecso e
não Complexo.

Sempre que se ouvir o som de Z em qualquer
palavra, escreve-se esta mesma letra, e nunca S
com valor de Z, como : Roza, Caza. Da mesma
sorte nunca se uzará de Ex valendo por Eis ou
Eix, como : Expor, Exemplo. Tambem se não escreve
Z quando não ha este som ; pelo que as finaes
agudas az, ez, iz, oz, uz, todas se devem escrever
com S, deste modo : as, es, is, os, us, pondo-se-lhes
por sima da vogal o asento conveniente,
como : Rapás, Pês, Pés, &c.

Da mesma sorte o G valendo por J antes de e,
e i, fica rejeitado ; pelo que, sempre que se ouvir
o som J (Je) escreva-se esta mesma letra, como :
Jente, Jiro, Majestade, &c.

Em quanto ás letras X, e Ch, como (apezar do
que alguns Grammaticos dizem) elas tem o mesmo
som, é precizo escolher uma, uzar dela sempre, e
rejeitar a outra ; porque o Alfabeto Filosofico não
deve ter letras superfluas.

O H, bem se vê que não póde ter logar senão
nas consoantes, Ch, Lh, Nh, e nas interjeições ; bem
que nestas ele não é de absoluta nesesidade.

Em quanto aos vocabulos estranjeiros, escrevem-se
como se pronunsião entre nós ; pelo que escreveremos
Lóné, Blutó, e não, Launé, Bluteau, &c.

Todos os vocabulos devem acabar ou em vogal,
ou em alguma das consoantes L, M, R, S. Temos
só duas acabadas em N, que são Canon, Iman ; porque
Regimen, &c., se deve escrever Rejime, assim
como se escreve Lume, &c.

Como as Letras fôrão inventadas para representar
os sons, e não as Etimologias ; bem se vê que
a Ortografia da Pronunsiasão, guiando-se pela natureza
das couzas, não admite letras dobradas, osiosas
141e sem valor. Só é presizo dobrar o R, quando
entre vogaes tem som forte como em Carro.

Quanto á divizão das palavras no fim da regra,
observe-se o determinado na regra 5.ª na parte
que póde ser aplicada á Ortografia da Pronunsiasão,
cujo Tratado aqui damos por concluido ; e porisso
tornamos a uzar da Ortografia do costume.

§ IV.
Da pontuação.

Pontuação é a arte de distinguir na escriptura
as differentes partes do discurso, por meio de certos
signaes, adoptados para isso, a fim de por elles
se regular a cadencia da voz.

Estes signaes são os seguintes : a Virgula (, ) ; o
Ponto e Virgula ( ;) ; Dois Pontos ( :) ; Ponto, ou simples
(.), ou de Interrogação ( ?), ou de Exclamação ( !).

A Cadencia ou tom e inflexão da voz póde servir
de uma regra segura, para cada qual acertar na
pontuação, quando escreve ; para o que observe-se
o seguinte. Quando alguem escrever, supponha
que está fallando, e ponha virgula naquelles logares,
em que faria uma pequena pausa, levantando
muito pouco a voz ; e naquelles logares em que faria
uma pausa maior, abaixando ao mesmo tempo a
voz, escreva ponto e virgula, se o sentido não estiver
acabado ; e se o estiver, escreva ponto final.
Se fizer alguma pergunta, escreva ponto de interrogação,
como : Que fazes tu aí ? Se se admirar de
alguma cousa, ou exclamar, escreva ponto de exclamação,
como : Oh tempos ! Oh costumes !

O expendido na Regra antecedente é bastante
para se conseguirem todos os fins da Pontuação.
No entanto aí vão outras Regras, que só differem da
precedente, em serem mais complicadas e extensas.142

Haja um pequeno espaço em branco entre
cada palavra, como se vê nesta mesma Regra.

Devem ter virgula depois de si todos os sujeitos
de um mesmo verbo, todos os verbos de um
mesmo sujeito, todos os attributos, toda a oração
que não rege a seguinte, nem é por ella modificada,
e bem assim todos os adjectivos e substantivos
continuados. Esta Regra é o exemplo de si mesma.

Toda a oração encravada, isto é, mettida no
meio de outra sem a modificar, nem ser modificada,
deve estar entre virgulas, e tambem os vocativos,
e as orações circumstanciaes que não são pedidas
pela significação de outra palavra. Nesta mesma
Regra está o exemplo.

Quando a mesma palavra tem muitos complementos,
ponha-se virgula no fim de cada um, como :
Pedro estudou Grammatica, Philosophia, e Rhetorica.

Na construcção transposta, as palavras que se
mettem no meio das que devião estar unidas
, devem
ter no fim uma virgula, excepto quando a interrupção
é produzida por uma só palavra, ou por
uma muito breve circumstancia. Esta mesma Regra
serve de exemplo.

Antes das conjuncções e, nem, ou, como, que, e
outras similhantes, só se põe virgula, quando as
palavras e orações que ellas atão, excedem a medida
de uma pausa ordinaria ; quando porém as
palavras e orações são curtas e simples, as mesmas
conjuncções supprem as virgulas, que dividirião
os differentes sentidos parciaes. Esta regra
serve de exemplo.

Duas proposições totaes incomplexas devem
ser apartadas só com virgula, como : Se não tivessemos
defeitos, não gostariamos tanto
de os notar nos
outros.

Porém deve ser apartadas com ponto e virgula
duas proposições totaes, dependentes uma da
143outra, e compostas de varias orações parciaes ; e
assim cada proposição total ficará com as parciaes
que lhe pertencem. Esta mesma Regra serve de
exemplo.

Tambem se usa de ponto e virgula, quando se
faz enumeração de muitas cousas oppostas ou differentes,
que se vão contando ou comparando duas
a duas, como : Não havia uma lei em Roma, outra em
Atenas ; uma hoje, outra amanhã. Se na vida seguirdes
a opinião, nunca sereis rico ; se a conformáreis com
á natureza nunca sereis pobre. Destruio casas, e templos ;
o sagrado, e o profano ; o seu, e o alheio
.

Em fim, usa-se de ponto e virgula, sempre que
o pensamento total de um periodo se acha dividido
em muitos sentidos parciaes, por meio de orações
totaes com suas dependencias ; mas isto é no
caso da primeira e segunda divisão não estarem
subordinadas a uma terceira ; porque se o estiverem,
esta terceira divisão será notada com dois
pontos, como ensina a Regra seguinte, que é um
resumo de todos os preceitos da Pontuação.

Assim como quando em um periodo ha uma
unica divisão de orações simples, esta se nota com
virgula ; mas quando se passa a uma segunda divisão
de membros compostos de varias orações,
esta já se deve marcar com ponto e virgula : assim
tambem quando succede haver uma terceira divisão
das duas partes principaes do periodo, chamadas
antecedente e consequente, que comprehendem
em si varios membros ; esta não pode ser
marcada senão com dois pontos, para se vêr que
ella é a divisão mestra e principal do sentido total,
á qual todas as mais ficão subordinadas. Esta
Regra é o exemplo de si mesma.

Uma serie de maximas ou de verdades, relativas
ao mesmo objecto, costumão ser apartadas
com dois pontos, como : Usando-se geralmente da
Orthographia da pronunciação, todos saberão ler : muitos
144escreverão certo : e o resto escreverá com menos erros
do que até agora
.

Tambem é costume pôr dois pontos no fim da
oração, que annuncia que se vão referir palavras
de outrem, como : S. Paulo diz : A fé sem obras é
morta
.

Todo o sentido perfeito e grammaticalmente
independente de outro, ou conste de uma só oração
ou de muitas, deve ser notado com ponto final.
Esta mesma Regra serve de exemplo.

A oração em que se pergunta alguma cousa,
deve ter no fim um ponto de interrogação, como :
Que fazes tu aí ?

A oração que exprime exclamação, deve ser
notada com ponto de exclamação ou admiração,
que é o mesmo, como : Ah feliz de ti ! Quando a
frase interrogativa, ou exclamativa é um pouco extensa,
costumão alguns pôr no principio della ou
no fim o ponto, para logo desde o principio se ler
com o tom proprio, como : ¿Não foi Scipião aborrecido
do seo mesmo povo Romano ?

§ V.
De mais alguns signaes da escriptura.

Ao que fica dito sobre os outros signaes da escriptura
a pag. 16 a 19 accrescentamos que a Parenthese,
isto é, Interposição é indicada por dois
semicirculos oppostos, dentro dos quaes estão algumas
palavras que interrompem o sentido da oração, dentro
da qual está a Parenthese, como : Todas
as Cidades
(não fallando em Numancia) se renderão
a Scipião
. Quando a Parenthese é pequena, basta
pôr entre virgulas as palavras que interrompem o
sentido.

Quando pela figura Methatese se transforma em
l o s ou r final de uma palavra, e se lhe ajunta o
145artigo, o signal de União (-) deve estar entre o l e,
o artigo, porque o l está substituindo o r ou s
final.

Em quanto ao Apostropho ou Viracento (’), este
signal pouco ou nenhum logar deve ter na prosa.
Escreveremos neste, mo, daí, dantes, &c., e não n’este,
m’o, d’aí, d’antes
, &c. Em quanto ao mais, na
leitura faremos as Synalephas, sem ser preciso o
signal della, porque desfigura a belleza da escriptura.

Quando alguem escrever alguma obra para ser
impressa, notará com uma risca por baixo aquellas
palavras que devem ser imprimidas em gripho,
como são os discursos, os exemplos, e aquellas palavras,
sobre as quaes pretender fixar mais a attenção
dos Leitores, como, por exemplo : Ninguem
se persuada de que póde ser bastantemente profundo em
matéria alguma, estudando só por Compendios
.

Fim.146

1(1) Arte é um systema, rasoado de operações proprias
a produzir um effeito importante á vida, e que se não podia
esperar da natureza só.

Lingua é todo o systema do signaes que directamente
manifestão o pensamento. Esta definição comprehende a
linguagem articulada e a linguagem da acção.

Referindo-nos porém á linguagem articulada, Lingua
é a collecção de vocabulos de que usa qualquer nação
.

A linguagem da acção consiste nos gestos, movimentos
do rosto, e sons inarticulados.

Uma lingua deve ser facil, para que seja entendida dos
ignorantes e dos sabios. Mas para que uma Lingua seja
bem feita e facil, deverá ser clara, precisa ou resumida, rica,
e fundada na origem
e geração das idéas.

2(2) Vozes ou Sons Vogaes são os differentes sons que
se formão por impulso da voz, modificada pelas differentes
aberturas do canal da bocca, sem concorrencia de suas partes
moveis. O canal da bocca póde ser modificado em differentes
pontos, desde sua extremidade interior até a exterior.
Daqui procede a variedade de vozes nas linguas
das nações.

Não ha som algum medio entre o e surdo e o i, entre
o o e o u. Na palavra Cear (comer) ouve-se distinctamente
o som i, mas escreve-se com e por causa da derivação.
Em Soar (fazer som) e Suar (ter suor), o som u não pode
ser mais claro ; e se na primeira se escreve o, e na segunda
u, é pela razão já dita. Não ha portanto esses sons ambiguos
ou surdos ; onde pode haver ambiguidade ou duvida
é na representação litteral desses sons, para nos conformarmos
ou com a derivação, ou com o uso. Os que admittem
aquelles sons ambiguos, confundem os sons com os caracteres
que os represeatão.

Parece-nos que um distincto Grammatico não tem razão
em dizer (a pag. 10 da sua Grammatica) que o u ainda
quando é surdo sempre tem um som mais agudo que o
o surdo.
Ninguem sabe o que é nem o surdo, nem u surdo.
Quem será capaz de pronunciar um o surdo ? A voz de
todos nós pronuncia ó, ô ; e quando desce deste segundo
som, necessariamente pronuncia u, som que nunca é surdo,
nem o i, como reconhece o mesmo Autor, quando diz
na pagina antecedente que o u nunca muda de som, senão
quando se torna nasal
. Por isto e tambem por cauza da derivação
nos parece que o dito Grammatico não tem fundamento
para não approvar que se escreva Mingua, Agua,
Lingua, Deus
, &c. com u. Se os Latinos escrevem Deo no
dativo do singular, e Deorum no genitivo do plural, não é
por conservarem o o do Grego Theos, como quer o dito Autor :
mas sim pela mesma razão, porque escrevem servo,
sevorum
, &c, isto é, por ser um nome substantivo, pertencente
á segunda declinação.

Parece-nos tanbem que é, ó, nunca são breves, mas
longos, ainda menos que é ô. Não sabemos porque o mesmo
Autor diz que á é são longos, e é ó breves. Todas essas
vozes são longas ; são contracções dos dois aa, dois ee, dois
oo, com que nossos antigos escrevião.

As vozes ã ẽ ῖ õ ũ são os Sons Nasaes claros ; porem os
Sons Vogaes adquirem um som Nasal menos sensivel, quando
são seguidos das consoantes m, n, nh, como : Ama, Anna
Sanha, Temo, Penna, Tenha, Vinho, Somno, Cunha
, &c.

3(3) Consoantes são os differentes sons, que se fórmão
pelo impulso de voz, modificada pelas partes moveis da bocca.
Estas partes moveis são a lingua, os dentes e os beiços.

Costumão os Grammaticos minuciosos dividir os Sons
Consoantes em muitas classes. Não perderemos o tempo
com isso, porque de nada serve nem para a boa pronunciação,
nem para a boa escriptura. A verdadeira differença
que ha entre os sons vogaes e os consoantes é que todos
os sons vogaes são prolongaveis, e se podem cantar ; dos
consoantes porem nenhum se pode cantar ou modular, e
são prolongaveis v, f, s ç, z, s x ch, j, g, z, r, rr que por
isso se chamão semivogaes. As outras são mudas, porque
se não podem prolongar. Chamão-se liquidas o l, o r, e
o s quando não tem vogal diante, porque se associão bem
com as letras consoantes na formação das syllabas. Consoantes
duples ou dobradas só temos o x, quando o pronunciamos
á Latina.

Os Sons Vogaes e os Consoantes são sons simples,
quer se escrevão com uma letra só, como : a, b ; quer se representem
com duas, como : am, lh.

Letra é um signal litteral que representa um som articulado.
O h não é letra, porque não representa som algum.

4(4) Nos dithongos da nossa Lingua predomina a prepositiva,
isto é, a primeira vogal. Porem nos Dithongos Oraes,
ua, ue, ui, a segunda é predominante, como : Qual, Equestre,
Liquidar
 ; e tambem nos Dithongos Nasaes uan, uen,
uim, uin
, como : Quanto, Eloquencia, Ruim, Ruindade, Quinquagesimo
&c. Tudo isto são Dithongos, porque são sons
compostos de dois sons vogaes, pronunciados de uma só
emissão de voz.

Tambem não é exacto um illustrado e mui, distincto
Philologo quando diz que nos Dithongos Nasaes a primeira
vogal sempre é nasal, excepto sendo i a segunda : pois
nós acabamos de ver que nos Dithongos Nasaes uan, uen,
a nasal é a segunda vogal ; mas o Autor não se lembrou
destes Dithongos.

Não são Dithongos as syllabas ôa, ôo, ua, como Tôa
Vôo, Equuleo
. porque em cada uma das duas primeiras ha
duas syllabas bem distinctas, e na terceira só se percebe o
som u longo ; e não dois sons vogaes, muito embora estejão
escriptos ; pois o que faz Dithongos é a voz, e não as letras,
as quaes muitas vezes não pronunciamos, porque
servem não para representar algum som no uso vivo da
lingua, mas sim a origem e derivação do vocabulo escripto.
Pelo contrario, quando lemos, muitas vezes pronuuciamos
sons que não estão escriptos, como succede no presente
caso em ôa e ôo, como Tôa, Vôo &, que todos pronuncião
Toua, Vouo, isto é, duas syllabas, o Dithongo ou e uma vogal,
embora ordene o uso que se escreva o Dithongo, ou
com a vogal ô, incapaz de o representar, não obstante a errada
opinião de alguns Grammaticos. Acontece o mesmo
nas duas syllabas éa, quando se escrevem assim em Idéa,
Cea &, que todos pronuncião Ideia, e assim o escrevem
muitos. Pelo que temos dicto, se prova que óa, óo tem duas
syllabas, e que a primeira nunca se une á segunda para
ambas formarem Dithongo, isto é, um som composto de dois.
Mas se fosse possivel unil-as, farião não um Dithongo, mas
um Trithongo, materia de que logo fallaremos. Para tornar
evidente o que temos dicto bastarião as rasões expendidas
e o testemunho do ouvido de cada um, mas provemol-o
tambem com a Poesia.

A cortadora prôa, que rasgava (Garção, Ode á restauração
da Arcadia).

Tão alto vôa tanto resplandece (Diniz, Ode a Vasco da
Gama).

E os ares vai trabalhando a vôo solto (idem).

Nestes versos e em centos delles que poderamos apontar,
ôa tem duas syllabas, ôo tanbem. Se alguns Poetas
pela liberdade que tomárão, uma vez ou outra fizerão o
contrario, taes versos, por lhes sobejar uma syllaba e temerem
comprimento de mais, escandalizão o ouvido, que
tanto se deleita em ouvir os outros.

Iem, como Liem, Chiem, ũa como Hũa, Algũa (que hoje
se escreve Uma, Alguma) não são Dithongos Nasaes,
mas duas syllabas ; porque as duas vogaes não se pronuncião
de uma só emissão ou impulso ; pois o orgão da voz faz dois
movimentos bem distinctos para os pronunciar em dois
tempos. Vejamos alguns versos.

Que nunca culpa algũa la chegou.
Hũa Virgem, signal dado na ley.
(Sá de Miranda, Canção á Festa da Annunciação.

A este respeito dizemos o mesmo que fica dicto sobre
ôa e óo.

Nenhuma differença percebemos no som de Põe, quando
é terceira pessoa do singular do verbo Por, e quando
é terceira do plural. Para se fazer essa differença é necessaria
uma pronunciação forçada e affectada. Portanto
não admittimos esse Dithongo duplicado, que não existe ;
pois é somente um Dithongo Nazal, e nada mais. Até nos
parece escusado escrever Põem, para na escriptura o distinguirmos
do singular, porque o sentido do discurso o dará
a conhecer, assim como o dá quando alguem fala.

Também nos parece que ea, eo, ia, como em Lactea,
Lacteo, Gloria
, e noutros vocabulos similhantes, não são Dithongos,
mas duas syllabas, ambas muito breves, que por
isso os Poetas sempre fazem dellas uma só, para que o verso
não fique froxo e languido. Fazem elles isto com a mesma
liberdade, com que muitas vezes ajunctão em uma syllaba
as duas primeiras de Theatro, Fiança, Suave, &. É
erro confundir a voz ó com o Dithougo ou, porque a pronunciação
é muito differente, como se vê em ôsso (de animal)
e ouço do verbo ouvir.

Na sua Grammatica, o mesmo Autor de quem temos falado,
diz que são Trithongos éa ou eia, eão, e ião verbo e terminação,
não só na poesia, mas tambem na prosa. Diz mais
que a prova é o escrever-se indistinctamente por é e por ei.
Esta prova que o Autor dá, mostra bem que elle confundio
aqui o som com sua representação litteral. Que importa
que se escreva Area, Idea & com é, se todos nós ouvimos o
Dithongo ei e a voz a, isto é, duas syllabas distinctas, como
se escrevessemos Arei-a, Idei-a ? O testemunho dos ouvidos
de todos depõe contra a existencia de taes Trithongos. O
mesmo Autor reconheceo que em Idéa ou Ideia não ha
Trithongo, mas que éa ou eia são duas syllabas ; pois no paragrapho
antecedente áquelle, em que tracta dos Trithongos
(pag. 47), diz que em arêa ou areia, êa ou eia são duas
syllabas. Ora se o são em arêa, por que o não são em ideia,
veia, teia, eia
interjeição & ? Trithongo seria um som composto
de tres sons vogaes, pronunciados todos por um só
impulso da voz ; seria uma syllaba composta de tres sons
vogaes ; mas éa ou eia tem duas syllabas, por que se pronuncia
em dois tempos com dois impulsos da voz, e portanto
não é Trithongo. O que dissemos de eia ou éa, dizemos
tambem de eio, eie, eiem, eão, ião, como em Premeio,
Premeie, Premeiem, & ; pois nenhum é Trithongo, mas cada
um tem duas syllabas, não só na prosa, mas tambem na
poesia
. Para os menos versados na leitura dos Poetas, pomos
aqui alguns versos para exemplo.

As castas Musas cheias d’alta gloria (Garção, Ode aos
annos de D. Leonor d’Almeida).

Da fêa tempestade (O mesmo à Restauração da Arcadia.)

Mas que furor se atêa no meo peito (Francisco Manoel,
Ode aos Cavalheiros de Christo :)

A’ lua Cheia não faria agora (idem).

Ceas imigas da vida (Sá de Miranda, Carta a Antonio
Pereira.)

Jazerião no tumulo (Garção, Ode Alcaica a Manoel Pereira
de Faria.)

No calcanhar tangião castanhetas (idem, Soneto 80.)

Asseada escriptura e ideia nobre (Francisco Manoel,
Epistola da Ling. Port. e Arte Poetica.)

Não é possivel fazer daquellas duas syllabas uma só.
O poeta que o pretender, nunca o hade conseguir, e seus
versos, por excessivamente compridos, molestarão os ouvidos.

Eis-ai pois os Dithongos Oraes, em que predomina a
primeira vogal : ai, au, ei, éo, êo, io, oi, ói, ou, ui, como : Fui
&c, nos seguintes predomina a segunda : ua, ue, ui, uo,
como : Quatro, Equestre, Equidade, Equoreo. Os Nasaes em
que a primeira vogal é predominante, são estes : ãi, ão, õe,
quer se escreva assim, quer de outro modo. Nos seguintes
domina a segunda vogal que é a nasal : uan, uen, uim,
uin
, como : Quando, Eloquencia, Ruim, Ruindade, Quinquagesima.

5(5) Esta proporção não é exacta, pois nella suppomos
as breves todas iguaes, e bem assim as longas quando na
verdade ha syllabas breves mais breves que outras, e longas
mais longas que outras ; é por isso que quando dizemos que
as longas estão para as breves em razão dupla, não levamos
em conta os quebrados, nem isso é possível.

6(6) Amamos primeira pessoa do plural do presente e do
preterito do Indicativo do verbo Amar (e o mesmo é em todos
os da 1.ª conjugação) tem a mesma pronunciação no presente
e no preterito, assim como a tem os verbos na 2ª e 3.ª conjugação,
como : Defendemos, Unimos. O sentido do discurso,
pronunciado ou escripto, é quem dá a conhecer se é presente
ou preterito. Para dar á segunda syllaba do preterito (ma) um
som mais agudo, a fim de o distinguir. do presente, é necessario
violentar o orgão da voz, do que resultaria uma pronunciação
dura, affectada, e estranha ao uso da Lingua.

7(7) Parece que o a, os as, na relação de complemento
objectivo, e tambem quando representa o sujeito ou o attributo
de uma proposição antecedente, é um demonstrativo relativo ;
porque sempre está só na proposição em logar de um
nome antecedente, cujas vezes faz, representando-o, para
evitar repetições, com que o discurso ficaria desagradavel,
como : Filho, sê temente a Deus, e lembra-te sempre de o amar,
ou de amal-o de todo o coração. Em ambos estes exemplos, o
está em lugar do nome de Deus, e é complemento objectivo.
Note-se porem que o antes de amar é a mesmissima cousa, e
exprime a mesma idéa que depois do verbo (de o amar, e de
amal o), e que no emtanto depois de amar se lhe põe l, e antes
não ; porque dizendo-se de o amar, a pronunciação fica suave
e agradavel ; mas se dicer-mos de amar-o, o som ficará ingrato
e estranho. Portanto è so por euphonia que o r se muda em l,
e que succede o mesmo quando o verbo acaba em s ou z. Eis-ai
pois as razões que nos movem a dizer que lo la não é a contracção
de Ello, terminação antiquada de Elle Ella, a qual
desappareceo inteiramente do uso da Lingua. Se lo la fosse
contracção de Ello, seria necessario admittir o absurdo de
los las ser a contracção de Ellos. Em todas as orações similhantes
ás duas acima o a, os as, está só na relação de complemento
objectivo, usado em lugar de elle ella, elles ellas.
Por isso Grammaticos mui distinctos dizem que é um caso
de Elle Ella, Elles Ellas, no que não ha inconveniente algum.

Este Demonstrativo não tem incluido em si o nosso artigo
o a, os as ; porque se os Latinos carecem do nosso artigo definido
como pode elle estar incluido em Elle Ella Ello, Elles
Ellas
, que é o Latino Ille Illa Illud, que o não tem ?

O a, os as, quando serve de complemento objectivo, muitas
vezes, pόde concordar com seu antecedente como : Dei
principio á obra, e espero concluil- a
, isto é, concluir a obra.
Por isso dizem alguns Grammaticos que nestes casos o a, os as
é o artigo, a que se dá uso pronominal. Cada qual siga o que
lhe parecer mais conforme á natureza do artigo, o qual é destinado
para dar um caracter individual ao nome commum.
Em algumas orações é necessario usar de expressões forçadas
para dar á terminação o alguma palavra, com que possa concordar.
Isto succede quando a dita terminação está representando
o sujeito ou attributo de uma proposição antecedente,
como : Ha verdades que á nós o não parecem, mas nem
porisso deixão de o ser
. As feias, nem por o serem, deixão de
agradar
. Os Grammaticos dizem que o concorda com o verbo
ser, e violentão a expressão deste modo : Ha verdades que a nós
não parecem
o serem verdades, mas nem porisso deixão de
ser o serem verdades. As feias nem por serem o ser feias &c.
Um distincto Grammatico diz que neste exemplo o concorda
com facto da fealdade, como se dicessemos : As feias, nem por
serem o facto da fealdade &. Tudo isto é contrafeito e forçado,
porque ali a terminação o está para representar uma idéa e
não para concordar com palavra alguma.

Pela mesma razão de euphonia mudão o r em l as preposições
Per e Por, quando se lhe segue o artigo definido, como :
Pela rua, Polo amor de Deus. Não haja susto de que se equivoque
Polo quando é preposição, com Pô-lo quando é verbo ;
porque o sentido e o accento que se costuma pôr neste, o
darão bem a conhecer. E’ erro chamar pronome ao artigo
definido, quando se ajunta ás preposições Per e Por, se elle
não está posto em logar de um nome antecedente, como : Dar
esmola polo
ou pelo amor de Deos : o artigo concorda com amor,
como se dicessemos : Per a rua, Por o amor de Deus. Se neste
logar lo la não é contracção de Ello (pois não é pronome), por
que o ha de ser nos casos a cima ? E’ portanto muito exacto
escrever Amal-o, Temel-o &c, porque lo la não é contracção
de Ello ; mas o l, nos casos apontados, se admitte só por euphonia ;
razão por que João de Barros escrevia Todalas cousas, &c.
Por este motivo mesmo de maior suavidade e facilidade da
pronunciação, se costuma pôr o som n entre as terceiras pessoas
do plural dos verbos e o artigo, quando este se lhes segue
immediatamente como : Louvão-no, Amão-na, &c. em
lugar de Louvão-o, Amão-a, &c.

8(1) Juizo é a percepção da relação de conveniencia ou
repugnancia entre duas idéas. Idéa é o resultado da acção
d’alma sobre um sentimento unico. Proposição é um juizo
enunciado. A esta definição equivale exactamente a que
démos a cima. Na Syntaxe daremos o devido desenvolvimento
a esta materia.

9(2) Como em toda a natureza ha unicamente substancias,
qualidades
, e relações, tanbem no pensamento ha só idéas de
substancias, de qualidades, e percepção das relações, ou de conveniencia,
ou de determinação, ou de nexo e ordem entre as
mesmas idéas ; e sendo as palavras signaes de nossas idéas e
pensamentos, segue-se que em toda e qualquer Lingua ha
sómente cinco especies de palavras, correspondentes á analyse
que fizemos do pensamento : porisso com os Nomes Substantivos
significamos as substancias ; com os Adjectivos as qualidades ;
com o Verbo Substantivo as relações de conveniencia ;
com as Preposições as de determinação ; e com as Conjuncções
as de. nexo e ordem.

Por esta classificação dos Elementos da proposição bem se
deixa vêr que incluimos os Artigos, os Pronomes, e os Participios
nos Adjectivos. Os Verbos adjectivos, como são a concentração
de um attributo com o Verbo substantivo em uma
só palavra, já estão classificados : e bem assim os Adverbios,
por equivalerem a uma preposição com seu complemento.

Estas differentes especies de palavras tem sim logar
quando expomos miudamente nossas idéas : mas se as enunciamos
junctas e em confusão, como succede ordinariamente,
se nosso espirito está occupado de alguma paixão violenta,
nestes casos nos exprimimos com Interjeições, outra especie
de palavras, equivalente a todas as cinco, e por isso mesmo
a um discurso, em que expozessemos pelo miúdo os sentimentos
de que o espirito está occupado. Com a Interjeição
vem a ser seis as classes das palavras, que podem entrar no
discurso. Estas ainda que em differentes Povos variem no
material dos sons, não podem deixar de ser a pintura do
pensamento, de representar as mesmas idéas e as mesmas
relações, e por consequencia de ser as mesmas em todas as
Linguas, assim cultas, como selvagens, antigas e modernas.

Os termos Nome Substantivo, Adjectivo, &c. são invenções
dos Grammaticos, é verdade ; porem invenções necessarias
para dar um nome a cada uma das differentes classes de palavras,
correspondentes ás differentes especies de idéas que ha
no pensamento. No exercicio de suas operações o espirito humano
foi sempre dirigido pelas mesmas leis, em todos os tempos,
e em todas as partes da terra. Por tanto, sempre houve e
sempre hade haver differença entre nossas idéas, por que são
disimilhantes os sentimentos que affectão a alma. Se as idéas
são differentes, são necessarios signaes que as enunciem de
modo que se perceba sua difierença, ou porque as palavras sejão
disimilhantes ; ou pelo logar que occupão no discurso ; ou
porque tenhão soffrido alguma alteração ou modificação, &c. :
numa palavra, sempre houve nas Linguas palavras essencialmente
differentes. Ainda que um vocabulo seja o mesmo quanto
ao seu material, isto é, quanto ao som e aos caracteres com
que se escreve ; é todavia muito diverso, quando é signal de
idéas differentes. Não attender a isto seria confundir o physico
dos vocabulos com o que elles tem de logico e espiritual,
como signaes de nossas idéas. Se houve em algum tempo
uma expressão equivalente a esta Caranoite ; noite seria
um adjectivo, porque enuncia essa mesma idéa, a qual hoje
se exprime por escura ou negra. Quando head em Inglez significa
cabeça, chefe, &c. é um nome substantivo, quando significa
superior, é adjectivo, quando significa governar, é verbo ; mas
quando é nome, não é verbo, e vice versa. A nossa lingua é
muito abundante de vocabulos, que no material são o mesmo,
porem que tem muita differença segundo as idéas que exprimem :
por exemplo : Tinha, Capa, Rio são nomes e verbos :
Entre é verbo e preposição. Quem dirá que um verbo é o
mesmo que uma preposição ? Em fim, para dizer que não ha
distincção essencial entre as diversas palavras que compõe
as Linguas, é necessario provar primeiro que não ha distincção
essencial entre as idéas.

10(3) Os Nomes proprios enuncião Idéas singulares, porque
idéa singular é a que tem por objecto um só individuo, isto
é uma só pessoa ou cousa.

Divide-se o Substantivo Appellativo em Universal, e Parcial, e
Modal. O Universal ou Geral exprime a reunião das
qualidades essenciaes e communs a muitos individuos, e
comprehende tambem em sua significação esses mesmos
individuos ; e por isso equivale a todos os adjectivos necessarios
para nomear essas qualidades. Estes Substantivos são
signaes de idéas geraes compostas e abstractas, e são nomes
de classes que arranjão os individuos debaixo de certos generos
e especies ; não só por não ser possivel dar um nome a
cada um ; mas tambem porque esses nomes proprios serião
inuteis para o raciocinio, pois este depende inteiramente dos
nomes de classes, isto é, das idéas geraes.

As Idéas Geraes se formão quando nosso espirito abstrahe
de muitos individuos ou idéas singulares, e reune em uma só
palavra
, as qualidades e propriedades commus a todos elles,
sem fazer caso do que é particular a cada um. Estas idéas
tornão a ser individuaes, quando se nos apresenta um desses
individuos ; porisso os Substantivos Appellativos que as representão
são nomes individuaes, quando são applicados a significar
um individuo, como : Este Livro, Essa Casa, Aquella Rua &c.

Substantivo Parciaes e Modaes são os que significão de
um modo abstracto uma qualidade só, porem commum a
muitos individuos, como : Brancûra, Solidez, Amizade, Prudencia
&c. Estes Substantivos são signaes de idéas abstractas ;
porque Idéa Abstracta é a que se forma quando o espirito
considera como separado o que na natureza está unido. São
estas as cousas que subsistem per si no nosso modo de as conceber.
Porisso quando um nome significar uma qualidade,
porem de um modo abstracto, será um Substantivo, como :
Brancûra ; mas quando significar uma qualidade de um modo
concreto, isto é, unida á substancia, como está na natureza,
será um Adjectivo, como Papel Branco.
Substancia é tudo aquillo que subsiste per si mesmo na
natureza : ou ; Substancia é aquillo que no ente está sujeito ás
modificações, e suporta as propriedades. Modos são as maneiras
de existir das substancias, ou as qualidades que percebemos
nas cousas.

11(4) Quando se diz os Scipiões, os Albuquerques, é porque
estes nomes de proprios se fazem communs por meio do artigo
como se dicessemos : os Conquistadores como Albuquerque
&c
.

12(5) Também se diz os Teres, os Haveres, os Nortes, Ouros,
Pratas &c
. ; mas estas palavras nestes casos estão em um sentido
differente do da regra acima.

13(6) Adjectivo é um nome que se ajuncta ao substantivo,
ou para o explicar e desenvolver, ou para o restringir, isto
é, para lhe accrescentar alguma idéa, e limital-o assim a menor
numero de individuos ; ou para o determinar. A nenhuma
outra especie de palavras convem esta definição ; pois se o
adverbio se ajuncta ao sentido do nome, o que se segue dai
é que nisso convem o adjectivo com o adverbio ; nem isso
admira, em razão de haver entre muitos objectos umas propriedades
que os fazem similhantes, e outras que os tornão
differentes ; como se observa no Adjectivo, que pelas funcções
que exerce na oração, muito bem se distingue das outras
especies de palavras. Portanto a denominação do Adjectivo
não é vaga, pois um termo a que está ligado um certo numero
de idéas, que não convem a algum outro elemento da
proposição. Ainda se não ensinou que o Adjectivo accrescenta
sempre uma idéa ás que já tem o substantivo ; nem a significação
de accrescentar novas idéas está necessariamente ligada
ao termo Adjectivo. Diz se, e sempre se dice que o Adjectivo é
um nome que se ajuncta a outro para os fins acima dictos Ora
isto sempre acontece, ou o Adjectivo signifique uma das idéas
incluidas na idéa geral do Appellativo, para o explicar, ou
lhe accrescente alguma idéa para o limitar e restingir. Portanto
o termo Adjectivo nem vago, nem incorrecto. O termo
de designativo, com que se pertendeo substituir o de Adjectivo,
convem a todas as palavras ; porque todas ellas designão,
todas indicão, todas significão. No sentido de attibuto, não
convem aos Adjectivos Determinativos, pois estes não exprimem
qualidades. E’ pois evidente que não há necessidade
de admittir na Grammatica as denominações de designativo,
abstractivo, e disjunctivo
, porque nada inteiramente adiantão
nossos conhecimentos, nem são mais proprios do que os termos
mos de Adjectivo Explicativo e Restrictivo, que desde tempo
immemorial estão de posse de suas idéas, que são por elles
muito bem enunciadas. Quando o Adjectivo significa uma
qualidade das incluidas no substantivo, é muito claro, e muito
exacto chamar-lhe Explicativo, porque o explica ; quando lhe
accrescenta uma idéa para o restringir a menor numero de
individuos, assenta-lhe exactamente o nome de Restritivo.

A divisão dos Adjectivos em tres classes funda-se nas
seguintes razões. O Adjectivo serve para modificar o substantivo,
e porisso quantas forem estas modificações tantas deverão
ser as especies de Adjectivos. Como os appellativos são
signaes de idéas geraes (vide pag. 22 not.3), segue-se que
o nome appellativo se póde tomar ou quanto á sua Compreensão
isto é, quanto ás qualidades e propriedades, nelle
reunidas, ou quanto á sua extensão, isto é, quanto aos individuos
que elle comprehende em sua significação. Considerado
do primeiro modo, póde ser modificado ou por Adjectivos
que os expliquem, significando alguma das propriedades
que elle encerra ; ou por Adjectivos que lhes accrescentem
outras, para os restringir com um maior numero de idéas
a um menor de individuos. Os Adjectivos que explicão, são
Explicativos ; os que restringem, são Restrictivos. Tomado o
appellativo do segundo modo, póde ser determinado a comprehender
ou todos os individuos da sua classe, ou só parte
delles. Estes Adjectivos que determinão, são Determinativos,
como : Todo o homem é racional, Alguns homens são prudentes.
Todo e Alguns são Determinativos : Racional é Explicativo ;
Prudente Restritivo : Os substantivos não podem ser modificados
senão por algum dos tres modos acima ; portanto não
pode haver mais que tres especies de adjectivos.

14(7) Pedro da-me os livros, é manifesto que o artigo não
é que restringe a significação do nome livros ; da-lhe sim um
caracter individual, comprehensivo de todos os individuos
da classe, e quem limita esta extensão individual é uma circumstancia
restrictiva, que se entende do sentido de quem
falla, como : Os livros que te emprestei, ou outra qualquer.

15(8) Expliquemos estes casos. Me quer dizer a mim e ás
vezes em mim, como : Deo-me um livro, isto é, Deo a mim um
livro : Deo-me pancadas
, isto é, Deo pancadas em mim. Mim
sempre tem antes de si uma preposição, como : de mim, a
mim, por mim
&c. Migo sempre tem anteposta a preposição
com, deste modo : Commigo. O que se dice de Me, mim, migo,
se applique a Te, ti, tigo.

Nós, quando não é sujeito, leva preposição antes de si,
como : de nós, a nós, por nós &c. Nos quer dizer a nós, e ás
vezes, em nós como : Deo-nos um livro, isto é, Deo a nós um
livro : Deo-nos pancadas
, isto é, Deo pancadas em nós. Nosco
está sempre unido á preposição com, deste modo : Comnosco.
O que fica dicto de Nós, nos, nosco, se applique a Vós, vos, vosco.

Elle, quando não é sujeito, pόde ser complemento de
varias preposições. Lhe, lhes, querem dizer a elle ou a ella,
a elles ou elas, e ás vezes, nelle nella, nelles nellas, e sempre
é complemento termenativo, como : Deo-lhe um livro, isto é,
Deo
a elle um livro : Deo-lhe pancadas, isto é, Deo pancadas
nelle. O a, os as, significa a elle, a ella, a elles, a ellas, e sempre
é complemento objectivo, como : Abri o livro e li-o todo, isto
é, li a elle todo. Estes dois casos de Elle sempre são relativos.
(vid not. 7, pag. 24). Se quer dizer a si, como : Pedro
ferio-se
, isto é, Pedro ferio a si. Sigo leva antes a preposição
com, deste modo : comsigo. Si não póde enunciar as relações
de sujeito, nem de vocativo ; assim como Eu, Nós, Elle a de
vocativo, pois não se póde dizer ó si, ó eu, ó elle. Eu e Tu
não tem Plural : Nós e Vós não tem singular. Um nosso Classico
dice : Em mim ha dois eus &c. ; isto porem é tomando eu
noutro sentido. Os Grammaticos chamão pronomes a estes
demonstrativos ; porem esta denominação de pronome é muito
vaga ; por que há palavras que se põe em lugar do nome, e
com tudo não são pronomes.

Meu minha, meus minhas, significa de mim ou pertencente
a mim, como : meu livro, isto é, livro de mim, ou, que
me pertence
. Teu tua, teus tuas, é o mesmo que de ti, ou que
te pertence, como : teu livro, isto é, livro de ti, ou que te pertence.
Nosso nossa, nossos nossas quer dizer de nós, ou que nos
é proprio &c. como : nosso livro, isto é, livro de nós, ou que
nos pertence. Vosso vossa, vossos vossas, significa de vós, &c.
Seu sua, seus suas (nunca significa de si) quer dizer delle della,
delles dellas
, ou que pertence a elle, a ella &c. como : seu livro,
isto é, livro delle &c. Todos estes demonstrativos se chamão
tambem possessivos.

Meu amor significa o amor que eu sinto : amor de mim é
o amor que outrem me tem. Saudades tuas significa as saudades
que tenho de ti : tuas saudades são as que tu tens de outrem :
saudades minhas significa saudades de mim : e minhas
saudades
as que tenho de outra pessoa. O mesmo é nas outras
expressões similhantes, por exemplo : minha pena, e, pena de
mim : teu medo
, e, medo de ti. &c.

16(9) Estes Demonstrativos servem quando se falla de um
objecto presente, pois fallando-se de dois, usa-se de Estoutro
Estoutra, Estoutros Estoutras ; Essoutro Essoutra, Essoutros,
Essoutras ; Aquelloutro Aquelloutra, Aquelloutros Aquelloutras
 ;
compostos de Este e outro &c., como : Aquella casa, e aquelloutra
são bem antigas.

17(10) Note-se que sempre tomamos o termo neutro no
sentido restricto
, isto é, nem um, nem outro genero pois não
admittimos genero neutro na nossa Lingua.

18(11) Ha outro qual differente dos antecedentes, e designa
pessoas ou cousas indeterminadas, e pode ser substituido
por este, aquelle, um, outro, como : Todos tem amor proprio
qual mais, qual menos
 ; é o mesmo que dizer, uns mais,
outros menos
. Nestes versos :

« Qual do cavallo vόa que não desce ;
Qual do cavallo em terra dando geme. »

O primeiro Qual póde ser substituido com Este, o segundo
com Aquelle. Nos seguintes podem supprir-se com Um, Outro :

« Qual vermelhas as armas faz de brancas ;
Qual c’os penachos do elmo açouta as ancas.

Quem vem de Quem Latino, com o qual bem se parece,
e não é contracção de que homem ; assim como Alguem vem
de Aliquem, e não é contração de algum homem.

19(12) Ha quem se opponha a que os interrogativos sejão
demonstrativos Conjunctivos : nós porém somos de sentimento
de que o são. Neste exemp : Dize-me, que navios entrarão
hoje
 ? é o mesmo que : Dize-me o numero e nome dos navios
que entrárão hoje
 ? Em ambas estas Proposições se exprime
o desejo de saber, e ambas são linguagem corrente.

20(13) Os Antigos terminavão em e os adjectivos que hoje
acabão em
il breve, em az, iz, oz, e dizião : Facile, Contumace
&c.

21(14) Nisto ha variedade, porque se diz : Formosura superior,
e tambem ha quem diga : Cabra monteza. Os Antigos
dizião
 : Linguagem Portuguez, Nação Hespanhol, Vara destruidor
&c. ; porque então os adjectivos em êz, ol, e ôr tinhão
uma só terminação
.

22(15) Verbo é a palavra que anima os termos da proposição,
e que por differentes modos, tempos, e pessoas, exprime a relação
de conveniencia entre um attributo, ou modo de existir,
e um sujeito ; como : Deus é justo : O homem não é infallivel :
Applico-me ao estudo. Esta definição, que vem a ser a mesma
do texto, é fundada nos princípios seguintes. A definição
do Verbo deve tirar-se de sua natureza. O Verbo é um
dos elementos da proposição : esta é um juizo enunciado :
juizo é a percepção ou conhecimento da relação de conveniencia,
isto é, concordancia, ou discordancia entre duas
idéas. Não tem portanto um juizo, mais que dois termos
de comparação, isto é, duas idéas, uma das quaes necessariamente
é a principal, e a outra de uma propriedade ou
modificação, que nosso espirito examina se convem ou não
á principal. Conhecida sua conveniencia ou discordancia, o
juizo está feito, sem que nelle haja nem affirmação, nem negação
alguma. Façamos agora de um juizo uma proposição.
Para que uma oração tenha tudo expresso, deve ter um termo
que signifique a idéa principal ; outro que designe a idéa de
uma propriedade ou modificação ; e deve ter uma palavra que
enuncie o conhecimento da relação entre os dois termos.
o primeiro termo é o sujeito ; o segundo é o attributo. Não
é evidente que o Verbo é quem exprime a percepção da
relação entre os dois termos ? Isto é incontestável.

Ora as palavras não tem outro valor, nem outra natureza,
se não a das idéas que ellas enuncião ; logo a essencia
do Verbo está na enunciação da relação de conveniencia de
um attributo com um sujeito. Como a idéa de relação sem
dois termos é nada, inteiramente nada : segue-se que definindo-se
o Verbo, é necessario consideral-o em relação ao
attributo e ao sujeito ; pois se a idéa de relação sem dois
termos é uma quimera, o que será o Verbo sem o attributo
e o sujeito ? Porisso tem razão um abalizado Philologo para
dizer que é um erro crasso « o suppor que em uma lingua
qualquer os homens começarão por inventar um termo para
exprimir a existencia abstracta. » Mas não será outro igual
o pensar que os homens começárão por inventar palavras
que exprimissem acções, actos ou estados abstractos ? O que
é uma acção acto ou estado, sem um sujeito determinado ou
indeterminado em quem exista ? De certo que isto não he
menos quimerico do que a idéa de existencia separada dos
entes

Portanto dizer que o Verbo é o termo que exprime estado,
acto
ou acção, é o mesmo que não dizer uma só palavra,
que convenha ao Verbo : não só pelas razões expendidas, mas
tanbem porque essa definição convem sό aos attributos das
proposições ; pois estes é que significão os diversos estados,
actos, ou acções, isto é, os diversos modos de existir dos
sujeitos, porque os modos são significados por nomes que
exprimem as propriedades e modificações que nós conhecemos
nos individuos, que tem ou uma existencia real na natureza,
ou somente abstracta no pensamento. Alem disto,
um estado, acto ou acção é um modo de existir de um sujeito,
e póde envolver uma idéa composta, isto é, uma reunião de
idéas ; mas o Verbo exprime a idéa simples de relação ; logo
elle per si só não pode exprimir acção, acto ou estado.

Não se póde duvidar de que estes termos enunciem os
attributos ou modos de existir dos sujeitos ; porque no pensamento
não ha senão idéas de cousas (reaes ou abstractas),
e idéas das propriedades e modificações das cousas ; isto é ;
no pensamento ha somente idéas principaes e accessorias, e
o conhecimento das relações, que nosso espirito descobre
entre umas e outras, quando as compara e combina. Ora
ninguém dirá que os diversos estados, actos e acções, ou modos
de existir das cousas, são idéas principaes, nem tanbem conhecimentos
de relações. Logo são termos que significão
attributos, propriedades, numa palavra, modos de existir das
cousas.

Portanto os verbos que significão esses modos de existir
dos sujeitos, tem concentrados em si os termos que os significão :
Durmo, Chove, Geme, Passêa, Come &c., são orações
perfeitas. Logo se estes verbos não tem incluido em si o
atributo, uma proposição não é um juizo enunciado, ou em
um juizo não ha dois termos, e o conhecimento da relação
entre elles. Ora isto é um absurdo.

Muitas vezes exprimimos a acção de conveniencia pela
simples concordancia dos dois termos, como : Deus justo, Homem
fragil, trabalhador, agricultor, destruidor, Leão rugidor

&c. Isto mesmo nos faz conhecer o quanto é simples a
idéa que o verbo exprime, pois não é outra cousa mais do
que um mero aspecto, com que nosso espirito vê os dois
termos de um juizo.

Assim como as idéas recebem uma especie de movimento
e de vida quando o espirito humano as compara e combina
de todos os modos possiveis, para augmentar seus conhecimentos :
assim tambem o Verbo, que é signal da idéa de relação
consequencia dessas comparações, é a palavra animada,
que dá força e vida aos termos da proposição. Porisso os
Latinos lhe chamarão Verbum, a palavra por excellencia.

Se na definição do Verbo não fizemos caso da relação
de discordancia que póde haver em um juizo ; foi porque as
proposições negativas se reduzem a affirmativas, como todos
sabem ; pois a negação não modifica o Verbo mas sim o
attributto, como : O homem não é infallivel ; é o mesmo que :
O homem é não infallivel, isto é, fallivel. O verbo sempre enuncia
a relação de conveniencia de um attributo, que a negação
exclue do sujeito nas proposições negativas.

23(16) O dizermos nós que a Lingua Portugueza tem dois
verbos que enuncião a existencia, não quer dizer que os
outros a não exprimem ; notamos só que Ser e Estar a significão
de um modo muito mais expresso, por serem os de
que se usa, quando se enuncia um attibuto por uma idéa
concreta, como : Eu sou amador da virtude. Eu estou doente.
Os outros exprimem tambem a existencia de um attributo
em um sujeito ; pois que não póde haver relação de conveniencia
entre os dois termos da proposição, sem que o
segundo exista no primeiro ; mas a Lingua serve-se ordinariamente
de outros Verbos, quando enuncia os attributos por
um modo abstracto, como : Eu tenho amor á virtude : Eu amo
a virtude : Eu tenho doença. Todos estes Verbos, ainda que
menos expressamente, enuncião a existencia de uma idéa
accessoria em uma principal : Amar a virtude, Ter amor á
virtude, Possuir amor á virtude, Gozar do amor á virtude,
Ser amante da virtude, Ser amador da virtude, tudo é o mesmo,
pois as idéas são as mesmas, e só ha differença em as
enunciar por nomes que significão ou qualidades concretas,
ou abstractas, ou por palavras que reunem em si o attributo
e o verbo.

Estas reflexões nos conduzem a notar que os Verbos
Ser, Estar, Existir significão Ter, Haver, Possuir, Gosar ; e
que Ter, Haver, Possuir, Gosar, significão Ser, Estar, Existir.
Esta identidade de significação nasce mesmo da essencia do
verbo, porque para um attributo existir ou estar em um
sujeito, é necessario que o sujeito o possua, que goze delle,
que o tenha ; e para que o tenha, é necessario que exista ou
esteja nelle.

Se o que temos exposto é conforme á razão, segue-se :
l.° que se o Verbo Ser não tem incluido em si attributo algum,
tambem os Verbos Estar, Existir, Ter, Haver o não
tem. 2.° se o Verbo Ser é substantivo, porque não tem incluida
em si idéa alguma adjectiva, e porque serve de nexo
entre os dois termos ; porque o não são Estar, e Existir ?
Tanto se diz : Eu sou feliz, como : Eu estou bom. Em ambos
os exemplos o attributo é enunciado por uma qualidade
concreta, e os Verbos servem do nexo em ambos.

Parece-nos desacerto dizer-se que Ser é o unico Verbo
necessario á enunciação : que se podem fazer com elle todas
as proposições, e sem elle nenhuma : numa palavra, que Ser é
o unico Verbo. Não somos deste parecer : 1.° porque Ser necessita
dos Verbos auxiliares : 2.º porque muitas vezes depende
dos participios imperfeitos e nomes verbaes, que suppõe
a existência dos Verbos adjectivos : 3.º porque, sendo muitas
vezes necessario enunciar o attributo por meio de uma qualidade
abstracta, o Verbo Ser nem sempre serve para exprimir
a relação de conveniencia com o sujeito.

24(17) Ter e Haver são auxiliares do Verbo Estar. Ter é
muitas vezes auxiliar de si mesmo, como : tenho tido, &c.
Estar, Haver, e Ter são auxiliares de Ser, e de todos
os mais verbos. Ser nunca é auxiliar, porque na voz passiva
dos Verbos adjectivos, elle é somente o nexo entre dois termos,
assim como o é em quaesquer proposições, onde elle
está, como : Eu sou amado por Antonio. Aqui não ha mais do
que a relação de conveniencia entre o amor de Antonio e o
sujeito eu, relação que é enunciada pelo Verbo sou.

Alem de Estar, Haver, e Ter, temos mais tres Verbos
auxiliares que são Andar, Ir, e Vir, quando se ajunctão aos
infinitos e participios de outros verbos. Elles, e tambem o
Verbo Estar, mostrão continuação e prolongação de algum
modo de existir, como : Ando escrevendo, Andando passando,
Vou vivendo, Indo lendo, Venho conversando, Vindo comendo
, &c.
Antepostos aos infinitos de outros Verbos, mostrão ou preterito
ou futuro proximo, como : Venho de escrever ; Vou escrever.
E’ falso que todos os gerundios (participios imperfeitos)
usados junctamente, indiquem duração e continuação.

25(18) Alguns Grammaticos admittem seis Modos dos verbos,
a saber : Infinito, Indicativo, Interrogativo, Optativo,
Condicional, Subjunctivo, e o Imperativo ; outros ainda contão
mais. Basta porem admittir os Modos Infinito, Indicativo,
e Subjunctivo ; porque os Modos são destinados a enunciar o
emprego e graduação de cada proposição no corpo do periodo.
Periodo é um todo, composto de proposições, uma das quaes
necessariamente é a principal, a quem as outras, por causa
da ordem, estão subordinadas, e que ihes serve de centro
de união. Para enunciar a proposição principal temos o Modo
Indicativo ; e o Subjuntivo para as totaes subordinadas, em
que nós incluimos as incidentes ou parciaes, pela razão de
que a parte se considera incluida no todo. Porem o sujeito,
e o attributo, assim da proposição principal, como das subordinadas :
podem demandar e pedir, isto é, reger outras
proposições. Temos para estas proposições regidas o Modo
Infinito. Este systema, que admitte só tres Modos é muito
singelo e facil, e porisso, mesmo preferível.

26(19) Os Participios Imperfeitos (a que alguns chamão gerundios,
crendo-os derivados da terminação ndo dos Latinos)
são adjectivos verbaes, sem deixarem de ser como outra
qualquer variação do verbo ; pois tem a mesma força daquelles
a que pertencem, e porisso mesmo podem fazer proposições,
como elles ; v.g. : Entrando o Governador em Gôa.
Entrando modifica o nome Governador que é seu sujeito e
alem disso tem o termo de sua relação em Gôa. Isto não tem
duvida alguma ; porem mostre-se mais claramente substituindo
aquella proposição com outra perfeitamente igual ;
Quando o Governador entrou em Gôa. Outro exemplo : Sendo
eu feliz, terei muitos amigos : Sendo modifica o sujeito eu, e
ao mesmo tempo é o nexo ou copula que une o attributo
feliz com o sujeito eu, enunciando a relação de conveniencia
entre ambos os termos da proposição. Estas mesmas reflexões
sobre os participios imperfeitos, se appliquem aos Participios
Perfeitos, e Porfazer ; assim como aos Infinitos Impessoal,
e Pessoal, com a differença de que estes não são
adjectivos.

As proposições de Participios Imperfeitos sempre são ou
totaes subordinadas, ou parciaes : e designão ou o tempo, ou o
modo, ou condicção, ou causa e razão, ou alguma outra circumstancia.
Quando estas proposições tem sujeito diverso
do da oração principal, é necessario pôr-lh’o claro ; v. g. :
Conhecendo todos o merecimento da virtude poucos a praticão.

A Lingua Portugueza usa tambem dos Participios Imperfeitos,
conjugando-os com os verbos Estar, Andar, e Ir.
O Verbo Estar, quando é conjugado com Participios Imperfeitos,
chama-se Continuativo, porque exprime continuação
do mesmo modo de existir, como : Estou escrevendo. O Verbo
Andar, conjugado com os mesmos Participios, faz Verbos
Frequentativos, como : Ando escrevendo. O Verbo Ir, no
mesmo uso, faz Verbos Inchoatívos, como : Vou melhorando.

Ha uns adjectivos verbaes, acabados em ante, ente, inte,
como : Amante, Temente, Ouvinte, os quaes forão Participios
no tempo de nossos antigos Escriptores
, como : Annibal passante
os montes Alpes. Nós ainda dizemos : Temente a Deus, Logartenente
&c. Agora estes adjectivos verbaes não tem regime
dos Verbos donde se derivão, e por consequencia não são
Participios, porque se dizemos
 : Temente a Deus ; já não dizemos :
Temente a justiça, Ouvinte os conselhos.

Quanto aos Participios Perfeitos, nossos antigos Classicos
usavão muitas vezes delles variando-os por generos, e numeros
,
como : Aqual obra será posta no catalogo das mercês, que
este Reino delle tem recebidas (Barros).

27(20) Tem a nossa Lingua alguns Participios que são Passivos,
applicados a cousas, e Activos, fallando-se de pessoas,
v. g : Acreditado, que mereceo credito, que tem credito.
Determinado, que se determina, que determina. Moderado,
que se modera, que tem moderação, &c.

28(21) Nenhuma das formulas em que depois do Verbo Ter
e Haver e suas variações, se segue o infinito de algum verbo,
precedido da preposição de, é propriamente Linguagem composta
do verbo, mas sim umas verdadeiras proposições a que
por ellipse falta o complemento objectivo, v. g. : Haver ou Ter
de ser, de Estudar. Hei ou tenho de ser, de estudar, é mesmo
que dizer, Ter, ou Haver tenção, resolução &c, de ser, de
estudar &c., e assim em todos os casos similhantes.

Notemos aqui de passagem que parece haver alguma differença
no sentido destas proposições, segundo nellas se usa
do verbo Haver, ou do verbo Ter. Haver de, Hei de, Haverei
de
, &c., enuncia vontade, tenção, resolução espontanea, como :
Hei de estudar este livro, é o mesmo que dizer : Hei ou tenho
resolução, ou tenção de estudar este livro. Mas o verbo Ter,
no mesmo uso, parece exprimir necessidade e obrigação,
como : Tenho de estudar este livro, é o mesmo que Tenho necessidade,
obrigação
&c., de estudar este livro.

Não obstante porém o não serem estas expressões tempos
compostos dos Verbos, figurão como taes no discurso.
Attendendo a isto, as incluiremos no systema das Conjugações,
e lhes chamaremos Tempos Imperfeitos Porfazer, pois
enuncião a relação de conveniencia de um attributo
em um sujeito, começada só na tenção, e futura na execução.

Dos tempos Imperfeitos, e Perfeitos, uns são Absolutos,
outros Relativos. São Absolutos os que notão um só tempo,
ou Presente, ou Passado, ou Futuro, como : Eu sou, Eu Fui
Eu Serei. Tempos Relativos são os que se referem a outros
tempos, v. g. : o Presente Imperfeito Porfazer, Hei de ser,
enuncia o Presente na tenção, e o Futuro para a execução ;
o Imperativo exprime o Presente no mandado (ou permissão),
e o futuro para a execução : Tenho amado, nesta Linguagem
se considera o Passado como reunido em um ponto presente
na epoca da palavra, e alem disto completo e acabado na
mesma epoca, v. g. : Toda esta semana tenho passado muito
mal
. Tenho escripto hoje quatro cartas : Toda esta semana e
hoje
se tomão por um todo presente, e ao mesmo tempo completo
no momento da palavra. Porisso mesmo é que se não
póde usar da mesma Linguagem para exprimir um tempo,
considerado como passado. Ninguém póde dizer : A semana .
passada tenho passado muito mal, Tenho passado hontem muito
mal
. Eis-ai a razão por que chamamos a esta Linguagem
Presente Perfeito ; pois nos parece um absurdo dar o nome
de Preterito ao que se toma como presente, e no presente se
acaba e completa. A opinião de que é uma variação do Preterito,
fez com que alguns de nossos Classicos, como João de
Barros e Vieira, a empregassem algumas vezes indevidamente ;
como : " aqui não ha novidade mais que a do Governo, em que
succedeo Antonio de Sousa de Menezes a Roque da Costa Barreto,
que no mesmo dia
se tem embarcado mais pobre de fazenda, e
mais rico de opinião
, &c., (Vieira) ; devia dizer se embarcou.

Esta Linguagem com um attributo de ordinario significa
um serie successiva de estados ou acções da mesma especie
desde um tempo determinado ou indeterminado, até ao Presente
em que se une, acaba e completa. Esta serie se considera
collectivamente, isto é, como um todo ligado ao Presente.
Pelo que não pόde convir-lhe senão a denominação de Presente
Perfeito ; pois não se póde negar que Tenho sido feliz
até agora
significa a posse actual de uma serie de felicidades ;
assim como Tinha sido feliz exprime uma posse Preterita, e
Terei sido uma Futura.

Consegui o acabamento desta obra, em tempo anterior ao
presente
, equivale a esta proposição : Acabei esta obra, e não
a estoutra : Tenho acabado esta obra.

Os Grammaticos não duvidão já de que sejão do Presente
as Linguagens Hei de ser, Hei ou tenho de amar, &c., que
erão tidas por Futuros Imperfeitos. Os que pensarem sufficientemente
nesta materia virão a convencer-se de que Tenho
sido, tenho amado
&c., são formas do Presente, (como indicão os
Verbos Hei, e Tenho) não obstante o referirem-se ao Preterito,
assim como Hei ou Tenho de amar, não deixa de ser do Presente,
apezar de se referir ao Futuro.

O Preterito-Perfeito relativo, Tinha amado mostra o Passado,
não só em si, mas tanbem relativamente a
outra epocha Passada ; v, g. : Quando tu chegaste, já eu
tinha concluido
esta obra.

Subjunctivo

O Subjuntivo tem Linguagens não só do Preterito e do
Futuro, mas tambem do Presente, como : Ainda que tu sejas
bom, não se segue que sempre o hajas de ser : sejas e hajas são
do Presente. Não se confunda o tempo significado por uma
Linguagem com a outro tempo a que elle póde referir-se,
nem o destino principal de uma variação do Verbo com o que
muitas vezes toma em razão do sentido do discurso. E’ por
isto mesmo que as fórmas do Presente Imperfeito muitas
vezes parecem indicar um Futuro proximo ou remoto, como :
Diz-lhe que estude, que venha já, ou de hoje a dez annos : Querem
que
eu parta já, ou para o anno que vem. Estes Futuros
vem da força dos Verbos Dizer e Querer, como succede nestas
orações : Dizem que elle vem já, ou de hoje á dez annos, Julga-se
que elle
parte já, ou para o anno que vem. Donde se vê
que a esses Futuros tambem se prestão as variações do Presente
Imperfeito do Indicativo, principalmente quando são
subordinadas, e que tal sentido é o resultado não da Linguagem
só, mas da phrase toda e da natureza do discurso.
Portanto, assim como seria desacertado denominar Futuro
ao Presente do Indicativo, por concorrer ás vezes para indicar
aquelle tempo ; assim tambem é muito improprio dar o nome
de Futuro Proximo ou Optativo ao Presente Imperfeito do
Subjunctivo.

Respeito ao Presente Perfeito Tenha amado, movido, unido
&c., como : Ainda que tenhas estudado muito, não se segue
que saibas tudo
 ; a esta Linguagem se applica o expendido sobre
a mesma do Indicativo. Dizer que esta fórma de Subjunctivo
é do Futuro, por as vezes (e não sempre) contribuir
para indicar esse tempo, é confundir o destino primario de
uma variação do Verbo com o que é obrigada a tomar pela
força dos Verbos que a determinão, ou pela do sentido. Dizer
que são do Preterito, porque se referem a elle, e não fazer
distincção entre o tempo enunciado pela Linguagem, e o outro
tempo com que ella tem relação. Em fim, dizer que uma
Linguagem exprime já o Preterito, já o Futuro, e asseverar
que ella não significa tempo algum, mas se presta (como as
variações do infinito) a todos os tempos a que é determinada
por outros verbos.

Expuzemos aqui estas reflexões, porque nos parece necessario
mostrar a falta de exactidão no que a este respeito
diz na sua Grammatica um Philologo distincto, o qual dá
tambem como erro o chamar Preterito Imperfeito Condicional
ás Linguagens Eu seria, amaria &c. Ellas no emtanto são do
Preterito Imperfeito e não do Futuro, como sua significação
póde mostrar evidentemente.

29(22) Advirta-se que o Verbo não tem pessoas, mas variações
que designão o caracter dellas, isto é, se são da primeira,
se da segunda, se da terceira pessoa, doutrina esta que ;bem clara
fica na regra acima
.

30(23) Cada um destes Verbos deve ser conjugado só, e
não conjunctamente com os outros. Primeiro se conjuga o
Verbo Ser até ao fim do modo Subjunctivo ; e assim outros.

31(24) Ser e Estar tem os Participios Sido e Estado, os quaes
nunca estão sós na oração ; pois sempre andão acompanhados
de uma das Linguagens dos auxiliares Ter ou Haver ; como :
Tendo sido, Havendo estado, Tenho sido, estado &c.

32(25) Havido, e Tido são Participios Passivos, quando vem
de Haver, e Ter, não como verbos auxiliares, mas, como
verbos activos ; como : Tu és tido, ou havido em conta dos homem
de bem, Elles forão
tidos por homens de valor.

33(26) Havemos, Haveis se contrahem muitas vezes Hemos
Heis
.

34(27) Hei sido, Hei amado, &c. tem presentemente pouco
uso. Nós porém nas Conjugações não omittimos esta fórma
de expressão, por ser muito usual em nossos clássicos, e
porque é digna de o ser entre nós.

35(28) Seja elle, Sejão elles, Esteja elle, Estejão elles, Ame
elle, Amem elles
, e assim nos outros Verbos, são Linguagens
do Subjunctivo, e por isso dependentes de outra do Indicativo,
como : Mando, Ordeno que va, que seja &c. ; porque o
Imperativo só convem ás segundas pessoas. Comtudo nestas
expressões Leia V. Mce, Leião V. Mces, as terceiras pessoas
são imperativas ; porque estes e outros tractamentos, em lugar
de Tu e Vós, são idiotismos da nossa Lingua.

36(29) Pareceo-nos muito mais claro e melhor pôr as Linguagens
Condicionaes á parte, e porisso não as misturamos
com as outras.

37(30) Dizem os Grammaticos modernos que Verbo Adjectivo
é a reducção e concentração, ou expressão abreviada do
sugeito, do verbo substantivo, e do attributo verbal em uma
só palavra, como : Amo, em logar de Eu sou amante ; Durmo,
em logar de Eu sou dormente etc. Parece-nos que nisto ha
falta de de reflexão, e que nem o sugeito, nem o verbo substantivo,
nem o attributo verbal estão concentrados no Verbo Adjectivo.
Em quanto ao sujeito, elle não está concentrado no
Verbo Adjectivo, nem as desinencias (terminações) dos verbos
são os demonstrativos pessoais primitivos pospostos e
tornados inseparáveis ; porque o Verbo Adjectivo consta de
duas partes, a primeira é o attributo, e por tanto não é o sugeito ;
a segunda é o verbo que vai sempre tomando varias
formas para exprimir não só a relação de conveniencia, mas
tambem os differentes modos, tempos, numeros, e caracteres
das pessoas. Em Am-ar, Tem-er, Ouv-ir, por exemplo,
a primeira parte, dizem todos, é o attributo ; logo não é o
sugeito ; a segunda ar, er, ir, é o verbo ; e portanto não é o
sugeito. Em Am-o, como a terminação o pode ser o verbo, e
ao mesmo tempo o demonstrativo eu ? Em Am-a, a, que é um
som simples, breve, e representado com uma só letra, como
pode ser o verbo, e tambem ao mesmo tempo o demonstrativo
elle, ella ! Ou é uma cousa, ou outra. O que nós vemos
e ouvimos é o verbo, e nada mais. Concluamos portanto que
o Verbo Adjectivo não tem incluidos em si os sugeitos, mas
tem variações que mostrão o carater delles. Um Grammatico
moderno, diz que am-o, dev-o, applaud-o, equivale a
amor, dever, applauso, eu, com verbo tenho occulto ; de sorte
que nesta opinião, amo, devo, appaudo, são verbos, pois não
se pode negar o que são ; e não o são, porque ai só está a parte
radical ou attributo, e o sugeito, pois o verbo fica oculto.
Ora isto não tem cabimento algum.

Respeito ao attributo verbal, repugna que elle esteja concentrado
no verbo Adjectivo : 1.º porque em Amar a idea que
todos tem na mente é amar, e essa mesma é a que deve estar
no verbo. 2.º porque para o verbo Amar ser composto de Ser
e Amante, seria necessario que Amante existisse antes do verbo
Amar, o que é impossível ; pois ao verbo Amar é que Amante
deve sua existencia. Portanto o attributo concentrado no
verbo adjectivo não pode ser um nome verbal ; e por consequencia
é absurdo dizer que em Am-ar, Tem-er, Ouv-ir, Am é
Amante, Tem Temente, Ouv Ouvinte. E’ muito mais natural, é
conforme ás idéas que ha no pensamento, e até escriptas no
verbo, o dizer-se que os attributos, incluidos nos verbos
antecedentes, são Amor, Temor, Ouvido, e assim nos mais.

Do que fica dito sobre o o attributo verbal, se deduz que o
verbo substantivo não está concentrado no Verbo Adjectivo,
porque este para ser substituido pelo verbo Ser, necessita de
ter incluido em si um attributo verbal. Para se poder dizer
que Amo é expressão abreviada de Eu sou amante, era necessario
que Amante ou outro nome verbal estivesse concentrado
no verbo Amo ; pois a estar outro attributo, o verbo Ser não
pode lá estar : porque se não pode dizer Eu sou amor. Isto
bastaria, porem demonstremos com toda a evidencia esta verdade.
Ninguem duvida de que do nome Olho se fez o verbo
Olhar, de Prego Pregar, de Mão Manear, e de que por consequencia
os attributos incluidos nestes verbos, são Olho, Prego,
Mão
 ; logo estes mesmos são os que devem apparecer
na decomposição destes verbos, e tambem o verbo Ser, se é
que elle está lá concentrado. Vejamos : Eu sou ôlho, Eu sou
prego, Eu sou mão
. Ora bem se vê que isto é falso e ridiculo,
assim como tambem o é dizer : Eu sou olhante ou olhador, Eu
sou pregante
ou pregador, Eu sou maneante ou maneador ; pois
não foi destes attributos que se fizerão aquelles verbos, e
alem disto elles são nomes verbaes, e porisso não podião existir
antes dos seus verbos. Isto mesmo prova que todos os
verbos não são outra cousa mais do que nomes mais ou menos
alterados, a que se ajuntarão vozes significativas da relação
de conveniencia desse mesmo attributo em um sujeito,
as quaes vozes na nossa Lingua são : ar, êr, ir.- Muitas vezes
não podemos pôr em separado esse attributo, porque os Verbos
em que elles estão, nos vierão de outras linguas, que já
os receberão de outras, e porisso muitos desses nomes se
achão muito demudados de seu estado primitivo ; pelo que
nos contentamos com dizer o que o verbo significa, quando
o attributo nelle incluido não é um nome adoptado na nossa
Lingua.

Parece-nos que fica provado que no verbo adjectivo nem
está concentrado o sujeito, nem o verbo substantivo, nem o
attributo verbal. Qual é pois o verbo que está unido ao attributo ?
Basta acreditar o testemunho dos sentidos e da razão,
para conhecer que na 1.ª conjugação é ar, na 2.ª êr, e na 3.ª
ir ; verbos tão simples como a relação de conveniencia que
elles exprimem ; verbos que nunca andão sós, mas sempre
unidos a seus attributos, porque sós nada significão, pela
mesma razão, por que a relação que elles significão, per si
só é inteiramente nada, como já mostramos. Estes verbos
vão crescendo em sons, á medida que se vão encarregando
de exprimir as idéas accessorias de tempos, numeros, e o caracter
dos sujeitos.

Estes verbos exprimem a mesma cousa, isto é, a relação
de conveniencia ; mas disto não se segue que sejão um só verbo ;
assim como por tres pessoas se empregarem cada qual
em fazer uma cousa igual, se não segue que ellas não sejam
trez individuos distinctos. Se os Grammaticos tivessem feito
esta distincção ; se tivessem attendido á differença que ha
entre os individuos, e seu emprego ; se não tivessem confundido
o material do vocabulo Ser com o que elle significa ; não
terião caido no erro de dizer que Ser é o unico verbo, e que
se acha concentrado nos outros, contrahido e transformado.
Virão elles que Ser enuncia a relação de conveniencia, e que
os outros verbos a enuncião tambem, e assentárão logo em
que o verbo Ser estava concentrado em todos os outros verbos ;
como se fosse impossivel haverem outras palavras que
exprimissem a mesma relação, ou se o verbo Ser tivesse obtido
algum privilegio, para elle só a enunciar. O verbo Ser tem
seu uso no discurso, do mesmo modo que os outros o tem.

38(31) Isto são traducções ou substituições de umas palavras
por outras, pois que nem o verbo Ter ou Haver, nem
Ser, nem o attributo verbal estão concentrados no Verbo Adjectivo,
como já mostramos acima, onde tambem demos a
razão, por que muitas vezes não podemos pôr em separado
o attributo que se acha unido.

Quando reflexionamos sobre o sentido dos verbos Ser,
Estar, Haver, Ter
, &c. e mostramos que sua significação essencial
é similhante, dicemos que se o primeiro não tinha em
si attributo, tambem os outros o não tinhão ; mas não asseveramos
que o não tinhão ; pois estamos bem certo em que
todos elles tem sua parte radical, e em que esta alguma
cousa significa. Em quanto ao verbo Ser, seu radical significa
existencia, e bem se vê que ella se deve considerar uma
mesma cousa com a idéa do verbo, o qual tanbem lhe dá um
sentido concreto. Esta significação de existencia dá-se bem
a conhecer, tomando-o abstractamente, como : Ser é melhor
que não ser
, equivale a A existencia é melhor que a não existencia.
Da unidade de sentido da parte radical e do verbo
proced-bo dizer-se que elle não tem incluido em si attributo
algum, e porisso mesmo sempre o pede na proposição, porque
seu emprego é unil-o com o sujeito. Se alguem dicer Eu sou,
todos lhe perguntarão : o que ? Será obrigado a responder com
um attributo, v. g. Eu sou estudante. Nós não podemos dizer
como os Latinos : Cogito, ergo sum ; mas dizemos : Cogito,
logo existo.

Porque o verbo Latino Edo tem algumas variações iguaes
ás de Sum, não se segue que Sum es fui signifique comer ; assim
como por o verbo Amassar ter algumas formas iguaes ás
do verbo Amar, não se segue que Amar signifique amassar.
Esse comer, não é Esse ser ou estar ; são dois verbos distinctos.

O radical de Haver significa posse ou outra cousa que tenha
analogia com esta idéa, e porisso pede um objecto, complemento
de seu radical ou attributo. Haver ou ter saude
equivale a Estar de posse de saude. Mesmo no impessoal este
verbo não perde sua natureza, porque significa existir, que
é o mesmo que ter existenticia, ou estar de posse da existencia.
Os verbos Ser e Estar demandão um attributo, porque são
verbos de nexo. Existir não pede cousa alguma, porque já
em si tem o attributo vago existencia. Haver e Ter pedem os
complementos de seus radicaes. Sirva isto de esclarecer e
completar o que fica dito á pag. 53, not. 46, onde consideramos
o attributo ou radical do verbo Existir como sendo a
mesma idea do verbo, na significação de Ser ou Estar, em
que tambem se usa, como : elle existe rico ; e estimado de todos.

39(32) A Lingua Portugueza não tem Verbos Passivos, tem
sim uma Voz Passiva, em que se mostra que o sujeito não é
agente, como na Voz Activa, mas sim paciente ou recipiente
da acção. Por consequencia tambem a Lingua Portugueza
não tem Verbos Neutros, porque os não tem Passivos. Pelo
que a divisão do Verbo Transitivo, acima dita, ainda que seja
a mais geralmente adoptada, nem por isso é a mais exacta :
pois que seria melhor dizer, que o Verbo Transitivo tem
tres vozes, Activa, Passiva, e Media ou Reflexa.

40(33) As terceiras pessoas destes verbos tomão um sentido
passivo, quando os agentes são cousas que não tem acção
sobre si, como : As cousas estimão-se pelo que valem ; é
o mesmo que dizer : As cousas são estimadas etc. Pelo que
é preciso não apassivar os verbos deste modo, quando os
agentes podem ter acção sobre si ; porque o sentido ficaria
equivoco, como : Matárão-se quatro homens.

41(34) Estes são os verbos propriamente Impessoaes, porem
os que o não são tem muitas vezes este nesmo uso, como :
Ao cidadão cumpre ser util á sua patria, a esta convem premial-o.

Alguns Grammaticos chamão Pronominaes e Reciprocos
aos Verbos conjugados na sua voz Media. Outros porem dizem
que Pronominaes são os Verbos que ou se não conjugão
sem demonstrativos pessoaes primitivos, a que elles
chamão pronomes, como : Abster-se, Compadecer-se ou que
se usão já com os mesmos demonstrativos, já sem elles, ficando
sempre com o mesmo sentido, como : Partir e Partir-se,
Sair
, e Sair-se. Chamão Reciprocos os que com
os mesmos demonstrativos significão uma mesma acção reciproca
entre dois ou mais sujeitos, como : Escrevo-me com
Antonio ; Antonio e João se abraçárão mutuamente, ou um ao
outro
.

Verbos Frequentativos são os que significão repetição da
mesma acção, como : Choviscar, Espicaçar, Espesinhar, e alguns
outros, os mais fazem-se com o verbo Andar, conjugando
com os participios imperfeitos dos outros verbos, como :
Ando, padecendo, escrevendo, etc.

Verbos Continuativos são os que significão a continuação
da mesma ação ; fazem-se com o verbo Estar conjugado com
os participios imperfeitos dos outros verbos, como : Estou
padecendo
etc. Os incoativos significão o principio de algum
estado ou acção, e se fazem conjugando o verbo Ir com os
participios imperfeitos dos outros verbos, como : Vou convalescendo,
etc. (vid. not 17 pag. 55.)

42(35) As terminações ar, êr, ir dos nossos verbos derivão
de are, ere, ire, em que terminão os verbos Latinos, como se
vê em Laud-are, Deb-ere, Reg-ere, Vest-ire, de que a nossa
Lingua, tirando-lhe o e final, fez Louv-ar, Dev-er, Reg-er,
Vest-ir
. Ha quem dê por incontestavel, e até como sua descoberta,
que todas as terminações e variações Latinas derivão
de Habere, e as nossas de Haver. Nesta opinião se concede
ao verbo Haver o mesmo que outros dão ao verbo Ser.
Esta doutrina é destituida de fundamento, porque não ha
impossibilidade, nem dificuldade alguma em ajuntar aos
radicais de todos os nossos verbos em er, e dos Latinos em
ere, a mesma terminação que se une ao radical Hav de Haver,
e Hab do Latino Habere, e em as ir conjugando, assim como
se conjugão em Habere e Haver. Seja essa terminação de
origem Egipcia, ou Coptica, não ha motivo para ser concendida
exclusivamente aquelles dois verbos. Quanto ao radical
de Hav-er, os radicaes dos outros verbos nem necessitão
delle, nem o tem ; o de que elles necessitão, e o que tem, é
a voz ou terminação, que se accrescenta a cada um, significativa
da relação de conveniencia de seu radicar ou attributo.
com um suieito. No verbo Olhar, feito de Olho, que se altera
em Olh, e da terminação ar quem será capaz de descobrir o
radical Hav de Haver, ou ainda a terminação er ? A terminação
Latina ere não é are, nem ire nem êr é ar, nem ir, apesar
de significarem o mesmo, pois o devem significar, porque
são verbos, e todo o verbo enuncia a mesma idéa. Se todos
nós vemos e ouvimos a terminação ar e seu desenvolvimento
nos verbos da primeira conjugação, e ir nos da terceira, por
que havemos de negar a existencia do que temos diante dos
olhos, e affirmar a do que tem contra si a razão e os sentidos,
valendo-nos para isso de contracções e transformações escusadas ?
E’ certo que alguns verbos se podem resolver ou
traduzir pelo verbo Ter ou Haver, mas são alguns somente,
v. g. : Eu amo a Deus, Eu louvo a Deus : nestes dois juizos, as
idéas que ha no pensamento são amor de Deus, Louvor de
Deus
, e relação de conveniencia com o sujeito eu ; mas no
entanto estas duas proposições se traduzem de moda differente,
deste modo : Eu tenho amor a Deus, dou louvor a Deus.
Esta differença está na expressão, para o que influe o uso
adoptado, e a significação dos attributos, e não a essencia do
juizo que sempre é a mesma. O poder-se substituir uma
proposição por outra, prova só que um mesmo pensamento
pode ser enunciado por differentes formas de expressão.
Pelo que ainda que todos os verbos podessem ser substituidos
por Haver (o que é falso), isso provaria só que elles podem
ser substituidos, e nunca serviria de provar que faz parte
de todos os verbos. Dizer que as variações de todos elles
são as de Haver, ou que derivão delle, por algumas terminações
dos outros verbos terem similhança com as deste, ou
com sua significação, isso é frivolo demais. A razão das variações
de todos os verbos é o systema de conjugação adoptado
por cada Lingua, que de ordinária imita a de que se derivou.
As vozes ar, er, ir, conjugadas e desenvolvidas, constituem
as variações de todos os nossos verbos.

As Linguagens Portuguezas tem só dois Formativos, que
são o Infinito Impessoal, e o Presente Imperfeito do Indicativo.
Do 1.º se formão os participios, mudando as terminações ar,
er, ir
, em ando, endo, indo, nos participios imperfeitos, como :
Am-ando, Mov-endo, Un-indo ; e em ado, ido nos Perfeitos,
como : Am-ado, Mov-ido, Un-ido ; e accressentando a terminação
as syllabas a, ia, ei, e ss (mudando o r final em s) se formão
os Preteritos Perfeitos Am-ara, Mov-êra, Un-ira ; os Futuros
Imperfeitos Am-arei, Mov-erei, Un-irei ; os Preteritos
Imperfeitos do Subjunctivo Am-asse, Mov-esse, Unis-se, e os Futuros
Imperfeitos do mesmo modo por inteiro, como : Amar,
Mo-ver, Un-ir
. Do 2.° se formão os Imperativos, só com lhe
tirar o s final das segundas pessoas, como : Amas, Ama tu ;
Amais, Amai Vós, &c. ; os Preteritos Imperfeitos do mesmo
Indicativo, mudando o o final em ava, ia. como : Am-ava,
Mo-via, Un-ia
 ; os Preteritos Perfeitos, mudando o mesmo o
em ei, i, como : Am-ei, Mov-i, Un-i, e finalmente os Presentes
Imperfeitos do Subjunctivo, mudando na 1.ª Conjugação o o
em e, e na 2.ª e 3.ª em a, como : Am-e, Mov-a, Un-a. Tambem
se pode dizer, que o Infinitivo Impessoal é o formativo de
todas as Linguagens :

43(1) Nas casas vasias as Linguagens são regulares.

44(2) Por este se conjuga Saber, que só differe na primeira
pessoa do presente dó Indicativo, que é Sei.

45(3) Diria, Direi, Faria, Farei, Poria, Porei, Traria,
Trarei
, e seus participios activos e passivos, não são irregularidades,
mas contracções de Dizeria, Dizerei. Poeria,
Poerei
(do antigo infinito Poer) &c ; O verbo Jazer só é irregular
na terceira pessoa do presente do Indicativo, que é
Jaz ; e o verbo Perder na primeira Pessoa, que é Perco.

46(4) Por este se conjuga Crer.

47(5) Requerer faz Requeiro na primeira pessoa.

48(6) Por este se conjugão Acudir, Bulir, Cuspir, Construir,
Destruir, Engulir, Sacudir, Subir, Sumir, Tussir
, e
seus compostos.

49(7) Por este se conjugão Ouvir, Pedir, Despedir Impedir.

50(8) Por este se conjugão Advertir, Assentir, Competir,
Conferir, Conseguir, Consentir, Deferir, Despir, Dissentir,
Enxerir, Ferir, Frigir, Mentir, Repetir, Seguir, Sentir, Servir
.
Os compostos destes, dos outros seguem ordinariamente a
conjugação dos simples.

51(36) Desta sorte é Complemento circumstancial.

52(37) Presentemente se confundem na pratica as duas Preposições
Per e Por.

53(38) Além destas admittem os Grammaticos mais vinte e
quatro Preposições, as quaes são ou nomes com preposições,
como : A baixo, A cima, De parte &c. ; ou Adverbios, como :
Juncto, Conforme, Segundo, &c. ; ou Participios, como : Excepto.
Nenhuma destas palavras é Preposição, e ainda que
nossos Clássicos usão algumas vezes de Diante e Traz como
preposições, todavia as mais das vezes se servem destas palavras
como de adverbios.

54(1) Estas Proposições Parciaes não podem modificar os
nomes, que antes não tiverem sido determinados por um determinativo
(vid. pag. 36). Portanto é erro ajuntar incidentes
a um appellativo indeterminado, como : Antonio é homem que
muito estimo
 ; deve ser : Antonio é um homem que muito estimo.
Daqui vem que estas proposições se referem naturalmente a
um nome determinado, e não ao que o não está, como : O
annel
de brilhantes que hontem vi &c. ; que refere-se a annel
e não a brilhantes. Porisso, quando na proposição antecedente
ha mais do que um nome determinado, sendo elles de differente
genero, usaremos de Qual em lugar de Que, ou daremos ao discurso
um arranjo tal, que tire qualquer equivoco (vid. pag. 42).

55(2) Quando um adjectivo se refere a muitos substantivos,
póde concordar com um nome commum que convenha a todos
os substantivos, a que o adjectivo se refere, como : Os
barris, quartos, pipas, e caixões, que o mar levou
direitos á costa
de Sofala
, &c. (Couto) ; póde dar-se a que o antecedente vasos,
e concordar com elle o adjectivo direitos. Porem a mente de
quem falla ou escreve, é modificar com o adjectivo a cada
um dos nomes ; pois em taes casos sempre ha uma proposição
composta de tantos juizos, quantos são os nomes modificados.

56(3) Parece que o verbo Haver no singular tem muitas
vezes sujeito do plural, como : Ha homens, &c. Sobre isto uns
Grammaticos dizem, que em taes casos o verbo Haver se toma
impessoalmente na significação de existir, e que o ter elle sujeito
do plural é um idiotismo da Lingua Portugueza. Outros
dizem tambem, que em taes casos o verbo Haver se toma impessoalmente
na significação de existir, e que o ter elle sujeito
do plural, é porque assim como com os collectivos geraes
se põe as vezes o verbo no plural ; assim tambem com
substantivos do plural tomados collectivamente, se põe as vezes
o verbo no singular, como succede com o verbo Haver e
com os que o determinão, como : Acontece haver pessoas que
desprezão a vida. Porem ainda concedendo-se que pessoas
seja sujejto do verbo haver, não se póde conceder que o verbo
determinante Acontece tem sujeito do plural, porque a seguinte
proposição haver pessoas &c. lhe está servindo de sujeito,
e assim é em casos similhantes.

Outros Grammaticos ha que dizem, que o verbo Haver
sempre é activo, e significa ter, ou possuir, e que isso que
os outros dizem que é sujeito delle, e não é, mas sim complemento
objectivo, e que em taes casos o sujeito está occulto,
e deve ser do singular quando o verbo está no singular, e
do plural quando o verbo é do plural, como : Repugna haver
em uma alma ao mesmo tempo duas consolações contrarias,
isto é, Repugna haver ou ter a natureza humana em uma alma
ao mesmo tempo
duas consolações contrarias.

Lobato diz, que em taes expressões ha Ellipse, como :
Ha muitos homens, que amão as sciencias, isto é, Ha numero
de pessoas, que são muitos homens, que amão as sciencias
. A’ vista
de tantos pareceres, cada qual escolha o de que mais gostar.

57(4) Como o verbo no plural não pode concordar em numero
com sujeitos do singular, é preciso dar-lhe um sujeito
conveniente. Pelo que estando o verbo na primeira pessoa
do plural, concorda com o sujeito nós, como : Eu e tu estamos
bons, isto é, nós ambos estamos bons
. Quando o verbo está na
segunda pessoa do plural, concorda com o sujeito nós, como :
Tu, Pedro e Francisco estais bons, isto é, vós todos estais bons.
Quando depois de sujeitos da terceira pessoa do singular, o
o verbo está na terceira pessoa do plural, entende-se-lhe para
sujeito um appellativo, que possa convir a todos os sujeitos
do singular, como : A nossa liberdade, honra e vida estão em
perigo
, entende-se estas cousas ou estes bens estão &c. Bem se
vê que todas estas proposições são compostas, como fica dito.

58(5) E’ preciso mostrar aqui aos Principiantes que estas
proposições de verbo activo constão, como todas as outras, de
sujeito, verbo, e attributo ; fazendo-lhes ver que o Complemento
Objectivo não é outra cousa senão o complemento do attributo
incluido no verbo, como : Eu amo a virtude, isto é, Eu
sou amante da virtude
.

59(6) O Sujeito é tambem Agente, quando exercita a significação
dos verbos que significão acção : porque a palavra
Agente que dizer O que obra alguma acção ; e por consequencia
este nome de Agente só em taes casos pode convir ao
Sujeito. Este perde o nome de Sujeito, quando a proposição
é mudada da activa para a passiva, mas conserva o de Agente
porque por meio delle é que a acção do verbo é empregada
no Sujeito da proposição na voz passiva, vindo por esta razão
o Sujeito a ser paciente ou recipiente da acção do verbo na
voz passiva.

60(7) Nestas frases : Quanto custa este livro ? Como vão as
cousas ? A onde vais tu ? Porque ? Que esperas tu ? Qual dos
dois
 ? &c. em todas, digo, se entende a frase imperativa Dize-me
o preço porquanto ; O modo como ; O lugar a onde ; A razão
por que ; A causa que ; Aquelle dos dois, o qual, &c.

61(8) Sendo terceira pessoa dos verbos, chamados impessoaes,
entende-se um sujeito tirado da significação delle, ou
outro conveniente, como : Vive-se, Dorme-se, Joga-se, entende-se
Vida, Jogo, Somno, Chove, Troveja, &c. entende-se A
chuva, O Ceo
ou Deus, ou A natureza. Peza-me, Praz-me,
Cumpre, Releva, Importa
, de ordinario servem-lhe de sujeito
as proposições seguintes, como : Cumpre-te não ser ingrato.

62(9) A’ preposição de quando não é restrictiva, entende-se
um antecedente de significação relativa, se o não tem, como :
Barril de manteiga ; Copo de agua ; Pipa de vinho ; Navio de
Escravos
, &c. isto é, Barril cheio de manteiga ; Copo cheio
d’agua ; Pipa cheia de vinho ; Navio carregado de escravos
&c.
Choro de gosto, isto é, por causa do gosto. Nas linguagens
porfazer entende-se resolução, tenção, necessidade &c., como
Heide estudar, isto é, Hei-tenção de estudar.

63(1) Como se ha de averiguar se uma palavra está ou não
escripta com certesa ? Responder-me-hão que é comparando
a escriptura com seo objecto. Mas, qual é esse objecto ? Póde
ser que me digão que são os sons de que se compõe os vocabulos.
Se isto assim fôra, a arte de escrever certo seria mui
facil ; pórem infelizmente a certeza da escriptura é relativa
não ao vocabulo, mas sim á vontade dos Orthographos ; isto
é, a escriptura deve representar não os sons dos vocabulos,
mas sim as opiniões dos Grammaticos : de maneira que no
Systema Etymologico, um vocabulo está bem escripto, se está
cheio de letras ociosas e estrangeiras, para representar as
Etymologias ; no Systema da Orthographia Usual, está certo um
vocabulo, se umas vezes se conforma ás Etymologias, e outras
ao capricho. No Systema Philosophico, está bem escripto um
vocabulo, se a escriptura representa fielmente seu objectivo
real, isto é, os sons de que o mesmo vocabulo se compõe.

64(2) Este systema está presentemente em desuso,
substituido pelo Etymologico.

65(3) Lemos com attenção as razões que em sua Grammatica
Analytica, impressa em 1831, dá contra esta doutrina um
sectario da Orthographia Usual ; porém não lhes conhecemos
solidez, e porisso não admittimos as regras que elle dá, porque
são fundadas no arbitrio.

66(4) A Orthographia actual não permitte que as vozes nazaes
ẽ, ῖ, ũ, se representem assim ; pelo que no fim dos vocabulos,
e antes de b, p, e m, escreveremos em, im, um, e nos
outros casos en, in, un.

67(5) Ainda que se não perceba o som de u intermedio, os
Etymologistas escrevem com Qu algumas palavras, como :
Quaderno, Enquadernar, Quartola, Quatorze, Quociente, Quotaparte
Quotidiano
, e poucos mais.

68(6) O conteúdo nesta regra tem muitas excepções, pois
é costume escrever com Z, 1.º as palavras que tem no Latim
e, ou t, como : Razão de Ratio, Vizinho de Vicinus, Dizer de
Dicere, Jazer de Jacere, Fazer de Facere, Reduzir de Reducere,
&c. e tambem as variações dos verbos Pôr, e Querer ;
2. ° os nomes acabados no singular em az, ez, iz, oz, uz, como :
Gaz, Convez, Mez, Matriz, Foz, Arroz, Cafuz ; isto se entende
só com os nomes, e destes mesmos se exceptuão os que tem s
no Latim, como : Tres de Tres, Paris de Parisii, Diniz de
Dionisius, &c. : 3.° ordinariamente os nomes acabados em eza,
como : Fraqueza, Belleza, &c. : e os verbos acabados em ezar,
como : Afreguezar, Tyranizar, Prazer, &c. : 4.º a
maior parte das palavras que principião por Az, como : Azinhaga,
Azul, Azevedo
, &c.

Pelo contrario nem sempre entre consoantes se escreve Z,
quando ha este som, como succede em todas as palavras compostas
da preposição Trans, como em Transacção, &c. ; e tambem
se não põe dois SS, quando ha som de ç nas palavras compostas,
como : Outrosim, Presentir, Resurgir, Verosimil, &c.