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Reis, Francisco Sotero dos. Grammatica portugueza – T02

[Grammatica portugueza]

Prolegomenos

A Grammatica divide-se em Grammatica Geral
e Grammatica Particular.

« A Grammatica Geral é a sciencia dos principios
immutaveis e geraes da palavra pronunciada
ou escripta em todas as linguas. »

« A Grammatica particular é a arte de applicar
aos principios immutaveis e geraes da palavra as
instituições arbitrarias e usuaes de qualquer lingua. »

Tal é a bella e succinta definição que nos dá da
Grammatica com a distincção sobredita o profundo
grammatico Du Marsais, que a fundamenta com as
Vseguintes razões, que para aqui transcrevo da introducção
ás minhas Postillas Grammaticaes,
onde as inseri : —

« A Grammatica Geral é uma sciencia, porque
tem por objecto a especulação razoada dos principios
immutaveis e geraes da palavra ; a Grammatica
Particular
é uma arte, porque respeita á
applicação pratica das instituições arbitrarias e
usuaes de qualquer lingua aos principios geraes
da palavra. A sciencia grammatical é anterior a
todas as linguas, porque seus principios são de
eterna verdade, e suppõem a possibilidade das linguas :
a arte grammatical pelo contrario é posterior
ás linguas, porque os usos destas devem preceder
á sua applicação artificial aos principios geraes.
Não obstante esta distincção da sciencia e da arte
grammatical, não pretendemos insinuar que se
deva ou possa separar o estudo de uma do de
outra. A arte nenhuma certeza poderá dar á pratica,
si não fôr esclarecida e dirigida pelas luzes
da especulação ; a sciencia nenhuma consistencia
poderá dar á theoria, si não observar os usos combinados
e as differentes praticas, para leval-a por
gráos á generalisação de principios. Mas nem por
isso é menos razoavel distinguir uma da outra ; assignar
a cada uma seu objecto proprio ; prescrever-lhes
VIos respectivos limites, e determinar-lhes a
differença. »

Grammatica Portugueza, pois, é a arte de applicar
aos principios immutaveis e geraes da palavra os
usos e idiotismos da lingua portugueza.

A Grammatica que dou á luz publica, não é senão
o desenvolvimento da doutrina que dimana
desta definição. Procurei simplifical-a o mais possivel
na theoria, subordinando os usos especiaes
da lingua só aos principios geraes de eterna verdade,
porque o methodo e a clareza não teem maior
inimigo do que a multiplicidade das regras, que só
serve de embaraçar o alumno sem explicar-lhe cousa
alguma. Acompanhei a theoria da pratica, dando
logo immediata applicação aos principios invocados
com exemplos que os comprovassem, porque
assim se arraigão elles melhor no espirito, que não
pode duvidar de sua solidez. Trabalhei por ser claro
para poder ser comprehendido, porque sem clareza,
qualidade essencial em tratados deste genero, nunca
conseguiria fazer com que o meu trabalho aproveitasse
á mocidade estudiosa, que é o fim que
levo em vista.

Grammatica portugueza tambem se pode definir
a arte de fallar e escrever correctamente a lingua
portugueza.VII

N. B. A Grammatica de Port Royal, generalisando,
define a Grammatica. « Arte de fallar. » Esta é
a definição da Gramniatica mais concisa que conhecemos,
porque, Fallar, abrange tudo o mais.

Divide-se a Grammatica em quatro partes, que
são : Etymologia, Syntaxe, Orthographia, Prosodia.

Etymologia é a parte da grammatica que ensina
a conhecer a natureza e origem das palavras.

Syntaxe é a parte da grammatica que ensina a
coordenar as palavras e as proposições.

Orthographia é a parte da grammatica que ensina
a escrever as palavras correctamente.

Prosodia é a parte da Grammatica que ensina a
pronunciar as palavras correctamente.

Na composição desta Grammatica dei muito mais
desenvolvimento á Etymologia e á Syntaxe, do
que á Orthographia e á Prosodia, porque as duas
primeiras partes, que constituem a base de toda a
sciencia grammatical, devem ser essencialmente especulativas
e praticas ; e porque as duas ultimas,
em que impera muito mais o uso modificável, do
que a especulação dos principios, devem por sua
natureza ser eminentemente praticas. O consenso
unanime de quasi todos os grammaticos antigos e
modernos vem em apoio desta opinião, que é tão
velha como a Grammatica.VIII

As palavras são signaes com que, quando destacados,
representamos as simples noções das cousas,
e, quando combinados em enunciados ou proposições,
as mais operações do espirito ; o que pode
ser tambem representado, posto que muito mais
imperfeitamente, pelos gestos, e ainda por outras
combinações intellectuaes.

D’ahi a divisão da linguagem em linguagem de
sons articulados, a que consta de palavras, e linguagem
de acção, a que consta de gestos. Escusado
é dizer que a linguagem dos sons articulados
é a unica que nos occupa neste tratado.

Uma lingua pois, quando se toma esta palavra
em sentido figurado, ou no de idioma de um povo,
não é mais do que um systema de signaes, o qual
pode ser mais ou menos completo, segundo a lingua
se acha mais ou menos aperfeiçoada.

As palavras são de duas especies, palavras variaveis,
e palavras invariaveis.

São palavras variaveis : — o nome, o pronome, o
adjectivo, o verbo.

São palavras invariaveis : — a conjuncção, a preposição,
o adverbio, a interjeição.

As partes da oração, pois, nome que tambem se
dá ás palavras, devem ser tantas, quantas são as
palavras variaveis e invariaveis ; isto é, oito.IX

N. B. É de notar, porem, que nem todos os grammaticos
estão de accordo sobre este ponto que parecia
não dever soffrer contestação, porque alguns,
encarando a questão de diversa maneira, ou as elevão
a mais, ou, as reduzem a menos. Quintiliano,
por exemplo, entre os antigos, reduz as partes da
oração a tres : — Nome, verbo e conjuncção. Esta mesma
opinião foi seguida pelo moderno grammatico
Tracy.

As relações entre as palavras de que se compõe
a proposição, assim como as relações entre as proposições
de que se compõe o discurso, ou são de
nexo, ou de concordancia, ou de dependencia e
subordinação.

As relações de nexo são determinadas, ou pela
conjuncção de aproximação ligando palavras e proposições,
ou pela preposição ligando um termo
subsequente a outro antecedente, ou pelo verbo ligando
os outros dois termos da proposição.

As relações de concordancia são determinadas,
ou pela fórma especial que ordinariamente toma
o adjectivo para concordar com o nome, ou pela
fórma especial que sempre toma o verbo para concordar
com o sujeito, ou pela simultaneidade dos
tempos dos verbos das proposições que formão o
periodo grammatical, quando não se dá entre elles
Xa relação de anterioridade ou posterioridade, porque
então a concordancia é mais complicada.

As relações de subordinação são determinadas,
ou pelo complemento que indica a subordinação
de uma palavra á outra, ou pela conjuncção de
subordinação que indica a subordinação de uma
proposição á outra, ou pelos adjectivos conjunctivo
e interrogativo e adverbios postos por elles, ou
pelo verbo no participio, ou pelo verbo no infinito,
os quaes todos indicão a subordinação de uma proposição
á outra.

Tudo mais encontrará o alumno definido e explicado
no corpo desta grammatica, a qual, si sahio
com algumas imperfeições, merece desculpa, porque
os originaes erão mandados para a imprensa á medida
que ião sendo compostos, e isto com frequentes
interrupções.XI