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Caetano, Baptista. Rascunhos sobre a grammatica da lingua portugueza – T01

Rascunhos
sobre a
Grammatica da lingua portugueza

Illustre e excellente amigo dr. S.

Tanto se elogia e gaba a pureza dos escriptores portuguezes,
quanto se martella a incorrecção dos brazileiros.

Permitta-me pois, o amigo escrever e publicar
as minhas duvidas sobre as questões de grammatica, que
por mero entretenimento, temos ventilado nas nossas
palestras e amigaveis disputas.

O dr. tem do seu lado os puristas, os bons escriptores
tanto d’aqui, como de lá do reino; e eu tenho de defender
a linguagem brazileira, acoimada de incorrecta
e logo de principio vou topar com a difficuldade penosa
de distinguir a linguagem brazileira, que defendo, desse
outro fallar hybrido, que não é nem portuguez, nem
brazileiro, desse fallar mascavado de francez, de inglez,
de africano e de não sei que mais, que predomina na
côrte e nas cidades chamadas cultas.3

Sabe o meu amigo, qne a minha these é que; si ha
incorrecção no modo de fallar dos brazileiros, tambem
o ha no modo de fallar do portuguez moderno. E’ o que
o dr. não quer admittir, e por isso eis-me aqui rabiscando
estes rascunhos. Demais o meu amigo extasia-se
ante o belleza da phrase que denomina vernacula, castiça,
tersa, concisa, dos modernos escriptores portuguezes,
e quizera que os brazileiros escrevessem nesse estylo
bem-acabado e energico; e eu pelo contrario tenho tanta
birra dessa affectação de purismo, como do estapafurdio
estylo que parece tradução litteral de livro francez;
para mim não é bonito o que não é natural.

-me o meu amigo e diz que «ser correcto»
não é «ser affectado». Sei disso; porem entendamo-nos.
O que assevero, o que o dr. me não pode contestar é
que, fallando ou escrevendo, si o brazileiro o fizer no estylo
de Castilho, de Castello Branco etc etc, será affectado,
é enjoado e massante. Elle pode fallar e escrever
muito correctamente, deve fazel-o assim e brilhará; mas
si imitar a linguagem dos outros lá, por muito bonita e
correcta que seja ella, não prestará para nada, justamente
por não ser natural.

«Embora a pronuncia se adoce sob o influxo do sol
intertropical e da indolencia sul-americana, a construção
da phrase deve ser a mesma, pois mesmissima é a
lingua» Diz o dr. Teixeira de Mello e com elle os puristas.
E o amigo applaude e reforça com a sua auctoridade
a sentença. Desse modo de pensar o que se infere é que,
a incorrecção é de cá, e que não na justifica nem a influencia
do clima! (a influencia do meio!) O phenomeno
da variação phonetica, seguida da regeneração dialectica,
que os linguistas reconhecem, não pode, não deve
ter logar na America portugueza.4

Não enxergam, não admitem que, pelo simples
facto de se modificar a phonetica; se deva tambem modificar
a textura gramatical; e condemnam como viciosa
toda e qualquer construcção que se não adapte lá
a certos moldes. E não se lembram que; mesmo na santa
terra; no berço da lingua, tambem a degeneração phonetica
trabalha, vicia as formas antigas, quebra os moldes
já feitos, e fabrica novos moldes, que quer impingir
como castiços e vernaculos!

É um despotismo, meu amigo, e pode crer que bem
magoado me sinto de não poder submeter a minha opinião
a sua. Respeito-a muito, mas tenha paciencia, o
que o dr. chama de vernaculo não no é no rigor da palavra;
será vernaculo lá para elles, porque está na indole
da lingua que actualmente fallam, mas nem é vernaculo
para nós, nem em relação ao portuguez castiço
de Camões.

Si ha corrupção na linguagem de cá, ella se dá
tambem na linguagem usada lá. O facto real é que ellas
são differentes e mais nada. Dizer-se agora que a de lá
é mais vernacula e mais conforme com a indole da linguagem
é o que resta provar e o que se não prova.

E quer reconhecer o meu amigo como na realidade
assim é? Basta simplesmente notar que os puristas censuram
a incorrecção do idioma brazileiro), mas não dizem,
não explicam em que consiste essa incorrecção.

Desagrada-lhes o modo estranho e novo de fallar,
averbam-no de vicioso, mas não sabem apontar onde é
que está o vicio, a incorrecção contra as regras da syntaxe.

Poem-se então a inventar preceitos, a dar regras
suas, querem impingir moldes para as construcções que
chamam bôas, genuinas, e por fim de contas só nós dão
5moldes de phrases que elles hoje usam, que não são as
do portuguez vernaculo, e que são tão adulteradas como
as nossas, com a differença de serem de outro feitio.

A differença dos dous modos de fallar é real, é fatal,
não ha meio algum de evita-la, tem de crescer pelo simples
decurso do tempo, e de todo não vem ao caso se um
dialecto é melhor do que o outro.

O maior merito de um sobre o outro só depende do
mérito intrinseco dos productos litterarios que der á luz.

Poderão berrar quanto quizerem os rigoristas, o
auctor que souber escrever bem, isto é, que souber apoderar-se
do seu leitor não só pelas idéas que emitte, mas
ainda pela linguagem expressiva, bem travada e numerosa,
irá por diante, e o que na occasião apontarem os
puristas como incorrecção, será em tempo futuro indicado
como norma da linguagem bôa, apta para o fim,
e quando não na poderem explicar grammaticalmente,
dar-lhe-hão o nome de idiotismo. E será por isso mesmo
ainda mais acceita e louvada como vernacula a nova
forma de phrase, por isso que é caracteristica.

Suspende-me o meu charo dr. e diz que estou divagando,
que não se tracta de pronuncia, a qual varia de
provincia para provincia, que não é questão de sotaque,
nem de vocabulario, que variam até comforme as profissões
na mesma localidade, e o meu amigo reitera e reforça
e desenvolve as palavras do dr. Teixeira de Mello:
a construcção da phrase deve ser a mesma pois mesmissima
é a lingua
; o jornal e o livro impressos em
portuguez, devem ser escriptos em portuguez para poderem
ser lidos até nos confins do imperio, até na Lusitania
e nas suas possessões d’quem e d’além mar, e em
toda a parte onde se falla a lingua, cujas regras de construcção
foram fundamentalmente constituidas por João
de Barros, por Lobato, e pelos classicos.6

Está bem, meu dr. chego-me ao rego. Tractemos
da syntaxe, vamos á vêr si na realidade a construcção
da phrase brazileira é tão incorrecta como dizem.

Por emquanto não direi com Theophilo Braga, «que o
grammatico é um especialista, que, a pretexto da sua
especialidade, se acha com direito de ignorar tudo, sem
perder a importancia de sabio,» E que é preciso banir
esses vendilhões do templo da arte
(Hist. da Litt. Port.
pag. 14)

Tracta-se de escrever bem, tracta-se de vêr como é
que se construe a phrase correcta, limada, clara, expressiva
e como é que os brazileiros a fazem espantosa,
phantasista, doida
.

Como os proprios censores e rigoristas o dizem, o
principal defeito da linguagem brazileira está na collocação
dos pronomes que é caprichosa no brazileiro e
methodica no portuguez, conforme uma phrase que
transcrevemos adiante. Comecemos pois pela

Collocação dos pronomes

Na Revista Brasileira de 1 de julho de 1880 leu
o dr. um artigo de Arthur Barreiros, no qual diz o
illustrado escriptor:

«Raro será o nosso homem de lettras que… não
haja… hesitado na collocação dos pronomes que lhe
susurram á volta da penna como incommodas vespas
zumbidoras.»

E em seguida logo, fazendo vêr que no Brasil se
escreve incorrectamente:

«Quem se der ao trabalho de cotejar os livros brasileiros
com os portuguezes notará: primeiramente
7que estes, por via de regra, são mais artisticos; segundamente
que é espantosa, phantasista, doida, a maneira
de empregar os pronomes no periodo brazileiro.»

Creio que o dr. está de perfeito accordo com estas
palavras do nosso litterato. Abunda nas mesmas ideias
outro amigo meu o Dr. Teixeira de Mello, cuja opinião
vem transcripta no citado artigo de Arthur Barreiros,
corrobarada por duas auctoridades já fallecidas: J. F.
de Castilho, e Gama e Castro.

O Dr. T. de Mello diz e o facto o justifica.

«Dêm-nos dois artigos, primorosos ambos, escriptos
porem, um por brazileiro ou portuguez, cuja educação
litteraria se fez no Brazil, e o outro escripto por
portuguez ou brazileiro educado em Portugal e diremos
qual delles é escripto por um ou por outro, só pela
collocação dos pronomes caprichosa no brazileiro e
methodica no portuguez.»

Assim é, e com effeito póde qualquer affirmar: este
artigo é de portuguez e aquelle de brazileiro. Mas é
assim tambem quanto á causa?

Será com effeito incorrecta a phrase brazileira? ou
será apenas mais caprichosa e affectada no portuguez?
affectada com certesa o é, jâ disse; e si nós brazileiros
nos puzermos á fallar como elles lá o querem, será ridiculo
e fóra de proposito como todas as affectações.

«Estas correcções de escripta nem são uma puerilidade,
nem uma exigencia inutil, nem entranhado amor
aos classicos: representam apenas o desejo de vêr seguidos
os bons exemplos, que emtanto copia nos offerece o
moderno Portugal litterario

São palavras de Arthur Barreiros.8Por ora limitamo-nos á sublinhar os bons exemplos,
o moderno, e o litterario.

E depois notemos: do artigo de J. F. de Castilho,
transcripto na Revista Brazileira em seguida ao de
Arthur Barreiros, foi cortado e seguinte pedacinho,
que entretanto vem muito ao caso.

«Aqui porém tem elle (o auctor brasileiro á quem
se refería nas Questões do dia) uma desculpa, se ha
culpa; é este seu dizer assaz frequente no Brazil, e
caracteristico dos mais seguros para se affirmar, prima
facie
, ter uma obra portugueza sido aqui escripta.
Nem me applico á censuras, nem a proselytismo ou
propaganda; mas deve-me ser tolerada a franqueza,
gerada da convicção; adiante de Platão a verdade! e
nem receio que os sensatos me levem á mal a observação
que submetto respeitosamente, quanto á esta
liberdade local.»

Não passe por alto: é um purista da ordem de J.
F. de Castilho quem submette respeitosamente a sua
observação
sem intenção de censura e quem já põe em
duvida se ha culpa.

E’ muito mais rigorista o meu amigo Dr. T. de
Mello, que entende que «Embora a pronuncia se adoce
sob o influxo do sol intertropical e da indolencia sul-americana,
a construção da phrase deve ser a mesma,
pois mesmissima é a lingua.»

Não é justamente o que me fem dicto o dr. nas
nossas amigaveis disputas? E, deixe-me ser franco, o
meu amigo é ainda mais austero. Na sua opinião (que
eu acceito, e á que me submetto cordialmente em tantos
outros pontos, pois é meu mestre), ainda quando se
admitta legitima e natural alteração phonetica, não tem
9justificação alguma a incorrecção grammatical ou syntaxiça.
E é aqui justamente onde sou obrigado á discordar,
porque para mim ou na realidade não ha incorrecção ou
si ha, ella apparece tanto lá, como cá, só com a differença
de que lá é de uma natureza e cá de outra.

Cabe porem aqui o perguntarmos: a incorrecção
increpada aos brazileiros é somente na escripta, como
se vê das palavras de Arthur Barreiros, ou está tambem
na falla? Commettem elles erros de grammatica só na
collocação dos pronomes, ou em outras cousas mais?

«No Brazil não se trocam as letras, penso eu. Podem
quando muito, distillar-se os versos em fios de melaço
nos labios de quem os recita»

Diz (ironicamente, mas fazendo implicitamente uma
confissão) Castello Branco em pag. 112 do seu Cancioneiro
Alegre. Em outros escriptos elle caçôa do sotaque
brazileiro, mas o que elle e outros classicos sabichões
mais acremente censuram é a incorrecção grammatical.

Sobre o modo de fallar, sobre a pronunciação do
brazileiro comparada com a do néo-lusitano já escreveu
um bello opusculo o Dr. J. J. Paranhos da Silva, Á
elle nos reportamos por enquanto, com elle pedindo
aos nossos patricios, que pelo amor de deus não imitem,
pelo contrario fujam de fallar a surda, aspera e esturdia
lingua dos Suabios.

Das incorrecções grammaticaes fallam diversos, e
principalmente Pinheiro Chagas, mas desgraçadamente
não apontam precisamente quaes são essas incorrecções
e qual o modo de as evitar.

Afinal parece que acháram a principal dellas na collocação
dos pronomes
.

Porem, cousa notavel! querendo uma pessôa saber
á quantas anda, não pode. Os nossos censores e mestres
10d’aquem e d’alem-atlantico não nos dizem onde é que
está o erro, qual é a incorrecção; e elles mesmos, si
fallam e escrevem correcta e vernaculamente, parece
que é por habito, vão pelo ouvido, porque preceitos
não ha qem determinados. Tanto é assim que basta ouvir-se
para se conhecer logo si «dado artigo é escripto
por brasileiro ou por portuguez, cuja educação litteraria
se fez no Brazil ou não» disse o Dr. Teixeira de
Mello, e reiterou J. F. de Castilho, e assim o entende
tambem o meu amigo, cuja legitima auctoridade e competencia
sou o primeiro á reconhecer.

A prova de que não podemos saber á quantas andamos,
é a incoherencia das regras, que dão. Vêm um
bastante lido e versado nos classicos, estabelece certas
regras; eis senão quando, chega outro, que tambem
manuseou os classicos e estatue preceitos sinão inteiramente
differentes dos do outro, pelos menos bastante
discordantes, e ás vezes discordantes entre si os do
mesmo mestre.

Não será máu examinarmos perfunctoriamente
alguns dos preceitos que se nos dão á proposito da
collocação dos pronomes. Louvavel é o intento de
pátricios nossos, que, desejosos de pureza e correcção
na phrase se atiram aos classicos, e procuram desentranhar
delles normas para bem fallar e escrever;
mas cuido eu que não foram felizes na sua tentativa.

Arthur Barreiros enumera alguns adverbios e conjuncções,
e comprehende na enumeração as duas preposições
em e sem, em relação as quaes estatue
que: quando com essas dicções concorre verbo com
pronome, esse pronome deve ir sempre antes do verbo
Isto na pag. 72. Mais adiante na pag. 76 diz «Depois
11das palavras a, e, ao, mas escreve-se o pronome
depois do verbo e ligado por um traço de união.»
Afinal declina alguns exemplos nos quaes é indifferente
antepôr ou pospôr o pronome ao verbo;
este ultimo caso da-se com as preposições de, para,
por
.

Nas suas observações o Dr. T. de Mello menciona
este ultimo caso, como excepção da regra que
manda pospôr o pronome ao verbo, quando este está
no infinitivo, no gerundio ou participio presente;
diz tambem que o pronome deve ir despois nos verbos
reflexivos quando não precedidos de negativa, ou de
adverbio, e que o mesmo se dá com as conjuncções
mas e porem «A collocação dos pronomes depois do
participio passado (ou supino) é tão absurda que
incommoda irrita os nervos» Diz S. S. e eu accrescento:
«e não se tolera em nenhuma das linguas neolatinas,
nem pelo que me parece, no inglez, no allemão
e nas outras linguas teutonicas.»

As regras estabelecidas por J. F. de Castilho são
duas: 1.ª deve sempre o pronome antepôr-se ao verbo
si ao verbo precede que ou outro relativo ou conjuncção
ou adverbio (enumera 11 tambem enumerados
por A. Barreiros, alem de outros, e especifica
os terminados em mente com excepção dos ordinaes).
2.ª geralmente nos restantes casos, quando a
oração começa pelo verbo ou pelo seu agente o verbo
antepôe-se ao pronome
.

Entre 11 observações a respeito de vicios de linguagem
(algumas das quaes sera opportuno examinarem-se
em outros artigos) Gama e Castro inclue a que
versa sobre collocação dos pronomes, e as ultima
(apezar da regra, não me têm aqui o dizer vernaculamente
12e ultima-as) pelo preceito «Quando a phrase
começa por alguma conjuncção ou adverbio ou relativo,
devem-se antepôr os pronomes; quando assim
não é devem-se pospôr.»

Na Revista de 15 de Setembro, posteriormente, apparece
outro artigo sobre collocação dos pronomes. E’ de
L. L. Fernandes Pinheiro Junior, que entre outros, cita
Paulino de Souza, e transcreve o trecho de uma grammatica
(de cujo auctor não sabe o nome) dando regras
mais precisas ou antes mais minuciosas para
a collocação dos pronomes.

Não faço aqui menção do Dr. Paranhos da Silva
(de quem egualmente ha um trecho na mesma Revista)
por que esse é dos insubordinados (na phrase
de Pinheiro Chagas), que francamente se rebella contra
a tyrannia dos grammaticos; é dos meus.

Como o que preceitua Paulino de Souza é mais
minucioso, serão transcriptas as suas regras opportunamente
em cada caso particular, quando examinarmos
o que estatuem os outros. O mesmo faremos
com as regras geraes da grammatica (sem nome de
auctor) citada por. Fernandes Pinheiro Junior.

Com tudo dessa grammatica aqui vai o meio facil
de collocar os pronomes
.

«Os pronomes, me, te, se, lhe, lhes, nós, vós, o, a,
os, as
, devem ir antes do verbo, que fôr precedido:

Dos relativos ou interrogativos que, qual, quaes,
quem, cujo, cuja, cujos, cujas, onde
;

Dos collectivos todo, toda, todos, todas, nada,
tudo, nenhum, nenhuma, nenhuns, nenhumas
;

Dos distribuitivos cada, qualquer, quaesquer,
ninguem
;13

Dos quantitativos mui, muito, muita, muitos,
muitas, mais, menos, pouco, pouca, poucos, poucas,
tanto, tanta, tantos, tantas, quanto, quanta, quantos,
quantas
;

Das negativas nem, não, nunca, jamais.

Das conjuncções de subordinação que, porque,
se, ainda que, senão, emquanto, quando, como, assim
como etc.

Haverá ou pode haver embrulhada maior, meu
amigo?

É uma enfiada de diversas partes da oração onde
vem de mistura pronomes, conjuncções, adverbios, e
tambem preposições no artigo de A. Barreiros. Como
coordenar e decorar tudo isto? Como ha de a gente
entender-se neste desconchavo de preceitos, que não
combinam uns com os outros, que se prejudicam mutuamente
e que se não podem reduzir á regras precisas?
O que é que governa a collocação dos pronomes? são
os adverbios ou as conjuncções? serão tambem as preposições?
Concorrem para isso outros pronomes e outras
partes da oração? Como é que certos adverbios ou pronomes
exigem a anteposição do pronome conforme a regra
de fulano, e não na exigem conforme a de beltrano?

E ainda mais; que dizem á respeito os compendios
de grammatica, adoptados nas escolas e approvados pela
Instrucção Publica? Quasi nada, ou antes, á respeito de
collocação de pronomes pode-se dizer, absolutamente
nada; o meu amigo não no contesta.

O que censuram os puristas, esses que manuseam
os classicos, os versados no mysterios da bella lingua
portugueza não pode ser aprendido nos compendios, não
se ensina na instrucção publica, e o exame de portuguez
14é uma burla, sem deixar de ser uma crucificação para o
examinando.

No geral dos seus preceitos os compendios são
repetição uns dos outros (e assim deve ser), e por fim
de contas fundamentam-se todos sobre J. S. Barbosa,
que é o mestre soberano que dicta a lei (desgraçadamente)
no dominio da lingua portugueza. E’ desse
mestre a grammatica philosophica, isto é, o catechismo
para se fallar e escrever correcta e vernaculamente
o portuguez. Vejamos pois o que vem estatuido pelo
mestre.

No § 3.° do cap. 4.° do L. 4.° diz elle o seguinte:

«Quando porem o complemento objectivo é de pessoa
sem preposição, como acontece nos pronomes
me, te, se, nos, vos, o, a, os, as, então pode ir
antes ou depois immediatamente; e quando é de
pessoa com preposição a ordem direita pede que
vá depois como: amo á Deus. Mas como a preposição
é que indica a relação, ás vezes pode ir
antes, como: a Deus amo de todo o meu coração

No cap. 4.° do L. 3.° ao tractar da conjugação
na voz media ou reflexa, diz o mestre no § 3.° do
Art. 3.°:

«O que mais importa saber é em que logar se
hão de collocar estes pronomes, se depois do verbo,
se antes d’elle, se no meio do mesmo; a respeito
do que podem-se seguir as regras seguintes.

1.° Que nos tempos simples, em cuja primeira
pessoa do plural o accento nunca passa para traz
da penultima, é coisa indifferente pôr d’antes ou
depois do verbo o pronome, não havendo nisto al-15guma cacophonia ou equivoco. Assim pode-se dizer
egualmente bem: eu louvo.me ou eu me louvo, tu
louvas-te
ou tu te louvas, elle se louva ou elle louva-se
nós louvamo-nos, ou nós nos louvamos, elles louvam-se

ou elles se louvam.

Mas para evitar a cacophonia ou dissonancia
nascida da collisão das consoantes asperas, já não
fica bem dizer: vós louvaes-vos, mas deve-se dizer:
vós vos louvaes. E para evitar o equivoco que póde
haver entre o presente imperativo e o presente
subjunctivo, n’aquelle vae o pronome adiante:
louva-te tu, louvae-vos vós; e neste atraz: eu me
louve, tu te louves, elle se louve
etc,

Nos tempos compostos do auxiliar haver e dos
infinitos do verbo adjectivo, o pronome póde ou
preceder áquelle ou seguir-se á estes: eu me hei de
louvar
ou hei de louvar-me; nos compostos porem
dos auxiliares estar, ter e dos participios, o
pronome nunca vae depois deste, mas sempre com
os auxiliares ou d’antes: eu me estou louvando:
ou dantes e depois: eu me tenho louvado ou tenho-me
louvado
. Em todas as proposições condicionaes,
quer do indicativo, quer do subjunctivo, o pronome
sempre vae antes do verbo, se eu me amo, se
eu me amar
.

2ª. Nos tempos em que o accento da primeira pessoa
do plural passa á antepenultima, o pronome sempre
deve preceder; porque, como elle sempre é enclitico
n’esta especie de conjugação. se se pozesse adiante,
viria a ficar o accento antes da antepenultima na
primeira pessoa do plural, deste modo: amavamo-nos,
amáramo-nos, amariamo-nos, amassemo-nos
. Devemos
16portanto dizer; eu me amava, tu te amáras, elle
se amaria, nós nos amassemos, vós vos amasseis
,
elles se amariam.

3ª. Nas linguagens condicionaes e nas do futuro
imperfeito do indicativo, é elegante metter o pronome
no meio, entre a forma primitiva em ar, er, ir,
(exclue a em or, do verbo pôr e dos compostos delle,
porque?) e a terminação final do modo seguinte. amar-me-ia,
entender-te-ias, applaudir-se-á, etc., applaudir-nos-emos,
entender-vos-eis, amar-se-ão, etc.»

É o que diz o capataz dos grammaticos da lingua
portugueza, E agora o que é bom é que: quem, fiado
nestas regras, entender que vai bem, está muito enganado.
Segundo dizem os puristas, é preciso lêr os classicos,
e é preciso ainda mais saber quem são os classicos,
pois ha duvidas tambem nisto.

De maneira que um provinciano, um dos antigos
colonos internados
(v. a decicatoria do Idioma do
Hodierno Portugal
do dr. Paranhos da Silva) que não
tem meios de ter á mão os classicos para lê-los e relê-los
diutúrnamente, fiado no mestre pode (e não é só — póde,
tem de) cair necessariamente em erro trocando o logar
aos pronomes! Quem não teve tempo, vagar, meios ou
tambem gosto (sim, gosto meu amigo, permitta-me que
o diga, isto não se impõe), quem não teve gosto para lêr
Bernardes, Vieira, Garrett, Castilho, Castello Branco,
Amorim, Pinheiro Chagas, Eça de Queiroz, D. Maria
não tem licença de escrever em portuguez; ainda que
seja essa a sua lingua, que falla todos os dias, ainda que
se cinja aos preceitos da grammatica philosophica, ainda
que leia outros escriptos portuguezes, não escreve bem
si não ler os classicos, entre os quaes parece que não
contam Camões, Herculano e outros.17

Incerteza e capricho das regras sobre a
collocação dos pronomes

No mesmo numero da Revista Brasileira, em que
Arthur Barreiros diz «Depois das palavras a, e, ao, mas,
escreve-se o pronome depois do verbo e ligado por
um traço de união —», o visconde de Araguaya diz:

«Esquecem que a orthographia de uma lingua
nasce com ella e se fixa com as obras etc.»

E desgraçadamente para mim, que tenho alguma
ogeriza ao vernacuto, que applaudo ex corde a insubordinação
proclamada pelo dr. Paranhos da Silva,
estou mais pelo e se fixa do visconde de Araguaya
do que pelo e fixa-se da regra grammatical.

Mas, dir-se-ha, o exemplo do visconde de Araguaya
não procede, porque justamente aos brazileiros
é que se increpa a má collocação dos pronomes.

Vejamos em outros si as conjuncções e e mas obrigam
sempre á pospôr-se o pronome ao verbo.

Em escriptos antigos ahi temos:

Si o mundo vos tiver odio e vos perseguir
Diz frei Bartholomeu dos Martyres. Outro purista
porem me declarou que vos precede á perseguir
não por amor da conjuncção e, mas por amor da
conjuncção si lá mais atraz.

Bem. Contudo já não ha essa complicação das
conjuncções no seguinte que é de Garcia de Rezende
«E muito cedo e logo aquelle dia á tarde o mandou
chamar e lhe deu
a commenda».

E tambem em João de Barros «Té que aprouve
á Deus de o levar para si e lhe succedeu no Reino
o duque de Beja.»18

«Foi esta nova tão alegre para Abderamen…
que, poucos dias depois de circumcidarem a Garcia
Jambez e lhe pôrem nome Çulema, lhe entregou…»

E lhe pôrem contra a regra do e e contra a
regra do infinitivo.

Da mesma maneira em Vieira «Chamam á este
reo para dar suas testimunhas… e lhe dizem»

E mais adiante o mesmo Vieira.

«E se deve reparar que estas prisões» Isto é do
classico Vieira e note-se que esta linguagem, frequente
nos escriptos desse padre, me tem sido increpada por
vezes como gallicismo: et on doil remarquer que.

«E em vindo el-Rei da See com o Príncipe e
o Duque, e com muito grande estado, lhe sahiu a
rua cantando com um pandeiro na mão D. Briolanja
Anriquez, dona muito honrada, mulher Dayres de
Miranda, e el-Rei com prazer a tomou nas ancas da
mula, e a levou assi com muita honra onde a Rainha
estava».

Garcia de Rezende não diz: e sahiu-lhe, e tomou-a,
e levou-a
. No primeiro caso podem allegar que
está lhe sahiu por haver um longo complemento
adiante do e, e do mesmo modo no segundo caso
com prazer podendo ser substituido por um adverbio,
podem dizer que a tomou está na regra. Mas
no terceiro caso e a levou não resta duvida de que a
regra foi-se (se foi deve ser vernaculamente).

Ainda mais a 2.ª regra de Castilho é formalmente
transgredida em Elrey a tomou nas ancas da
mula
; a oração começa pelo agente e o pronome está
anteposto ao verbo.

«O qual ardil foi, que elle Tuam Maxeliz havia
de fugir delle Rei Mahamud com titulo de aggravos
19e se havia de ir à Malacca.» João de Barros transgride
duas regras simultaneamente: a do dr. Teixeira
de Mello que no infinito dos verbos manda collocar
os pronomes depois
; e a de A. Barreiros já citada á
respeito do e.

Contrariando a 2.ª regra de Castilho e a do e
conjuncção, ao folhear os livros antigos vae-se achando:

«E se pernas e pés não te faltaram,
Os pés e mãos humilde te beijàra
Hyssope

«E do mais que a dormir move e convida
Se vê aquella terra bem provida»
cerco de diu

Talvez digam que são descaídas dos auctores
antigos em que a lingua ainda não estava bem limada
e polida. Pois vejamos classicos modernos.

E’ de Pinheiro Chagas «Em Madrid tambem se
recitaram poesias e se fez a festa com grande pompa»
Devia estar e fez-se não só por causa do e mas
ainda por amor da 2.ª regra de Castilho.

«Ao vê-la, pois, enleado
Perco o siso, o verbo, a ideia,
E um desejo audaz se enleia
Neste peito meu bronzeado»

Isto acha-se (ou se acha?) no Cancioneiro Alegre
e é de um soneto de Gonçalves Crespo. A conjuncção
e não obrigou o se para depois de enleia nem ainda
reforçado pelo agente do verbo, (2.ª regra de Castilho).

Do proprio J. Feliciano de Castilho ou de seu
irmão, modelos de classismo e pureza, acham-se exemplos
20de transgressão da regra que elle mesmo estabeleceu.

«E’ a humanidade que hoje vive e se agita e
se revolve
e pratica».

Não escreveu: e agita-se e revolve-se.

Replicar-me-ha o dr. que é porque neste caso quem
goyerna e determina a anteposição do pronome se
aos verbos é o relativo que e o adverbio hoje.

Bem. Nos seguintes trechos não ha nem relativo
nem adverbio e Castilho disse:

«E com esta barbara solemnidade se celebram as
festas
deste pagode.»

«Em Lisbôa se preparava uma elegante escadaria

«A primeira quando Manoel volta,… para casar
com a Catita e a encontra etc.»

Não se dão por vencidos ou convencidos os puristas
e dizem que nestes exemplos os sujeitos estão — ou depois
do verbo, ou occultos.

Vá feito. Nos seguintes porem acham-se sujeito
verbo e complemento, que pela regra devem ir consecutivamente
na ordem em que os declinei, mas não vão:

«Eu te conto o que sei»

«Com a maior satisfacção me assigno»

«Algumas vezes a politica lhe é leito de Procusto»

Tudo isto é de Castilho, e tambem ha de R. Ortigão
e de outros.

«Quando vieram as crianças… todas as cabeças
sa descobriram… muitos olhos se toldaram».21

Abrindo-se ao acaso Bocage ou qualquer classico
ahi achamos:

«Satyras prestam, satyras se estimam.
Bocage

Egual cousa nos fez perdendo o Tejo
Arrostar c’o sacrilego gigante.»

«A camara reuniu-se logo, e ambos aquelles senhores
se-lhe-apresentaram»

Neste ultimo exemplo a primeira oração dentro da
regra; a segunda porem? Tambem pula para fora da
regra o seguinte, que é de Castilho:

«Poucos homens illustrados a repulsam por convicção,»

Dir-se-ha que aqui vigora a regra da grammatica
citada por Fernandes Pinheiro Junior, a qual entre
os quantitativos que exigem a anteposição dos pronomes,
comprehende pouco, pouca, poucos, poucas? Porem
Castilho tem muitos dizeres como:

«Elle me ponderou que…» onde se vê 1.° o agente
2.° o paciente 3.° o verbo, tudo seguidinho e em
opposição formal á regra 2.ª do mesmo Castilho.

«Querem limpar a carepa á nossa custa; uma
canalha! raios os partam (Brazileiros apoiaram vehementes
— Muito bem! sim senhor!)»

Isto é do gaiatão senhor C. Castello Branco por
bocca de Euzebio Macario, que não é dos brazileiros
de lá vindos que para lá regressam, é luso puro.

E Camões, que no meu entender sempre servirá
de norma, tambem a cada passo diz da maneira
seguinte, fallando lingua de colono internado22

«No recostado gesto se assignala
Um venerando e prospero senhor;
Um panno d’ouro cinge e na cabeça
De preciosas gemmas se adereça

Si disserem que o primeiro exemplo se assignala
não vai contra a 2.a regra de Castilho, porque o agente
não está antes do verbo, é incontestável que o segundo
e se adereça está contra essa regra e ainda
contra a da conjuncção e. Ainda é de Camões:

«Ficava o charo Tejo, e a fresca terra
De Cintra; e nella os olhos se alongavam

A conjuncção, depois o agente, depois o pronome
complementar e afinal o verbo: e não o pronome depois
deste.

Em João de Barros temos:

«Parte dos quaes, por fugir o ferro dos nossos…
se lançaram á uma lagoa… outros se mettiam…»

«Affonso de Albuquerque desesperado de o poder
acolher
, n’aquelle proprio dia se passou á ilha.»

Alem do se passou contra a regra 2.ª ainda vemos
o poder acolher contra a do infinitivo.

A mesma historia temos com as adversativas mas
e porem que conforme o dr. Teixeira de Mello e
Arthur Barreiros querem pronome posposto.

«Porem m’atenho antes com quem isto assim
o crê» (Miguel Leitão)

«Mas só no caso d’elle a merecer «Diz d. Maria
Amalia, apezar do infinitivo e apezar do mas, antepondo
o pronome ao verbo.»23

Mas nós, como pessoas magoadas.
A resposta lhe demos tão crescida,
Que em mais que nos barretes se suspeita
Que a cor vermelha levam desta feita.»

E com esta citação de versos do velho Camões
podiamos dar o basta…

«Mas, sezões me chova a lua
Si na sucia nãp se encontra
Mais d’um arraes de falúa»

E’ do padre Correa d’Almeida, brazileiro, mas
excepcional, e de quem diz Camillo C. Branco no Cancioneiro
Alegre
«Não está o senhor padre Correa
na turba dos elogiados caprichosamente por Castilho.
Tem graça, metrifica nitidamente, folheia o seu Tolentino,
e é mais erudito que o que se espera n’estas
brincadeiras de entrudo»

Si não nos esquecermos, lá mais para diante, á
proposito de outras incorrecções grammaticaes dos
brazileiros, voltaremos á este «que o que se espera
nestas brincadeiras» do muito classico e muito vernaculo
Snr. Castello Branco. Aluga-se casas é gallicismo
condemnado pelos senhores rigoristas, que o
que se espera
é gallicismo (e solecismo) auctorisado por
classico.

Em Camões á cada passo exemplos como o que
segue:

«…mas sem falta
De progenie de Jupiter se exalta»

«Mas tambem d’esta obra nos quizeram defraudar
os nossos visinhos.» São palavras de Pinheiro Chagas.
24

Nos anteposto apezar do mas, e alem disso, quando devia
ir para depois do infinitivo, como impõe outra regra
que exigia dizer-se: defraudar-nos.

«Mas elle de todas as cousas se esquecia n’aquelle
tempo.» Diz Barros, postergando duas vezes
a regra que manda pospôr o pronome, isto é, porque
ahi está a conjuncção mas, e porque, conforme a
2.ª regra de Castilho, o sujeito precede ao verbo.

Transgressão desses dous preceitos se acha tamtem
no Garrett, e ahi temos:

«Ás torturas da dor resiste a vida
Da linda Branca, mas razão lhe foje

E lendo em um discurso: «destas ultimas palavras
parece duzir-se que D. C. não solicitou a doação que
obteve, mas o convidaram para esse fim.» Um rigorista
averbou de gallicismo mas o convidaram, dizendo que
os nossos senadores são incorrectissimos na linguagem!
Ai Camillos e criticos!

Bem estamos vendo que a 2.ª regra de Castilho é
transgredida por diversos e por elle mesmo á cada
passo; vejamos ainda mais alguma cousa delle que vale
a pena:

«O que devemos ao império do Brazil, perguntais!
o que á nenhum outro devemos, vos responde
(e não responde vos) o paiz inteiro.»

«Inqueri um por um todos aquelles… que tem
ouvido… e elles vos dirão… Consultae… e um
choro unisono vos dirá…
Escutae e elles vos responderão…»

Irado reclama o meu amigo e diz que truco de
falso pois aqui está conforme e regular a phrase, porque
impera a regra do futuro, que não admitte o
25pronome posposto, e eu não tenho remedio sinão
concordar; mas noto só: que já é outra regra nova, que
ella não vem nem no mestre J. S. Barbosa, nem nos
outros, que etc.

Desta maneira para cada caso irão (e vão) os puristas
inventando regra nova.

«E assim pelo contrario, quando são bons os
cabos, se crê (on croit) serão melhores» O pronome é
anteposto não por causa do e ou por outra qualquer,
mas por causa do assim adverbio; dizem-me.

Os incorrectos brazileiros, guiando-se só pelo ouvido
seriam capazes de dizer «E assim pelo contrario,
quando são bons os cabos, serão melhores,
crê-se. E porque não o poderiam fazer?»

Lendo-se os livros do hodierno Portugual parece
de facto que, conforme a regra de J. F. de Castilho,
geralmente «quando a oração começa pelo verbo
ou pelo seu agente, o verbo antepõe-se ao pronome.»

Mas de que a regra é arbitraria e de invenção
moderna aqui vão mais exemplos:

«Poucos dias depois do governador partido, se
embarcou
Eitor da Silveira» (Diogo do Couto)

«Depois da sua chegada logo o governador se
embarcou
» (Idem)

«E depois de lhe tirarem o substancial, lhes deram
logo.» (Idem)

«E o capitão mór com os navios de remo se foi
invernar». (Idem) E aqui com a circunstancia aggravante
de haver um infinitivo que segundo a respectiva
regra queria o pronome no fim.

«E a poucos golpes os sujeitou á todos» o pronome
anteposto até apezar da conjunção e.26

Replicam-me que é por causa da phrase adverbial
à poucos golpes. Quem póde com os censores?

«Clarimundo lhe contou então.» E’ de J. de Barros.
O adverbio então apezar de posposto, obriga a anteposição
do pronome?

«As musas carinhosas lh’embalaram o berço.»
Diz J. F. de Castilho elogiando um poeta nosso.

«Estes se fazem de uma massa.» Pharmacopea
citada, no Dicc. de D. Vieira.

«Disse: e ao collo furioso se-lhe-lança
E
na face tres beijos lhe pespega

Diniz da Cruz no Hyssope não se importa nem
com o e nem com a 2.ª regra de Castilho, e pespega
os pronomes antes dos dois verbos principaes.

Em Camões, que, repetimos, é quem sempre nos deve
servir de guia e isto apezar da sentença de Castilho,
abundam os exemplos:

«Talhas lhe punham d’uma e d’outra parte.»

Se disserem que aqui não é o caso porque não
é o sujeito que antecede o verbo, temos outros exemplos.

«A noite negra e feia se allumia
C’os raios em qu’o polo todo ardia.»

«Ella lhe prometteu, vendo que amavam,
Sempiterno favor em seus amores.»

Tambem em qualquer livro ao acaso se acham exemplos;
assim em F. Gomes de Amorim.

«A gloria te saúda
Poeta victorioso»27

Abrindo em qualquer parte o Misanthropo do visconde
de Castilho, ahi temos:

«O mundo o sabe; e honestas
E homens sérios, lá vão abrilhantar-lhe as festas!
E o senhor no passeio abraça-o…»

Liberdade completa! o antes de sabe e depois
de abraça, tendo cada um desses verbos o seu sujeito
ahi: o mundo, o senhor.

E ainda em cima o lhe depois do infinitivo sem
se lhe dar do vão precedido de adverbio ! Este
adverbio é um dos que pela 1.ª regra de Castilho
exigia o pronome anteposto. Conforme a 1.ª regra
de J. S. Barboza e de A. Barreiros tambem o lhe
podia estar antes ou dépois de vão.

«Ao tempo que se despediram para ir fazer a
batalha, a donzella de Tracia se chegou á Floriano.»
E’ do Palmeirim, assim como o:

«Triste vida se me ordena

E ainda:

«O imperador o tractou com o amor e gasalhado etc.»

E ainda:

«Esta determinação sua o fez fazer á muitos

Onde de mais a mais se nota o fez fazer que se
aponta como gallicismo.

Esta anteposição dos pronomes nas orações principaes,
menos usada hodiernamente (como bem mostra
a 2.ª regra de Castilho), apparece com frequencia
em Vieira. Depois, em Santa Rita Durão e em
28José Basilio da Gama, que nunca foram censurados
de menos classicos, ja se acha cousa assim:

«Mas quando tudo com terror fugia,
O bravo Jacaré se lhe põe diante
Durão

«E os olhos já nadando em fria morte
Lhe cobriu sombra escura e ferreo somno
Durão.

«Cepé que o viu, tinha travado a lança,
E atraz deitando á um tempo o corpo e o braço
A despediu
J. B. da Gama.

E aqui temos no lhe cobriu, no a despediu a transicção
para o horroroso me parece, o acho, lhe fallei,
tão condemnado pelos puristas.

Na sua 1.ª regra Castilho estatue que certos relativos,
certas conjuncções e certos adverbios querem
o pronome anteposto ao verbo.

O mesmo dizem Arthur Barreiros e o auctor da
grammatica citada por Fernandes Pinheiro Junior
Ambos elles enumeram vários adverbios e conjuncções
que requerem a anteposição dos pronomes.

Entra no rol o adverbio ou conjuncção assim,
que tambem é expresamente apontado por Castilho.

Pois bem:

«Assim pode-se dizer egualmente bem.»

E’ phrase do mestre, de J. S. Barboza, e onde?
na 1.ª regra que delle transcrevemos!!!

Si fosse exacta a regra de Castilho, de A. Barreiros
29e de Pinheiro Junior o mestre devia escrever:
«assim se póde dizer egualmente bem.» Em nome
della á mim me corregiram o eu dizer «assim contava-se
em minha terra» e emendaram-me para: assim
se contava
. Puristas d’uma figa!!

E não é só isto. Pelas regras que dão sobre o
infinitivo essas palavras de J. S. Barboza deviam estar
nesta ordem «assim pode dizer-se egualmente bem.»

E note-se que é desta maneira que nos casos
identicos usam Pinheiro Chagas, Castello Branco, Eça,
Ramalho e mais classicos modernos.

Como ha-de a gente entender estas regras? O se
fica bem collocado antes do pode, entre este verbo
e o outro, e á final depois de dizer.

«Com tudo parece-nos que» Dizem a cada passo
Pinheiro Chagas, Castello Branco et reliqua, e eu
pergunto: com tudo não é adverbio ou conjuncção?
e tudo não é um dos collectivos (enumerados pela
tal grammatica), que querem o pronome antes do
verbo?

«Emfim tem-se visto quem faça de sanbenito
gala.»

E’ phrase de J. F. de Castilho, sem duvida
muito regular, e que seria condemnada (como galliscimo,
dizem) si fosse mudada para «emfim se tem
visto
, etc.»

Emfim não é adverbio? não é dos que exigem
a anteposição do pronome, dirão. Com tudo acha-se
em Fernão M. Pinto:

«Mas emfim, depois de passar em Malaca muitos
trabalhos, se embarcou em dia de S. João do mesmo
anno em um junco pequeno… e ao outro dia pela
manhã se fez a vela e se partio etc.»30Nem o mas nem o e tiveram força para pospôr
o se aos verbos, e parece que valeu mais o adverbio
emfim.

«Ainda no mez passado
Arranjava-lhe o rapaz,
Tinha um logar despejado
E vai de repente—zás!
Apparece outro afilhado.»

Tambem para Antonio de Cabedo (que fez poesias
comicas de rara sensatez, diz o editor do Caucioneiro
Alegre
) o adverbio ainda não obrigou a anteposição
do pronome.

Um purista enragè me replicou que havia
sophisma, que não são todos os adverbios que exigem
a anteposição do pronome etc, etc.

Poderia citar-lhe em resposta o paragrapho 73°
do Cap. 4.° da parte 4.ª da grammatica de Paulino
de Souza. Mas como a regra desse paragrapho é muito
mais generica, e cuido eu que vigora do mesmo modo
em todas as linguas neo-latinas, ficará isso para depois.

Por emquanto só lembro ao meu amigo a 1.ª
regra de Castilho (a mais rigorosa,) tambem sustentada
por Gama e Castro e por Arthur Barreiros e
até pelo dr. T. de Mello. No numero dos adverbios
que querem a anteposição do pronome estão e
Entretanto na celebre lua de londres de João de
Lemos vê-se:

«Em Portugal o teu rosto
De riso e luz é composto;
Aqui triste e sem clarão;
Eu lá sinto-me contente
E aqui lembrança pungente
Faz-me negro o coração.»31

E lá foi-se pelos ares a regra com que tanto se me
tem martellado a paciencia, dizendo-se-me com Castilho
(pag. 70 da Revista Brazileira de 1 de Julho): lá te espichaste
(e não lá espichaste-te) n’aquella minha phrase do
principio deste periodo, que á cada instante me sáe da
bocca porque de facto é muito brazileira, e os vernaculos
apenas a ouvem, emendam logo «lá se foi pelos ares» ou
antes lax foi plux árex.

(Escrevo x valendo ch francez, sh inglez, ou sch allemão,
porque assim o indicam Castilho, os puristas, e
os sonicos; mas x pelo consenso quasi unanime tem som
muito differente nos alphabetos aryanos).

O aqui é outro adverbio que tambem quer o pronome
antes do verbo, mas aqui (neste logar) lá mandou-o
para depois o João de Lemos

«Adeus cá faz-me tanto mal amor»

Nas trovas e cantares temos pronome posposto
á verbo, quer seja adverbio aqui, quer seja conjuncção
(caso em que é mais grave) significando
porque ou do que.

«Hoje occupo-me com o pampa»

Vem nas questões do dia. Mas, á proposito deste,
alguem me lembrou uma regra de Paulino de Souza
que diz «Nos verbos reflexos pode ás vezes pôr-se
o pronome regime depois do verbo, consultando todavia
o ouvido… hontem lembrei-me, ja tinha-se
ferido.»

O visconde de Almeida Garret tambem diz:

«Hoje dá-se aos condemnados tempo sufficiente para
se prepararem.»32

Segundo os preceitos dos mestres devia ser hoje se dá
ou então começando a phrase pelo verbo: dá-se hoje.

E assim para cada caso, com tanto que seja
usado pelos classicos modernos (porque elles são os
donos da lingua), vão-se inventando novas regras!

Estão de certo no mesmo caso dos adverbios os seguintes
exemplos, porem pela nossa parte assentemos
que: falha a regra dos adverbios.

«Não façamos officio de divulgar… as historias
escandalosas, e finalmente appliquemo-nos á ser senhores
de nós mesmos.
(Cartas do Cavalleiro de Oliveiea.)

Si governa a regra da conjuncção e, está direito;
mas porque então não vigora a do adverbio (1.ª regra
de Castilho)?

«Todavia cumpra-se o dever» E’ de Castilho e
tambem o seguinte:

«Entretanto submetta-se

Tudo muito regular no meu entender, porque são
phrases imperativas (como veremos), porem rigorosamente
é contra o preceituado á respeito de adverbios,
que tambem limita para conjunções, preposições, e ainda
outras partes da oração.

Castilho procede até com liberdade, porque em
um logar diz:

Agora elle disseca-me a mim.

E em outro logar:

Já agora me não emendo.

N’um caso o me posposto ao verbo, n’outro caso
preposto e sempre começando pelo adverbio agora.33

E contrariando a regra dos adverbios tem-se delle
os seguintes exemplos:

«Já agora metti-me n’esta hei-de ir até ao fim.»

«O alfaiate então levantou-se para perguntar.»

E um purista bradava contra a incorrecção de
um verso de brazileiro que dizia:

«Então achou-se a triste frente á frente
Com o seu implacavel inimigo.»

E em Castilho ainda se acham outros exemplos:

«Depois, vindo a vez do politico, manifestou-se-me
elle.»

«Mas depois subverteu-se pelo chão abaxo.»

Diz-se-me que depois não é dos adverbios que
exigem a anteposição do pronome. Em escriptos antigos
temos:

«Pera depois se vêr; depois se foi; Blasonão
de la Brunda que se depois chamou duque de Galez,
etc.» Onde o pronome é anteposto até ao mesmo
adverbio.

«Nunca pôde saber novas delle, porque inda
que alguns foram onde pousava, encobria-se de feição,
que crêram que era outro.» f. de moraes, Palmeirim.

O porque figura expressa e formalmente entre
os vocabulos (enumerados quer por A. Barreiros, quer
pela grammatica de que falla F. Pinheiro Junior)
que rigorosamente exigem a anteposição do pronome
complementar ao verbo.

E «não obstante» que é phrase adverbial, que por
vezes entra em orações complementares da natureza do
chamado ablativo absoluto em latim, e que portanto
34nada influe sobre a oração principal (a qual pode
subsistir tirada a oração complementar) não obstante
disse um rigorista que exigia o pronome anteposto
e teve a cachimonia de censurar por incorrecta a
seguinte phrase de um nosso senador.

«Não obstante, acceite-se a possibilidade do acontecimento
e apreciemos por outra face a questão.»

E eu concluo, meu amigo, mostrando-lhe a irracionalidade
de taes rigorismos; porque, não obstante
se acceite
a auctoridade dos mestres, deve-se pensar
primeiro no que se diz, e não obstante elles, faz-se
o que dicta o bom senso, conforme as occasiões prepõe-se
ou antepõe-se o pronome de modo que satisfaça
ao pensamento.

«Isto por duas razões: porque os tratantes ajudam-se
e encostam-se uns aos outros; outra, etc.»

Acabo de apanhar isto em um folhetim de J. Cesar
Machado. O se posposto aos verbos apezar do porque,
está me parecendo, que é por causa do uso inconsciente
do hodierno portuguéz, pelo qual formulou Castilho a
sua 2.ª regra, e o dr. T. de Mello e A. Barreiros a da
conjuncção e.

«E este mesmo dizerem que os tinham (captivos
em outra parte é a maior prova de não serem nem
poderem ser escravos; porque, se verdadeiramente o
foram, tiveram-nos sem duvida nas suas casas e aldeas,
e não em terras alheias e tão remotas, que
gastam um e dous mezes no caminho os que os vão
buscar.»

Apezar dos pezares e em classicos da ordem de
Vieira ahi temos depois de um porque o verbo com
35o pronome posposto e isto muito regularmente; com
effeito a oração onde funciona porque em ultima analyse
é principal, porque equivale ahi a conjuncção
conclusiva pois, e então é livre a collocação do pronome.
Em o foram era de rigor o pronome anteposto
pelo condicional si ainda mais reforçada pelo
adverbio. Em os que os vão buscar não obstante
parecer ser obrigatoria essa collocação por causa
do relativo, com tudo vê-se que podia tambem ser
os que vão busca-los.

Esta ultima forma as vezes é preferivel e ás vezes
até é obrigatória «Eis porque cá vim; é porque me
mandaram dizer-lh’o.» Ja se vê que lh’o dizer seria
anteposição do pronome condemnado pelo dr. T.
de Mello e Arthur Barreiros; porque? por ser gallicismo?
E si a phrase fosse negativa como deveria
ficar? não posso dizer-lh’o, não posso lh’o dizer, ou
não lh’o posso dizer? ou ainda lh’o não posso dizer?

Eu cá por mim repito pura e’ simplesmente: O
excessivo rigor que querem na collocação dos pronomes
só servirá de pêar o enunciado do pensamento,
e por muitas vezes até estropiará o que se pretendia
dizer. Acima das regras caprichosas mandando pôr
os pronomes antes ou depois, conforme certas particulas,
está o bom senso, e vale mais a clareza e a
precisão do que se diz.

Umas das regras mais rigorosas da syntaxe é a
que exige pronome anteposto aos verbos em todas
as orações de que relativo ou conjunctivo. Que diz-se
á tal respeito? que dá-se ahi um dos mais graves erros
increpados aos Brazileiros incorrectamente pospondo
o pronome ao verbo precedido de que.36

O commendador Montòro é escriptor primoroso
e diz:

«Foram duros annos de provação em que muitas
vezes faltaram os meios, augmentaram as dividas,
viu-se o futuro arriscado.»

«J. J. F. M. á quem deveu-se a creação do
fundo de reserva.»

«Devemos tambem mencionar entre os primeiros…
J. B. T., que occupou-se seriamente com os deveres
de seu cargo.»

Dirão que o commendador Montóro já está abrazileirado,
e falla como o commendador Bento debicado
pelo Castello Branco no seu impagavel Eusebio Macario?

Pois é de Theophilo Braga no Parnaso o seguinte
trecho:

«Destas uniões regularmente contrahidas resultou
uma raça, cujos homens tem-se sempre destinguido
pelas suas proporções, força physica, coragem
indomavel, resistencia ás mais duras fadigas.»

E é de Eça de Queiroz o seguinte:

«Andava-se em pontas dos pés, porque o senhor,
na excitação nervosa que lhe davam as insomnias,
irritava-se com o menor rumor.»

«Porque taes questões, quando enterreiradas, resolvem-se
por si mesmas.»

J. F. de Castilho. tambem se esquece da regra.
Até este, sem embargo do porque, vai collocar o pronome
depois do verbo!

E’ do mesmo J. F. de Castilho o seguinte:

«Sempre te quero dizer que o pimpão…, …
saiu-se com outras…»37

La vai obra de outro.

«… que nas poesias enviadas ás suas amadas…
ou lhes não fallava nos pés, ou… abstinha-se de
lhes chamar
pequenos.»

A conjunctiva que teve força, talvez ajudada pelo
não para obrigar o lhes a preceder o verbo, mas foi fraca
para o se que lá se foi para depois de abstinha, talvez
para poder reforçar a preposição de para que esta
chamasse á si o pronome lhes preposto á chamar.

E’ da maior importancia este exemplo do muito
classico C. Castello Branco, no qual se vê o incorrectissimo
modo de fallar que… abstinha-se.

Já vê o meu amigo que não tem razão quando
assegura que, em orações de relativo (que, qual,
quem
, etc) ou de conjunctivo que só os brazileiros
se atrevem á pospor os pronomes, e os portuguezes
nunca o fazem.

«Estas e outras circunstancias me convencem
de que, embora o estylo seja exclusivo etc, as partes
da oração são-lhe ministradas pelo companheiro etc.»
Aqui temos em J. F. de Castilho são-lhe em vez de
lhe-são subordinado ao de que. Não é só; ahi temos
me convencem cantrariando a 2.ª regra do proprio
Castilho.

«O curioso é que o termo applica-se não menos
á causas inaminadas.»

Depois de que e bem pertinho vem o pronome se
posposto ao verbo.

Em escriptor do Porto vem assim:

«Chegaram á tocar os sinos porque ao horror da
trovoada juntava-se a chuva torrencial.»

João de Barros alem de classico foi grammatico e
38nelle se acham amostras de transgressão formal da
regra dos relativos.

«O qual, vendo que por algumas vezes que deu
combate á Medelá não o podia entrar, ordenou-se
modo de o ter cercado.»

O qual ordenou-se é um dos erros condemnados
por Castilho, por J. S. Barbosa e á final por
todos.

Parece que segundo as regras do infinitivo
tambem seria melhor de te-lo, mas emfim ahi haa
resalva da preposição que dá licença.

«Essa observação vem envolta em phrases por
tal forma lijongeiras… que, apezar de muito costumados
á benevola generosidade…, assiste-nos antes
de tudo o dever de lhe agradecermos…» …

E de nós tambem agradecermos ao senhor Pinheiro
Chagas o favor de commetter os mesmos
vicios do linguagem, tão increpados aos Brazileiros
que tem o desaforo de suppor que assise-hes razão
em se pospôr o pronome ao verbo depois de que.

Temos visto até aqui exemplos de relativo ou conjunctivo
simplesmente com pronome posposto á verbo
nas formas simples da conjugação.

Si admittirem-se exemplos de tempos compostos com
infinitivos e com gerundio, ahi, em virtude de regras
bem differentes, até o mais ordinario e usual é o
pronome enclitico, como já foi notado.

«Nisto entrou o vigário que foi sentar-se defronte.»

José F. de Castilho, questões do dia.

«… As taes famílias
Em que seus quatro avós vão inxertar-se
S. Pinheiro citado nas questões do dia.39

«Defendeste-o dos covardes, que pretenderam
feri-lo
Gomes de Amorim.

«Na carta que vai tér-se
J. F. de Castilho.

«Alem disso as suas famílias… teriam novamente
que envergonhar-se…»
G. de Amorim.

Trecho inteiramente identico de um romance
brazileiro foi censurado por um purista, que qualificou
esta linguagem de incorrectissima até por peccar
contra a regra do infinitivo pessoal, e a corrigia
assim «as suas familias teriam novamente de que se
envergonharem

Segundo o que se vê dos classicos modernos a
regra a cerca de que (relativo ou conjunctivo) não
tem valor algum quando entra em jogo o infinitivo
(e talvez o gerundio). Será porque predomina
a que dão o dr. T. de Mello e A. Barreiros para o
infinitivo e o gerundio que querem sempre o pronome
complementar posposto? Parece.

«Nas noções que passo á dar-te
O meu estro se resente
Da falta d’engenho e d’arte.»

Vem lá no cancioneiro alegre de C. Branco.
Mas apezar de ser de um purista traz o meu estro
se resente
contra a 2.ª de Castilho.

Si com o infinitivo não vale a regra do que
relativo, tambem não vale a do que conjunctivo,
40da conjuncção se, das outras condicionaes, das negativas
e dos adverbios.

«Si não pode pois imputar-se á elle pensamento
reservado, attribuam-se, etc.»

Este exemplo é de Cincinnato (Castilho) e como
este ha muitos outros, como: «Não o obriga á deixar-se;
o que me obrigou á chama-lo á contas,» etc.

«Que ha-de fazer a gente senão alegrar-se
E’ do Sr. C. Castello Branco. «Que ha de fazer o homem
si não procura-la por toda a parte até emfim
acha-la
? e qne ha de fazer si não acha-la? que havia
eu de fazer si não achei-o

Este ultimo é brazileirismo censurado á cada passo,
porque ahi está o adverbio não em oração que tem o
verbo no preterito do indicativo. Pois então a negativa
não, principalmente precedida da condicional si, só exige
anteposição dos pronomes quando o verbo não está no
infinitivo? Ou será porque elles lá é que são os donos
da lingua
?

Nós realmente, não somos donos de cousa alguma,
nem da nossa casa.

«Si pudesse iguala-los» é tambem de Castello
Branco; parece porém que os compatriotas preferem «si
os pudesse egualar

«E pois que a alma não pode guindar-se.» E
do mesmo senhor; dicto isto á Vieira ou á antiga
(como já demos exemplos) seria «e pois que a alma
não se pode guindar» ou ainda melhor «se não
pode guindar

Castilho mesmo, e outros do classico moderno, nos
fornecem exemplos de se não importarem com o infinitivo
e de obedecerem ás outras determinativas do
logar do pronome.41

«Deu logar á que elle se podesse manifestar.
Quem melhor se quizer convencer.
Não sabia como elle havia de se finar.»

Nestes tres exemplos de Castilho, em que se posterga
a regra do infinitivo o que é que obrigou á
anteposição do pronome se? No primeiro caso foi o conjunctivo
que? e no 2.°? o relativo quem e adverbio melhor?
(Entre parenthesis, meu amigo, não posso
deixar de observar-lhe que muito se me tem amolado
a paciencia com o galliscismo do adverbio melhor
(mieux) que os rigoristas me não admittem no
que escrevo ou digo porque melhor (meilleur) em portuguez
é adjectivo.)

No 3.° caso sem duvida foi o como que chamou
á si o pronome complementar.

Mas como se ha-de a gente guindar, ou como
ha-de se guindar a gente, ou como ha-de a gente
guindar-se
á altura do purismo e correcção do portuguez
castiço?

No § 76 do L. 4.° tractando da collocação dos pronomes
diz Paulino de Souza:

«Nos verbos reflexos pode pôr-se ás vezes o
pronome paciente (regime) depois do verbo, consultando
todavia o ouvido; mas em geral é melhor pô-lo
antes; hontem lembrei-me, já tinha-se fervido

Dar-se-ha caso que Paulino de Souza por morar
em Paris, se tivesse esquecido da lingua vernacula?
Mas a ser assim, pelo mesmo facto de viver em terra
franceza devia tender á cair em construcção de phrase
á franceza, e não á faze-la como ahi acima que é
diametralmente opposto ao galliscimo: hontem lembrei-me.42

Qual a regra verdadeira? a de Paulino de Souza
consultando todavia o ouvido, ou a de Castilho e
de Gama e Castro condemnando peremptoriamente
os: sempre enfatuaste-te, nunca admireime, já foi-se,
antes diverti-vos, lá vão-se
pelos ares os preceitos?

Não se zangue meu dr.; são estas minhas impertinencias
que arrancaram do meu amigo uma regra
mais geral á cerca dos adverbios, conjuncções etc
por meio da qual se precisam mais convenientemente
os casos nos quaes é de rigor a anteposição
do pronome ao verbo, e aquelles em que é mais livre
a collocação, e pode-se attender mais ás exigências
do ouvido (ou podem-se attender mais as exigencias do
ouvido
, como quizer, meu doutor.)

Falham as regras que mandam pospôr os pronomes
aos verbos em presença de certas conjuncções;
falham tambem as que os mandam antepor
em presença de certos adverbios, conjuncções etc, e
não fica nisto.

Falham ainda as que mandam pospôr o pronome
aos gerundios e aos infinitivos.

«Ha ja tempos que esta revolução de ideas e
sentimentos se vai no Brazil operando.» São palavras
do correcto Cincinnato nas questões do dia.

«Para que a gradual emancipação se vá effectuando»
E’ ainda delle.

Não citaremos muitas amostras do infinitivo porque
ahi superabundam os exemplos da mais ampla liberdade
e adiante vamos examinar mais por miudo o que
lhe diz respeito.

Notarei só de passagem ao meu amigo (o que
melhor do que eu já sabe) que a regra do infinitivo
implica com outras.43

«Na carta que vai lêr-se» de Castilho, e em
muitos outros trechos dos classicos modernos, vê-se
de preferencia o pronome enclitico ao infinitivo, porem
bem considerado, pela regra do que, deve ser proclitico
e pela regra de Arthur Barreiros pode occupar tres
logares differentes, e portanto as regras não valem de
nada, é livre a collocação.

Os dous exemplos de Castilho, que estão acima,
vão de accordo com o que diz J. S. Barboza na 1.ª
regra, e com outra regra mais formal de Paulino
de Souza, mas vão de encontro á regra do dr. T.
de Mello acerca do gerundio. O seguinte, de Theophilo
Braga, é de outra especie:

«E immediatamente mandou-lhe cortar a cabeça
e tirar o coração.»

Por causa do adverbio immediatamente (1.ª regra
de Castilho) devia ser «lhe mandou»; a regra de infinito
pedia «cortar-lhe» e então muito naturalmente
tambem «tirar-lhe»; este ultimo feitio satisfaz mais
á lógica.

Em Vieira acham-se exemplos do pronome com
os infinitivos occupando logares mui differentes.

«Na parte que não pode occultar-se á experiencia.»

Está o pronome depois do infinitivo sem embargo
do que e do não que antecedem ao verbo
principal. A mesma cousa ainda no seguinte com
dous adverbios.

«E assim prudencialmente deve considerar-se

Mas já é differente em:

«Mas em pronunciado um homem no santo officio
o mandam prender44

O pronome está anteposto ao verbo principal e
com a circunstancia aggravante de transgressão da
2.ª regra de Castilho.

O mesmo se dá em «e se deve reparar» que
demais a mais traz a conjunção e.

E ainda o mesmo em:

«Estes que mal se sabem benzer, e que se lh’o
perguntarem, não hão de saber explicar»

Si Vieira tivesse posto o pronome complementar,
eu quizera que os puristas me dissessem onde devia
ficar: explica-lo? sabe-lo explicar? não no hão-de
saber explicar
? Tudo isto tem justificação nas taes
regras, e sem justificação n’ellas ainda elles admittiriam:
o não hão-de saber explicar.

«Era-lhes necessario um alimento mais robusto,
uma litteratura mais seria e só a podiam encontrar
na sociedade civilisada dos antigos povos.»

O senhor Pinheiro Chagas não quiz botar: e só
podiam encontra-la
. Por causa do adverbio só?

Cincinnato criticando Senio dizia:

«Eram cinco horas da tarde, estava quasi noite,
il etait presque nuit! pois não! adiante que a molestia
dos francezes pega-se, dizem, horrivelmente.»

Sim, respeitavel Castilho, pega mesmo (no Brazil
preferem o neutro pega ao reflexivo pega-se). Contaminadissimo
desse mal, entre outros da sancta terra,
foi, é e está o muito distincto sr. Pinheiro Chagas
que pensa em francez e escreve em portuguez vernaculo.
Dahi os apuros de traduzir litteralmente o
francez nourriture, de modo que não parecesse francez,
e afinal não achando um bom qualificativo para
nourriture, substituiu-lhe un aliment sain mal
45traduzido «Il leur fallait un aliment sain, une litterature
plus serieuse et qu’ils ne pouvaient rencontrer que
dans la societé civiliseé des peuples antiques.»

Quanto ao alimento robusto, esse é de gloriosa
e merecia a attenção de Castilho, que não tolerava sorver
de um boccado
, porque sorve-se liquido, e boccado é solido.

Todos sabem o que é a figura robusta e valida
do Adamastor, o que é um homem robusto, um
coração robusto, á fé robusta, idade robusta, agricultor
robusto, mão ou peito robusto, cavallo ou planta
robusta, musculos robustos etc; mas alimento robusto,
isto é, vigoroso explique o sr. P. Chagas; para
nós de cá é o mesmo que pão válido.

Os puristas arrogam-se o direito de censurar a
incorrecção dos brazileiros, reservando-se porem a
faculdade de transgredir as regras, quando bem lhes
parece. Diz um delles (que escreve correspondencias
para o Jornal dos Commercio):

«Vai enthesourando todas as acquisições e vai-as
augmentando
com os fructos preciosos do seu saber.»

Conforme a regra que dão para o gerumdio devia
ser vai augmentando-as, e só com isto evitava-se
o vaias. E não é só; a conjunção e tambem pedia
o pronome lá para o fim. Afinal, deixando de parte
as duas regras á respeito do e e do gerundio, ainda
se podia dizer, com J. S. Barboza e as vai augmentando.

Com cacophatons como vaias, diz-me um purista
que se não deve importar um escriptor serio; os outros
porem podem ser mais sensiveis e não querendo tolerar
asperezas que ferem os ouvidos acham que seria
46preferivel a incorrecção de Bernardo Guimarães nos
seguintes versos á Aureliano Lessa.

«O canto do inspirado em vão soára
Entre as turbas descridas;
Em vão; no somno vil da indifferença
As acha adormecidas.»

Ou então a de Gonçalves Dias em:

«Se nodoas tem, uma excellencia as caia»

Vem este verso e outros do Dias com o complemento
pronominal anteposto ao verbo em oração que traz o
agente tal e qual o fez tambem o B. Guimarães, contra a
2.ª regra de Castilho, que na realidade o é para os
classicos hodiernos.

No auto da barca do inferno dizia Gill Vicente
in illo tempore:

Anjo. Tu que queres?
Parvo. Quereis-me passar alem?
Anjo. Quem es tu?
Parvo. Não sou ninguem.

E no em tanto o mestre J. S. Barboza logo na
sua primeira regra declara que para evitar a cacophonia
ou dissonancia nascida da collisão das consoantes
asperas já não fica bem dizer
: vós louvaes-vos.

Como é isto, mestre? impões-nos assim a tua regra?
Como é .isto, puristas? pespegais-nos sem mais nem
menos os preceitos, que vos acodem á cabeça? Mas
então dizei-me:

De que maneira deveria fallar o Parvo de Gil
Vicente?

Não lhe vejo outra sinão o castelhanismo increpado
aos brazileiros: me quereis passar além; ou então
47o moderno-lusitanismo: quereis passar-me alem; que
pronunciado á moda dos puristas passar-m’além quebra
um pé ao verso.

Evitar a cacophonia nascida do collisão das
consoantes asperas
em louvaes-vos! Ora, teve bôa
lembrança o mestre! max cal-se u c’lono int’rnado, não
lh’r’sponda
, porque perderia o seu latim.

Entretanto os donos da lingua (segundo a phrase
do meu amigo) lá se reservam a faculdade de jogar
com os pronomes (e com a lingua toda) como muito
bem lhes parece.

«A mais solida gloria a considero.
Em que o ’spirito meu tenha descanço»

Ahi temos o pronome a, que neste caso vale tanto
como aquella, proclitico ao verbo, cousa que de modo
nenhum é admissivel, e que para ouvidos brazileiros
é intoleravel. Não se supponha que se censure a anteposição
do pronome por si, mas a anteposição do
pronome a; os outros pronomes que não são procliticos,
ou encliticos, como outro qualquer accusativo,
podem preceder ou succeder ao verbo. Ao geito do
velho Camões, e sem ficar errado o verso, podia bem
dizer-se: Solida gloria aquella considero, ou ainda
visto não haver consoante obrigado: Solida gloria
considero aquella
.

E esta é do Conde de Azevedo, que, diz o Sr.
C. Branco, «tinha a singularidade phenomenal de ser
sabio e rico, e escreveu jocosamente muita poesia.»

Luctando contra o rigorismo intransigente dos
puristas, o meu amigo sabe que tenho tentado entender
a questão e descobrir a razão das regras que
elles formulam, pois devem ter uma razão de ser; mas
48não é facil isto; e repetirei o que já tenho dicto nas
nossas discussões: Não sabem o que preceitúam. E
si pudermos formular regras que expliquem os factos
não são elles quem no-las daráõ. As mais geraes são
do meu amigo.

Preliminarmente deve ficar estabelecido que
quando não houver razão logica ou grammatical que
obrigue á determinada collocação e disposição, o que
dicide a questão é a euphonia e o uso, e neste caso,
perdoe-me o meu amigo, tanto vale o uso de lá como
o de cá; é um dislate dizer-se elles sao donos da lingua.

Isto se fundamenta na regra 1.ª do mestre, já
citada (Liv. 3.° Cap. 4. Art. 3 § 3.°), corroborada
por Arthur Barreiros que diz «n’outros (casos) varia
(a collocação dos pronomes), e como que fica depentente
do ouvido de cada um.» Com a opinião auctorisada
de Castilho tambem se reconhece que «phrases
ha em que o uso dos doutos (e porque não o dos
indoutos?) concede liberdade mais ou menos ampla
para indistinctamente antepor ou pospôr aos verbos
os pronomes. Nisto concordam mais ou menos todos,
e o logar dos pronomes se dicide en consultant toutefois
l’oreille
,» diz Paulino de Sousa.

Depois ha-se de ver (ou ha de vêr-se, ou se-ha
de vér
e não ha-de-se vêr ou ha de se-ver, que condemnam
os puristas como brazileirismo, não sei si
só por questão de enphonia, ou si tambem por offender
a logica ou a syntaxe. Mas diziamos:) Depois ha se
de vêr ainda que não é só a collocação dos pronomes
o que pode concorrer para a verdadeira elegancia da
phrase, e sim tambem a collocação das outras partes
da oração, e ainda a disposição das mesmas orações.
Ha-se de vér tambem que, além da collocação dos
49pronomes e das outras partes do discurso, tem influencia
capital o valor absoluto, a significação das particulas
e das palavras empregadas, donde resulta essencial
differença do fallar portuguez para o fallar
brazileiro, sem que no entanto assista ao grammatico
e ao inculcado purista o direito de condemnar o
fallar do brazileiro por incorrecto.

Procedamos porem por partes e examinemos qual
a collocação dos pronomes com os verbos 1.° nos
modos do infinitivo 2.° no indicativo e imperativo
(no indicativo as grammaticas englobam outro modo
differente, mas em tempo tractaremos disto; só
Caldas Aulete é quem parece presentir a existencia
desse modo, tractando de tempos relativos) 3.° na
modo subjunctivo.

Antes de irmos adiante é preciso notarmos: os
puristas se preocupam muito com a collocação dos
pronomes me, te, se, lhe, lhes, nos, vos, o, a, os, as;
mas com a dos pronomes agentes eu, tu, elle, ella,
nós, vós, elles, ellas
? e com os pronomes demonstrativos?
e com as pessoas dos casos regidos mim, ti,
si
, etc? Não importará isto nada para correcção da
phrase? Para eu fazer ou para fazer eu uma minuta
correcta devo eu ou eu devo collocar o pronome
sujeito antes do verbo ou depois delle?

E’ só na grammatica de Paulino de Souza que
se encontram algumas regras á respeito disto; os outros
todos se encommodam é com a maneira phantasista,
doida, caprichosa
de empregar os pronomes me, te,
se, o, a, etc

Tambem nada preceituam os puristas para os
casos em que concorrem dous pronomes, talvez porque
até no incorrecto brazileiro, apezar da ausencia de
50preceito, não se inverte um em relação ao outro, e
se-nos-impõe ou impõe-se-nos (e não nos-se-impõe) a
collocação por si mesma, por mero effeito do uso, ou por
exigi-lo o ouvido.

Note o meu amigo que não pretendo nem convencer,
nem converter o purista, pois quando elle empaca, empacou
mesmo, e não ha modo de tira-lo dahi.

Ha poucos dias estive com um destes, e como aconteceu-me
(me aconteceu, deve ser vernaculamente) ter á
mão o Bernardim Ribeiro, tive occasião de verificar
que o purista não sabe á quantas anda á respeito de
regras, e que é por mero capricho, ou simples habito do
ouvido que diz: isto é bom, ou isto é máu.

Contrariando a regra de J. S. Barbosa (que não
admitte accento para traz da penultima syllaba) mostrei-lhe
o seguinte de Bernardim Ribeiro:

«O mais delle, quéro-volo eu deixar de dizer, porque
é em tudo tão acabado que etc.»

O homem pulou de raiva (são sempre assim), mórmente
quando lhe disse que Bernardim Ribeiro, si fosse
vernaculo podia dizer, respeitando a regra do infinitivo
(que quer o pronome posposto): «quero eu leixar de
dizer-volo» Ou ainda melhor respeitando a regra da
preposição de (que quer o pronome anteposto ao infinitivo):
«quero eu leixar de vo-lo dizer.»

Pulou o homem e saíu-se com esta regra: «Quando
o pronome sujeito vai depois do verbo, os pronomes
complementares vão antes delle.»

Esta regra é bôa e exacta (cousa rara da bocca de
um purista) mas não justifica as outras e pelo contrario
as invalida, e é regra nova. Elle é dono da lingua e
inventa regras quando quer.51

Para convencê-lo da improcedencia da regra de
Castilho (que manda pospôr o pronome complementar
quando ha presente o sujeito ou quando vem no principio
a conjuncção e) mostrei-lhe no Bernardim Ribeiro.

«Lamentor se apeou rijo e quando chegou» Menina
e Moça
, pag. 41.

«E o olhou de seus olhos» Menina e Moça pag. 124.

«Avalor a servia encuberta e muito secretamente.»
Idem pag. 125. «Ella chegando-se para elle à
passos vagarosos, e tomando-o pela mão, lhe dizia»
Idem pag. 125. «A outra tomou-te Arina (aqui conforme
a regra tomou-te); tu te lhe deste» Idem pag. 126.

Tu te lhe deste contra a regra do purista, e demais
á mais, não podendo ser de outra maneira. E porque?
quando mais não fosse porque não ha ouvido de brasileiro
que tolerasse tu deste-te-lhe conforme a regra de Castilho.

Contra a regra geral do infinitivo, e que particularisam
em relação á preposição de citei o seguinte,
sempre de Bernardim Ribeiro.

«Outro se desse só por se querer dar. Não diriamos
que não tinham ambos vontade de dar-se; porém diriamos
que etc.» Menina e Moça pag. 126.

«A bôa tenção, ou má, é fóra desta culpa; mas não
se vê, se não por derradeiro, quando alguem queria não
na vêr.» Idem pag. 121.

Segundo os puristas devia ser ou não na queria vêr
ou não queria vê-la. Na fórma em que está no Palmeirim
parece até um germanismo.

São temiveis os vernaculos: ha tempos um que
aqui dava leis queria que se escrevesse a conjuncção
condicional si e não se, porque se faria confusão com o
pronome; agora outro quer que se escreva se e não si
porque faz confusão com o pronome!!!!52

Collocação dos pronomes com o gerundio,
com o supino e com o infinitivo

«Nos participios activos, gerundios ou participios
do presente nunca, diz o dr. Teixeira de Mello, se
devem antepôr os pronomes etc.»

Queira perdoar comtudo o meu amigo que, não
obstante a sua autoridade, em se vendo a gente em
certas circumstancias deve ser permittida a anteposição
do pronome ou gerundio, como acontece quando
este é regido de preposição.

Desmentido á regra acha-se á cada passo nos
classicos, e classicos da ordem do visconde de Castilho,
pois é elle quem diz:

«Ora estas aguas extravasadas de rupturas, de
vêr está que vão alagar as lavoiras, os pastos e
as mattas das bordas d’agua; portanto ahi estão
n’um marnel e tremedal, que em lhe apertando o
sol no verão, por força se ha-de desatar em peste.»

E’ tirado dos colloquios aldeões, e do mesmo
livro é o seguinte:

«Quantas vezes tem esta communa sido açoitada
de granizo? Quatro sem contar com esta, que d’aqui
a nada nos está desabando no espinhaço.»

Aqui nem ao menos existe a preposição para
obrigar á antepôr-se o pronome ao verbo. Mas saltam-me
com a regra do que, e, sem insistir sobre
a incongruencia de regras que se contradizem, dou
outro exemplo do mesmo visconde de Castilho nos
mesmos colloquios (por tê-los à mão).53

«O mére, que as recebe, vae-as atirando para
o monte ao acaso.»

Já se vê: nem o cacophaton (que não deve preocupar
á escriptor serio como já disse que um rigorista
disse) teve poder para alterar a collocação, e
ahi temos vae-as ou vaias. Seria por ventura erro
dizer as vae atirando? seria gallicismo? mas neste
caso gallicismo auctorisado por J. S. Barbosa. E
tambem aqui neste caso o que vedava á Castilho de
seguir a regra que dão para o gerundio, dizendo
vae atirando-as, como quer o dr. Teixeira de Mello?

«Nos gerundios nunca se devem antepor os
pronomes.»

Nunca é como disse o dr. Teixeira de Mello. No
emtanto, contrariando expressamente o que é dicto pelo
illustre litterato, ahi vem na regra 1.ª de J. S. Barboza,
um trecho no qual elle diz «o pronome vae sempre
com os auxiliares ou d’antes — eu me estou louvando

Na tal regra elle só falla dos auxiliares ter, estar,
mas d’outros logares de grammatica se vê (ou vé-se)
que ir tambem é verbo auxiliar.

Este nosso venerando (e reverendo) mestre analysando,
no fim da sua grammatica, as duas primeiras
oitavas de Camões, no §2.° do Capitulo 6.°, transcreve os
dois versos:

«E aquelles que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando»

E depois de outras observações diz:

«Temos outra vez o verbo auxiliar ir conjugado
54com o participio (aliás gerundio) libertando para
denotar uma acção começada. Seu complemento
objectivo é o pronome enclitico se, que, como é
reciproco faz reflexo o verbo libertar, para a.sua
acção, produzida pelos agentes aquelles reis recair
sobre elles mesmos. O mesmo pronome podia
tambem estar depois do auxiliar, deste modo, vão-se
libertando
. Porem não depois do participio.»

Porem não depois do participio! e porque não?
Será por ser uma oração subordinada, que mórmente
está pedindo a anteposição do pronome por
causa do que? Porem é preciso lembrar:

«Sempre te quero dizer que o pimpão…saiu-se
com outras.» Onde se vê que Castilho diria tambem
«foi saindo-se com outras

Cousa idêntica dá-se (ou se-dá) com o infinitivo, mas
antes façamos uma observação.

No terceiro periodo ou paragrapho da 1.ª regra
transcripta de J. S. Barbosa elle tracta da collocação
do pronome nos tempos dos verbos compostos com os
auxiliares; e ahi temos exemplos destes:

Eu me estou louvando, e não estou louvando-me
como devia ser pela regra do gerundio em geral.
Segundo o mestre seria pois «elles o vieram trazendo
pela mão, vós me estais dando gosto, nós nos
vamos amando, ou buscando
etc.

Parece que se incorreria em brazileirismo, si, seguindo
a regra do meu amigo dr. Teixeira de Mello
se-dicesse: elles vieram trazendo-o, vós estais dando-me
gosto, nós vamos amando-nos, buscando-nos.

O mestre diz expressamente: nos compostos dos
55auxiliares estar, ter e dos participios o pronome
nunca vae depois deste, mas sempre com as auxiliares
ou d’antes
: eu me estou louvando; ou d’antes e
depois
: eu me tenho louvado ou tenho-me louvado.
(O que elle expende acerca das proposições condicionaes
será ventilado mais adiante;)

Entretanto supprima-se o sujeito (o que em portuguez
é muito bom e regular, porque as flexões
do verbo não estão apagadas como em francez, e
de facto são por vezes perfeitamente dispensáveis os
sujeitos eu, tu, elle, nós, vós, elles) e vae-se (vae-se
é outra questão á ventilar-se) cair no tão censurado
me estou louvando, me tenho louvado, me parece etc.

No caso do verbo estar parece que a 2.ª regra
de Castilho (inteiramente opposta á do mestre, pois
que diz: quando a oração começa pelo verbo, ou
pelo seu agente o verbo antepõe-se ao pronome
) tem
mais cabida, e concorda com a do dr. T. de Mello
á respeito do gerundio e temos: estou louvando-me
do quináu dado no mestre
(ou ao mestre.)

Mas no caso do auxiliar ter? este pede o.verbo
no supino (ou participio passado, dizem os grammaticos)
e por isso si se fosse applicar a regra de Castilho,
ou ampliar a do dr. T. de Mello (que vigora no
gerundio e no infinitivo) ao supino, ter-se-hia o dizer
incorrecto tenho louvado-me, que com razão se condemna
como grossa asneira. Porque? digam-no os
grammatistas.

O portuguez, oriundo do latim, tem muitas das liberdades
de transposição que neste se usava, com tanto que
não haja equivocos nem dissonancias ingratas ao ouvido;
e tanto é assim que podemos dizer muito elegantemente
louvado me tenho eu de ser rebelde. etc. A razão pois
56pela qual não se admitte o pronome posposto ao supino (ou
participio do preterito, como dizem) parece ser: o supino,
é mera fôrma de relação, nada significa por si só.

Alem disto o ouvido não tolera enclitica alguma
depois de participios, que já tem caracter muito pronunciado
de adjectivo e, ainda mais, de substantivo,
e por isso ahi está me depois de um supino mas.
proclitico do verbo auxiliar tenho.

«O pronome complemento colloca-se juncto ao
gerundio que admittir a preposição em, ex: chegando-se
ou em se chegando o tempo dos figos fervem
os amigos — Pedro está-se ou se está preparando para
o exame (e não está preparando-se.)»

Diz a grammatica citada por Fernandes Pinheiro,
mas houve nella equivoco. Não ha proposição alguma
no segundo exemplo que apresenta; e não devia
haver erro, si dicessemos com a regra do dr. Teixeira
de Mello: Pedro está preparando-se para o exame.

Essa grammatica errou seguindo J. S. Barbosa,
e abrange o gerundio na regra que tem applicação
para o supino;

Pedro julga-se ou se julga perdido (e não perdido-se;)
elles tem-se ou se tem enganado: ella
tinha-o
ou o tinha convencido. Tem razão J. S. Barbosa
ampliando a regra e applicando-a ao gerundio?
parece para alguns; e os exemplos do v. de Castilho
o confirmam. Mas vejamos.

Em geral o logar do pronome com o gerundio e
com o supino é o mesmo que com o infinitivo. Esses
tres modos do verbo combinam-se com os auxiliares
e formam os tempos compostos (dizem os grammaticos;
veremos opportunamente que os auxiliares são
57muitos, e que em vez de tempos compostos ha na realidade
verbos compostos.)

A unica cousa especial, que se tem de notar, é
que o supino nunca póde, como o infinitivo e o
gerundio, admittir o pronome posposto. Tambem, é
evidente, elle isolado jamais admitte pronome como
os outros dous modos: achar-me, achando-me, ir-se,
indo-se
; porque isolado, o supino não tem significação
alguma; é uma fórma de mera relação, como já dicemos;
vale quasi como uma desinencia.

Tomemos á vontade uma phrase qualquer com
verbos compostos, por exemplo dos colloquios aldeões
do V. de Castilho.

«A lei prohibe que…se atravessem no rio…
empecilhos…que possam occasionar-lhe o ir-se enlodando
e entupindo»

Com um pouco de attenção ver-se-ha (ou se verá)
que, trocando o gerundio pelo supino ou infinitivo,
este pelo gerundio ou supino, e este pelo infinitivo
ou gerundio, isto em nada influe sobre o logar do
pronome, excepto no supino que não admitte o pronome
posposto. Variemos os auxiliares que com o
infinitivo, o gerundio, e o supino, formam verbos
compostos.

«que vão occasionando-lhe
o ter-se enlodado e entupido
o enlodar-se e entupir-se etc. etc.

Excluido o supino que não admitte pronome enclitico,
vê-se que o pronome póde estar já com o
gerundio ou com o infinitivo, já com o auxilar, e58com este rigorosamente, logo que elle está composto
com o supino.

Examinemos pois, 1.° o gerundio, 2.° o supino, 3.° o
infinitivo.

O gerundio isolado, isto é, não regido de preposição
nem de outro verbo (caso em que fórma verbo composto)
quer o pronome posposto, o que de certo motivou
a regra geral do dr. T. de Mello.

«Dizendo-nos isso, saiu da sala.»

Quando é regido de preposição, diz Paulino de Souza
que o pronome regime póde ser posto antes ou depois do
verbo, e note-se que á esta regra contraria uma outra
mais geral do mesmo Paulino de Souza.

«Em dizendo-lhe ou em lhe dizendo.
Em vendo-a ou em a-vendo

O gerundio de ter rege ou se compõe com o supino
de outro verbo e então vigoram as mesmas regras. Diz
elle ainda:

«Tendo-lhe fallado, tendo o levado.»

Mas regido de preposição póde ser, segundo Paulino
de Souza:

«Em lhe tendo, ou em tendo-lhe fallado.
Em a-tendo ou em tendo-a levado.»

Já se vê: si em geral o gerundio quer o pronome
posposto, logo que elle recebe preposição prefere o pronome
anteposto, ou antes, é livre a collocação. Essa liberdade
é ainda maior quando elle é regido de outro
verbo, e o lugar do prouorae se regula pela concomitancia
59de outras partes da oração, pelo sentido da
phrase e afinal pela euphonia, como veremos adiante.

«E de arte nos inflammou,
Que nos vimos acolhendo
Do raio que nos cegou.»
Camões.

Nos precede o verbo auxiliar do gerundio por
causa do que? si não fosse isso podia ser tambem vimo-nos
acolhendo
e vimos acolhendo-nos? talvez segundo
as grammaticas; mas logo veremos que apezar
delles, nem essa limitação é razoavel.

A mesma cousa se dá (ou dá-se) com o outro verso de
Camões já citado, do.qual tirado o relativo é claro que
se podia dizer:

«Os heróes com façanhas valerosas
Se vão da lei da morte libertando,
Vão-se da lei da morte libertando,
Da lei da morte vão-se libertando,
Libertando-se vão da lei da morte,
Se libertando vão da lei da morte.»

A unica cousa que obriga aqui a collocacão é a
euphonia, a belleza do verso. No mesmo caso estão os
exemplos transcriptos do visconde de Castilho.

Mudando o tempo ao verbo, ou mudando mesmo o
verbo só para não ficar errado o verso, vê-se que se
podia dizer:

«Irão da lei da morte libertando-se,
Estão da lei da morte libertando-se

O supino, já vimos que, não admitte pronome enclitico,
e como por si não tem significação, e sim só quando
composto com auxiliar, vê-se que não póde admittir
60preposição. Regido pois por outro verbo elle está nas
mesmas condições do gerundio, com a differença de não
admittir pronome enclitico.

Sirva-nos de exemplo o proprio verso de Camões
modificado.

«E aquelles que por obras valerosas
Se tem da lei da morte libertado

Se vai antes do auxiliar por causa do que relativo?
tire-se esse pronome subordinativo e teremos:

«Os heróes façanhudos e valentes
Se-tem da lei da morte libertado,
Tem-se da lei da morte libertado,
Da lei da morte tem-se libertado,
Libertado se-tem da lei da morte.»

E’ sempre a euphoma, a belleza do verso quem
marca o logar ao pronome, e não o capricho do grammatista,
meu caro doctor.

Com o infinitivo acontece a mesmissima cousa; elle
entra na composição de verbos do mesmo feitio que o
gerundio e o supino. A unica e principal differença é que,
o infinitivo póde ser e é regido de preposições diversas,
ao passo que o gerundio hoje só recebe a preposição em
(dantes recebia egualmente sem), e o supino nunca
póde ser regido de preposição, por ser apenas uma
fórma de verbos compostos. Os participios só admittem
preposição, perdendo o caracter de verbos e tornando-se
substantivos.

«No infinito (aliás infinitivo) dos verbos manda a
regra collocar tambem os pronomes depois, como na
phrase: ninguem poderá queixar-se; salvo construindo-se
61o verbo com as preposições de, para, por etc.;
como por exemplo: antes de expôr-te; havieis de nos
converter
; tenho para lhe oppôr ou oppor-lhe

Bem se vê que esta regra do meu amigo dr. T. de
Mello é exactamente a que vimos á respeito do gerundio.
Tem uma differença essencial, segundo se vê das regras
que citamos de J. S. Barbosa e da outra grammatica,
as quaes não admittem no gerundio «ninguem irá
queixando-se
» o se posposto ao verbo composto.

Donde resulta que no verso já citado de Camões,
em mudando-se (ou em se mudando) o gerundio para
infinitivo, temos:

«E aquelles que por obras valerosas
Sabem da lei da morte libertar-se»

Com o se posposto sem embargo de ser ahi o verbo
composto e de haver o relativo que.

Á ser exacta a primeira parte da regra do dr.
T. de Mello ahi temos rigorosamente estabelecido no
portuguez um italianismo; os pronomes sempre encliticos
do infinitivo.

Na segunda parte porém, já o meu amigo admitte
a liberdade de collocação, que a harmonia ou fôrma
musical da phrase é que determina
.

Mas que na 1.ª parte claudica a regra pelo menos
nos casos do relativo (e outros) vê-se no já citado
verso de Camões convenientemente alterado:

«E aquelle que por obras valerosas
Se libertar da lei da morte sabem (podem
querem etc).

E tambem no proprio exemplo do dr. T. de Mello;

«Ninguem poderá queixar-se» sem a menor
62duvida, apezar de S. S. poder mudar para «ninguem
se poderá queixar

No caso portanto dos verbos compostos, a posição
do pronome com o infinitivo é como com o gerundio,
e depende de outras determinativas, que governam
nos outros modos do verbo simples. Guardemos isto
para adiante.

Vejamos porém o infinitivo regido de preposição,
que, conforme Arthur Barreiros, tem regras especiaes.

Preposições á regerem verbo, naturalmento o regem
no infinitivo. O gerundio hoje só recebe a preposição
em (dantes recebia sem); o supino nunca póde
ser regido de preposição, é mera fórma de verbos
compostos; os participios só recebem preposições perdendo
o caracter de verbo, e tornando-se substantivos.

Nem Castilho, nem Gama e Castro, nem afinal
o mestre J. S. Barbosa prescrevem regra alguma
especial á este respeito, e assim, parece que o que
deve dicidir no caso é o ouvido. Paulino de Souza
dá regras que podiam ser generalisadas, mas falham,
e, admittidas ellas, ia por terra a regra geral dos
infinitivos. Quando muito seria licito dizer em geral;
«Quando o infinitivo não é regido de preposição é
preferivel propôr-se-lhe o pronome ou pronomes (como
se vê mesmo em a nossa phrase aqui); quando regido
de preposição é quasi sempre mais euphonico antepôr
ao verbo o pronome.»

«De todas estas quarenta palavras (consideradas
preposições pelos grammaticos) só dezeseis são preposições
sem duvida alguma, á saber: A, ante, apoz,
até, com, contra, de, desde, em, entre, para, per,
por, sem, sob, sobre. As mais todas ou .são nomes ou
63adverbios, e como taes devem ser tiradas da posse
injusta em que as pozeram nossos grammaticos.»

Diz J. S. Barboza no Art. 1.° do Cap. 5.°

Destas quinze preposições (e não dezeseis porque
per e por estão hoje confundidas em uma unica) ha oito
que muito naturalmente podem reger verbos no infinitivo,
e são as que já estão indicadas por typo versalete.

Segundo as observações de Arthur Barreiros, e
observações bastante exactas na realidade quanto aos
classicos modernos, ha duas (em, sem) que os vernaculistas
empregam de preferencia com o pronome anteposto
ao verbo, uma (a) com o pronome posposto, e as
outras cinco indifferentemente, ou antes, á vontade.

A grammatica citada por F. Pinheiro Junior diz:
«Porém se o infinito fôr ligado por preposição que
não seja a, o pronome complemento póde-se collocar
antes ou depois do infinito.»

Qual o motivo logico ou syntaxico que póde determinar
esta differença? nem um evidentemente. É
pura e simplesmente a euphonia quem dá a lei no
caso. Demais acham-se exemplos de pronomes anteposto
ao verbo com á (accentúo a preposição, depois direi
porque) e posposto com sem e em, e por conseguinte não
tem licença, não podem os vernaculos condemnar como
incorrecção de phrase a transgressão de uma regra destas,
inteiramentecerebrina.

«O ceu te guiou a me livrar da morte»

È de Rodrigues Lobo.

«A me quereres tu ajudar, vencerei.»

Era e é muito frequente esta fórma com infinitivos
pessoaes.64

E afinal contra a regra do á estão ahi á bradar os
bellos versos de Camões:

«Como doudo corri, de longe abrindo
Os braços para aquella qu’era vida
Deste corpo, e começo os olhos bellos
Á lhe beijar, as faces e os cabellos.»

E de poeta brazileiro, que máu grado os puristas
disse bem:

«Á te chamar estou e não respondes.»

Pronome posposto á infinitivo com a preposição
sem:

«Ambos os levaremos sem deter-seCorte Real.

«Dous grandes e altos cadafalsos com rodas por
dentro, que homens faziam andar, sem vêr-se como
andavam.» Garcia de Rezende.

«O affecto violento da alma… não póde nunca
sem amesquinhar-se, ser comparado ao objecto material.»
É de J. F. de Castilho.

O classico Vieira á cada instante apresenta em
seus escriptos dizeres como:

«Naquellas prisões, em que muitos estão seis e
oito annos sem confessar-se

«Está ahi muitos annos sem confessar-se

«Sem ouvirem mais nem escrever-se nada disto,
que póde mover as pedras, os mandam logo para o
carcere.»

Retruca-me um rigorista que nada prova este ultimo
exemplo, porque a conjuncção nem não é a preposição
sem! O rigorista é quem sabe, nós outros não;
65eu lhe digo que nem é outra particula, que tambem
requer a anteposição do pronome (está nas expressamente
enumeradas por A. Barreiros e F. Pinheiro), e
responde-me elle que não regula no infinitivo! Eu lhe
digo (ou digo-lhe) que «nem» está em logar de«e sem» e
elle me responde que é sophismar. Afinal para não me
dar por vencido de todo, apontei-lhe «os mandam» com a
anteposição do pronome em oração principal.

Posposto á verbo com ajpreposição em:

«Para quem tam mal contente
Está de tal casamento
Nam era ao mundo nem á gente
Em tirar-me de tormento.»
Christovão Falcão.

«Fazes mal em contradizer-me» Gomes de Amorim.

«… que bem sabe.
Que dias ha que em vêl-a se recreia.» Camões.

«Nada mais facil effectivamente do que ter-nos
succedido isso, até em assumptos mais importantes, e
não teriamos duvida em confessal-o.» (Pinheiro Chagas
no Sentimentalismo e historia de C. C. B. p. 124.)

A cousa toda se cifra em que na realidade hodiernarnente
usam pospôr os pronomes ao infinitivo regido
de à e antepôl-os ao infinitivo regido de em ou sem.
Mas por fazerem-no assim os puristas modernos segue-se
que seja isso de rigor? e porque se nos classicos
antigos, se acham exemplos em contrario?

«Pozeram-me na pia o nome de Severo
timbro em no merecer.—Pois meu amigo, espero
me não ha de negar que…»66

Apezar de serem do visconde de Castilho, é certo
que seria mais agradavel ao ouvido.

«Em merecê-lo timbro.—E meu amigo espero.»

E logo que a questão é de euphonia vejamos cá:

«Em amar-me se entretem
Se consome e se agonia,
Em me vêr durante o dia
Pelo menos uma vez,
Diz-me que consolo tem.»

Tirada a liberdade de collocação ahi temos cacophonias
em m’amar se entretem, verme durante o dia.
Censuráram á José de Alencar o cacophaton m’amar,
mas cuido eu que no escripto de Alencar não havia
tal cacophaton. Os brazileiros, como bem notou o dr.
Paranhos da Silva não gostam, como os portuguezes,
da apocope nos pronomes e por isso não é possivel a
cacophonia em m’amar. Como é que os brazileiros,
que antipathisam com accumulações de consoantes
(p’reira, m’elaço, q’stão, pr’tenção, t’stamento, etc.) á
ponto de introduzirem vogaes para desdobrar as articulações
á moda dos tupis (obejecto, obeservar, buscais-ella,
etc.) lá podiam dizer m’amar? muito pelo contrario
o que delles se podia ouvir seria antes miamar
(como o assegura o engraçado senhor Castello Branco.)

Entre parenthesis, note o meu amigo que este sagaz
e chistoso litterato é infeliz quando quer macaquear a
linguagem dos brazileiros. Veja só isto que vem nos
brilhantes do brazileiro pag. 55. «Aqui tem vuce a
r’zão purq’eu trouxe da minha terra duas r’prigas vôas
e vunitas qu’ m’amam com todu affecto.»

Tal linguagem é possivel sómente na bocca
67d’aquelles que só se tornam brazileiros depois que regressam
d’alem mar para a sua terra com a burra a deitar
por fòra
(phrase delles.)

Eu apenas alterei a escripta para indicar a pronunciação,
mas a construcção (que é por onde se conhece
a incorrecção brazileira, dizem), veja o meu amigo,
que é vernacula e castiça. Não se irrite, pois, e não diga
que não sou justo na minha apreciação.

E quando se complica a phrase com mais de um
pronome, qual é a regra que nos dão para a collocação
delle? (sua collocação dizem os puristas e eu não admitto,
veremos o porque.)

«Em me achando eu na cidade, em eu me achando
na cidade, em eu achando-me na cidade, em achando-me
eu
na cidade; na cidade em eu me achando, ou em
me achando eu, ou em achando-me eu, ou achando-me
eu

Diga-se-me: qual destas collocações é a errada?
qual dellas é a que nunca é licito empregar?

E quando se complica a phrase com outro gerundio,
com outro infinitivo e em geral com outro verbo, e
outras partes da oração?

Estando eu procurando-o e não achando-o, podemos
dizer? E porque não?

Estando eu procurando-o e não no achando?

Não é só questão de puro ouvido, de elegancia de
phrase e de claresa no enunciado? Parece que condemnariam
como gallicismo estando eu o procurando, mas
então não no achando tambem será? E a negativa
influe ahi, tal qual influe nos outros modos e tempos
do verbo ou não?

Estando a procural-o e não no-achando parece
que está na regra, e assim tambem sem o achar (segundo
68a regra de Barreiros); e porque não tambem
em achal-o, pela regra do infinitivo do dr. T. de Mello
e outros?

Estando eu o procurando, ou estando eu á o procurar.
E’ gallicismo e por isso o condemnam; e o medo
desse gallicismo, parece, é o que motivou a inventiva
da regra para a preposição à. Mas então como deve
ser? não estando eu a procural-o? ou não no estando eu
á procurar
? Não no podendo nós achar? ou não podendo
nós achal-o
? Indo eu para o procurar ou para
procural-o
? estando nós por procura-lo ou por o procurar?
Si à o procurar é gallicismo, porque não o
será tambem por o procurar? Questão de mero ouvido,
mais nada, ou então a regra é outra, que não souberam
os grammatistas inferir dos usos.

Por tanto: mandar-se pospôr o pronome aos infinitivos
e aos gerundios, assim sem mais nem menos e
inventando regras, é pura e simplesmente despotismo
de grammatico e pretenção de governar a lingua, que
se governa por leis naturaes, mas não pelos caprichos
de quem quer que seja. Não concorda, meu docto?

Si a collocação dos pronomes nos infinitivos dos verbos,
regidos de preposição, é livre e só depende do sentido
da phrase e do ouvido, liberrima é essa collocação
quando o infinitivo é regido por outro verbo, ou antes
essa collocação depende de outras circumstancias, para
as quaes talvez haja regras. Vou vê-lo está direito, e
assim tambem não vou ve-lo; mas não vou o-ver dizem
que está errado, pois deve ser não o vou ver, tambem
admittem ve-lo não vou, e ainda melhor à ve-lo não
vou
Tem bôas as puristas!

A presença da negativa na phrase é tal, que vem á
dar com a regra do gerundio por terra; e na realidade
69não se sabe si devemos dizer não deixando-se levar
pelas apparencias
ou não se-deixando levar pelas apparencias
ou ainda não deixando levar-se pelas apparencias.

No primeiro caso respeita-se a regra de «pospôr-se
ao gerundio o pronome» mas transgride-se uma regra á
cerca dos adverbios; no segundo caso acontece o inverso;
no terceiro vai-se pela regra do infinitivo.

Para concluir o exame da posição que deve occupar
o pronome com os infinitivos citemos ainda palavras de
Arthur Barreiros: «Quando na oração concorrerem dous
verbos e um pronome, escreve-se o pronome ou depois do
primeiro ou depois do segundo verbo, ligado por um
traço de união.»

Isto quer dizer que o pronome é sempre enclitico
à um dos verbos, e por isso diz Arthur Barreiros, que é
errado quer se-ferir, póde se-attribuir, onde o pronome
é proclitico do verbo no infinitivo, e aconselha o pronome
enclitico, e que se diga: póde attribuir-se ou
pode-se attribuir, e quer referir-se ou quer-se referir.

Em primeiro logar J. S. Barbosa chama enclitico
sempre ao pronome que faz corpo com o verbo, quer
seja elle posto no principio, quer no fim. E, o que é
mais interessante, em certos casos prefere (regra 3.ª já
transcripta) o pronome, não enclitico nem proclitico,
mas (dá-me licença que diga mesoclitico? espero mostrar-lhe
que não é expressão absurda) collocado no meio,
e na fórma que Arthur Barreiros considera «arrevezada»:
falar-lhe-ha, levar-lhe-hemos, leva-lo-hemos, applaudir-vos-heis,
oble-la-heis
, etc.

Quando na oração concorrerem dous verbos, segundo
Arthur Barreiros, o pronome é enclitico. E quando concorrerem
mais de dous verbos? perguntamos nós. E
quando concorrerem mais de um pronome?70

«Tambem se-disse quererem elles insubordinar-se
duas vezes o pronome se (relativo a dous sujeitos
diversos) e ainda o pronome elles e tres verbos consecutivos,
com algumas inversões admissiveis. Collocação
inadmissivel aqui seria se-disse tambem (por ser
proclitico?), e para que não haja incorrecção querem que
então seja disse-se tambem. Demais condemnam ainda
quererem elles se-insubordinar (se proclitico), mas pelo
que parece da regra de Arthur Barreiros não é errado
quererem-se insubordinar, ao passo que mudando o
modo ao verbo seria muito correcto que se-queriam
insubordinar
ou queriam insubordinar-se.

Variemos a phrase e ahi surgem as mesmas duvidas
sobre a collocação dos pronomes: tambem se-disse
querermos
ou quererdes insubordinai-as. Além da
mudança de disse-se tambem já examinada, pela regra
parece incorrecto os-querermos insubordinar (com o
pronome proclitico) e não seria incorrecto querermo-los
insubordinar
.

Os puristas costumam dizer: olhe que se-póde
arrepender
(G. de Amorim) prepondo o pronome ao
verbo principal por causa do conjunctivo que, mas
pergunta-se: o que veda dizer-se «olhe que póde arrepender-se
Nada; os puristas tambem assim fallam.

Os rigoristas apurando a collocação dos pronomes,
(já o notamos anteriormente) não cogitam do pronome
subjeito (ou do nominativo), e só consideram as variantes
(á que chamam variações) dos pronomes (que chamariamos
antes pronomes dos casos reg idos. Pois é pena, meu
doctor, que se não lembrassem de ensinar-nos tambem
onde ó que deve ficar o pronome subjeito em phrases
do infinitivo como: tambem se declarou querer eu imputar-lho.,
ou lh’o querer eu imputar, ou querer-lh’o
71eu imputar, ou querer imputar-lh’o eu etc. Ou em
phrases do gerundio como: chegando eu á casa ou em
chegando eu á casa
ou em eu chegando á casa achei-o,
ou o-achei, dei-lhe a noticia. ou lhe dei eu a noticia etc.

Quando a phrase se complica com adverbios (principalmente
os negativos) e com relativos apparecem
outras duvidas: por se não poder fazer a cousa não
se fez; por não se-poder fazer, por não poder-se fazer
,
e ainda por não poder fazer-se! O pronome se occupa
quatro logares differentes, sempre correctamente e a
irregularidade, segundo os senhores puristas, seria só
no caso de ser elle proclitico ao segundo por não poder
se-fazer
! E se me fosse licito eu lhes perguntaria si tambem
não é proclitico em por não se-poder fazer, e por
que razão não consideram isto gallicismo?

«Em lhe isto eu ouvindo,
Fui pera lhe-responder,
Mas depois de o-dizer
Contra donde tinha vindo,
Se-me-tornou á volver
Christovão Falcão.

Pode-se ou não trocar (pole ou não trocar-se) a posição
dos pronomes dos seguintes modos?

«Em ouvindo-lhe eu isto, em isto lhe-ouvindo eu,
ou ouvindo-lhe eu; em lhe eu isto ouvindo, ou ouvindo
isto
, etc.»

Tambem não seria licito «mas depois de dizel-o»?
e «tornou-se-me á volver»?

E nem mesmo em virtude da regra da preposição á
não seria licito, não era bonito dizer: «tornou á volver-se-me»?
Porque? digam-no os inventadores de
72regras. Eu não lhe descubro outro motivo sinão a euphonia;
é só o ouvido quem (ou que) decide a questão.

E note o meu amigo, por vezes não é só a euphonia
que determina o lugar do pronome, é a exactidão e
precisão da phrase. Já disso vimos exemplo acima.
Aqui temos outro que tiro do Palmeirim de F. de Moraes.

«Albayzar, que sentiu sua fortaleza, desviava-se
delle com muita desenvoltura, fazendo-lhe dar a maior
parte de (e não dos á moda do hodierno). seus golpes
em vão.»

Está «fazendo-lhe» não pela regra do gerundio só,
pois podia tambem o lhe ir para depois de dar e muito
na regra. Está «fazendo-lhe» muito bem, porque em
phrase abrazileirada se podia dizer (podia-se dizer ou
podia dizer-se) com infinitivo pessoal e muito na syntaxe
«fazendo elle dar seus golpes no ar.» Si se
arrumasse o lhe para depois de dar a phrase teria
outro sentido; em brazileiro seria dar nelle e não elle
dar
como vimos. (Opportunamente veremos que o lhe
do hodierno, tal qual o si, usurpa muitas vezes funcções
que lhe não cabem, e é insulsamente incorrecto).

«Se me soubesse rir, agora é que eu me ria

São palavras que o v. de Castilho põe na bocca
do Misantropo, e que por não ter á mão um Moliére
não posso cotejar com o original para saber o que
queria dizer o homem. Litteral e naturalmente saber
ahi nessa pbrase vale o mesmo que aprazer ou prazer,
e então o pronome está bem collocado, pois dicta
a mesma cousa á brazileira o pensamento seria:

«Si eu gostasse de rir, agora é que me ria.»73

(A 2ª phrase podia ser dicta pelos brazileiros de
outro modo, mas o meu amigo bem vê, que não é
possivel acudir de uma vez á tudo quanto suggere
o vernaculo dos classicos modernos.)

Si porém o verbo saber ahi foi empregado para
traduzir o francez savoir (que apezar de ter a mesma
origem sapere não póde significar plaire), a construcção
está errada, o complementar me rigorosamente devia
ser enclitico de rir, e si esse alexandrino fosse feito
por brazileiro, que, sem se importar com a incorrecção
grammatical, tractaria de dizer com exactidão a idéa,
respeitando a metrificação, ter-se-hia;

«Si soubesse me-rir agora é que me-ria.»

Seria anteposto me á rir contra a regra dos
puristas, mas de accordo com o senso commum, e,
o que é mais, do mesmo feitio (com differença do
tempo do verbo) como o emprega o v. de Castilho
na bocca do mesmo Misanthropo e quasi no mesmo
trecho.

«Odeio toda a gente
Com tantas veras d’almá e tão profundamente
Que me ufano dé ouvir que entre elles e eu existe
Separação formal. Temeu deixar me triste?»

O me precede á ufano e não podia ir de modo
algum com ouvir. No resto do ultimo verso acha-se
exactamente o opposto. Vê-se que racionalmente o
me se liga a deixar, e nunca poderia antepôr-se ou
pospôr-se á temeu.

Os exemplos adduzidos servem-nos para mostrar
que a magna questão dos vernaculistas (ao menos no
que diz respeito aos pronomes com o infinitivo e o
74gerundio) não passa de um capricho, e em ultima
analyse se limita á questão de euphonia. Mas aqui
então é que temos conversa, e fica para ao depois;
antes de lá chegarmos ha muito que vêr ainda, tanto
sobre collocação de pronomes, como sobre conjugação
de verbos etc. Por emquanto fique assentado, que á
juizo dos estrangeiros, os brazileiros tem mais ouvido;
os estrangeiros acham mais duro, ou muito duro, o modo
de fallar vernaculo, comparado com o brazileiro, e
muito mais agradavel e sonora a linguagem destes.
Nem admira; a musica falla por nós: si bem que atrazadissimos
em outros ramos de desenvolvimento, na
musica já nos pomos em competencia com as nações
que mais se fazem notar pelas producções de arte nesse
genero. Os portuguezes terão magnificos executantes,
porém musicos? maestros? Tem tantos como a soberba
Albion, apezar da prôa de Marcos Portugal.

O infinitivo pessoal, peculiar ao portuguez, por ser
pessoal não deixa de ser regido de preposição; como
ficam então os pronomes n’estes infinitivos?

«Pois dizei ao# turco que, entregando-me os prisioneiros
que tem, lhe darei á Albayzar; e se pera se
fiar
de mim não bastar dize-lo eu, lhe darei por fiador
á senhora Targiana, que, pelo que conhece de mim,
creio que o quererá ser
Palmeirim.

Já se tem visto que a anteposição de «lhe» á «darei» é
determinada rigorosamente pela conjunctiva que. O
que aqui nos cumpre examinar é o infinitivo pessoal:
se fiar regido de pera e com o sujeito occulto elle é
obrigatorio? Sem duvida que não, pois tambem seria
regular «pera fiar-se elle de mim.» Creio mais ainda que,
75em portuguez hodierno seria muito conforme: pera se
elle de mim fiar
, ou fiar de mim, ou pera de mim se
fiar
ou fiar-se. Agora o que realmente encommoda é
não nos ensinarem os puristas e não poder a gente
achar modo algum de formular uma regra bem determinada
que cohiba o brazileirismo «para elle se-fiar de
mim
, ou para elle se de mim fiar» porque quanto ao
mais admittem «para se de mim fiar elle

«Si… não bastar dize-lo eu» A este infinitivo pessoal
como é que se pospõe o pronome até quando esse
infinitivo é implicado com oração condicional de si?
(veremos adiante qual a força do si que é tão grande
como que para obrigar á antepôr o pronome.) Não se
póde formular regra, e entretanto a simples comprehensão
da phrase mostra que logicamente não se póde
dizer de outra fórma.

É já differente o caso logo adiante «creio que o quererá
ser
», que podia variar sem embargo do «que» e varia
de facto preferindo-se hodiernamente quererá sê-lo.

«Em vez de o proclamarem santo
Parvo é que hão de chama-lo, e eu faço-lhe outro tanto»

Diz o visconde de Castilho no Misamthropo. Não
se poderia dizer proclamarem-no e que o hão de chamar?
Porque? Só por amor do metro.

A collocação dos pronomes com os verbos no infinitivo
depende essencialmente do sentido da phrase, e
disto, meu doctor, não se lembram não.

Em uma correspondência do Porto (nas columnas do
Jornal, onde se depara por vezes com portuguez mais
vernaculo do que o dos folhetinistas, que lá se contractam
para nos deleitarem e naturalmente para nos ensinarem
a lingua) temos:76

«Vai representar ao governo expondo a necessidade
dos vapores de reboque neste porto e impossibilidade
de os haver sem protecção do governo.»

Não é possivel aqui dizer-se «have-los», porque? por
ser infinitivo regido de de? Ora! é porque haver aqui
não é verbo transitivo, e os póde considerar-se como
sujeito de haver verbo impessoal. Impossibilidade de
have-los significaria «impossibilidade de te los, de possui-los,
de adquiri-los» o que evidentemente não é o
que se quiz dizer.

Por causa da tal regra da preposição á condemnou
um purista e até averbou de gallicismo o seguinte:

«Vai ao porto vêr se ha navios, e á os haver, freta
o primeiro que poderes.»

Implicou o purista com o «e á os haver» não só por
causa da preposição á, mas ainda por amor da conjuncção
«e» que tambem, segundo elle, requer o pronome posposto.

Teremos occasião de vêr adiante, que tanto rigorismo
só tem uma fatal consequência, e muito desgraçada:
empobrecimento da lingua. Já o dr. Paranhos
da Silva observou que a preposição á, predilecta dos
classicos hodiernos, tende á eliminar outras preposições;
elles accumulam funcções em uma com grande
prejuizo da clareza, e fazem cair outras em desuso.

Que a collocação dos pronomes depende do sentido
da phrase ou do significado das palavras, provam
os seguintes exemplos.

«A escravidão não consegue torna-los maus»

É de Gomes de Amorim, e aqui não seria conveniente
antepôr o pronome ao verbo principal consegue,
77o que entretanto já era admissivel com outro verbo e
muito regularmente «não os pode tornar maus

Do mesmo Amorim ha outro exemplo que se acha
no segundo caso.

«Eu é que sou o criminoso por querer pagar-vos
o vosso rancor.» Tambem podia ser por vos querer
pagar
e ainda por querer-vos pagar. O que os puristas
não admittem é só por querer vos-pagar com
o pronome vos proclitico ao segundo verbo.

«Em vos esperão vêr-se renovada
Sua memória e obras valerosas.»

É verso de Camões, no qual o sujeito de «esperam»
é «elles» subentendido, e o sujeito de «vêr» é «memoria»
á quem se refere o pronome «se.» Qual a outra
collocação que se podia dar á este pronome se? Mais
uma só e esta condemnada por ser gallicismo «esperam
se-vér
.» Si com o em outros casos fosse o pronome
para juncto de esperam, a phrase mudaria de sentido
«Em vós se espera vêr renovada» o sujeito de «espera»
não é mais «elles

É ainda de Camões:

«Vestida uma camisa preciosa
Trazia de delgada baetilha
Que o corpo crystalino deixa vêr-se»

A camisa é quem (ou que, conforme um purista,
que não quer que camisa seja pessoa e possa admittir o
relativo quem) deixa vêr-se ou ser visto o corpo, e
apesar do que conjunctivo não é possível se proclitico
á deixa.

Entretanto do mesmo Camões temos:

«Começa-se á travar a incerta guerra»78

Neste outro verso de Camões já se vê que a
posição do pronome se podia grammaticalmente mudar,
porque sendo guerra o sujeito de ambos os verbos,
tanto faz dizer é começada á travar, como começa
á ser travada
, donde resulta que muito grammaticalmente
pode o se ir para dépois de travar, e até
para antes de começa segundo os rigoristas, si houver
no principio algum adverbio onde, quando etc. ou
conjuncção si, que etc.

Não é só isto. O verbo começar admitte varios
infinitivos, que podem ser regidos por preposições diversas,
e tambem infinitivos immediatos sem preposição
alguma.

D’entre as preposições, à, segundo os puristas, quer
o pronome posposto, em e sem o. querem anteposto.
Em um verso de Camões citado acima vimos o contrario
com a preposição à.

No outro exemplo agora de Camões está ainda
o pronome se antes do verbo travar regido de «à»
mas enclitico á «começar

Sem preposição temos o infinitivo: «e arrancando
das espadas começaram ferir-se» com o pronome
posposto no Palmeirim de Inglaterra, de Francisco
de Moraes. No mesmissimo livro, com o mesmo verbo
começar e o mesmo infinitivo temos exactamente o
contrario em «Ambos vieram ao chão, mas logo
foram levantados sem mostra de sentirem algum
damno da queda, e embraçados os escudos, se começaram
ferir
com tanta força e ardimento que…»

Note-se que, sem embargo das conjuncções mas e
e (adversativa e copulativa que requerem pronomes
pospostos aos verbos, dizem), ahi está o pronome se anteposto
ao verbo principal.79

Com outros infinitivos não precedidos de preposição
acham-se exemplos identicos, e é inutil transcrever
mais alguns.

Com infinitivo regido de preposição topam-se
exemplos como:

«Começou em vê-la um dia
Este mal que me agonia.»

O infinitivo regido de em tem o pronome posposto,
mas si ao verbo vèr precedesse a negativa? devia vir
antes o pronome.

«Primalião, que com aquella braveza o viu, começou-se
de defender
o melhor que poude.» Podia ser
«começou de defender-se», e porque não «começou de se
defender
»? dizem os puristas que é gallicismo. Mas
então como é que o admittiam nos exemplos já vistos
de o ver vendido, para lhe dar castigo? como é que
admittem o seguinte que tambem é do Palmeirim?

«O outro, que tambem (com tres orações intermixtas)
começou de o ferir sem piedade.»

E em outros logares:

«Começou de lhe perguntar. Se começaram de
tractar. Começou-o de abraçar. Começa de pôr-se-lhe
em frente. Começou de se defender, de o ferir, etc.
»

Com outras preposições temos; do proprio meu
amigo dr. T. de Mello «começou-se a publicar

Em Bernardim Ribeiro «começou a consola-lo

Na Eufrosina de Jorge Ferreira «Ia-me ella começar
á pagar
80

«Assim se começaram á tratar» vem no Palmeirim.
E em Camões acha-se em posições diversas o pronome
com o infinitivo no seguinte:

«Começa á embandeirar-se tola a armada» com
o pronome posposto ao infinitivo.

«Começo-lhe á mostrar da rica pelle» com o pronome
posposto ao verbo principal não obstante ser
dativo de mostrar.

«Á maneira de nuvens se começam
A descobrir os montes que enxergamos.»

Com o pronome anteposto ao verbo principal não
obstante não haver negativa, nem condicional.

E do proprio Camões temos exemplo com o gerundio
«começando-se todos à servir

No Leal conselheiro de D. Duarte lá vem: «e despois
começaram-se de estuigar e apressar

Em frei Luiz de Souza «começa logo à povoal-o»

Agora, meu caro doctor e amigo, vou tornar gangentos
os puristas, documentando a regra que dão sobre
a preposição á com o que sóam fazer mais geralmente
os classicos.

Empregavam elles o verbo começar seguido de infinitivo,
ora regido de á, ora de de, ora sem preposição,
arbitrariamente por vezes quanto á significação, mas
com a particularidade de admittirem pronome proclitico
ao infinitivo com a preposição de, e não com a preposição
á. Assim achamos:

Sem preposição; «começavam dar-lhe testemunho;
começaram ferir-se de golpes; se começava rugir; se
começaram ferir; começou concertar-se.» O pronome
enclitico ao infinitivo, proclitico á começar, ás vezes
81enclitico á este (em oração subordinada) e nunca protico
ao infinitivo.

Tal e qual é o que se dá quando á rege o infinitivo;
começou á consola-lo; já me elle começa á pagar; mas
ainda lh’o não começava á contar; visto se começar á
gastar
a nevoa; assim se começaram á tractar; começa
á embandeirar se toda a armada; começo-lhe á mostrar;
começando-se todos á sorrir etc. Como no caso precedente,
não se acha pronome proclitico ao infinitivo.

Com a preposição de porém temos: «começou de o
requerer
; começa de perguntar-lhe; começou-se de defender
o melhor que poude; ali se começaram de tractar,
começou de o ferir sem piedade etc.»

Com effeito temos de o…, de lhe…, de se… etc.,
e só por excepção achamos á o…, à lhe…, à se… etc.
com um infinitivo. Quid inde? Em occasião opportuna,
tractando da conjugação, veremos que a razão syntaxica
absolutamente nada tem com isto, e que é só a euphonia
quem (ou que) determina a enclitica para o infinitivo
regido de á, e a proclitica para o regido de de;
ora nisto de euphonia já temos visto o que vale o ouvido
dos classicos e o veremos ainda mais ao diante.

Aos exemplos adduzidos com o verbo começar
podem juntar-se muitos outros com quaesquer outros
verbos para demonstrar o despotismo inqualificavel dos
puristas.

Felizmente não é preciso ir longe, nem ter á mão
estantes atupidas de livros classicos. Em relação aos
auctores antigos basta haver (estar, diz-me um amigo,
que implicou com o meu verbo haver) sobre a mesa o
diccionario de frei Domingos Vieira, que favorece a gente
com um bom punhado de citações afim de se poder
amostrar tambem um bocado (ou un poucochito, como
82queiram) de erudição baratinha. Em relaçlo aos modernos
ahi temos os correspondentes do Jornal do Commercio,
da Gazeta de Noticias, etc.

D’outro modo na realidade seria penosa a posição
de nós outros os matutos do Brazil, porque está bem
visto, não ha bibliothecas á cada canto, e não é assim sem
mais nem menos que se acham os classicos para se compulsarem.
Lá nos sertões de Goyaz ou nos campos da
sua formosa Uberaba faça o que fizer o Bernardo Guimarães,
fie-se nas suas sabenças de grammatica philosophica
do mestre
, ou nas licções de poética e de rhetorica
de Freire de Carvalho e de Blair, que elle tanto
leu, ha de ser sempre incorrecto e incorrigivel, quando
mais não seja só pela collocação dos pronomes, caprichosa
no brazileiro
e methodtca no portuguez. Estas
sombras tem de escurecer por força os escriptos do
mineiro que cá temos na conta de estylista tão bom
como os melhores.

Todos estes castellos de preceitos acerca do lugar
do pronome em o (ou en o ou no) infinitivo desmoronam
com a regra dada por Paulino de Souza no § 74 do
cap. 4.°

«Quando o verbo é precedido de outra palavra
(qualquer? está sub-entendido), o pronome complementar
(regime) póde pôr-se antes ou depois do verbo, antes
ou depois do auxiliar. Exemplos:

Sempre pedir-nos e nunca nos restituir!
Para os decidir ou para decidil-os.
Sem lh’o ter ou sem ter lh’o mostrado

Aqui se vê bem: é livre, é liberrima a collocação
do pronome complementar com o infinitivo dos verbos,
quer esse infinitivo seja regido de preposição, quer o
83reja outro verbo que lhe sirva de auxiliar, quer emfim
esteja elle por si precedido de adverbio, ou, quem sabe?
de outra parte qualquer da oração.

Quando, pois, por exemplo, com a proposição à
se prefere pospôr o pronome ao verbo, é só por mera
euphonia, prinçipalmente quando esse pronome é «o, a,
os, as
.» Esses pronomes com a preposição á alem de
soarem mal ao ouvido tem o inconveniente de se confundirem
com o artigo que se compõe com a preposição
do mesmo modo.

«Corri atraz delle (ou della) para o (ou a) pegar,
mas ao alcança-lo (ou la) escorreguei e caí.» Temos
ao alcança-lo equivalendo á no acto de o alcançar e em
ao a preposição a e o artigo o.

«E determinando-se de a irem buscar, se chegaram
à ella.» Diz Fernão Mendes Pinto.

Determinar-se tambem admitte a preposição á e
hoje realmente é mais usado dizer-se: determinar-se á
fazer isto
ou aquillo. Mas no exemplo de Fernão o ouvido
não toleraria determinando-se á a irem buscar, e
diriam os modernos á irem busca-la. Como é então que
se especifica uma regra pára a preposição á, quando
tambem póde dar-se com outra preposição a concomitancia
de vozes menos gratas ao ouvido?

Em conclusão sendo livre em geral no português
a collocação dos pronomes, que é o que (ou o que é que)
se pode formular para satisfazer ás exigencias mais legitimas
do grammatico, em relação ao infinitivo, ao
gerundio e ao supino? Apenas algumas prohibições.

1.° Não é admissivel pronome enclitico com o supino:
ido-se, louvado-o, partido-nos, levado-lhe, querido-vos.
Não admittem tambem os grammaticos pronome
84proclitico, mas isto é antes questão de orthographia que
de syntaxe, e questão de orthographia de pouco valor
para a phonetica: temo-nos esmerado, ou temos nos
esmerado
ou temos nos-esmerado em examinar esta
questão. As differenças que ahi ha são mais para se
vêrem na escripta do que para se apreciarem pelo
ouvido, e os puritas que dizem o p’drairo xtá a p’dire
cáli
, não tem o direito de ser tão pichosos aqui.

2.° O gerundio não precedido de preposição, em geral,
não quer pronome proclitico e sim enclitico, portanto
deve ser: «chegando-me ao altar; dizendo-se-nos estas
cousas (apesar de J. S. Barbosa que não quer linguagens
com accento atraz da ante-penultima syllaba.)»

Inversamente, si ao gerundio precede preposição
ou outra parte da oração, não só elle admitte o pronome
proclitico, mas ainda o prefere: «em se dando taes
occurrencias estará tudo acabado.»

Já vimos que, conforme Paulino de Souza, ainda
mesmo com preposição é livre dizer-se: «em vendo-a
ou em a-vendo

Quando o gerundio se compõe com verbo auxiliar,
Paulino de Souza o submette (ou submette-o) á mesma
regra que o supino, mas sem razão, porque se Castilho
e os modernos assim o empregam de preferencia, com
tudo ha exemplos do contrario: e vae-se assim livrando
ou vae assim livrando-se
ou se-vae assim livrando a gente
das impertinencias dos grammaticos.

Em geral porém nos verbos compostos, visto que o
gerundio, como o supino, se apoia nos auxiliares, veremos
adiante o logar que póde ter o pronome.

O gerundio, não obstante ser invariavel, conjuga-se
com os pronomes agentes de ordinario pospostos;
85«estando eu, tu, elle ou ella; estando nós, vós, elles ou
ellas dispostos etc.»

Quando concorre na phrase pronome paciente ou
regido, si este é enclitico vai depois o agente, si é proclitico
pode precede-lo ou não o agente, e tambem
poderá ir para depois do gerundio: «louvando-o eu pelo
bom desempenho; em me elle entregando a carta, ou
em elle me entregando a carta» e ainda «em me entregando
elle
a carta.»

3.° O infinitivo em geral se comporta como o gerundio.
Composto com auxiliares, deve depender e depende
destes o lugar dos pronomes como no gerundio, mas os
grammaticos não admittem pronome proclitico com o
infinitivo e o qualificam de gallicismo: «não posso me-fiar,
deve se-comportar bem» são inadmissiveis, dizem.

D’ahi a regra geral: o infinitivo quer sempre pronome
enclitico: «dizeres-me semelhante cousa! é preciso
fallar-se com o homem; o difficil não é o dizer-se, é o
fazer-se.» Isto vigora principalmente quando se começa
a phrase pelo verbo, e quando o infinitivo (pessoal ou
impessoal) é subjeito ou attributo da oração: «despedir-nos
assim é uma injuria; o essencial é achar-se a incognita.»

Si, porém, o iufinitivo é regido de preposição,
apesar de dizerem os grammaticos que elle nunca admitte
pronome proclitico, é certo que pode o pronome
ir antes ou depois. Sem nos embaraçar ou sem embaraçar-nos,
que haja um traço (-) ou não, entre o pronome
proclitico e o infinitivo, fica bem certo que, com
preposição, o infinitivo admitte o pronome antes ou
depois. Nos verbos compostos veremos.

O infinitivo, como o gerundio, si tem subjeito, de
ordinario vae este para depois: «vir eu, vir elle, vires
86tu etc.; dar-lhe eu este gosto, fazerem-nos elles esta
embrulhada, etc.»

Ou quando regido de preposição, tal e qual no gerundio:
«para me elle entregar ou entregar elle o documento;
para me elles trazerem ou trazerem elles a lista,
para me dares tu o que te pedi.»

Nestes exemplos, principalmente si houver a preposição
à, é condemnada pelos puristas a anteposição do
pronome agente ao complementar «á tu me amofinares
assim fico mal comtigo»; mas para nós brazileiros, não
ha defeito nessa linguagem nem com o tu anteposto; «à
me amofinares tu assim
» com o sujeito posposto é com
tudo o que requer o infinitivo pessoal e nos antigos vem
tambem: «à me tu amofinares

Eis a summa de tanta embrulhada de preceitos
feita pelos rigoristas sobre o logar dos pronomes no
infinitivo, no gerundio e no supino!

E isto, note o meu amigo, é em se lhes querendo
fazer (ou querendo fazer-se-lhes, e porque não em querendo
se-lhes-fazer
?) a maior concessão, e tractando-se
de apreciar a cousa conforme o uso (dos classicos, mas
não só hodiernos.) Porque, quanto ao mais, se-deve vêr
(ou deve-se ver ou deve ver-se) que essa inventiva de
regras arbitrarias e caprichosas o unico resultado que
dá, é pear muito estupidamente o enunciado dos pensamentos,
e talvez á isso se-possa attribuir (ou possa-se
attribuir, ou possa attribuir-se) em parte a falta de
originalidade e de côr local, censurada em escriptos de
auctores aliás de nomeada, como talentos. E si for somenos
essa falta, não o é a falta de naturalidade; para que um
escripto nos aborreça, basta que o escrevam de um modo
differente do que fallam, basta emfim que affectem.

Tem-se cansado o meu amigo em convencer-me de
87que é valida e essencial a regra do pronome enclitico
em certos casos e diz: «tenho-te (pausa) mostrado como se
pronuncía, e em bom portuguez não se diz: tenho te-mostrado.

Tenho me esmerado eu tambem em fazer vêr que
isso não procede, que de todo não tem importancia o
dizer-se que me, te, se, são encliticos de tenho ou tem,
ou procliticos de esmerado e cançado, ou nem encliticos
nem procliticos. Como é que ousam fazer distincções
phoneticas destas em uma lingua onde engolem as vogaes
ás duas e ás tres e reduzem o vocabulo (u v’cáb’lo)
á um concreto extravagante de consoantes inconciliaveis?
Como é que podem ser exigentes os donos de
uma lingua, na qual se estropía até o accento dos
versos postos em musica? «Quero cantar-à Saloia»
berram elles carregando sobre o artigo «a» em vez de
dizerem «quero cantar a Saloia» e vem-nos cá apontar
differenças phoneticas em pronomes encliticos e
procliticos!

Estas cousas não se estudam nos livros, e muito menos
ainda nos livros do vernaculo. Mas larguem-se para ahi
(fallocomo elles) esses livros, examinem-se as cousas como
são, e reconhecer-se-ha que em italiano, em allemão e
ainda em francez (as tres linguas em que ha bôa musica)
não se admitte a esturdia mudança de accento dos versos
como fazem no vernaculo. Os brazileiros que tem melhor
ouvido, procuram distillar os versos em fios de melaço,
talvez, mas pelo menos assim não fazem arripiar os
pellos á gente com o choque de consoantes amontoadas
e com a mudança de accentos para syllabas brevissimas,
nem nos ensurdecem com a mudança de vogaes para u.

Aos pichosos que recalcitrarem, apenas recommendo
a leitura da 1a parte do Idioma do Hodierno Portugal,
88Aquillo, quando menos, não é écho de outros livros, é
fructo de observação propria, e de quem sabe vêr as
cousas por si e as sabe dizer com graça.

Antes de concluir este artiguito quero ainda mostrar-lhe,
com um exemplo, que o logar do pronome nos
infinitivos depende até d’aquillo que se quer exprimir
e não se regula pelas regrinhas do grammatista; o pronome
já enclitico ou proclitico ao infinitivo, já posposto
ou anteposto ao verbo que está com o infinitivo, além
do mais é funcção do significado dos verbos e o grammatista
exorbita, invade o terreno da logica e ousa coarctar
a expressão do pensamento! Isto, porém, só
poderá ser desenvolvido quando tractarmos da conjugação;
por emquanto reporto-me ao quetranscrevi da Menina
e Moça
de Bernardim Ribeiro na pag. 52 destes
rascunhos. Eis aqui versos, nos quaes o logar dos pronomes
varía, pulando por cima das regras, mas de modo que,
com a mudança de logar se exprime cousa muito differente
(muito outra é hoje a moda).

Totalmente allucinado
Ia o triste malucando,
Por ahi tonto girando,
E de tão desesperado
Já não na queria vêr,
Pois deitava-se à perder
Si a tornasse á vêr, coitado.

Mas querendo não na vêr,
Não sabia o que queria,
E girando, á vêr lá ia
Si não na podia vêr
Por ali casualmente,
E não como quem se sente
Com vontade de a ir vêr89

E girava e malucava!…
Si não na queria vêr,
E podia não na vêr,
Porque tantas voltas dava,
E lá ia sempre vê-la,
E a via (*) na janella
Onde tão bonita estava?

Ai do triste miserando,
Que não na queria vêr,
Que podia não na vêr,
Mas lá ia malucando!
E não na podia vêr,
Sem o juizo perder,
Completamente girando.

(*) Este «e a via» é inadimissivel para os puristas; eu porem
observo que no brazileiro é muito usado fazer seguir-se á conjuncção
e o pronome antes do verbo, e isto de modo as vezes que dá á phrase
uma correnteza que não é capaz de ter o vernaculo. Veja como fica
isso em dizendo-se: e via-a ou via-la.

A collocação dos pronomes com os verbos
nas orações absolutas.

Á guiarmo-nos (ou á nos guiarmos) pela 2.ª regra de
Castilho e pelo uso dohodierno portuguez, parece que nas
orações absolutas e talvez em todas as principaes, o preferivel
é a posposição do pronome ao verbo. Segundo
o mestre da grammatica philosophica parece que essa
collocação é livre e dependente só do logar do accento
na voz do verbo. Ahi temos pois outra vez embrulhada,
incongruencia de regras, despotismo de grammaticos,
e impertinencias de rigoristas, contra a qual
se rebellou J. Alencar, e com mais conhecimento de
causa o dr. Paranhos da Silva.90

Atormentado por esta historia da incorrecção de
phrase brazileira pela má collocação dos pronomes,
tem-me parecido que, por fim de contas, tantas regras
desconchavadas dos puristas, tantos preceitos incongruentes
que se não acham nas grammaticas, se reduzem
á certas regras na conjugação dos verbos,
que em Minas se aprendia na aula de latim.

Dizia o professor de latim:

Na conjugação do verbo em portuguez em geral
é mais elegante supprimir-se o pronome agente ou
do nominativo.

E para corroboral-o dizia que nem mesmo as
Magestades tinham a immodestia de usar á cada
passo do Eu ou Nós. Começam com effeito as leis
e decretos por Hei por bem e não por Eu Hei por
bem
; D. Affonso, D. João, Rei de tal, Imperador
de tal Mandamos
e não Nós D. Affonso Mandamos
ou Nós Mandamos.

Observava mais o professor de latim que o emprego
frequente do. pronome agente ou do nominativo
era gallicismo, ou em geral barbarismo. Nesta
economia dos pronomes subjeitos o portuguez vai com
os idiomas irmãos, castelhano e italiano; mas já não
é assim no francez, que ahi vai com o inglez, o
allemão etc: «I wish that you may be loved; Ich
will dass du geliebt werdest; Je veux que tu sois
aimé;—quero que— sejas amado;— quero que — seas
amado;—voglio che tu sia amato.»

Ora os senhores puristas do holierno já lá vão
para as bandas dos Teutões e dos Sicambros usando e
abusando dos pronomes pessoaes no nominativo. Para
vê-lo basta ler os classicos modernos: notando-se porém
91que do pronome da 3.ª pessôa (elle, ella, etc.) ha menos
abuso, ao passo que delle abusam brazileiros e portuguezes
na traducção do francez.

«Mas eu ainda aqui não paro; aqui tens tu um
guapo rapagão; uma cousa não posso eu passar por
alto, vou-te eu declarar, quero eu pedir-te; mas vós,
se me não engano eu, conheceis; aqui tens tu, aqui
vemos nós; n’isso que me tu dizes, que me vós dizeis,
que te eu digo, etc.» O emprego do pronome
agente serve muitissimo para dar insistencia e força
á linguagem, tem por vezes muita graça, e com a
suppressão delle muito perderia, em certas occasiões,
a phrase; mas tudo isso desapparece desde que se
abusa. Em geral elle não faz falta para a clareza
da expressão. E’ portanto inutil nos dizeres de G.
de Amorim «é o que eu faço, eu não sou como
muitos senhores, tu não vês que a gente os compra;
que saudades que eu tenho, pois eu peço, tu aprendeste,
eu ainda não fui, eu não te faço a vontade?
desde que eu vier, tu queres arruinar-me, é a mania
mais perigosa que eu conheço.» Isto é tirado
ao acaso de duas paginas seguidas de um drama;
nessas duas paginas apenas foi indispensavel o subjeito
na phrase «se eu pensasse como tu,» porque pensasse
podia ser tambem da 3.ª pessôa. Dirá ainda o
meu bom amigo que isto é muito bonito, muito elegante,
muito classico e digno de imitação? Pois olhe,
para nós cá, que não viajamos pela Europa, como o
doctor, isto…é insulso (fade, dizem os folhetinistas do
hodierno, sublinhando o vocabulo francez).

Dizia mais o professor de latim: Quando se conjuga
verbo transitivo nos tempos simples (devia dizer
92«verbo não composto») o pronome complementar vai
sempre para depois do verbo, quando ha ellipse do
sujeito ou quando este é tambem posposto, e em geral
quando começa a proposição pelo verbo.

«Ama-o deveras, buscava-o com cuidado, fallei-te
ha dias, achou-se o livro, alcançavam-nos na matta,
pegaram-se-lhes as febres (apesar das regras de J. S.
Barbosa que não quer accento atraz da antepenultima),
enviem-m-o bem cedo; remettesseis-me (apesar da concomitancia
de consoantes increpada pelo mestre) o
livro cedo e fôra-vos tolerado o mais; encommendaram-se-vos
á tempo as cousas, mas esquecestes-vos
de tudo.»

Vigora isto em todos os modos, mas principalmente
no imperativo e nas linguagens de permissivo,
de optativo, e no fallar interrogativo. Nestas linguagens
é de rigor tambem pospôr-se o agente, no
que vai o portuguez de accordo com as linguas
co-irmãs do neo-latim queres-lo? busca-o; vaes-te?
vaes-te tu? vae-se elle, vamo-nos nós, ide-vos, vão-se
elles
para lá; quizessem-no elles; queres tu? abraçai-me;
agarremo-lo; trouxesseis-mo tu e agradecera-vos
eu
muito (apesar das regras de J. S. Barbosa
sobre concomitancia de consoantes, e accento atraz da
ante-penultima) procurasteis-lo bem? procurávamo-lo
com vontade (Não quer dizer que não se podesse dar
outra forma á phrase, mas estatue-se a regra geral,
apesar das restricções de J. S. Barboza). Receba-a eu,
leve-o elle, façamos-lhe
a vontade, cheguem-se ellas,
demo-nos
as mãos, congraçassem-se ás veras, acudissem-vos
elles, alcançassemo-lo nós (com accento para
traz da ante-penultima apesar de J. S. Barboza, o que
93não importa affirmar que se não possa dar outro feitio á
phrase para se evitar o italianismo.)

Esta regra milita ainda no infinitivo e no gerundio
«acha-lo será difficil; querendo-o é impossível.»

A mesma cousa se dá (ou dá-se), quando a linguagem
é de futuro, com uma differença, que é: as desinencias de
futuro não acceitam pronome enclitico, donde resulta que
em portuguez quando o pronome deve ser enclitico, elle
se torna meso-clitico (Não obstante entender o meu amigo
que é absurda esta expressão, dê-me licença que eu a
empregue para exprimir o facto; diga embora que não
ha senão encliticas e procliticas e que em ama-lo-hia o
pronome lo ou é enclitico de ama, ou proclitico de hia;
teremos occasião de vêr que, é realmente meso-clitico,
porque de facto póde pender para diante ou para traz
conforme a accentuação da phrase mórmente metrificada).
Paulino de Souza denomina de futuro portuguez
á esta forma particular de conjugação.

«Fallar-me-hão os homens á respeito, ou os homens
me fallarão á respeito, ou á respeito me fallarão os
homens, á respeito os homens me fallarão; amar-te-hei,
quere-lo-hia, fallar-lhe-hás, di-lo-hias, chamar-me-heis,
combate-lo-hieis, combinar-nos-hemos, obte-lo-hiamos,
adquiri-lo-hão, persuadir-se-hiam

Aqui se evidencia um facto (que não fôra apontado
pelo professor de latim). No futuro, o pronome que seria
enclitico nas outras linguagens, torna-se mesoclitico, mas
este futuro não é admissivel sinão quando por elle começa
a phrase, de modo que elle não admitte antes de si
nem o pronome agente: elle leva-lo-hia é inadmissivel,
94segundo o uso classico, e seria preciso dizer-se leva-lo-hia
elle
ou elle o levaria.

Revertendo das vozes de futuro para as outras concluir-se-hia
que, rigorosamente se-deve empregar pronome
enclitico só quando a phrase começa pelo verbo, e
si o precede o sujeito ou outra qualquer palavra é preferivel
o pronome proclitico, conclusão diametralmente
opposta á 2.ª regra de Castilho, e tanto mais rigorosa
quanto realmente é regra que milita em todas as linguas
neo-latinas.

Em todas ellas tambem subsiste outra regra: o pronome
agente deve sempre ser posposto ao verbo na conjugação
interrogativa; o mesmo se dá na linguagem de
imperativo; e na de permissivo e de optativo faz excepção,
porque não havendo modos especiaes serve para
isto o subjunctivo.

Nas linguagens do modo indicativo, estando presente
o agente, seja pronome pessoal ou não, e não sendo
a phrase imperativa, permissiva ou optativa, em geral
é livre a collocação dos pronomes complementares, e depende
só da harmonia da proposição: «eu me louvo de
dizer sempre a verdade, eu louvo-me, louvo-me eu (
não se póde dizer me-louvo começando a phrase com
pronome proclitico); elles a-queriam, elles queriam-na,
queriam-na elles
(mas não a-queriam elles); vós lh’o-levastes,
vós levastes-lh’o
(apesar de J. S. Barbosa), levastes-lh’o vós
(mas não lh’o-levastes vós); elles me-procuraram,
elles procuraram-me, procuraram-me elles
(exceptua-se
me-procuraram)».

«Eu o prezo pelo que fez, eu prezo-o, prezo-o eu»
e até ainda «pelo que fez prezo-o eu, eu o-prezo, eu prezo-o»
Do mesmo modo «os homens me fallaram ou fallaram-me
á respeito disso; fallararn-me os homens á respeito
95disso (começando pelo verbo milita a regra de se
não começar pelo pronome proclitico); á respeito disso
me-fallaram ou fallaram-me os homens; á respeito disso
os homens me fallaram ou fallaram-me

Por esta regra do professor de latim que vemos?
plena liberdade de collocação dos pronomes, e não delles
só, licença de inversões em portuguez quasi tão grande
como em latim, limitada unicamente pela clareza do
sentido, e pela harmonia da phrase. E, bem considerado,
a regra ainda vigora quando falta o subjeito, «á respeito
me fallaram ou fallaram-me,» e ainda «fallaram-me á
respeito» ficando em pé uma unica exclusão: não começar
a phrase pelo verbo com o pronome proclitico e
sim enclitico.

Na linguagem do futuro porem cessa a liberdade e
o pronome deve ser proclitico como nas linguagens
negativas: «elles me procurarão, vós o advinharieis,
nós nos entenderemos, elle no-lo trará
.» Se fosse imperativo,
já vimos que seria o pronome mesoclitico,
isto é, collocado entre o thema do infinitivo e a desinencia
do futuro.

Afinal querem o pronome proclitico todos as outras
linguagens, (até mesmo o admittem as do modo indicativo,
quando começa a phrase, não pelo verbo ou pelo
agente da oração, mas por outra parte qualquer da
oração): «cada qual o entende á seu modo; quer o queiram,
quer o não queiram, elles o chamaram e lh’o
disseram (como é do indicativo tambem podia ser elles
chamaram-no e disseram-lhe); quem m’o disse foi elle;
posto que o deseje não o espero; emhora m’o promettesse,
eu me acho na duvida (e por ser do indicativo
eu acho-me, acho-me eu, ou só acho-me); satisfazendo
ao que me pedes eu lh’o dou (eu dou-lh’o, dou-lh’o
96eu, ou dou-lh’o; tal qual o querem o faremos, ou nós o
faremos
(ou fa-lo-hemos, por ser linguagem de imperativo
ou permissivo.)»

E note o meu amigo que este ultimo preceito do
professor de latim voga, pode-se dizer, em todas as
linguas neo-latinas, pois nellas é proclitico o pronome
logo que ao verbo precede qualquer palavra. «Et je vous
prie de le croire; e la prego di creder-lo; y le pido de
creer-lo, e peço-lhe ou lhe peço que o creia.» No francez
o pronome é anteposto ao verbo até no gerundio e no
infinitivo.

Na conjugação negativa (continuemos com o que
dizia o professor de latim) nunca se deve pôr o pronome
complementar depois do verbo. Desenvolvendo-a diremos
nós: na conjugação negativa não se admittem
pronomes encliticos, e por conseguinte nem pronomes
mesocliticos nas linguagens negativas de futuro.

«Não no quero, não me estimas, não me tracta
bem, nem o desejamos, nunca o procureis, jamais me
fallam; nada lhe pedia
eu ou elle ou ella; não no
irrites
tu (pode-se antepôr o sujeito); não na amavas
tu, (posposto sempre na interrogativa, e indifferentemente
posposto ou anteposto nos outros casos); não
vo-lo entregavamos, nada me trouxesteis
ou trazieis;
nunca o maltratávam; não lhe fallei, não me avisastes;
ninguem m’o declarou, jamais o proclamamos, nem na
procurastes, nunca se deram por vencidos; não o farei,
nem o levarão, nunca me contestará, jamais o admittiremos,
nem vós o consiguireis, não no poderão; jamais
o creria
(eu, elle ou ella), nunca o obterias, nem um
me obrigaria, nem nós o chamariamos, nunca vos aperfeiçoaries
;
nem se lhes queimariam as casas; não no
faça eu, não me forces, nem lhe toques, não se amue

97elle, não se cumpra, não no louvemos, não no applaudais,
não se ufanem, ninguem no-leve, não me fiasse, não
te arriscasses, nem se fizesse, não no ajudassemos, não
no amofinasseis, não se insubordinassem, nada lhe deixassem

A cousa seria a mesma si a conjugação fosse
tambem interrogativa, com a condição porem de, em
geral, se pospôr o agente: «Não no querias tu então?
mas tambem é licito: tu então ou então tu não no
querias

Como o imperativo só tem em portuguez 2a pessôa
do singular e do plural, e isto só affirmativamente, as
outras pessoas elle as toma do subjunctivo, e toma-as
todas logo que é negativa a conjugação. As linguagens
de permissivo e de optativo (modos não especiaes em
portuguez), são feitas tambem pelas vozes do subjunctivo
e pelas do futuro, que nas grammaticas denominam
de condicional.

Si a conjugação fôr, alem de negativa, interrogativa,
ou si a linguagem fôr de imperativo, de permissivo
ou de optativo, o pronome agente deve sempre ser posposto,
e isto vigora para todas as linguas neo-latinas.
E’ evidente que aqui se falla de agente qualquer com
tanto que não seja pronome relativo (que, o qual, etc.)
pois que nunca ninguem se lembraria de pôr um pronome
relativo depois do verbo, nem em allemão ou
inglez.

«Não no offenda elle, não me faças tal, não lh’o
dicesseis vós, nunca lhe déssemos
tal motivo, não me
amofinasseis vós, não no poderiam elles
? não no obtereis
vós? não vo-lo declarou elle

Continuando com as regras da conjugação dos verbos
com os pronomes complementares, o professor de latim
98dizia que estas mesmas regras vigoravam nos tempos
compostos (aliás verbos compostos), fazendo applicação
dellas ao verbo auxiliar, isto é, ao verbo que soffre as
variações da conjugação. Isto porem, à rigor, só nos
tempos compostos com o supino, porque nos compostos
com o gerundio e com o imperativo é amplíssima a
liberdade, e podem os pronomes complementares ir
até para depois do gerundio ou do infinitivo, ainda
mesmo quando a linguagem é negativa, ou quando
occorre qualquer outra cousa que na conjugação simples
obriga á determinada collocação. «Nós o-havemos cie
ensinar, nós havemos de
o-ensinar, nós havemos de
ensina-
lo, (e até havemo-lo de ensinar, nos classicos
antigos, mórmente em Vieira). Eu a-vou procurando,
eu vou-
a procurando (fórma predilecta dos Castilhos e dos
classicos hodiernos), eu vou procurando-a. Nós o-tinhamos
visto, nós tinhamo-
lo visto (apesar de J. S. Barbosa,
porque no caso de faltar o agente nós, não admittiriam
os puristas o castelhanismo ou italianismo o
tinhamos visto
); por ser de supino, neste ultimo exemplo
não é possível nós tínhamos visto-lo. Não me quiz
abraçar, não quiz-
me abraçar, não quiz abraçar-me,
(apesar de ser linguagem negativa); assim se vai passando
o tempo, assim vae
se passando (apesar do capricho
dos hodiernos que no em tanto admittem os
vae-as), assim vae passando-se o tempo (tudo apesar do
adverbio assim); nunca me tinha fallado, ou nunca
tinha-
me fallado (apesar do nunca, e apesar dos rigoristas);
só não se admitte a enclitica ao supino (fallado-me).

O professor de latim rematava os seus preceitos estatuindo
que nas orações incidentes, subordinadas e
condicionaes o pronome complementar é sempre proclitico.
Mas isto vamos vêr depois.99

«Ninguém poderá queixar-se»

E’ uma phrase do dr. T. de Mello já transcripta
acima, que foi dada como exemplo da regra do pronome
enclitico ao infinitivo, e que o é para os escriptores
hodiernos, (verdadeiro italianismo como notamos.) Mas
si valem considerações logicas para os senhores rigoristas,
ver-se-ha (preferivel ao se verá que segundo A.
Barreiros é menos arrevezada) que é muito mais regular
«ninguem SE-poderá queixar

1.° A regra da negativa, que não vem nas grammaticas
é rigorosa nos classicos antigos. Não será preciso
adduzir novos exemplos, e basta dizer-se que em
virtude della se diria não se pode, não se podia, não
se queixa, não se pode ou não se podia queixar.

2.° Por isso mesmo o pronome ninguem (apesar de
não figurar nem nos collectivos, nem nas negativas da
tal grammatica citada por Fernandes Pinheiro Junior,
nem nos preceitos dos outros) é tambem um dos que
requer pronome proclitico ao verbo, «ninguem o pode,
ninguem
se queixa, ninguem se podia queixar.» Abundam
os exemplos desta especie.

3.° «No futuro absoluto o pronome regime se colloca
sempre antes do verbo: tu nos-dirais, ella lhe-escreverá,
nós o-applaudiremos.» E’ a 2.ª regra do § 56 do
cap. 4.° da parte 4.ª de Paulino de Souza, da qual não
ha noticia em J. S. Barbosa, nem nos preceitos de
Gama e Castro, de Castilho e dos outros rigoristas.

4.° «No futuro anterior (é esturdia a denominação
mas não se pode obviar á tudo de uma vez) o pronome
regime deve sempre preceder o auxiliar… tu nos-terás
dicto, elle te-terá escripto, nós o-teremos applaudido
E’ a 5.ª regra do § 6.° já citado de Paulino de Souza. Só
100falta portanto provar que poder é verbo auxiliar (veremos
isto em outro logar) para ficar assentado que é mais
exacto dizer-se «ninguem se-poderá queixar» do que
«ninguem poderá queixar-se» do dr. T. de Mello.

Em ultima analyse, porém, vê-se (ou se-vê) que é
livre a collocação dos pronomes complementares.

Serão estas regras do professor de latim idoneas e
convenientes? Como é que nas grammaticas de portuguez
não vem nada expressamente estatuido sobre a
conjugação negativa, e sobre a interrogativa, cousas
de maxima importancia na comparação das linguas e
que apresenta caracteres tão importantes para se
julgar da indole de cada idioma? Como é que nada
dizem da linguagem do optativo, do permissivo, etc.
que em varias linguas tem modos especiaes?

Com effeito é aqui, que se apresenta já sensivelmente
a differença que vai-se dando (que se-vai, ou
que vai dando-se) entre o luso-brazileiro, e o idioma do
Hodierno-Portugal, como tão categoricamente avançou
e com optimas razões o sustentou o dr. Paranhos da
Silva.

Os puristas condemnam a incorrecção dos brazileiros,
que pospõem os pronomes pacientes até nas linguagens
negativas. Pois bem; o ouvido brazileiro, pelo
seu lado, não supporta a accumulação inutil de pronomes
e de particulas determinativas, e o brazileiro pospondo
os pronomes nas linguagens negativas (e condicionaes
ou subordinadas como vamos vêr) evita até
certo ponto a invasão do gallicismo, que se vai acclimando
na phrase vernacula e de ũa (e não uma) maneira
desastrosa. Parecerá esturdia e estranha esta asserção,
porém tenha paciencia o meu amigo, pois espero mostrar-lhe,
sem embargo das reclamações dos puristas, que é
101exacta e bem exacta esta asserção. No Hodierno-Portugal
pensa-se e falla-se em francez com palavras portuguezas;
espero mostral-o na continuação dos Rascunhos.

A’ incorrecção de se pospôrem os pronomes nas linguagens
negativas se contrapõe a outra do me parece,
lhe digo, o supponho
, etc. não precedidos de pronomes
ou de alguma outra parte da oração. Esta incorrecção,
que realmente se-dá, ja vimos que não é tanto gallicismo,
como italianismo e castelhanismo «me pare, me
gusta
» sem sujeito, ao passo que em francez é indispensavel
o il ou ce agente. Será com effeito muito condemnavel
a introducção no portuguez de algum phraseado
italiano ou castelhano? Cuido que não, e me parece
até (vernaculo parece-me até, ou até me parece) que
mais do que o francez se adapta á indole do portuguez
a phrase italiana e ainda mais a castelhana.

Muita gente de merito superior, entre outros o
illustrado dr. Paranhos Silva já toma posição difinida
e diz categoricamente. «Não posso, portanto, deixar
de fazer votos para que todos os deputados do Brazil
imitem aquelle nortista censurado por haver dito: me-
parece; e para que nunca digam: Parece-me mesmo.
Tambem faço votos para que todos os nossos jornalistas
digam nos-informam, e não informam-nos

Está satisfeito o desejo de S. S. Nas camaras
não é só um ou outro que emprega o castelhanismo
me-parece, são muitos; e na assembléa provincial o
o emprega até um director de collegio, e faz muito bem.
Festeja-se o 7 de Setembro porque nos deu a Independencia;
qual o que! nem nos deu independencia! E si
nos-deu, digam-me; no que? em que? em pensar? no
fallar? O facto está fallando e é eloquente.

Alem de tudo aqui temos uma explicação que
102de certo modo justifica essa innovação no fallar
brazileiro, si é que é só brazileiro. E’ o facto que
já foi apontado: abuso dos pronomes pessoaes no hodierno
portuguez, parcimonia delles no luso-brazileiro.
E então perguntamos: considerada a cousa grammaticalmente
e não com grammatiquice, qual é mais toleravel
e justificavel: o arabismo eu me parece? ou o neo-latinismo
me parece?

Sem duvida o ultimo que admitte uma explicação
logica pela ellipse do subjeito elle.

E que assim é, prova-o o modo de fallar dos caipiras
e matutos não lidos em livros francezes,
avessos mesmo aos gallicismos e que entretanto
costuman dizer «elle me parece que o homem passou;
elle ha modo que já chegou; elle, eu cuido, que nos
serve: elle me servia bem, que mecê acceitasse; elle
me faz conta assim.»

Embora seja incorrecção d’aquellas que até o
professor de latim já apontára, acho que o uso
(suprema lex) e a lógica nos auctorisam a commêtte-la
consciente e conscienciosamente,e sem dar satisfacção aos
que não podem justificar logicamente os seus arabismos
«eu é que não quero ir, nos é que não podiamos saber

Retrogrademos um pouco, meu caro dr. e reconsideremos
as regras ou instrucções que citei do professor
de latim em Minas.

O professor Paulino de Souza no cap. 4.° da
Parte 4.ª de sua Grammaire portugaise escreve a
seguinte regra no § 73.

«Si, em vez de começar a phrase, o verbo é
precedido da negação (digo negativa; negação é
o facto, negativa é o qualificativo de certa palavra
103que serve para fazer-se a negação), ou de outro adverbio,
ou de outra palavra qualquer, por exemplo uma
preposição ou conjuncção, o pronome regime se colloca
antes dos verbos nos tempos simples, e antes do
auxiliar nos tempos compostos, seja qual fôr o modo.»

Esta regra deita por terra ou prejudica a maior
parte das outras que elle mesmo deu desde o § 56
até o § 80.

Esta regra prejudica a 1.ª e destroe a 2.ª de
Castilho.

Esta regra destróe as do dr. Teixeira de Mello
e Arthur Barreiros em relação ás conjuncções e á
certos casos de gerundio e do infinitivo, prejudica a
todas as outras destes litteratos e dos outros, e só
vai de accordo com a 1.ª de Gama e Castro.

Esta regra afinal, á ser exacta, é regra que vigora,
apenas com uma ou outra excepção, nas linguas
neo-latinas. Não ha uma só que não anteponha o
pronome complementar ao verbo nos modos conjugados,
logo que o subjeito ou outra qualquer palavra
tambem vai antes delle; e constitue este facto por
si um caracter differencial das linguas latinas em
respeito ás linguas germanicas, que pospõem aos verbos
os pronomes complementares.

E lá foi-se ou (lá se foi) a liberdade, de que, d’entre
as linguas neo-latinas só o portuguez gozava com mais
amplitude; vem ella á ficar mais amarrada do que o
italiano, e tão presa como o francez que nem ao gerundio
e ao infinitivo pode pôr enclitícos os pronomes!

Entretanto qual a regra, que realmente voga em
portuguez?

Em geral começando a oração pelo verbo, o pronome
104paciente vai para depois, e tambem por vezes
o agente; Mas começando por outra parte da oração
existe mais liberdade na linguagem, e no portuguez até
se admittem solecismos como eu me parece, eu me
lembra, eu é que não quero, elles é que não dizem etc.
e pleonasmos como: a mim me parece, a mim não me
tôa, á elle não lhe serve, á nós não nos cabe, á vós não
vos assenta, etc.

N’uma palavra, a regra mais geral, que determina
a posição dos pronomes complementares nas orações
principaes é, que elles vão para depois do verbo se ha
ellipse do subjeito, ou si este está tambem depois; e
precedam ao verbo se está anteposto o subjeito e principalmente
si este subjeito é pronome (exceptuando o
pessoal que admitte mais liberdade.) Tambem precedem
nas linguagens negativas e nas do futuro.

«Eu lhe remetti a carta, ou eu remetti-lhe a carta, ou
a carta lhe remetti ou remetti-lhe.» Supprimido ou posposto
o subjeito deve ser forçosamente «remetti-lhe eu a
carta», salvo si tambem estiver anteposto o complemento
«a carta», porque nesse caso se deve dizer: a carta lhe
remetti
.

A cousa é a mesma fazendo-se a linguagem com os
pronomes tu, elle, nós, vós, elles, ellas.

Com os outros pronomes temos, quando precedem os
subjeitos ao verbo:

«Isto se deu assim; aquelle se chama; todos o-abraçaram;
cada qual ou cada um lhe-perguntava; um por
um a saudou; muitos me preveniram; poucos o comprehenderam;
tudo se move em torno (Castilho); alguns
vos encantavam; um certo o cobiçava, os taes se
foram
chegando; alguém o disse. Não se dá aqui
105exemplo de quem e de ninguem, porque os relativos são
subjeitos á regra mais invariavel, como tambem as negativas;
da linguagem negativa já se tractou antes.»

Pospostos aos verbos os pronomes subjeitos, temos com
os mesmos exemplos «Deu-se isto assim, chama-se
aquelle; abraçaram-nos todos; perguntava-lhe cada
um; saudou-a um por um, prereniram-me muitos,
comprehenderam-nos poucos, encantavam-nos alguns,
cobiçava-a um certo, foram-se chegando ou foram-se
chegando ou foram chegando-se os taes, disse-o alguem.»

Si alguns, dos exemplos tivesse linguagem do futuro
ou do condicional o pronome complementar não iria
para o fim do verbo, mas para o meio «encontrar-nos-hiam
alguns, comprehende-lo-hão poucos, for-me-hieis
vós isto, dar-vos-hemos:

Em vista disto, ou, com isto, com estas palavras,
depois de assentado o arranjo, etc. elle se deu por satisfeito
e se retirou.»

Esta construcção exacta em portuguez o é tambem
nas linguas co-irmãs. Mas em portuguez tem-se ainda
a faculdade 1.° de pospôr o pronome paciente «elle deu-se,
retirou-se
»; 2.° de pospôr o pronome subjeito «deu-se elle,
ou retirou-se elle» 3.° de eliminar o subjeito «deu-se, retirou-se

Agora, si deste 3.° caso tornarmos ao 1.°, isto é, si
antepozermos o pronome paciente ao verbo quando
falta o subjeito, não no admittem os puristas: «com isto
se deu por satisfeito e se retirou» Porque? E’ gallicismo,
dizem! e não se lembram que em francez é indispensavel
o subjeito e que ahi então se reproduz justamente
a proposição primordial, que é admittida como bôa!

Procurando fazer as maiores concessões possiveis ao
106rigorismo dos puristas vê-se que, a regra mais geral
que se póde formular é «Nas orações absolutas e principaes,
todas as vezes que faltar o subjeito, ou quando
fôr elle posposto ao verbo. é preciso tambem pospôr o
pronome completar; levou-o elle comsigo; acabada a
festa fomo-nos; achando-nos já molhados, resignamo-nos
á caminhar apezar da chuva.»

De que serve porém esta concessão? Os complementos
antepostos ao verbo sem subjeito e ainda mais ao verbo
com subjeito posposto, dão quasi sempre intimativa á
phrase e então vamos caír nos casos, que rigorosamente
exigem a anteposição do pronome ao verbo. Basta
considerar que muitos desses complementos são exactamente
substituidos por adverbios.

«Com isto se concluiu ou concluiu-se o negocio». A
mesma cousa é «deste modo se concluiu ou concluiu-se
o
negocio» e trocando-se de logar o subjeito «deste
modo o negocio se concluiu ou concluiu-se, o negocio
deste modo se concluiu ou concluiu-se

Perfeita liberdade de collocação sem a menor duvida,
mas substitua-se o deste modo por um adverbio:
«assim se concluiu o negocio» é como querem os
puritas; e ai! dos brazileiros que dizem «assim concluiu-se
o negocio.»

Os puristas depois do adverbio assim e outros não
podem admittir que se posponha o pronome. O ouvido
brazileiro mais delicado (é juizo dos estrangeiros)
admitte perfeitamente essa posposição ás vezes tão
euphonica, tão expressiva, que sem ella é impossivel
variar-se o bello verso esdruxulo, que cáe em desuso.
E dahi cada vez mais nos arredamos do musical italiano,
e nos approximamos do francez, cujo prosaico
107alexandrino foi vulgarisado modernamente e á conselho
de quem? do visconde de Castilho, do auctor da Noite
do Castello
! Não é sem razão que se diz que o grande
poeta da Noite do Castello em vez de progredir foi
caindo…caindo com os annos, até por fim tornar-se
mero traductor.

Aqui tinha cabida, meu caro doctor, o tractarmos da
sua regra da attracção dos complementos, que é muito
mais generica e muito mais satisfatoria, mas examinemos
primeiro o caso em que é rigorosamente obrigatorio
o pronome proclitico.

Os Srs. Arthur Barreiros e Fernandes Pinheiro
Junior me obsequiáram com algumas palavras, e
muito galhardamente me contestaram alguns pontos.
SS. SS. porem, foram apressados em replicar; cuido
que si esperassem a continuação dos rascunhos as
contestações ou deixariam de apparecer, ou seriam
differentes. A consideração que me merecem SS. SS.
me obriga á estas poucas explicações, pedindo-lhes se
dignem lêr os rascunhos mais para diante. Ouso
esperar que talvez, por fim de contas, fiquem de
accordo commigo, e do meu lado.108

Collocação dos pronomes nas orações
incidentes, subordinadas, etc.

Na 1.ª regra (já transcripta) de J. S. Barbosa diz elle:
«Em todas as proposições condicionaes, quer do indicativo,
quer do subjunctivo, o pronome sempre vae
antes do verbo, si eu me amo, si eu me amar etc.»

Sim senhor, é exacto o que diz o mestre, mas não é
tudo: a regra é verdadeira, mas carece de generalisação:
é preciso que se torne mais lata e que comprehenda
não só as orações condicionaes, mas todas as
subordinadas e complementares, e principalmente as
incidentes, as orações de que tanto conjunctivo, como
relativo. Addiccionando-se-lhes depois os casos da linguagem
negativa, ahi temos com a maior generalidade
possivel a regra que impõe e obriga a anteposição dos
pronomes ao verbo. Além disso, esta regra generica
no portuguez, ainda é mais lata pois que, vigora em
todas as linguas neo-latinas, ou pelo menos é válida no
castelhano, no italiano e muito principalmente no
francez.

Por conseguinte a 1.ª regra de J. F. de Castilho (já
citada) é exacta mas carece de latitude e de generalisação,
e a 2.# regra claudica, porque nas orações
absolutas existe liberdade de collocação, que essa regra
arbitrariamente pretende limitar: «eu supponho-o ou
eu o supponho inteirado destes princípios; este menino
perde-se ou se perde com as más companhias; deste
modo inconsiderado as finanças se evaporam ou evaporam-se;
tu divertes-me ou me divertes muito com
as tuas pilherias; eu conheço-te ou eu te conheço e
sei ao que vens, e por isso vou-me ou me vou embòra

O ultimo exemplo: «e por isso me vou embora» serve-nos
109para esclarecer a regra que exige a anteposição
do pronome ao verbo. A expressão adverbial «por
isso
» será das que exigem a anteposição do pronome ao
verbo? digam-no as regras de J. F. de Castilho e de
Arthur Barreiros.

Mas a conjuncção e? Segundo Arthur Barreiros, ella,
e tambem a conjuncção mas, exigem o pronome posposto.

Não é assim com tudo. Com as conjuncções e, mas, ou
etc. depende a collocação dos pronomes da natureza das
orações entre as quaes vem á ficar essas conjuncções.

Si as orações são principaes e não são negativas, a collocação
dos pronomes é livre; si pelo contrario são negativas,
ou si são incidentes ou subordinadas, ahi é que
rigorosamente se exige a anteposição dos pronomes não
só em portuguez, mas em hispanhol, em italiano e
em francez.

«Quero-o e não no posso; buscavas-lo ou não no
buscavas? desejo-o mas não m’o permittem.»

O que aqui obriga a anteposição dos pronomes não
é nenhuma das conjuncções, é sim a negativa. A importancia
da negativa é tal, que não é preciso o adverbio
não para que seja obrigatoria a anteposição do
pronome.

«Ninguem o quer; nem uma pessoa lh’o trouxera;
nunca nos vimos em tamanho embaraço; jámais te
perdoarei; nada o vence, nenhures se depara com elle.»

Quando uma proposição afirmativa não é simplesmente
enunciativa, e sim apresenta-se com alguma
cousa de intimativa, isto é, quando começa por algum
complemento circumstancial, algum adverbio e mesmo
110só o subjeito, a construcção grammatical toma uma fórma
analoga á da proposição negativa. Dahi resulta que
certos adverbios querem tambem os pronomes antepostos.

«Já o disse, assim m’o declararam, sempre te amofinas,
brilhantemente se houve, pouco nos importa,
muito nos prejudicaria, mais se penalisou, bem o busco,
mal o comprehendo, apenas vos avistáram, quasi nos
apanhastes.»

Isto, creio eu, é commum ao portuguez e ás tres
linguas neo-latinas já apontadas. Podem ser vertidas
litteralmente em qualquer dellas tanto as proposições
negativas como as intimativas, trazidas acima para
exemplo.

E’ isto sem duvida que motivou a regra já transcripta
de Paulino de Souza, que impõe pronome proclitico em
todas as orações que não começam pelo verbo. Mas já
notamos tambem que se realmente vigorasse tal regra
no portuguez, estava acabada a liberdade de construcção,
e a lingua portugueza estaria tão peada como
o francez que não admitte pronomes encliticos, nem
no infinitivo e no gerundio.

Não é assim porém.

Rematando os preceitos sobre o logar dos pronomes
complementares na conjugação dos verbos, o professor
de latim dizia:

«Em todas as orações incidentes e condicionaes ou
subordinadas, isto é, em todas as orações complementares,
o pronome vai anteposto ao verbo.»

Com effeito, o uso geral da lingua, authenticado
pelo que se vê nos classicos, mostra que onde é rigorosamente
111obrigatorio o pronome proclitico é nas orações
incidentes, subordinadas, e em geral integrantes.

«O homem que me fallou morava no arraial; amo
à quem me amava, à pessoa que me ama; quero que
me obdeças
, é preciso que se vá, iremos amanhã si o
pudermos
; dize-me o que te apraz, esse que te injuriou
é um malvado; si me previnisses fôra bom; quando lhe
falares
conta-lhe o caso; onde o topares agarra-o; procura
e has de acha-lo onde o pozestes; não vinha com a
faca, quando o vi (ou quando o vi eu, ou quando o eu
vi, ou quando eu o vi), permanece a liberdade de collocação
para o subjeito); levar-me-hia tudo si me não oppuzesse;
si me fizeres
tal cousa, zangar-me-hei; si me
não tivesse
chamado, eu de certo não viria.»

Já se vê daqui que a anteposição do pronome é obrigada
nas orações, que não subsistem por si, e são ligadas
á oração principal (e, diz-se, ligadas ao subjeito ou ao attributo
da oração como complementos de um delles)
por meio de uma palavra especial.

Esta palavra especial é em geral um relativo ou um
conjunctivo, e portanto, ahi temos essencialmente certos
pronomes e certas conjuncções, que exercem essa funcção
de ligação, de connexão, de subordinação, etc., e
que chamam o pronome para antes do verbo subordinado
ou integrante. Isto é fundamental e generico nas
linguas neo-latinas.

A mais importante das palavras que exercem essa
funcção é que; e que ou é relativo ou é conjunctivo.
Quer n’um, quer n’outro caso, nas quatro linguas neolatinas
o que exige sempre o pronome anteposto ao
verbo.112«Que» relativo é pronome e por analogia muitos
outros pronomes e talvez quasi todos vem á exigir a
anteposição dos pronomes complementares ao verbo:
«Quem o diria? que me querem ? isto me apraz; aquelle
te
maltratou? elles o levaráõ, esses nos querem mal,
vós m’o dissestes.»

Com muitos dos pronomes em portuguez, comtudo,
fica livre a collocação dos complementares.

Obrigatoria é a anteposição, porém, de facto com
o relativo, e portanto, temos nas orações incidentes.

«A casa que se queimou, o homem que me trouxe a
lança, os salteadores que o atacaram, o mimo que temandei,
a festa para que nos convidaram, o relogio que se me
deu, a tarefa a que nos temos entregado, a empreza á
que vos
propondes, o recado que se lhe mandou, o dente
que se nos tira.»

Com a mesma força de relativo têm-se as orações
nas quaes figuram adverbios: «onde (o logar em que)
se
acha o livro; quando (no tempo em que) me procurares;
donde (do logar de que) o tenham de levar;
como (o modo por que) me hei de haver.» Estes adverbios
implicitamente contem sempre que.

Da mesma maneira, já por analogia de serem adverbios
da mesma natureza (de tempo, de logar, de
modo), já por darem elles intimativa á oração, o pronome
é anteposto ao verbo com outros adverbios como:

«Lá se vão elles; cá te mostras emfim; aqui nos
temos sempre; ahi o deitáram: acolá nos encontraremos;
em nenhures se usa disto; por algures o
topareis; então m’o declarou; sempre me dóe, agora
no-lo
trouxeram, antes se me tinha dicto, logo o alcançaremos,
breve se amainará, ainda me mortificam.»113

Generalisada e ampliada esta regra redunda na tal
do § 73 de Paulino de Souza, que inutilisaria a maior
parte das outras e coarctaria absolutamente a liberdade
de collocação que existe no portuguez.

Demais disso o proprio Paulino de Souza se encarregou
de destruil-a com a do § 76 que a limita extraordinariamente,
e, o que é mais, vai expressamente de
encontro ao que querem os rigoristas e usam os classicos
do hodierno-Portugal. Diz essa regra:

«Nos verbos reflexos (eu diria reflexivos) póde ás
vezes pôr-se o pronome regime depois do verbo etc.:
hontem lembrei-me, já tinha-se ferido

E porque só nos verbos reflexivos, meu amigo? e
porque não tambem: hontem lembrei-vos ou lembrei-te?
e porque não: já tinhas-me fallado, já tinham-me ferido?

Obrigatoria anteposição do pronome ao verbo quer
rigorosamente o relativo; isto sim, é o que nos força
a construcção e nos impõe o pronome proclitico.

No mesmissimo caso está a conjuncção homonima
do relativo, e como «que» conjunctivo pede o verbo no
modo subjunctivo, justamente como si e outras conjuncções,
dahi resulta que todas as conjuncções que costumam
levar o verbo ao modo subjunctivo, querem tambem
e sempre os pronomes antepostos á elle, ainda
quando o verbo não è subjunctivo, mas condicional.

«E’ preciso que me tragas o meu livro, é preciso
que m’o restituas, disseram que o mataram, não admittem
que o façamos, é justo que nos vinguemos, é impossivel
que vos maltratassem.»

«Si o amas, si nos amas, si no-lo trouxessem, si o
114alcançarem, si lhes perguntasse, si se conjugassem,
si vos atrevesseis, si se m’o permittisse.»

Nem é preciso que sejam verdadeiras conjuncções;
estão no mesmo caso não só as conjuncções compostas,
mas ainda outras expressões que exercem na phrase a
funcção de conjuncção: «caso o queiras, contanto que
no-lo
consintam, supposto nos enganemos, embora se nos
diga o contrario.»

J. S. Barboza só dá como verdadeiras conjuncções
as oito seguintes: e copulativa, nem copulativa e negativa,
ou disjunctiva, mas e porem adversativas, pois
conclusiva, se condicional e que subjunctiva. Alem
destas ha phrases, adverbios e expressões adverbiaes
que fazem funcção de conjuncção. Examinada a funcção
ou ella se reduz á uma das acima enumeradas (copulativa,
adversativa etc.) ou ella se explica por via
de relativos (como as causaes e circumstanciaes.)

De que modo influirão ellas sobre a collocação dos
pronomes?

A copulativa e, a disjunctiva, as adversativas e a
conclusiva podem estar já entre orações principaes, já
entre orações subordinadas e incidentes, por tanto não
é dellas que depende o logar do pronome. Si
Arthur Barreiros observou que e e mas parecem exigir
o pronome posposto é porque frequentemente essas conjuncções
figuram no meio de duas ou mais orações
principaes.

«E’ preciso que o alcances e o segures» Si fôsse
exacto a regra de Arthur Barreiros deviam dizer
«e segures-lo

«Mas si não no achamos, como o poderiamos trazer?»
Pela regra de Arthur Barreiros devia talvez dizer-se com
115o pronome posposto achamo-lo. O que é certo porém é
que quem determina ahi o logar do pronome não é «mas»,
porem é em primeiro logar a negativa «não», e em segundo
logar o condicional si.

«Mas nem por ser do mundo derradeira
Se lhe avantajam quantas Venus ama»

Diz Camões com «se-lhe» anteposto ao verbo apesar
de «mas» e muito rigorosamente; errado seria o contrario.

Das oito conjuncções enumeradas só tres têm a
força de chamar a si o pronome, e de obrigar a anteposição
delle ao verbo. Por ser negativa, a copulativa
«nem» requer a anteposição, e do mesmo modo e essencialmente
as duas: «que» conjunctiva, e «si» condicional.
Estas duas ultimas são as que funccionam nas orações
incidentes, subordinadas e condicionaes e dahi resulta a
regra de J. S. Barbosa, que pecca como já dissemos por
não ser, nem bem explicita, nem bastante generica.

Chegados á estes termos na nossa analyse, como formularmos
a regra geral que deve regular a anteposição
dos pronomes complementares aos verbos? Serão os
relativos e os outros pronomes todos? iriamos de encontro
á regra 2.ª de Castilho e á outras. Serão as conjuncções?
já vimos que não, e que até algumas, segundo as rigoristas,
exigem pronomes encliticos. Serão os adverbios?
pelo uso do hodierno portuguez parece que sim, mas
á cada passo se encontram excepções e exemplos do
contrario. Só militam e vigoram ainda os preceitos
sobre conjugação, dados pelo professor de latim, mas
ainda assim algum tanto vagos, e deixando maior liberdade
á collocação dos pronomes.116

Em conclusão portanto, meu amigo e mestre, acceito
a sua lei de attracção e formulemos em geral:

«Os relativos (pronomes ou adverbios), os subordinativos
e conjunctivos (conjuncções ou adverbios) que de
uma fórma qualquer geram as orações complementares,
chamam á si o pronome e em seguida o verbo, donde
resulta que o pronome será sempre proclitico.»

Para se vêr si um vocabulo qualquer está nestas
condições, bastará examinar si esse vocabulo póde ou não
mudar de logar na phrase; si não póde, elle chama á si o
pronome e o antepõe ao verbo, si póde, o pronome fica livre.

«A pessoa que me busca perde o seu tempo» o relativo
«que» tem o seu logar determinado depois de «pessoa»
e antes do verbo complementar; forçosamente temos
«que me.» A mesma cousa em: «quem me chama? onde
se acha
o livro? quando me disseste tal cousa? quando
me alcançaram
na rua; si me não avisaste como o
saberia? si m’o perguntarem
eu direi a verdade»

No seguinte, porém, se vê ou (vê-se) que o vocabulo
não tem força de attracção para o pronome, porque
tambem elle póde mudar de logar: «hontem o encontrei
na cidade, encontrei-o hontem na cidade, ou na cidade
hontem» e portanto tambem «hontem encontrei-o na cidade;
aqui me acho ás ordens, ou acho-me aqui» e portanto
«aqui acho-me ás ordens.» Como os adverbios «hontem»
e «aqui» podem mudar de logar, tambem não forçam o
pronome; já não é assim «como» pois temos: «faze-o como
o entendes
, ou como o entenderes», onde o adverbio não
pode mudar de logar; «não é assim como se suppõe,
mas assim o entendem, mas entendem-no assim,» e portanto
tambem «mas assim entendem-no», porque «assim»
117podendo mudar de logar não tem a força de chamar a
si o pronome.

Esta sua regra, meu illustre dr., parece-me bastante
satisfactoria, porque até tem applicação á oração
negativa e aos relativos e conjunctivos, que exigem
pronomes procliticos ao verbo: «leio o livro que me
deleita
, mas não no releio»; nem «que» nem «não» podem
mudar de logar; em «já o li todo» o «» pode mudar de
logar e portanto temos: «li-o já todo» e «já li-o todo»; mas
«» nem é negativo, nem relativo, nem conjunctivo.

«Ninguem nos explica este facto», ninguemé negativo,
mas sendo tambem pronome o que se conclue para
estes? «alguem no-lo explicará ou explicar-no-lo-ha
alguem
.» Já se vê que o pronome por si não obriga; é
preciso que seja negativo ou relativo: «quem vo-lo diz,
quem lh’o disse, quem no-lo dirá

Todos os pronomes, assim como todos os adverbios,
podem ser submettidos á mesma regra. Os que não
podem mudar de logar obrigam ao pronome proclitico,
os que podem mudar de logar o deixam livre.

«Tal o querem, tal o tenham; qual nos fizeram,
qual lhes faremos; tanto se avantaja
aos outros, quanto
se esmera
em ser pequeno; por cujo lettreiro se-vê;
cujo poder se-estendeu; o assumpto do qual se tractava ;
a pessoa á quem te dirigiste, tirou-me o relogio, o qual me fôra
dado; aquillo que me amofina; as que me procuram;
os quaes lhe declararam. Põe-no onde o achaste,
onde se achava, onde o quizeres, onde o mandares,
onde t’o disserem, onde te parecer, onde nos ficar
á
mão; onde o guardaste, ou o guardaram? Procurem-me
quando o queiram, quando te aprouver, quando lhes
118for opportuno, quando me virem de volta, quando me
veja
livre; quando me trazes o livro? quando nos
fallaremos
? Quando o avistámos, quando nos entretinhamos.
Como te aprouver; como o achas? como o
achei
no outro dia.»

Nestes diversos exemplos o pronome ou o adverbio não
podem mudar de lugar, e por isso é proclitico o complementar.
Nos exemplos seguintes temos o contrario:

«Alguem o chamou, chamou-o alguém» e portanto
«alguem chamou-o; elle m’o declarou, declarou-m’o elle»
e portanto «elle declarou-m’o; todos te estimam, estimam-te
todos
» e portanto «todos estimam-te; qualquer
o faria, fa-lo-hia qualquer
» e portanto «qualquer fa-lo-hia
(este porém não é admissivel por causa não do pronome
«qualquer», mas por causa, do futuro condicional
d’aquella forma, que só deve estar em começo de phrase);
«qualquer te vence, vence-te qualquer» e portanto «qualquer
vence-te; alguns o affirmavam, affvrmavam-no
alguns
» e portanto «alguns affirmavam-no. «Nenhuns» é
negativo e por isso não muda de logar; «poucos o querem,
querem-no poucos
» e portanto «poucos querem-no
«alguns me alcançaram, alcançaram-me alguns
» e portanto
alguns alcançaram-me; muitos o ambicionaram,
ambicionaram-no muitos
» e portanto «muitos ambicionaram-no;
muitos fazem-lhe festas, muitos pretendiam-no,
muitos avisam-nos

«Muito me dóe, ou dóe-me muito» e portanto «muito
dóe-me; pouco se lhe dá, ou dá-se-lhe pouco
» e portanto
«pouco dá-se-lhe; mais nos importa, ou importa-nos
mais
» e portanto «mais importa-nos fixar as regras; mal
nos tracta
, ó deus, ou tracta-nos mal» e portanto «mal
119tracta-nos, ó deus; menos me gabas tu agora! ou gabas-me
tu agora menos» e portanto «menos gabas-me (menos-
cabas-me) tu agora!»

Objectaram-me meu amigo e sñr. dr., que, em relação
á um certo numero de adverbios claudica a sua
regra, e apontáram-me «menos, mal», cuja mudança de
logar altera o sentido da phrase. Torna-se isto mais evidente
com o adverbio «bem», no qual se caracterisa a differença
de significado pela mudança de logar: «bem nos
diz
a consciencia o que devemos fazer», é muito differente
de: «bem-diz-nos aquelle á quem consolamos».

Mas, no meu entender isto não infirma de todo,
antes confirma a sua regra, e a unica cousa que se conclue
é que «bem, mal, menos, etc.,» em vez de pertencerem
á classe dos vocabulos que deixam livre a collocação
do pronome complementar, pelo contrario vão
para a dos que querem o pronome proclitico, visto como,
mudando de logar, dão outro sentido á phrase. Aos
grammaticos pertence o classificarem-nos, si o quizerem;
que quanto á mim, quem falla ou escreve o sabe espontaneamente,
como sabe quaes os vocabulos do diccionario
que lhe servem para exprimir o que pensa; a
escolha dos vocabulos depende da instrucção, e do talento,
e do criterio, e não das regrinhas de grammatica
e dos rigorlstas. Ai de nós si estivessimos adstrictos á
devorar regras especiaes para cada palavrinha ou particula
que entra no discurso!

A sua regra tem a vantagem de ser generica, e de
deixar ao criterio de cada um a determinação do valor
do vocabulo empregado, collocando-o conforme o uso
e conforme o sentido que quer dar-lhe, (ou que lhe quer
dar
).120

Mais séria porem me-pareceu a objecção em relação ás
conjuncções, que realmente tem logar definido, e delle
não podem sair. Mas, bem considerado, vê-se que ainda
é applicavel ás conjuncções a sua regra.

Das oito conjuncções primordiaes vimos que, tres
(nem, si, que) são as que tem a força de attracção sobre
o pronome; a conclusiva «pois» pode mudar de logar;
as adversativas «mas, porem» se equivalem, e a segunda
pode mudar e muda de logar. Restam portanto e e ou
que não podem mudar de logar, e para as quaes, comtudo
deve ficar livre a collocação do pronome complementar.

Para estas vigorará porém a regra geral da conjugação
dos verbos, e a collocação dos pronomes complementares
será conforme o indicar a linguagem dos
verbos conjunctos ou disjunctos por e, ou.

Bem examinados os usos da lingua portugueza, parece
que não ha outro meio de explicar a liberdade que ella
tem na collocação dos pronomes. Em todas as co-irmãs
predomina realmente a regra de Paulino de Souza, que
exige pronome proclitico ao verbo, todas as vezes que
á elle precede uma palavra qualquer. A excepção que
se dá é que, em italiano e castelhano não vigora a regra
para o verbo nos modos invariáveis (infinitivo e gerundio)
e pelo contrario nelles o pronome é rigorosamente
enclitico. No portugez em geral se procede como
nas duas ultimas, mas de facto existe mais liberdade,
e para sabermos quaes as palavras, que exigem
rigorosamente o pronome proclitico, não ha outro criterio
além da regra que me forneceu o doctor; pelo
menos é o preceito mais comprehensivel e mais generico.121

Summario ou anacephaleose

Compendiando e synthetisando os preceitos, que é
razoavel se darem (ou darem-se) sobre a collocação dos
pronomes, podem elles reduzir-se á algumas prohibições
(ou vetos ou vedas.)

1.ª nunca se deve começar obação por pronome
proclitico
: «Me parece impossivel, o-digo com franqueza,
te-faz mal ou te-fará mal, e a-farias assim
mesmo? lhe-cabe a vez agora, se-tem dicto por ahi, vos embaraçaes
debalde; me-querendo mal, me-maltracta
sem motivo; me-deixaste ou me-deixarias assim? nos-tirar
o que é nosso é mau; me-perdôe a offensa; se-passaram
muitas cousas, se-arrangem por lá; o-quizesse
Deus! o-acharemos em casa?»

Destes castelhanismos com effeito não ha exemplo nos
classicos. Mas basta que comece a phrase por outra
palavra qualquer, e já é licito ir o pronome para antes
do verbo; note o meu amigoque eu digo é licito, e não
digo — é obrigatorio. «Este argumento parece que
não tem facil solução, mas eu o dou e respondo»
com o modo de fallar do padre Vieira (pag. 401 da
vida do padre vieira por J. F. Lisboa) que me
acontece agora ter á mão. Aqui se vê que a regra do
professor de latim (mandando o a para depois do verbo,
si se tirar o eu, ou si este tambem for para depois), é
mais idonea que a do illustrado Sr. A. Barreiros (sobre
mas e e), pois segundo esta devia ser «mas eu dou-a»
(mormente attendendo á 2ª de Castilho), e segundo a
outra é licito «mas eu a dou» e tambem «mas dou-a eu»
ou simplesmente «mas dou-a» .A minha regra só veda «a
dou
» e não prohibe nem «mas a dou» nem
«mas a dou eu».122

Este simples preceito geral dispensa regras especiaes
para o permissivo, o infinitivo etc. para as linguagens
interrogativas etc. Sejam pois riscadas (borradas diria
o Castelhano) como inuteis as minuciosas regras dos
grammaticos, que só servem de pôr em apuros os miseros
examinandos na Instrucção Publica.

«Si deslisam do verdadeiro trilho é dever imperioso
arguir-lhes as faltas» diz Castilho. Não seria
licito lhes arguir, ainda mesmo no meio da phrase?
Porque? Porque a ordem natural seria «arguir-lhes as
faltas, si etc., é dever imperioso», dizem e lembram lá
uma regra do infinitivo pessoal. Mas eu lhes ponho
(ou ponho-lhes) os meus embargos.

«Á l’infinitif impersonnel, lorsque le verbe est precedé
d’un autre mot, le pronom regime peut se mettre
avant ou après le verbe, avant ou après l’auxiliaire.»
Diz Paulino de Souza no § 76 (cap. 4°) e em vista do que
preceitua o § 73, ainda esta regra se estende á todos os
outros modos do verbo. Por conseguinte «as faltas lhes
arguir
é dever nosso» e ainda mais «é dever imperioso
lhes oppôrmos embargos ao despotismo grammatico,
grammatista, grammatical ou grammatiquistico (adjectivo
muito legitimo visto que ha grammatiquice)». O
padre Vieira, Filinto Elisio, Garret, e entre os nossos,
Porto-Alegre tem predilecção pelo pronome proclitico
de modo que nelles parece invariável a regra do § 73 de
Paulino de Souza; as obras destes escriptores são protestos
formaes contra a 2ª regra de Castilho, contra as
regras dos outros sobre as conjuncções e, mas, e contra
o uso que dão por classico os do hodierno.

2.° Nunca se põe pronome enclitico (nem proclitico?
na escripta parece) com supino, e evidentemente
tem-se (ou se tem por causa do adverbio) dicto tudo
123com isto só. Jamais tem dicto-se, ou jamais tem se dicto
o contrario nem em portuguez de Pung’Andongo, como
diz o meu amigo.

Esta regra querem os classicos do hodierno ampliar
ao gerundio com verbo auxiliar e assim o estatue
a tal grammatica citada por Fernandes Pinheiro Junior
(de certo fundada na fatal grammatica philosophica
do J. S. Barbosa), mas acha-se em opposição com
o que preceitua Paulino de Souza. Demais não tem cabida
realmente; na conjugação composta o gerundio
comporta-se mais como o infinitivo, do que como o supino,
e assim deve ser porque o gerundio e o infinitivo
são ainda modos verbaes, ao passo que o supino vale
quasi tanto como uma desinencia. E portanto vamos
regulando-nos
(ou vamo-nos regulando á vontade) pelo
que nos dictar o ouvido, e vá-se cingindo ou fique-se
amarrado
ao preceito do classico hodierno quem muito
bem quizer (ou o-quizer), porque nós conforme a euphonia
e as circumstancias jogaremos com o pronome á
vontade, uma vez pospondo-o, outra vez o-antepondo
ao gerundio. Só para ter o gosto de variar a phrase é
uma vantagem esta liberdade; o ramerrão do hodierno
ensurdece a gente, e faz doer (ou doerem) os ouvidos.

3.° Não se deve pôr (ou não deve pôr-se) pronome
enclitico ao verbo dr orações negativas, integrantes
,
subordinadas e em geral parciaes e incidentes. Exceptuam-se
o infinitivo e o gerundio que
quasi sempre
preferem o pronome enclitico, mas admittem-no (ou
o-admittem) proclitico, mormente em orações incidentes,
integrantes, negativas etc.

No hodierno portuguez nota-se tendencia (uma
tendencia
, diria em portuguez moderno á franceza) de
generalisarem (sc. elles em portuguez antigo) esta regra
124por maneira que: em havendo qualquer vocabulo no
começo da phrase, principalmente em sendo adverbio,
phrase adverbial etc, elles preferem o pronome proclitico,
e coarctando a liberdade do portuguez querem
amarral-o á um preceito, geral para as linguas neolatinas,
menos para o portuguez; «lá se vai a regra»
é como querem os puristas, mas em vista do que diz
Paulino de Souza no § 76 tambem é licito «lá vai-se».

4.° Não admittem pronome enclitico as linguagens
de futuro quer do modo indicativo, quer do
relativo
(á que chamam condicional), quer do subjunctivo.
Neste ultimo o pronome é essencialmente proclitico,
nos outros dous póde ser proclitico ou mesoclitico
(si o meu amigo acha absurda a expressão mesoclitico
digamos intercalado, interpolado; o adjectivó
interpolado talvez satisfaça ao mathematico, mas o
grammatista vai condemnal-o). O mesoclitico ou intercalado
porém é admissível só nas linguagens do
modo imperativo, permissivo
etc., e nas interrogativas
quando começam pelo verbo
. «Entende-lo-ha
quem o-quizer
, ou quem no-quizer o-entenderá e desse
modo o-fará, mas nunca fará-lo ou faria-lo enclitico, e
si fize-lo teimoso, vai irritar os nervos até ao mais
bronco lapuz. Pô lo-hia em duvida alguém? Ás linguagens
de futuro tambem se estende a prohibição 3ª,
e por isso si se-prestar attenção não se escorregará.

A’ estas prohibições cumpre apenas ajunctar alguns
conselhos:

1.° O infinitivo e o gerundio em geral preferem o
pronome enclitico, (á moda do italiano e do castelhano),
mas quando regidos de preposição é melhor o proclitico
(á moda do francez). Compostos com outro verbo os do
hodierno portuguez gostam do pronome proclitico ao
125auxiliar do gerundio, e enclitieo ao auxiliar do infinitivo,
ou enclitico ao proprio infinitivo. São gostos, mas
subsiste a liberdade, e o grammatista que vá bugiar.

2.° O infinitivo pessoal, e assim tambem o gerundio,
quando admittem o agente, o preferem posposto
não só a si mas ainda ao pronome complementar; dizendo-lhe
eu
a cousa. e ao notar-lhe eu essa circumstancia,
está tudo feito.

3.° Tambem querem o pronome agente posposto
do mesmo modo que no caso precedente as linguagens
interrogativas e dos modos imperativo, permissivo ou
optativo. O agente é posposto até nas interrogativas
negativas, que no entretanto exigem o complemento
anteposto: não no alcançaste tu? porque não no admittem
elles
? pois não se vê isso claramente?

4.° As linguagens de imperativo, de permissivo, e
de optativo querem enclitico o pronome complementar,
e tambem o querem as interrogativas quando não são
negativas. Si a linguagem for de futuro o pronome não
será enclitico e sim mesoclitico: admitti-lo-heis vós?
pode-lo-ha increpar o purista? contestassem-no embora,
temo-lo por certo e avenham-se por lá os recalcitrantes.

5.° Quando concorre pronome objectivo com pronome
pessoal de complemento indirecto é quasi inutil
declarar que, este precede sempre á aquelle e se construe
com elle: m’o, t’o, lh’o, no-lo, vo-lo, lh’o, m’a, m’os, m’as
etc. Tambem é sabido que concorrendo os pessoaes com
o médio-passivo se, é este quem vai (ou que vai) antes:
se-me, se-te, se-lhe, se-nos, se-vos, se-lhes.

Não será máu observar que no portuguez classico
não é raro jogar-se o pronome ou pronomes procliticos
para traz da negativa ou de outro adverbio que precede
o verbo «nós o não podemos negar, eu lhe já fallei,
126vós no-lo não arrancareis, elle me antes avisaria. Ha
exemplos até do pronome atirado para traz do subjeito,
só com a condição de se não começar por elle a phrase:
sobre isto nos já temos nós entendido e lhe eu quero
poupar mais massada, que nos nada adiantaria

Para mostrar que as quatro prohibições e os cinco
conselhos formulados acima preenchem o essencial,
para que seja regular a collocação dos pronomes em
portuguez conforme o uso dos classicos, bastar-nos-ha
passar uma vista d’olhos pelas regras de Paulino de
Souza (as mais minuciosas á respeito). No já citado cap.
4° da Parte 4a da Grammaire Portugaise vem os §§ 47°
á 55° marcando o logar do pronome agente ou subjeito.

Pelos §§ 47° e 48° é livre a collocação do subjeito
quer nas orações affirmativas, quer nas negativas,
tanto nos tempos (aliás verbos) simples como nos compostos,
e nota-se que, não é só o pronome mas ainda o
subjeito qualquer, que póde ir antes ou depois do verbo:
nós devemos partir, devemos nós partir, partir devemos
nós
. A liberdade da inversão vai muito mais adiante
do que facultam as regras e havendo ahi tres vocabulos
que podem, quanto ao logar, fazer seis permutações,
qualquer das seis collocações resultantes são admissiveis
em portuguez, e a mais exquisita será por vezes
a mais conveniente em determinada circumstancia. Si
alguma cousa podia vedar-se é, que se separe o pronome do
verbo á que rege, porém; eu duvido muito, duvido eu
muito, muito eu duvido, muito duvido eu, eu muito
duvido
que se possa fazer isso, e os exemplos provam
ser inutil esta limitação; elles teriam vindo, teriam
elles vindo, teriam vindo elles, vindo teriam elles, vindo

127elles teriam, elles vindo teriam á farta para prova-lo.
Em logar de elles ponhamos os taes, os subjeitos, os
homens, os sobredictos
e dá-se a mesma cousa.

O § 50 dispõe que o sujeito vá para depois do verbo
no imperativo e o 49° reza a mesma cousa para as linguagens
interrogativas, facultando porém á estas a anteposição.
Cabe isto nos 3° e 4° conselhos dados acima,
porque como regra não se impõe nem no imperativo, e
vós, ó grammatistas, ficai entendidos.

Parte do que dispõe o 51° para o subjunctivo, está
no caso precedente, queiram os rigoristas atttender e
o mais entra na regra geral a pezar do que diz o mestre;
nada nos veda com effeito o dizermos: que obedeças tu
ao senso commum ordena a lei. O «que» obriga o pronome
complementar, mas não o subjeito. Ainda aqui a
liberdade de collocação do tu ou nós é a mesma e cumpre
que obedeçamos ao bom senso nós (ou que nós obedeçamos
ao bom senso etc.)

O estatuido nos §§ 52, 53, 54 para o infinitivo e o
gerundio é o que está nos conselhos 1° e 2°. As restricções
ali impostas de nada valem; o terdes vós preceituado
isto não póde aproveitar-nos, sem embargo de
vós o terdes preceituado, pois o subjeito pode ir para
traz do verbo.

E á final o que manda o § 55 está logo na 1ª prohibição:
diz-se e faz-se com o se o mesmo que com os
pronomes me, te, lhe etc.; e si ahi ha alguma outra
palavra, principalmente a negativa, algum relativo etc.
então se-tem ou tem-se a prohibição 3ª e a respectiva observação.

Pelo § 56 até o § 61 marca-se o logar do pronome
regime quando o subjeito é tambem expresso.

Pelo 56 é livre a collocação do regime, mas em primeiro
128logar falta-lhe uma limitação; si osubjeito fôr
para o fim, com elle vae o regime, o qual então se torna
enclitico, mas em todo o caso está implícito na nossa
prohibição primeira; recommendo-lhes eu esta observação.

Em segundo logar, o que preceitúa para os futuros
está dentro da prohibição 4a e em parte na 3a e dir-nos-ha
o grammatico o que lhe aprouver, que nós o iremos
deixando ahi; e assim se terá decidido a questão.

O que se diz para os tempos compostos está implicito
no que se dispõe para os tempos simples, applicado
aos auxiliares com a differença que, por causa das
licenças que tem o gerundio e o infinitivo (elementos
do verbo composto) é ainda maior a liberdade de collocação.

O expendido por Paulino de Souza no 6o preceito
do § 56 mandando que jamais se colloque o accento
na antepenultima, é copiado de J. S. Barboza, nada
tem com a syntaxe e só entende com a phonetica; e
portanto si obedecessemos á esse preceito, achavamo-nos
alguma vez em apuros, (o imperfeito, empregado
aqui impropriamente, é usado pelos classicos do hodierno.)

O estatuido para phrases negativas está implicito
na prohibição 3.ª

Cáe tambem o 57° nas mesmas condições do
precedente, porque o que chamam condicional é uma
especie de futuro, é um futuro relativo, e nós não o
poderiamos
considerar de outra sorte; veja-se a prohibição
4.ª

O pronome enclitico preceituado no § 58 para o
imperativo está implicito na prohibição 1ª e o pronome
proclitico imposto pelo § 59 para o imperativo negativo,
e pelo § 60para o subjunctivo, entram na prohibição 5.ª
129

Os preceitos do § 61 não são preceitos, são conselhos
e entram nos dois primeiros que apresentamos;
por no-los quererem impôr os grammaticos, não; ainda
por contrariarmo-los nós, e por querermo-los irritar,
ou por os querermos irritar, ou por querermos
irrita-los
riscamos a regra.

Vai depois Paulino de Souza marcar o logar do
pronome complementar nas phrases, cujo subjeito não
é expresso, e o faz nos §§ 62 á 80.

O § 62 diz que «nunca deve uma phrase começar pelo
pronome regime.» E’ a nossa prohibição 1.ª Tudo o
mais que vem nos seguintes até o § 72 é apenas o desenvolvimento
do § 62 applicado á diversos modos, e
tempos. O que diz respeito á tempos compostos vai
entender com as outras tres prohibições e com os conselhos.

O § 73 é o tal que ja vimos acima, o qual vigora
nas linguas latinas, e é dellas caracteristico. Notamos
tambem que elle é restringido sinão destruido pelo 76°
(embora Paulino de Souza faça esta excepção só para
os verbos reflexos) e observamos que si elle fosse exacto,
no portuguez não haveria mais liberdade do que
no francez para a collocação dos complementares;
todos estes seriam procliticos logo que ao verbo precedesse
pronome, adverbio, conjuncção, preposição e até
nomes.

Os outros §§ desenvolvem a mesma regra applicada
ao infinitivo e ao gerundio, e o caso mais especial do
§ 80 está no conselho 1.° Alguma cousa mais especial
foi expendida na conclusão do que se disse á proposito
do infinitivo, do gerundio e do supino.

Para que tamanho calendário de regras, quando
pode a cousa ser precisamente estatuida com meia
130duzia de preceitos? E’ a mania dos regulamentos,
que se desfiam por ahi (ou alem) fora n’um enorme
rozario de artigos e paragraphos, que jogam as cabeçadas
uns com os outros, que estatuem trinta mil
cousas, e que no entretanto, no essencial são omissos!
A terrível mania de tudo regulamentar tambem faz
reinações na grammatica, mas de modo muito mais
desastrado, porque o grammatista é despotico, embirra
lá com uma cousinha e não ha quem o tire
dahi, e os grammatistas não se entendem uns aos
outros, nem uns com os outros e cada qual lá tem
as suas regras, em virtude das quaes decide: não
sabe portuguez, é um apedeuta.

E’ isso mesmo que me obrigou a rabiscar estes
rascunhos.

Tive de me estender, tornei-me prolixo, mas não
podia ser por menos porque era preciso apanhar, no
exame dos factos, quaes as regras que regem a
collocação dos pronomes, visto que «as dadas por J.
F. de Castilho, Gama e Castro, Arthur Barreiros,
Dr. Teixeira de Mello
(e tambem por S. S. o Sr.
Fernandes Pinheiro Junior na Gazeta de Noticias
de 17 de Abril) não tinham razão de ser» (Textualmente
do Sr. F. Pinheiro).

Tive de me estender por que «os portuguezes,
qualquer que seja a sua gerarchia social, seguem
sempre, fallando ou escrevendo, a mesma norma na
collocação dos pronomes» diz o mesmo Sr. Fernandes
Pinheiro, e eu apoio e muito mais ainda o seguinte:

«O que é certo é que todos o fazem machinalmente
(o griphado é meu), e a prova é que jamais
fixaram regras positivas a este respeito.» E graças
á Deus que já vejo alguém enunciar uma proposição
131que tenho emittido por vezes e que me tem sido
contestada pelos mestres de portuguez! Já não sou
eu só quem diz (ou que digo) que elles, si acertam
na collocação dos pronomes é por mero effeito do
habito, pelo mesmo motivo pelo qual dizem «ó
Vento, fecha a porta p’rumór do bento», pela mesma
causa em virtude da qual os allemães dizem badada
em vez de batata, e bacote em vez de pagode. Os
sobredictos dizem que é incorrecta a linguagem brazileira,
mas em que, não no dizem; não sabem. São
impertinentes e nada mais. Fui obrigado á transcrever
os preceitos onde e de quem os poude apanhar, porque
os grammatistas fallam sempre de ferula em punho,
mas quando se lhes retruca, tergiversam, quando se
lhes apresentam exemplos de classicos sophismam; quasi
nunca querem escrever a regra, porque préviamente
sabem que falha, e porque afinal criticam por criticar,
por impertinencia.

Impertinente, ralhador e perluxo como todos os
tios, porem mais caustico e á ponto que infernisa a
gente, é o distinctissimo Camillo Castello Branco que
nada poupa aos sobrinhos. O doutor permitta-me só
transcrever um pedacinho do Cancioneiro Alegre, onde
vem uma poesia do nosso Gonçalves Dias:

«Pois que farieis vós? Verter do peito
O melhor sangue… .pela patria acabar! (1)
Imbecis! pois mais vale com proveito
Da patria á custa a vida flautear.»

«(1) O segundo verso está errado.»

E na pag. 287 do Cancioneiro Alegre o Sr. Castello
Branco diz:

«Não se entende como Gonçalves Dias fizesse
versos deste feitio!»132

Mas não se digna explicar qual é esse feitio condemnavel,
e esqueceu-lhe dizer a mesma cousa na pag.
208, onde vem versos de Macedo Papança, que não é
brazileiro e do mesmo modo errou no quarto verso do
seguinte:

«E teu pai, se me falla, nunca falla
Senão em pergaminhos, em fidalgos,
Nas ligeiras matilhas dos seus galgos,
No conde, na duqueza, na marechala.»

Digo pois eu o mesmo que disse o embirrante:
Não se entende como Macedo Papança fizesse versos
deste feitio! Si disserem que a syllaba de mais que tem
o 4o verso se tira lendo-se «mar’chala», responderemos
que isso não adivinham os outros que não capiscam do
vernaculo, e que então tambem não fica com uma syllaba
de mais o verso 2o de G. Dias lendo-se (até com
mais razão) «p’la» em vez de «pela.» Isto serve tambem de
resposta ao meu amigo, quando, defendendo o vernaculo,
disse que devemos pronunciar «temo-nos…esmerado
Querendo apurar muito a phonetica deve reconhecer
que a pronuncia vernacula seria «tem’-nux ex-m’rado

Erro de metrificação ainda achamos em outros, por
ex. em Joaquim da Costa Cascaes que nos versos:

«Mas nascido um tal respeito
D’interesse — que não do peito.»
(C. Alegre, pag. 422.)

«As innocentes creanças
Que d’interesse não cogitam,
Do sabujo na amizade
Cada vez mais acreditam.» (C. Alegre pag.423.)133

Devia dizer «d’int’resse» para não ficarem errados os
versos. E ainda em «Abraçado á uma vassoura (C.A. pag.
424)» precisava estar «ũa» para ter o numero de syllabas
na conta.

De Donnas Boto (pag. 357) á cada instante se acha
amostra de versos errados, que nem vale a pena
apontar. Por fim até de Garret lá vem na pag. 303 este
verso:

«Duas odes de Filinto, uma de Horacio»

Para ficar certo este verso é preciso fazer diphtongo
em duas reduzindo isto á uma só syllaba; á não ser
assim deve cair o accento em «li» e deve ler-se o verso:

«Duas odes de Filint’ uma de Horacio.»

Não; censura-se só o que é do Brazil. Ora! Que nos
importa isso?

Para que aturar uns pernosticos destes, quando de
lá mesmo ha quem se possa ler com summo prazer?

Sem fallar nos Adolpho Coelho e outros que
escrevem para instruir, ha ainda os D. Antonio, os
Julio Diniz, os Pedro Ivo, que escrevem para deleitar
e o fazem com muita naturalidade, com sal proprio, sem
affectar, «sobredoirando os seus merecimentos com
o mais raro nestes ruins tempos, que vão passando, em
que a ociosidade dos talentos se desfaz em maledicencias
invejosas, como a podridão em tortulhos de sapo; isto é,
não abusando do seu engenho para matar com veneno
as reputações (Castilho na Preambular de D. Jayme).»
Elles contam cousas de lá sem imposturas e despertam
o interesse do leitor sem recorrerem ás chufas e ás
lerias contra os brazileiros, que por fim de contas nem
são brazileiros, são todos membros da colonia, os quaes
134depois de ricos regressam á patria, e lá lhes vão levar
os recursos accumulados para a aditarem com varios
melhoramentos.

Em tudo e por tudo os homens chalaceam da
falla brazileira (apodam o fallar brazileiro diriam
elles). Mas ainda repetimos, dizem chufas e nada
mais, pois elles não sabem o que censuram. Escravos
do habito, ao ouvirem a phrase construída de um
modo, á que não está habituado o seu ouvido delles, estranham-na,
condemnam-na peremptoriamente, mas
sem poderem explicar onde é que está a incorrecção.

Já tenho mostrado ao meu amigo, e sinto não poder
proseguir nestes rascunhos, para desmacarar o que são.
reaes incorreções grammaticaes, verdadeiro transtorno
das regras da syntaxe, postas em voga pelos taes puristas
do idioma do Hodierno Portugal, e contra os
quaes bradam a grammatica grammatica e o senso
commum. Talvez mostrados em lettra redonda os
erros, podessem ser confessados, pois os damnados é diffiicil
serem apanhados porque não dizem cousa com
cousa.

Entretanto são esses os pichosos que fazem questão
do accento sobre a preposição á como usam os brazileiros!
Ai! grammatistas! Não dão licença nem para
a minima innovação (ainda que seja ella muito razoavel),
logo que é feita pelos brazileiros! E’ erro
imperdoavel o á accentuado á não ser nos casos
unicos em que fôr contracção da preposição com o
artigo (da)! Nem reflectem que:

A preposição a existe em italiano e si não é
accentuada é por não ser preciso, porque não ha
outro a com funcção diversa. Em francez ha dous:
um a simples, que e terceira pessoa de um verbo,
135e outro à com accento grave (valendo agudo para
nós), que é preposição e que assim se distingue do
outro. Em castelhano apezar de haver só um, que é
a preposição, esse um leva o accento agudo á. E
em portuguez, em que ha tres (ou antes quatro),
acham que é erro accentuar á castelhana a preposição
para differença-la dos outros dous a! Para que
o artigo e o pronome não sejam accentuados ha boas
razGes, e nem por isso haverá confusão; o artigo
precede sempre á nomes e pronomes: «a casa, a tal,
a qual é a tua, ou a comprada»; o pronome é posposto
e é anteposto á verbos e á preposições: «Póde vê-la
quem a quizer vêr; é a de que se tracta, e a com que se
fixa a regra.»

A final a preposição é preposta á verbos, á nomes
á pronomes, á adverbios, e até aos artigos, e com
um delles chega á contrair-se, formando um quarto
a differente dos outros tres. Pois não é tão simples,
tão racional que seja accentuada a preposição (como
o é no castelhano) para se differençar do artigo e
do pronome? Não senhor, é erro; o a é só para a
contracção da preposição e do artigo, e está dicto.

E’ debalde querermos convencer á grammatistas,
de que a distincção entre á contracto e á preposição
não vale nada, é quasi intuitiva á vista dos casos,
e que é muito mais importante o distinguir-se a
preposição por meio do accento. Elles são grammatistas
e estão armados de ferula. Tambem a intelligencia
delles não dá para ver grande differença
entre preposição e artigo ou pronome.

«Por isso eu digo comigo, tu dizes com tigo,
elle
ou ella (o matuto ou a matuta) diz com sigo
que tudo isto é muito pequenino e bastantemente
136frivolo. Eu repito isto á ti e á elles, tu replicas á
mim
e á elles, e elles (os caipiras) olham para nós
e se mettem com sigo rindo-se de tanta pernosticidade
uu pernostiquice. Como porém você, vossa mercê,
vossa senhoria
ou vossa excellencia quer que eu me
dirija á você (á si!!?) com verbo em terceira pessoa
faço-lhe (faço á si ou faço-se?!!!!) a vontade e espero de
você
(de si) a graça e a licença de podor dar um pontapé
não só na grammatica, mas ainda no senso comtnum.
No mais em me submetto á si (á V. Ex.) e conto
com sigo (com V. Ex.) e com o favor de si (de V.
Ex.) para me perdoar a transgressão das regras
dadas por si (por V. Ex. e por todos os si e se
propugnadores da lingua vernacula). E si de si (de
V. Ex.) puder eu merecer mais uma graça, peço
ainda á si (á V. Ex.) que nos livre das impertinencias
do vernaculo, que realmente é enjoado de
si, em si e por si (estes últimos si á brazileira).»

E hão de estar os matutos por todas estas impertinencias
dos grammatistas, hão de abaixar a cabeça á
todas as pequices dos donos da lingua, á todos os caprichos
destes puristas, que não querem um copo d’agua,
ou um copo de vinho, e sim, um copo com vinho?!
Pela mesmissima razão syntaxica e logica não poderiam
e não deveriam vender-nos um litro de farinha,
mas um litro com farinha, nem uma libra de manteiga
ou um kilogramma de carne, e sim uma libra com
manteiga
, um kilogramma com carne. Nas suas empreitadas
de excavação de terra não deveriam cobrar
o importe de tantos metros cubicos de terra mas sim
tantos metros cubicos com terra. Isto sim é grammatica,
isto é que é conforme as leis invariaveis da
syntaxe, que é immutavel, que deve ser a mesma (cá
137e lá) pois mesmissima é a lingua disse o meu amigo
dr. T. de Mello.

Ah! meu caro dr., a incorrecção brazileira é ainda
mais atroz, pois o matuto diz «rapariga, me traze um
copo de vinho». Aquelle que falla linguagem vernacula
deve dizer «moça, deixa veri um copo com vinho.» No
Brazil, querendo satisfazer ao desejo do purista, a rapariga
ou qualquer outra pessôa (inclusive o preto
boçal), encheria um copo de vinho (ou encheria de vinho
e não com vinho um copo) e mostraria esse copo com
vinho
ou com o vinho ao subjeito; mostrar é o que
significa deixar vêr para nós outros os colonos internados
e matutos.

De Camillo Castello Branco ou de outro (não me
lembra; é penoso isto de tomar notas, e por vezes esquece-me
marcar o logar donde as tiro) tenho este dizer
«Ao fim de alguns mezes, no cabo da lua de mel»
Ora nós no Brazil dizemos «No fim de alguns mezes,
ao cabo da lua de mel.» As preposições empregadas
inteiramente pelo inverso.

«Estava na janella, encostada á grade» dizemos
cá; «estava à janella, encostada na grade» dizem lá.
E a lingua é a mesmissima! dizem os meus amigos.
Quanto á troca do significado e funcção das preposições;
veremos (está bem visto, si puder continuar á
imprimir os rascunhos) quem é que se arreda do uso
dos classicos verdadeiros da lingua, e quem é que altera
tudo fundamentalmente, até os significados das
dicções! Sabe o doctor do caso do commendador, mas
repito-lh’o: Respondendo á alguém dizia n’uma roda
certo matuto — Tenho tres filhos — Então, é baucê quem
nos tem, ou é a sua mulher? Diz á rir-se o commendador
— Sou eu que os tenho de minha mulher, si o senhor
deixa que outrem os tenha da sua, isto é cousa que se
não usa por cá.138

Incorrecção grammatical na collocação
dos pronomes.

Chegados á este ponto, meu caro doctor, podemos
determinar o em que consiste a incorrecção do lusobrazileiro
na collojação dos pronomes. Vamos apontar,
está bem visto, unicamente os casos em que a linguagem
brazileira se afasta do uso constante dos classicos,
e por classicos entendemos não os rigoristas e verdadeiros
innovadores do hodierno, mas o maior numero
dos que, nas pegadas de Camões, cultivaram as
lettras portuguezas.

De tudo o dito se segue (padre Vieira pag. 99 da
vida delle, escripta por J. Francisco Lisboa) que realmente
as incorrecções se cifram:

1.° Em começar phrase por pronome proclitico,
«me parece que assim é; o vedes perfeitamente: o julgamos
razoavel; nos dão exemplos disso até directores
de instrucção; nol-o aconselha o dr. Paranhos da
Silva.» E’ um castelhanismo ou italianismo, mas gallicismo
nunca por que nestes casos, em francez, a phrase
começa sempre por um subjeito, pelo menos por um
pronome expletivo;

2.° Em empregar pronome proclitico, com verbos
no infinitivo e no gerundio. Este em ultima analyse
vem á dar no outro, pois o erro consiste em começar a
phrase por pronome proclitico; no mais différe porque
os censores querem e exigem em geral o pronome enclitico
(italianismo), e o pronome proclitico, dizem, é
gallicismo; mas gallicismo será então a anteposição do
pronome ao gerundio e ao infinitivo em geral, e vimos
que quando precedidos de preposição é isto muito admissivel
e regular.139

3.° Em usar de pronomes encliticos nas linguagens
negativas, e principalmente com verbos de orações incidentes,
subordinadas, condicionaes e em geral
integrantes «o que disse-me elle, é exacto; onde pôz-se
o
lapis? quem chamou-te? quando deu-se isso? si
queres-me
fallar, quando formo-nos, etc.»

A infracção da regra consuetudinaria é real, mas
á proposito della surgem diversas reflexões.

Como é que censurando isto á phrase brazileira
dizem que ella é muito eivada de gallicismo? Em
francez não se pospõem os pronomes assim nas orações
subordinadas; antes pelo contrario, isto, como já notamos,
será anglicanismo ou germanismo, járnais gallicismo.

E na realidade é engraçado! José de Alencar, defendendo-se
de censuras que lhe faziam, diz em uma
nota:

«E’ tambem materia de escandalo a collocação
dos pronomes pessoaes que servem de complemento
ao verbo me, te, lhe, e se. Entendem que nós os
brazileiros afrancezamos o discurso fazendo em geral
preceder o pronome, quando em portuguez de bom
cunho a regra é pospôr o pronome.»

Nem José de Allencar, nem os seus censores sabiam
á quantas andavam!

Das neo-latinas, o francez, cuido eu, é a que menos
uso faz de pronomes encliticos; nessa lingua é quasi
que de regra absoluta o pronome proclitico e quasi
que por excepção é admittido o enclitico nas phrases
interrogativas e imperativas. Como é então que Alencar
era afrancezado quando escrevia «que faltam-me as
forças, ali aninhou-se, quando fallo-te, etc.»?140

Ainda com pronome subjeito expresso (como é indispensavel
em francez) não se diz «quand je parle-te» ou
«quand je parle-toi

E depois, si o defeito de Alencar era a linguagem
afrancezada, quem é que tem esse vicio em mais alto
gráo do que Pinheiro Chagas (um dos censores), que
pensa e escreve puro francez em quasi tudo quanto dá
ao prélo?

Na realidade procede a critica, quando diz que
José de Alencar escrevia linguagem afrancezada, mas
o gallicismo não está na incorrecta collocação dos pronomes,
está em outras cousas e até no geral dos
enunciados, tal e qual tambem se vê em Pinheiro
Chagas e outros, que entretanto se tem na conta de
correctissimos na construcção.

Póde ser que me tenha escapado, mas não me
lembra de ter encontrado uma só vez em Alencar incorrecção
da classe primeira das que enumeramos.Demais
nesse erro de brazileiros estão incursos até os afamados
mestres do vernaculo. Pronome proclitico no começo de
oração lá vem no Cancioneiro Alegre e é C. Castello
Branco, que na pag. 163, quando dá a noticia sobre
Theodoro de Sá Coutinho, principia:

«No conhecem os bibliophilos»; os incorrectos brazileiros
prefeririam dizer «o conhecem» e talvez ainda
«lo conhecem».

Agora, si quizerem considerar como gallicismo o
pronome proclitico nos diversos casos por exemplo
citados pelo dr. Paranhos da Silva (Revista Brazileira
de 15 de Setembro pag. 497) então não devemos dizer
gallicismo e sim neo-latinismo e muito conforme com a
regra de Paulino de Souza, § 73 que, notamos já, é
141de immensa generalidade. Em virtude della «si o verbo
é precedido de negativa, de adverbio, de conjuncção,
de preposição e de qualquer palavra emfim, colloca-se
o pronome antes do verbo. e antes do auxiliar si o
verbo é composto.» Seguil-a é escrever á Vieira, á
Filinto, á Garrett, á Porto-Alegre e outros.

Alencar não podia ser censurado por isto; si o foi é
porque os rigoristas tinham em mente a 2.ª regra de
Castilho (Revista Brazileira de 1 de Julho pag. 79)
que não é valida, si não para o classico hodierno, e isto
mesmo claudicando á cada passo, como vimos nos
exemplos transcriptos nestes rascunhos.

As incorrecções 1ª e 2ª são realmente frequentes na
linguagem brazileira, mormente na dos homens que
tractam de sciencias, mas não o foram em Alencar, e não
o são realmente na maior parte dos nossos litteratos que
até neste ponto se apuram, e nem nos infinitivos regidos
dê preposição ou de outro verbo se animam á appôr os
pronomes procliticamente. Como se vê mesmo das
regras do dr. T. de Mello e Arthur Barreiros, na generalidade
do que se escreve hoje entre nós, ha manifesta
tendencia para o italianismo (pronome enclitico á infinitivos
e gerundios) e á ponto tal que até se-vae de
encontro á regra de J. S. Barbosa (sobre tempos compostos)
e contra o uso dos vernaculos, que vão nas
pegadas do purissimo V. de Castilho. Como sabe o meu
amigo, Castilho não gosta de encliticas com o gerundio
quando elle está com verbo auxiliar, e vae-as puxando
para depois do verbo que varia na conjugação.

A grave incorrecção de Alencar e da maior parte
dos nossos homens de lettras é a 3.ª, e já não fallo
da incorrecção do pronome enclitico em geral com
os adverbios, porque é rigorismo excessivo e não
142justificado pelos usos da lingua. «O corpo ali move-se»
disse bem Alencar, porque «ali» tambem pode
mudar de logar, e são licitas as collocações «ali se
move, move-se ali, etc
». E’ isto que procuramos definir
pela regra do meu amigo acerca dos vocabulos
que podem mudar de logar.

A incorrecção de Alencar está nas seguintes phrases:
«quando… o povoado estendeu-se; o primeiro pichelingue
que passar-me por d’avante; suppoz que a
onça atirava-se; uma lagrima que desfiava-lhe; até
que uma mergulhou-se
; como fallou-lhe; quem disse-te,
não disse-lhe
; onde acha-se, etc.»

Nesta incorrecção, (vá feito que o seja) mais ou
menos incorrem todos os brazileiros, o meu amigo
tem toda a razão; ainda mesmo aquelles que se
apuraram em palestras litterarias, dando o maior
apreço possível ao castiço e vernaculo da linguagem
e tendo por guias modelos do quilate de José Feliciano
de Castilho, ainda esses mesmos, e ainda os
proprios portuguezes, depois de residirem annos no
Brazil lá vão escorregando e incorrem na mesma falta.

E, notou mui bem o meu amigo, si os que mais se
esmeram e limam o estylo, conseguem na escripta
evitar esta incorrecção, fallando, quasi que não ha
um só que não caia. E o que devemos dahi concluir
é que, a incorrecção passou em julgado, é lei
para a lingua que fallam os brazileiros tão bôa e
tão rigorosa, como as que governam as linguas
neo-latinas, que não estiveram pelas regras do latim.
O que não é admissivel de modo algum, o que é
verdadeiro dislate é ter-se uma lingua para escrever,
e outra para fallar; foi-se a naturalidade, foi-se o
estylo e a gente depara com uma coisa bem esturdia:
143o discurso que arrebatou quando pronunciado,
é frio depois de escripto, isto é, dspois que foi emendado,
castigado, concertado na collocação dos pronomes!

Querem que no Brazil se escreva differente do que
se falla, é boa! E a gente á cuidar que a escripta foi
inventada para se reproduzir e se fixar o que se falla!

Totis viribus o meu amigo se revolta contra esta
minha conclusão, sustenta que incorrecção é incorrecção,
e repete-me as palavras do dr. Teixeira de Mello:
«a phrase deve ser a mesma, pois mesmissima é a
lingua.»

Pois bem, admittamos: é incorrecção; mas peço licença
para notar que os nossos tios (acho magnifica
esta designação que inventou o dr. Paranhos da Silva)
tambem lá tem suas incorreções, de outra natureza, é
verdade, mas sempre incorrecções. Com o maior acatamento
e respeito, pois, declaro que; assim como os tios
fazem o que querem com a sua lingua lá delles, os sobrinhos
tambem podem fazer o mesmo com a sua
delles cá.

Responde-se-me que elles são os donos da lingua!

A’ esta não é possivel dar resposta alguma. A resposta
adequada seria…

E neste caso, se tivessemos voz activa, diriamos
aos patricios:

Deixemos lá os tios com «as frescuras de lingua,
«com phrases…cheias de porcaria vernacula como
nenhum outro idioma da Europa os têm tão
ricos de
euphonia (Roberto Macario de C. C. Branco, pag.
219)» deixemo-los apurarem a sua lingua castiça
como muito bem lhes aprouver e…144

Vamos cá deleitando-nos com a linguagem incorrecta
dos nossos homens de lettras, mas que apezar de
incorrectos não nos maçam a paciencia como o remerrão
classico e com as… bellezas vernaculas.

Temos o direito de applaudir com todas as veras
d’alma os homens de merito real, os homens d’alma e
coração, que alliam aos dotes da intelligencia a mais
elevada o dom de um verbo poderoso e arrebatador
que subjuga e vence. De um delles, de José Bonifacio
seja-nos licito inverter para o nosso fim palavras que
entendiam com a constituição politica, mas que servem
para a constituição grammatical, quer no que exprimem,
quer na fórma em que é isso exprimido (ou
expresso).

«Já disse que o direito e a posse do direito identificam-se,
assim como o exercicio e o modo pratico do
exercicio.

A qualificação não dá direitos, reconhece-os e
todo o juizo declaratorio sóbe á origem donde nasce,
ou retroage á data do seu nascimento.

Quando a constituição refere-se aos direitos politicos
do cidadão, manifestamente refere-se á objecto
determinado, isto é, etc.

Póde-se alargar-los, não se póde diminui-los;
porque, alargando não fere-se direito algum e pelo
contrario restringindo, tira-se á um o que dá-se á
outros

Arvorando-se os tios em donos da lingua, tira-se.
aos sobrinhos tudo, inclusivamente a liberdade de fallar
e de pensar. E tanto é assim que:

O grande orador, o José Bonifácio da tribuna, onde
elle se apresenta racionador rigoroso e estadista, sem
145deixar de ser philosopho e poeta, já não é tão grande
nas suas poesias, e porque? Porque quando escreve,
apresenta-se-lhe o terrivel vernaculo que lhe cercêa
as expressões as mais felizes, que lhe arranca os dizeres
naturaes e caracteristicos, atira com elles fóra, e
em logar delles ahi vai encaixando nos versos as safadas
chapas do florilegio poético, tal e qual no-lo
impinge o classismo do hodierno.

Porto-Alegre! quem no ouvio em palestras, quem
no ouvio quando elle discorria natural e livremente
(antes de ser consul e barão lá) sabe que elle era um
genio! Que resta delle? o Colombo, obra classica e
artistica, mas onde… nem sombras do genio que se
chamava Porto-Alegre!

Nas Brazilianas quiz elle exprimir as cousas que
sentia perante as scenas novas de nossa terra, mas apezar
de empregar termos do vocabulario brazileiro (sapé,
emboaba, coivara, lote, tapera, paca, etc.) não pinta
scenas do Brazil, faz o tropeiro e o boiadeiro fallarem
lingua vernacula, fa-los arrazoarem e discorrerem
como pastores e como alarves da Aldêa Gallega, ou
como peralvilhos do Chiado. Qual coleoptero enredado
nas têas da aranha, a inspiração, emmaranhada nas
malhas do castiço, do vernaculo, não poude alar-se; o
genio ficou atabafado e, debatendo-se em versos palavrosos,
reduziu-se á méro talento.

Quanto pois á collocação dos pronomes, meu amigo,
todas as vezes que ao enunciado e precisão do pensamento
não prejudica esta ou aquella collocação, o que
decide della é o ouvido. Isto vimos que era corroborado
pelas proprias palavras dos puristas citados no principio;
dizia um delles: «n’outros (sc. casos) porém varia
(a collocação dos pronomes), e como que fica dependente
146do ouvido de cada um. E’ a musica da phrase, é a melodia
e harmonia da expressão que, respeitada a integridade
e exactidão do pensamento, determinam a
contextura das partes da oração, e a collocação dellas.»

E deste modo pelo simples decurso do tempo tem
de apparecer necessariamente o Phonetic Decay dos
linguistas e em seguida a Dialectic Regeneration,
que fazem com que o francez de Lamartine seja tão
diverso do de Voltaire, e o portuguez de A. F. de Castilho
do de G. Dias, distanciado este do outro, não
pelo tempo, mas pelo oceano e pela differença dos meios
em que viviam.

Extravagante seria, muito pelo contrario, que no
mesmissimo molde fossem vasadas impressões e concepções
tão diversamente formadas. E demais, como
muito bem notou o dr. Paranhos da Silva, o idioma do
hodierno Portugal
, o portuguez castiço tambem se tem
adulterado lá mesmo, soffrendo modificações phoneticas
taes, que o differençam em extremo do fallar brazileiro;
e seria ultra-extravagante que, amando os brazileiros
uma linguagem mais fluente, mais facil de
pronunciar-se, mais suave para o ouvido, admitissem
in totum as construcções e a collocação das partes da
oração á moda daquelles que, engolindo as vogaes do
meio das dicções, precisam accentuar a pronuncia
sobre as particulas e chegam mesmo á invental-as dizendo:
uk’andas à fazeri? Não insisto no que tão proficientemente
discutiu o dr. Paranhos da Silva, e tracto
de rematar porque… emfim elles são os donos da
lingua.

E’ assim mesmo, não ha duvida neñuma…

Apezar da incorrecção de phrase, ao Bernardo
Guimarães applaude todo o mundo, e não obstante merecer
147o Padre Corrêa o epitheto de Tolentino Brazileiro,
conferido por um visconde de Castilho, para as bandas
de cá tem elle poucos admiradores.O incorrectissimo J.de
Alencar despertou enthusiasmo e não obstante certos
desmandos do seu estylo e a condemnavel e condemnada
licença das suas producções litterarias, foi o romancista
mimoso, o mais querido em nossa terra, no emtanto
que passam desapercebidos ahi tantos, que
levaram ao maior apuro possível a correcção grammatical
e orthographica. São cousas…

«Escriptores ha destes, e não poucos, que empregando
palavras todas da sua lingua, e na accepção
propria; collocando-as com a mais escrupulosa observancia
da syntaxe; compassando-as com a pontuação,
pouco mais ou menos como toda a gente, e
encerrando em cada membro de periodo alguma coisa
intelligivel, tem entretanto a singular habilidade de
entreterem por espaço d’horas a seus leitores, sem que
estes á final hajam colhido uma só idéa. Nada mais
scientifico do que a apparencia de taes estilos; nada
que mais imponha ás turbas; nada, que tanto desconsole
e humilhe os entendimentos sinceros e de
bem — se assim nos podemos exprimir — mas nada mais
vão, mais insensato ou mais ridiculo. E’ a gira dos
contrabandistas; é o vasconço dos ciganos litterarios.
Os estudos modernos não têm maior peste nem a boa
eloquencia mais fatal inimigo, que esta moda.» Quem
disse isto foi o visconde de Castilho. Si quizerem respingar
é contra elle, Colloquios Aldeões pag. xiv. Notarei
só, por demais, que este trecho em vernaculo,
irreprehensivel, e no qual não se aponta um gallicismo,
lembra muito a leitura de livros francezes, muito principalmente
148de Rien de plus scientifique que etc., em
diante. Por minha conta ainda digo que está contra a
regra o infinitivo pessoal «entreterem», e que no Brazil
se usa dizer «giria» e não «gira» porque isto significa
outra cousa.

Vem aqui á pello o que me disse um meu amigo,
engenheiro allemão, homem illustrado e distincto cultor
das lettras.

— O portuguez é dos diabos, é uma lingua que não
presta para nada.

— Porque?

— Ora! Bons discursos, interessantes escriptos, que
leio, acho que merecem ser conhecidos em minha terra,
quero mandá-los para lá; mas primeiro vou conversar
sobre elles, consultar a opinião em que são tidos. E dizem:
Sim é bom; Fulano (o auctor) tem talento, é muito
instruido, mas… não sabe portuguez, não falla, não escreve
em portuguez. Peço então que me indiquem livro
em que leia bom portuguez. Vou ler… é palha, palha
secca, não se tira nada dali. E depois ás vezes não se
entende, e quando se entende é uma cousa pesada, grosseira,
bruta como uma cortezia de toucinheiro; alem
de haver muito termo que não vem no diccionario, que
é preciso adivinhar, não tem grammatica nem logica
que o estrangeiro possa comprehender.

E para prova mostrava-me trechos de diversos, e
entre outros alguns de C. Branco «Credo, que não, que
não; que a não deitasse á perder; que o mundo acabara
para ella quando casou; que não queria famas;
que era amiga do conego, como se fosse sua irmã; e
mais nada; não queria dar desgostos ao mano barão;
quant’é do marido não se lhe importava; e que a cabra
149da cunhada, se soubesse que o conego lá passava,
ia dar á lingua, pô-la pela rua da amargura.»

Em outro logar:

«Deu informações consoantes á pessôa do conego:
baixo, costas largas, com uma bengala muito grossa
de castão a fumar cigarro, homem de meia idade, cara
d’alarve, com os beiços grandes, muitas bochechas,
com uma barbella vermelhaça, um feio diabo. A corja
pag. 279».

E me punha em embaraços o meu amigo para destrinchar
as phrases arrevezadas, e pôr em trocos miúdos
a semsaboria vernacula, de modo que tivesse sentido e
concordancia em lingua culta.

«Não temos (em Portugal, está bem visto)…
livro serio com que possamos provar que n’este paiz
alguem commungára com os grandes pensadores e
dera á poesia, menosprezada por futil, a força de uma
alavanca no desmantelamento do edificio velho. (cancioneiro
alegre
pag. 153)»

Fallou um dos mestres, ao qual

«Depois de oitenta livros, com oitenta
Raladoras paixões ainda escapam (C. Al. pag. 549)».

Historias finas e sentimentalismos dos mais subidos
quilates, como não ha outros.

E depois que mais? é que, pelo gosto de lêr versos
harmoniosos e cheios d’alma, e romances cheios de
vida e de naturalidade, de muito bôa mente perdoamos
ao Bernardo Guimarães… perdoamos o que?
de todo o coração acceitamos as incorrecções ou nem
nas vemos ahi nos:150

Mas Sophia lhe responde:
Onde
Quereis agora que eu vá?…
Ah!

Depois nesta sua escrava
Crava
Um olhar de que morri;
Ri,
E me diz: eu serei teu
Eu!
Serei tua: lhe respondo
Pondo
A mão sobre coração.

Anjo que traz-me em delirio;
Lyrio,
Cujo seio puro extreme
Treme,
Se a brisa da-lhe sobejos
Beijos.

Antes n’uma masmorra
Morra
Do que vêr quebrar os bellos
Élos…

Bem conheço esse insolente
Ente
Que insuflou-te tamanhas
Manhas
151

Emquanto a pobre netinha
Tinha
Nos olhos cheios de magua
Agua.
Lhe diz a vovó materna
Terna:

Tambem dentro desta casa
Casa,
Qu’eu darei á teu esposo
Pouso.

Transcreví estas estroplies da Gentil Sophia (Novas
Poesias
de B. Guimarães) só para mostrar que, apezar
das invernaculidades, tem mais graça do que muito
verso chué do portuguez castiço. Sublinhei as incorrecçoes,
entre as quaes figura o preterido «morri» que um
grammatista qualificou de absurdo, declarando que o
verbo «morrer» não admitte a 1.ª e a 2.ª pessoa do
preterito!!!

«No seio lá do paraguayo sólo
Sanhudo leopardo se aninhava,
Com a pata feróz calcando o collo
D’uma nação escrava

Mas vede lá na esquerda ribanceira,
Onde em crescente encurva-se a barranca,
Do rio seu com horrida tranqueira
As portas atravanca,

Da riba ao longo, o bastião sombrio
Em vasto semi-circulo se encurva
E o sinistro perfil no longo rio
Estampa a sombra turva.»152

Não tenho á mão outros livros do B. Guimarães
nem de algum outro poeta nosso, meu amigo, e por
isso tiro das Novas poesias estas amostras de incorrecção,
que não minguam a belleza dos versos.

Bernardo Guimarães nesta ultima poesia duas
vezes emprega o mesmo verbo incorrectamente, devendo
estar, coaforme os puristas «se encurva»
onde está «encurva-se» e vice-versa. Mas para todo
aquelle que tem «ouvidos,» para quem capisca de
versos «com poesia» e não está estragado pelos versos
ôcos e chochos, isto é, sem poesia, é louvável a transgressão
da regra. Si o B. Guimarães quizesse collocar os
pronomes á moda classica como ficavam esses versos?
Mas o grammatista

Da-lhe que dá-lhe co’o tacão das botas
Traz do ministro largando á correr.

Disse Gonçalves Dias ainda incorrectamente, mas
de maneira que posso apropriar-me das palavras
delle para applica-la ao grammatista, tão despotico
no reino da grammatica, como o ministro o é na
administração. Ambos os dois (á italiana) mandam (são
manda-chuvas, dizem no norte) contra o senso commum,
contra os factos, contra tudo; ambos os dois levam
sovas e levantam reclamações e berreiras, mas ambos
elles vão por diante imperterritos.

Pozeram em voga os taes senhores classicos do
hodiernoo muito prosaico verso alexandrino, triste
revelação de máu gosto e de falta de senso poetico,
que ainda se sobreleva pela raridade dos versos de
seis syllabas tão apto para a musica! D’esse verso
de seis syllabas (assim como do de cinco e do de sete)
usou o melodioso Gonzaga, introductor do bom costume
153(V. de Castilho: Metrificacão Portugueza pag.
144 4a. edição) das estrophes á moda italiana, uns
primores…que se devem á Italia e nomeadamente
ao popularissimo Metastasio
.

Esse verso, muitissimo musical, arrasta insensivelmente
a gente á transgressão da regra de collocação
dos pronomes e por isso é de certo que não
gostam delle os versificadores classicos. Não é só isto;
o verso mais usado nas redondilhas, era o de sete
syllabas, e é esse o verso estropiado hoje em cantigas
roubadas de óperas (como na Jovem Lilia abandonada,
na Vê o bella ás tuas plantas, etc) estropiando-se ao
mesmo tempo a musica. E, agora é que são ellas!
visto que na musica o concreto de consoantes é obrigado
á vocalisar-se, ahi temos os homens desfazendo
na musica o que fizeram na falla, salvo si topam
consoantes que produzem não o som de cascata como
dizia Mme. Tastu, mas o som de uma duzia de frigideiras,
como optimamente o explica o dr. Paranhos da Silva,
(Parte 1a. do Idioma do Hodierno Portugal pag. 21.)

Dahi resulta uma cousa bem exquisita. As cantigas
dos caipiras com as suas toadas singelas, e perfeitamente
accentuadas onde o devem ser, nem sempre
são feitas nos taes versos com accento na setima
syllaba, ou antes quasi sempre são feitas em versos
de seis syllabas, porem com os ouvidos mal amanhados
os versejadores á classica, não habituados á esse
verso, o alteram (ou corrigem), quando podem, para o
verso de sete syllabas, e quando não podem o deixam
como está. E então quando são trazidos á imprensa
os taes verbos de caipiras ahi os vemos por
via de regra de pé quebrado! E porque é isto? é
porque o grammatista está com a cabeça cheia de
154regras, não enxerga e não estuda as cousas como
são e como se apresentam á quem não está cheio
de preconceitos, e leva o descoco á ponto de alterar o
que ouve, corrigindo o que pode, e deixando o mais
com o pé quebrado.

Qualquer que tenha um pouco de talento para
metrificar, como o tinha o impagavel e in-olvidavel
Laurindo, reconhecerá (o que já dissemos), que a
propria indole do verso de seis syllabas convida á
deslocação do pronome, cousa que o purista não
pode perceber porque não tem ouvidos, ou os tem
educados de outro modo. A prova está justamente no
que diz Castilho (pag. 41 da Metrificaçao portugueza)
«Os melhores versos de seis syllabas são os que se
reduzem a tres metros de duas syllabas» Dá o
mestre como melhor justamente o mais monótono
dos tres padrões, e como o menos bom um dos melhores!
Bem mostra que é o auctor das cartas de
Echo e Narciso
que deixaram á perder de vista o
inspirado auctor da Noite do Castello!

Peccam pela má collocação dos pronomes os seguintes
versos; podiam ser corrigidos para vernaculo, porem…

Que diz-te o coração,
Querida minha, dize,
Quando ólhas para o ceu
Co’a face assim na mão?

Será uma esperança?…
De que, meu bem, de que?
Será de cousa almejo
Que nunca a gente alcança?

Temor será da morte?
Tens medo de que tudo
Se acaba aqui…ahi…
Na tumba tudo aborte?155

Ai! ai! estou scismando,
Qu’a minha já pegou-te
Cruel, fatal doença,
Que vai sempre lavrando!

A triste epidemia
Que desmantela crenças…
Os sonhos desencanta…
E mata a poesia!

Cuido eu que tua fé
Fraqueia… em outra vida
Cuido que tua crença
A mesma não mais é!

Duvidas! ai! duvidas!…
Por isto ficas triste!
Qu’acabe tudo temes
Com estas nossas vidas.

Não mais no padre crês,
Que vida lá…promette-te;
E scismas, pois, na cova
Sumir-se tudo vês.

Tua fronte anuvia
Do século a descrença
Desmaia-te o sorriso
Crúa melancolia…

Pois olhas no futuro,
Não vês coisa nenhuma!…
Não vês sinão sumiço
N’um temeroso escuro!156

Embóra!… Pereçamos!
Sumamo-nos, mas junctos!
Com tanto que fiquemos
Unidos sempre… vamos!

Um todo só formando,
Fundidos um no outro,
Um n’outro aniquilemo-nos
Um ao outro logrando.

A construcção vernacula condemna muita cousa
aqui e exige varias mudanças de collocação. Vejamos
só algumas.

«Que diz-te» é grave incorrecção em vez de «que
te diz
.» Quando falla «de cousa almejo que» cumpria
estar «almejo de cousa que.» Ha completo transtorno
em «a minha já pegou-te» «cruel, fatal doença». Em
logar de «tua fé fraqueia» os rigoristas gostam mais
de «a fé te fraqueia ou fraqueia-te» Em vez de «cuido
que tua crença
» elles gostariam mais que se dissesse
«cuido eu que a tua crença» No 4.° verso da 7a quadra
elles prefeririam «cá n’esta nossa vida» Condemnam
peremptoriamente o «que…lá promette-te», e adiante
diriam «a fronte te anuvia» e não «tua fronte anuvia» No
modo vernaculo diriamos pois olhas p’r’ó (e não no)
futuro. Finalmente elles admittem raras vezes os versos
esdruxulos e ainda mais com vozes como «aniquilemo-nos».

Gosto de me servir das palavras dos mestres para
externar o que penso, e aqui vem á proposito uma tirada
de Pinheiro Chagas, que transcrevo apenas com uma
ou outra correcção á meu modo.

«Estamos…hoje atravessando uma crise…e os
157talentos, que despontam em nossa patria, parece virem
já corroidos por uma lepra original, que os não deixa
expandirem-se livremente ao sol claro e puro do nosso
firmamento.A affectação,a turgescencia, o pedantismo,
e, o que é peior ainda, a imitação pouco sensata dos
menos imitaveis modelos estrangeiros, dão á nascente
litteratura todos os symptomas de uma decrepidez precoce.
Nos escriptos dos talentosos moços que se estreiam,
debalde se procura um grito que parta do coração,
uma idéa que bróte espontaneamente, como flor da
madrugada, no… espirito illuminado pelo sol do enthusiasmo;
em vez disso encontram-se apenas phrases
pomposas, pensamentos… atirados á circulação por
escriptores francezes que tem modernamente procurado…
popularidade em certa extravagancia que por
cá se aprecia muito. Espíritos juvenis, mas falseados
por uma leitura sem discernimento, acceitam como
oiro de lei essa moeda falsa, e devolvem-na ao publico
apenas galvanisada por um estilo, cujo esplendor ficticio
mal póde deslumbrar por um instante aos que
não fazem differença entre o sçintillar das lentejoilas e
o refulgir dos diamantes. Novos Ensaios Criticos pag.
228.»

Insubordinações grammaticaes

Os tios usam sempre para com os sobrinhos de um
tom magistral, e não perdem nunca occasião de ralhar e
de puxar pela férula. Por exemplo nos Ensaios criticos
pag. 221 de Pinheiro Chagas lê-se:

«O defeito que eu vejo nessa lenda, o defeito que
vejo em todos os livros brazileiros, e contra o qual
não cessarei de bradar intrepidamente (bravo!), é á
158falta de correcção na linguagem portugueza, ou
antes a mania de tornar o brazileiro uma lingua differente
do velho portuguez, por meio de neologismos
arrojados e injustificaveis e de insubordinações
grammaticaes, que (tenham cautella) chegaráõ a ser
risiveis se quizerem tomar as proporções d’uma
insurreição em regra contra a tyrannia de Lobato.»

Vê, meu caro dr., como falla o intrépido tio? elle
ameaça até: tenham cautella! Mas entendamo-nos;
insubordinações grammaticaes, ou insurreição contra a
tyrannia de Lobato?

Quando a algebra diz que a differença entre duas
quantidades a—b, tem o signal da maior, isto é, que
essa differença é positiva quando o termo maior é o positivo
e vice-versa, diz uma verdade, estabelece uma
lei, contra a qual não ha insubordinação possivel.

Quando porém se diz (ou diz-se? que é o que (ou
o que é que) governa aqui o pronome? é o quando ou o
porem?…) Quando porém se diz que a differença negativa,
por isso que resulta de ser o termo negativo
maior que o positivo, é menor que zero, diz-se uma asneira,
e o virem cá impô-lo é uma tyrannia de algebrista,
contra a qual se insurge o bom senso.

Nem todos são Benjamin Constant; nem todos têm
valia e valentia para desmascarar e debellar petulancias
de inculcada lei, que não passa de tyrannia. Mas
é dever de todos e de cada um fazer o que puder em
prol da verdade.

Não se devem confundir as regras de grammalica
com os despotismos de grammaticos. As regras da grammatica
são ou devem ser baseadas sobre a observação
dos factos; logo que ellas não estão de accordo com
esses factos, não passam de tyrannias dos grammaticos.
159

Seguindo, ainda que de longe, os passos do meu amigo
o dr. Benjamin Constant, e imitando o seu espirito investigador,
embora em um ramo de estudos muito menos
precisos que a algebra, temos procurado vêr si nos
será possivel mostrar que: querem impôr-nos tyrannias
de grammaticos á nós outros brazileiros, e que a nossa
grammatica, si em alguns pontos desgarra, em outros
está mais de accordo com os factos da lingua portugueza,
do que aquella, em nome da qual Pinheiro Chagas e com
elle muitas outras pessoas illustradas, condemnam os
nossos neologismos e insubordinações grammaticaes.

Contra a tyrannia tem-se insubordinado diversos, e
entre elles alguns muito distinctos, como José de Alencar
e outros. Batendo, porém, com razão e com a razão a
tyrannia dos grammaticos, ou antes dos grammatistas,
e procurando reconstituir as regras da grammatica, ha
poucos; neste ponto merece especial menção o dr. Paranhos
da Silva, á quem já me tenho referido por vezes.
No seu opusculo o idioma do hodierno Portugal elle
deu em muita balda certa, e apontou muitas incorrecções
do portuguez genuino.

Entre os que condemnam a insubordinação dos
brazileiros tenlio o desprazer de contar a sua pessoa, meu
amigo sr. dr. S., que com a distincção e meritos que tem
em alto gráu, rompe lanças em prol do vernaculo e castiço,
e profliga os vicios de linguagem dos patricios, em cujo
numero desgraçadamente me conto eu. Digo desgraçadamente,
porque tendo ao meu patricio e amigo na
conta de mestre, e de mestre muito auctorisado e competente
á quem acáto e respeito, comtudo neste ponto
sou obrigado á insubordinar-me contra a sua auctoridade,
e á dizer-lhe: Não, meu caro doutor, não queira
impôr-nos esse vernaculo e genuino, que não ó o vernaculo
160de Camões e de Herculano, e que só serve para
esterilisar as lettras portuguezas d’aquem e d’alem mar.

O meu bom e illustrado amigo, irado contra as insubordinações,
depois de arrazoar contra ellas muito
proficientemente, costuma alludir ás seguintes palavras
de Max Müller.

«Presidindo á dieta de Constança o imperador
Sigismundo dirigiu-se á assembléa em um discurso
em latim, exhortando á ella que extirpasse o
schisma dos Hussitas:—Videte Patres, ut eradicelis
schismam Hussitarum
, disse elle. Foi porém chamado
á ordem com muita sem-cerimonia por um monge,
que reclamou—Serenissime Rex, schisma est generis
neutri
.—O imperador com tudo, sem perder a presença
de espirito, perguntou ao impertinente monge—Como
é que sabeis disto?—O mestre-escola da Bohemia replicou:
— Dil-o assim Alexandre Gallus.—E quem
é Alexandre Gallus? accrescentou o imperador.
O monge respondeu:—Era um monge. —Bem, retrucou
o imperador, e eu sou imperador de Roma;
e a minha palavra, entendo eu, valerá bem a palavra
de qualquer monge. Não ha duvida de que estavam
com o imperador, os que se riram; porém, apezar de
tudo schisma ficou sendo neutro, e nem mesmo um
imperador podia mudar-lhe o genero ou a terminação.
(pag. 41 Lectures on the science of language).»

Allude o meu amigo á este pedacinho (que é de
ouro) para bater de rijo a incorrecção dos brazileiros no
emprego dos pronomes; mas veja como são as cousas,
á mim me elle serve muito mais, e muito melhor. Com
effeito, si nem um imperador póde mudar a terminação
do genero neutro, como é que vem o purista impôr
161um neologismo anti-grammatical á titulo de vernaculo,
quando delle não sabem as gentes de cá, quando é apenas
usado no reino lá, e quando elle é condemnado pela
grammatica e pelo bom senso (si applicado à segunda pessoa)?
Como é que vem o grammatico, mais despotico do
que o imperador romano, averbar de incorrecção de
phrase o fallar singello e natural (dá-me um copo
d’agua), e quer impôr uma linguagem que se inculca
castiça, mas que é puramente exótica (dá-me um cópo
com agua)? Como é que em nome de mestre Jeronymo
Soares Barbosa se pretende corrigir Camões, e se
estatue a tyrannia de regras (sobre infinito pessoal,
sobre collocação dos pronomes etc.), que o proprio
mestre transgride inconscientemente?

Em nome dos sensatos preceitos da grammatica
é preciso debellar a tyrannia do grammatista, sob
pena de vêr-se a lingua atrophiada pelo imperramento
das molas (o estylo inculcado v’rnaculo), pela
ferrugem das peças (os archaismos desconchavados),
pelo desengonçamento do machinismo remendado (com
os neologismos, e principalmente os gallicismos.)

Cá e lá mais fadas ha, é verdade. Tambem incorrem
nas mesmas culpas os brazileiros, não ha duvida alguma,
e até incorrem muito mais em certos pontos,
é exacto. Principalmente na côrte e nas cidades, onde
parece haver maior civilisação, faz-se grande mistura
de grelos e a lingua anda ás cabeçadas, sem tomar
forma algma bem definida; pullulam os barbarismos e
muito principalmente os gallicismos, porque os nossos
homens de lettras e de sciencia (como os de Portugal)
o que aprendem é quasi sempre em livros francezes.

«E o que é de admirar, são quasi todos estes senhores…
os que tem introduzido o plató (em vez de
162chapada ou planalto), todos elles litteratos, instruídos
nos estudos classicos, conhecedores da lingua que escrevem
e do dialecto que fallam; mas infelizmente todos
tão modestos que, em vez de darem a lei com a autoridade
que lhes communicam estudos e talentos, lá vão
pela corrente abaixo na esteira dos pedantes francelhos
da rua do Ouvidor. (Estudos lexicographicos do Dr. Macedo
Soares)…»

Da cadeira de professor e de lente falla-se aos
alumnos lingua cassange (conforme a expressão dos
rapazes), é certo. Mas com ser isto certo e por ser certo,
não se deve dizer que o brazileiro é um portuguez degenerado,
e tende á formar um dialecto; degenerados
são ambos, e ambos estão-se corrompendo, cada um á seu
modo talvez, mas corrompendo-se, ou modifican-do-se.

Si, como disse Gama e Castro, a pureza da lingua
(a pureza da lingua!!!) é o mais seguro thermometro
da civilisação das nações
, na realidade o pobre Brazil
ainda está na barbaria, porque pureza de linguagem,
dando de mão embora ás exigências de collocação dos
pronomes, realmente não ha em certas regiões ou da
parte de certas personalidades, que entretanto pertencem
ás classes instruidas. Nas escolas de ensino superior ha
lentes que fazem as prelecções em cassange; na camara
e no senado ha representantes que em ordem (in order
to) á justificar a demora do parecer da commissão, allegam
que estiveram guardando a cama (gardant le lit).
Em documentos officiaes do governo o ministro expede
ordens ao general em chefe, ao engenheiro em chefe de
tal estrada, e com a maior incongruencia possivel despacha
avisos ao almirante e ao chefe de esquadra, mas
não ao almirante em chefe, nem ao em chefe de esquadra;
na mesma columna do diario official em que o
163ministro relata os serviços do engenheiro em chefe de
uma estrada do norte, falla de outro engenheiro chefe (e
não em chefe) da commissão da exploração de tal rio,
do desembargador chefe de policia (e não em chefe de
policia), do capitão commandante (e não em commandante)
do destacamento, do barão presidente (e não em
presidente
) da assembléa, e do engenheiro fiscal (e não
em fiscal) da companhia tal etc. Em fim nas collecçães
das leis se vêem directores de directorias, e directores
que não são de directorias, inspectores de inspectorias
e inspectores simplesmente de qualquer cousa.

Incorrecções destas não se acham no idioma propriamente
brazileiro; esse fallar hybrido e mascavado
é proprio da gente que se diz culta e dos habitués da
rua do Ouvidor, como disse o dr. Sylvio Romero. Esse
fallar hybrido voga nos jornaes, na grande imprensa
que tem á seu cargo o instruir-nos, vem-nos de lá dos
nossos tios, no ror (é de C. Branco) de romances francezes
traduzidos para vernaculo, que entupem as estantes
do Gabinete Portuguez e as da Bibliotheca Fluminense.

Não ha muito tempo, os jornaes se divertiram com
a phrase «fracturar arvores» em uma circular do chefe
de policia. Essa exquisitice foi sem duvida oriunda da
mania de vernaculice, de que se-eiva a nossa gente litterata,
lendo os classicos do hodierno.

Castello Branco diz «sentiu impetos sanguineos (impetos
sanguineos! para distinguir de impetos lymphaticos?)
de pegar no Trigueiros e fractura-lo contra um
dos frades de pedra da Praça Nova.»

Dahi é natural que se vá diffundindo a eiva, que
invada pouco á pouco as outras camadas do povo, que se
infiltre por fim no fallar singelo e natural dos colonos
164internados e lhe dê outra feição. Em todo o caso é uma
força que actúa, e que necessariamente tem de influir
na resultante, tanto mais quanto essa força tem intensidade
consideravel; basta considerar que ella vem da
elite (a nata diriamos nós) e da imprensa.

E contra ella é que devem combater realmente os
verdadeiros amigos da linguagem patria, que quizerem
vê-la seguir a sua evolução natural e não na quizerem
torcida á capricho de grammatistas ou de escrevinhádores,
que se dão ás mãos para cada vez mais
corromperem o idioma patrio.

Afora disto as simples condicções climatericas e
geograpliicas são mais que sufllcientes para determinarem
fundamental differença entre o fallar brazileiro
e o fallar portuguez.

Por fim de contas o resultado será com effeito a
formação de dialectos, de dous dialectos, um lá e outro
cá; e seria até mais cedo si não fosse a imprensa (á isto,
meu amigo, voltaremos depois). E neste caso os que
fallam o dialecto de lá, e os apreciadores do inculcado
vernaculo não tem o direito de chamar de corrompido
ao de cá, ou si o tem, os de cá podem retrucar-lhes na
mesma moeda e tambem estão no seu direito. E’ o que
fez o dr. Paranhos da Silva, e note o meu amigo, com
mais graça e verdade do que Castello Branco que, na
sua quígila com os brazileiros dá por páus e por pedras,
assaca-lhes todos os vicios, mas em primeiro logar não
sabe apontar os defeitos de linguagem que lhes attribue,
espicha-se pondo na bocca do brazileiro phrases que
elle nunca diz, e em segundo logar os odiosos brazileiros,
que apresenta em scena, os commendadores Bentos, os
Hermenegildos e outros que taes são filhos da lusa
terra que vieram cá fazer dinheiro, e que só ficam
165brazileiros quando regressam abarrotados d’aquillo
com que se compram as commendas e baronias (elles
dizem varonias).

Si, como se me disse, elles são os donos da lingua…
(é uma pulha que me não canso de admirar), tomando
ao sério a cousa, que vale essa allegação? O meu amigo
vê que não vem nada ao caso o facto de ter nascido lá a
lingua. Por identidade de razão estamos bem vendo
que então só o italiano teria o direito de se dizer filho
unico genuino do latim, e poderia chamar de corrompidos
e espurios á todos os idiomas co-irmãos. D’ahi é
evidente a sem-razão e dislate da escapadela do purista,
que me deu a tal resposta, que desafia retruques.

E muitissimo bem corta a questão o dr. Sylvio
Romero dizendo: «Não ha uma lingua mais correcta
que outra; porque não ha uma lingua typica e no
seu proprio desenvolvimento um mesmo idioma pode
ser mais ou menos opulento, porem nunca mais ou
menos correcto. Não se trata pois de elogiar ou vituperar
a linguagem de Portugal ou a do Brazil. De
resto um povo fala e traja como quer, e os pedantes
da lingua se parecem com os pelintras da moda.»

Ha só uma differença: a aggressão foi dos pedantes,
que averbam de apedeutas aos que não estão pelas suas
regras de portuguez; a aggressão veio de lá; com
tanto martelar desarrazoado dos rigoristas é que
começou, à modo de represalia, certo movimente em
sentido contrario. Não é aqui, nem ali, é em todo o
Brazil que havia sincero culto ao vernaculo e castiço:
liam-se os classicos em todo o império, manuscava-se
não só Camões, Herculano e Garret, mas ainda Filinto,
Bocage, Castilho etc., etc. A imprensa do Maranhão
é conhecida e notavel por apresentar escriptos em optimo
166portuguez, irreprehensivel para os classicos. No imperio
corria como mestra de rhetorica o livro de Freire
de Carvalho; no collegio de Pedro II foi professor Tiburcio
Craveiro, e nesta côrte, do collegio Victorio da
Costa saíram os mais eminentes homens de lettras,
e distinctos parlamentares e estadistas.

Mas a impertinencia dos pedantes que nos não
deixam dizer — dá-me um copo d’agua, é que revoltou os
mais pacatos, que estão no seu pleno direito rejeitando
as frescuras de lingua cheias de porcaria vernacula
(Castello Branco podia dizer mais genuinamente—com
porcaria vernacula
.)

Castello Branco não falla em brazileiro, que não lhe
dê á valer, e larga sobre elle o tom espivitado, a farofia,
a tezura, o ar enfedorentado, cheio de
nao
presta
(Eusebio Macario) do seu estylo viruloso (permittirme-hão
o neologismo? quezera-o, porque não é
virulento que eu acho que é o homem);

Pois bem nos seus «diamantes comprados no Jequitinhonha
onde ha elles mais preciosos no Brazil (o sublinhado
é do proprio C. Branco no Euzebio Macario p.
239)» o illustre classico hodierno errou cuidando que o
commendador Bento (oriundo de lá) fallava como os de
cá, porque ainda o mais mattuto dos caipiras, ao fallar
das riquezas de sua terra, referindo-se aos diamantes
do Jiquitinhonha diria muito naturalmente: «onde ha
d’elles os mais preciosos dos Brazis». A exquisitice
grammatical é pulha do Sr. Camillo.

«Vossê parece que não veio da rua» Na Corja
pag. 158. Quando é que no Brazil se ouviu esse
em vez de bom? os que pronunciam mal dizem bão.

«Fidalgo sou eu da casa real, hein? Quero uma
minina honesta e pobre. Rico sou eu… Mi amará ella?»167

Percorra o sr. Castello Branco o Brazil inteiro do
Oyapock ao Chuy, do cabo Santo Agostinho ao Javary, e
aposto o que quizer em como não ouvirá de bocca de
brazileiro esse «fidalgo sou eu da casa real», esse «rico
sou eu
» e muito principalmente esse «mi amará ella»
enjoada e affectada phrase traduzida de romances francezes,
introduzida nos corrilhos da gente da moda,
mas completamente desconhecida na linguagem geral.
Não ha quem não o saiba, em vez do verbo amar o
nosso povo usa de preferencia do verbo querer bem,
mesmo do verbo estimar e outros, mas não do verbo
amar e ainda mais empregado de um modo tão sem
graça.

José de Alencar, cujos conhecimentos pela maior
parte forem bebidos em livros francezes, e cujo torneio
de phrase tinha muito que de francez, empregou por
vezes esse verbo nos seus romances, o que lhe valeu
uma critica desarrazoada de Cincinato, que já se apontou
em outro logar destes rascunhos. E na realidade
Castello Branco imitando e mettendo á ridiculo a falla
brazileira, põe na bocca do inculcado brazileiro (commendador
Bento) um fallar (mi-amará) que desmente
o cacophaton (m’amará) attribuido por Cincinnato ao
auctor dos cinco minutos.

Sempre armado de ferula o purista malha nas incorrecções
do brazileiro, mas á cada passo cae nas
mesmas incorrecções. N’um poemeto dizia um poeta
nosso:

«Nho Juca, alteando o peito e passeando
Os olhos p’l’assembléa, ou antes digo,
Por cima das cabeças do auditorio
Começou á deitar palavreado.»168

E salta um dos admiradores do vernaculo de C.
Branco e diz (alem de outras censuras mais): en promenant
les yeux
—gallicismo intoleravel.

Entretanto o classico Castello Branco fallando de
João de Deus no cancioneiro alegre diz:

«Eu esperava que elle, alteando o peito e cruzando
os braços, passeasse os olhos no azul e nas papoilas
dos taboleiros; e assim na attitude dos inspirados, me
declamasse um improviso.»

Descascando este trecho á maneira de Cincinnato
diriamos:

«Esperava que passeasse os olhos no azul» mais on
menos como cá no Brazil nós «passeamos os cavallos no
picadeiro» ou «como a ama das crianças as passêa na
horta.»

Quanto ao azul eu o sublinhei para coteja-lo com o
seguinte:

«A manhã desdobrava o seu manto de azul (azul
é alguma fazenda? perguntou o doctor), por entre a
cerração
. De maneira que o azul, que está gallicamente
aqui pelo céo (l’azur) estava entre a cerração. Questoes
do dia XLVIII pag. 128

Não se irrite, meu caro doutor, não reclame; eu
sou da sua opinião tambem; cada qual sabe lá o que
quer dizer e á cada qual é livre o externar o seu pensamento
do modo pelo qual muito bem lhe parece, e diz
sempre bem aquelle, que se exprime ex-corde. Não
censuro por amor de censurar, detesto a critica. Sabe o
meu amigo que eu preferira mil vezes produzir, offerecer
obra na qual podesse metter o dente a critica, e
morder á vontade, do que estar aqui á esmoer as vernaculas
169frescuras de lingua dos classicos rigoristas. Mas
o qne ha-de ser? São mesmo estes bichos que nos não
deixam pôr pé em ramo verde, e que nos troteam por
«da cá aquella palha.»

«O azul em versos meus tambem figura;
No azul eu vejo a estrella tão ridente
Que me manda de lá suave lume!…
De lá do azul ella allumia a noite
Do torvo scepticismo que nos cerca,
E atenúa os negrumes asphyxiantes
Do realismo, que nos escurece
A vida e nos embaça as illusões.»

E quem nos despoetisa o azul são elles mesmos,
e quando José de Alencar rasgava, ou pelo menos
com muita galhardia procurava rasgar o belbute e o
baetão das roupagens classicas, e a manhã (da nova
litteratura) lhe desdobrava o seu manto de azul, saltava-lhe
pela frente Cincinnato e lhe perguntava:
azul é alguma fazenda?

Podia e devia responder o gabado escriptor que
diz na Corja pag. 211.

«Aquellas palavras chãs, humildes, sahiam de
conflagrações reconditas, vulcanicas, como singelas
boninas que o convulsionado Etna atira ao azul

Não posso resistir à tentação de transcrever por
inteira de J. F. de Castilho o seguinte trecho:

«O número um, logo neste 1o capitulo, de que
ainda me não foi possivel arrancar-me, apparece 600
vezes, e o autor lá tem suas razões: — Bizarria de
um príncipe—por uma rechan—um grande manancial
—um tom opaco—um sol esplendido—o firmamento
170é uma terra—uma dessas occasiões—um cardeal
—uma palmeira—um poncto além—uma lividez
um homem—com uma camisola—uma das bandoleiras
— um bacamarte — um dragão — um gesto de
contrariedade—um arco mixto—uma travessara —
um passo—um bem a mim—um arquejo—um pulo —
um fungar… E isto tudo, logo n’um capitulinho, de
meia duzia de linhas, o primeiro, e o mais aprimorado
do livro!

O que isto significa é um desprêso da lingua; é
uma incorrecção pouco decente; é um gallicismo de
legua e meia. Se não tolos, pelo menos as tres quartas
partes destes uns seriam supprimidos por quem
soubesse escrever. O francez (por outros motivos) segue
lá outra regra, que lhe derrama nas suas paginas
esse diluvio de uns; mas no portuguez, constitue
este surdo martellar, menos ainda uma ingrata monotonia,
que um erro grammatical. O um em portuguez,
não é cavilha, particula sem sentido, arbitrariamente
entremeada nas orações, como os cantores
italianos entremeiam ad libilum o si, quando lhes
faz conta: o nosso um tem missão especial, e é a de
limitar o respectivo nome individualisando-o, isto é,
separando-o dos da mesma especie. Com esse adjectivo
articular deve pois ter-se cuidado, porque gera
— ou incorrecção, quando empregado desnecessariamente—
ou erro formal, quando desvirtuada a sua
indole.»

Pois bem, do proprio irmão do censor achamos:

«Tinha um corpo fragil e mesquinho, e uma estatura
pouco acima da adolescencia (queria dizer da da
adolescencia) Tinha uma voz gasta e doentia, maneiras171(porque não umas?) maneiras sympathicas e insinuantes…
Dir-se-hia ao vê-lo: é um infeliz (por
oras é o unico «um» bem cabido) … E’ um infeliz, e
é um poeta» (Trecho citado no Canc. Alegre pag.
254, sobre cujo final podíamos clamar como J. F. de
Castilho: «pois quantos infelizes e quantos poetas havia
de ser o homem?»

E ainda no proprio censor de vez em quando como
nas Questões do dia pag. 16: «é a guerra das classes
que uma tal theoria infallivelmente traz comsigo» lá
vem «uma» perfeitamente inutil, e de mais á mais com
torneio afrancezado «qu’une telle theorie etc.»

Em Ramalho Ortigão, escriptor de incontestavel
merito, á cada passo encontramos trechos como:

«Um tal consumo de raparigas bonitas destinadas
á enriquecer o pessoal das congregações religiosas,
torna-me um pouco mais meditativo que o consumo
das materias inflammaveis destinadas á virgular
com relampagos os sermões de quarta-feira de trevas.
E no fim de contas (au bout du compte censurou-se
á Alencar nas Questões do dia) eu não vejo para estes
excessos de devoção outro remedio que não seja mais
devoção ainda.»

Não é só aquelle «um» empregado desnecessariamente
que patentêa (um) desprêso da lingua, (uma)
incorrecção pouco decente
(metto entre parenthesis a
cavilha que deve ser supprimida por quem sabe escrever
,
Castilho); é o periodo inteiro que é francez de
principio á fim, alem de ser esturdio e um pouco difficil
de se entender. Cincinnato perguntaria «que vem á
ser consumo de raparigas bonitas, consumo de materias172inflammaveis, e estas destinadas á virgular (!!!) sermões
com relampagos
»!!? etc.! etc.!!!

Pinheiro Chagas que chegou á dizer-nos—tenham
cautella
, e que nos ameaçou com as risadas dos sabichões
offerece-nos pedacinhos impagaveis. O meu bom
amigo veja; eu apenas intercalo entre parenthesis umas
phrases de Cincinnato criticando Alencar, (umas phrases
digo de proposito, mas o meu amigo vê que aqui
não é a cavilha franceza um, uma e até com ella não
se reproduz em francez o que eu disse, pois ninguem
diria unes phrases.)

«Apezar dos muitos talentos que avultam na nossa
antiga colonia americana, não se pode dizer que o
Brazil possúa uma litteratura (talvez tenha tres).
Litteratura nacional é aquella em que se reflecte o
caracter d’um povo (e não de dous ou cinco), que dá
vida às suas tradicções e crenças; é a harpa fremente
em cujas cordas geme como um sopro (não como sete
sopros), a alma de uma nação (e não a alma ou as almas
de tres nações), com todas as dores e jubilos que, atravez
dos seculos, a foram retemperando.»

Nestas nove linhas entrou quatro vezes a cavilha,
o gallicismo de legua e meia, que facilmente seria supprimido
por quem soubesse escrever
(castilho). E esse
gallicismo de legua e meia á cada passo se acha nas
paginas dos novos ensaios criticos (que me acontece
ter agora á mão).

La vai:

«O Brazil…não tem ainda uma existencia bastante
caracterisada (n’a pas une existence assez caracterisée).
173Não tem tido que atravessar, como as republicas
hespanholas, o periodo laborioso de uma gestação
dificillima, nem tem tomado, como os Estados-Unidos,
uma tal iniciativa no movimento civilisador do mundo
que possam na sua litteratura deixar profundo sulco
(por milagre não vem aqui um profundo sulco) as
grandes questões, em que se debate a humanidade
(Il n’a pas eu à traverser, comme les republiques espagnoles
la periode laborieuse d’une gestation très
difficile, ni n’a pris, comme les Etats-Unis, une telle
iniciative dans le mouvement civilisateur du monde,
que les grandes questions, où se débat l’humanité,
puissent laisser dans sa littérature un profond sillon
.)»

Tractava unicamente da cavilha «um, uma» e insensivelmente,
das amostras desse gallicismo de legua e
meia
vemos surdirem outros gallicismos em chusma,
porque, repitamos, P. Chagas pensa em francez e traduz
depois em portuguez mascavado (embora vernaculo,
visto estarem os pronomes no competente lugar?)

A tal cavilha «um, uma»! Não ha classico do hodierno,
que não a empregue á valer. N’um folhetim
qualquer destes estylistas, no primeiro que se apanhe
á mão, ahi temos:

«A verdade é que ninguem ama um talento, uma
competencia, ou uma capacidade; o que se ama no
homem é um caracter.» Não sei porque milagre não
veio ahi tambem uma verdade, n’um homem. A cousa
ia do mesmo modo.

E si a gente, espicaçada por essa vernaculice, seguindo
o exemplo, exclamar: E’ para escancarar uma
bocca! Salta de lá um Cincinnato que brada: «Pois
quantas (boccas) havia de escancarar? o rapaz era
alguma faca velha cheia de boccas? (questões do dia
XLIII pag. 36.)»174

E a gente (de cá, está visto) ainda escancara mais
a bocca, porque fica sabendo que «faca velha cheia de
boccas
» significa «faca velha cheia de dentes» e que
«bocca» em Portugal é «dente» no Brazil.

E’ isto; e ainda assim o meu amigo não faz ideia
(uma ideia
) do que é o vernaculo. «Isso espolinhava-se
na cama que o padre João não faz uma idéa! (A corja
pag. 148.)» Não se sabe o que é espolinhar-se, não vem
nos diccionarios; alem de refundir-se a grammatica,
é preciso refazer-se o diccionario.

Camillo Castello Branco diz não sei si na Corja ou
no Euzebio Macario: «achavam-no indigno de apparelhar
com homens de bem» ora! apparelhar em vez
de emparelhar! demais á mais um essencialmente
transitivo, e o outro quasi sempre intransitivo.

Em outro logar o Camillo falla de uma langroia,
ou uma lamecha, uma croia, uma sostra, uma mondonga,
ou uma não sei quê (não me lembra), mas emfim
uma femea de energia barrosã (qne vocabulos! e
nem ao menos usa do systema das notas, como costumam
os nossos quando empregam termos tupis, abundas,
caipiras, etc) e diz que ella cruzava as pernas
d’um torneio esculptural. Si fossemos fazer perguntas
á maneira de Cincinnato não acabariamos: d’um? e não
de dois ou trez torneios? e depois: pernas de torneio?
torneio esculptural? Pois esse torneio de phrase não é
gallicismo, e muito mais que o de Alencar «eram
cinco horas da tarde, estava quasi noite» que Castilho
increpou, traduzindo «Il était presque nuit»?

O homem é inexhaurivel; parece ter phrase mais
vernacula que P. Chagas, mas é tambem afrancezado. A
cada passo apparece a cavilha dequefallou Cincinnato:175

«Adormecera na molleza d’uma poltrona, n’um
grande
esmero de toilette, n’uma grande pacificação,
com um grande estilicidio de rapé, n’um grande
desalento, com uma grande voracidade (francez até
no frequente uso do grande), recuando com umas
pausas cavas, cheias de drama e de maldições (que
diabo vem a ser pausa cava, e ainda cheia de drama?
as pausas
eram bacias ou potes? pergunto parodiando
Cincinnato que, phrases como «chorava de balde»
repinicou «chorava de caçamba)»; de tamancos, sem
meias, com uma saia de chita; uma noite immensa,
uma escuridão, impenetravel á luz de uma esperança,
uma cocega deleitosa no pescoço, uns gritos infantis
um prurido muito sensual (muito tambem repetido
como o grande), com os beiços grandes, muitas bochechas
(!!! até sem concordancia!), com uma cauda
muito esfolada, com um certo acanhamento muito
goche, uma
negrura de nuvem (outro phraseado
francez), natureza forte d’uma masculinidade plethorica
(deixando de parte o cacophaton mamas), com
uma barbella vermelhaça, um feio diabo, phrases
d’um madrigalesco de bordel, allusões d’uma nitidez
de luz electrica, muito lidas e saboreadas; uma graça
muito gaiata, umas brazileirices (que será brazileirice?)
muito inflammatorias que pareciam feitas de
aromas de bananas, trillos de sabiá e essencia de
moscas verdes.»

Tudo isto esparramado nas paginas escriptas pelo
famoso purista; e note o meu amigo que só faço menção
dos um, uma quando são cavilhas, que facilmente seriam
supprimidas por quem soubesse escrever
, e não
dos que são bem empregados em portuguez. Os «grande»
176e «muito» tambem são dispensáveis pela maior parte, e
quando não o fossem podiam ser substituidos, mudando-se
o phraseado para não ficar com esse geito esturdio e
afrancezado.

N’outro lugar elle diz: «Felicia… com uma suspeita
pungente da verdade… bufava dentro da sege
uns gemidos muito do interior.» Chama-se isto realmente
fallar francez em vernaculo. E ainda: «gemidos
muito do interior!» pois donde mais haviam de ser
elles?

E de que nos admirarmos, si até no D. Jayme logo,
na 2.ª oitava la temos a cavilha em «Eu tinha um
coração e era teu filho!» Olhe que já deixei passar a
1.ª oitava na qual um rigorista ainda podia averbar de
cavilha o um no verso:

«Meu vergado pomar d’um rico outono.»

Gallicismos! O emprego do artigo (o a etc.) em
logares em que o bom portuguez (de Camões, de Herculano
etc.) prefiria, impunha a suppressão delle (a sua
suppressão
á P. Chagas) é tambem gallicismo, e gallicismo
muito em voga no hodierno classico.

«E ter a bondade faz perdoar muitas outras cousas
que se possam ter» Que fim tem ahi o artigo a? O que
quer R. Ortigão determinar com elle?

«Ao tanger da campainha fez-se a claridade subita
no templo, e vi os olhos della cravados nos
meus. Os brilhantes dos Brasileiros pag. 83?»
Aqui temos fez-se a claridade, onde não sei que serventia
tem o a, ainda mais quando se diz claridade subita

Lá vai um pedaço que me gabaram de sublime, e
que não passa de chapa (de uma chapa á P. Chagas), e
chapa (lugar commum) muito sediça.177

«Effectivamente os povos que se estorcem nas
convulsões immensas que precedem a sua formação
definitiva, inflammam a sua litteratura com todo o
fogo do combate; o ardor, a vehemencia, o enthusiasmo
respiram na sua poesia, e os rapsodes febris,
que sentem todas as commoções da lucta, soltam ao
vento do futuro as paginas dispersas d’uma epopéa
sublime, que um Homero depois coordenará talvez, e
de que se formará a Iliada gigante desses povos que
ha cincoenta annos cercam a Troya dos velhos erros
do passado, sem terem conseguido ainda conquistar
a liberdade, essa formosa Helena que jaz dentro dos
muros sitiados (Novos ensaios criticos) pag. 213).»

Esta combulhada de phrases bombasticas, com esse
seu torneio hoje tão em voga, e tão apreciado pelos
critiqueiros (não é meu o neologismo, é d’um classico
hodierno, não me lembra qual) é francez da gemma,
francez genuino e vernaculo.

«En effect les peuples qui se tordent dans les convulsions
immenses, qui précèdent leur formation
définitive, enflamment leur littérature de tout le
feu du combat; l’ardeur, la véhémence, l’enthousiasme
respirent dans leur poésie, et les rapsodes fiévreux,
qui sentent toutes les émotions de la lutte délivrent
aux vents de l’avenir les pages éparses d’une épopée
sublime, qu’un Homère ensuite coordonnera peut-être
et dont on formera l’Iiade géante de ces peuples
qui, il y a cinquante ans, assiégent la Troie des
vieilles erreurs du passé, sans avoir pu conquérir
la liberté, cette jolie Hélène, qui gît en dedans les
murs assiégés.»178

Já não é um gallicismo de legua e meia, são muitos,
são novecentos e noventa e nove mil gallicismos esparramados
pelas paginas de Pinheiro Chagas (e outros),
que estendidos em fileira iriam d’aqui até á lua.

Tenha paciencia o meu amigo; eu já disse que não
pretendo e nem gosto de censurar, mas é um direito a
represalia, Pinheiro Chagas é um dos que censuram
neologimos arrojados e injustificaveis e insubordinações
grammaticaes
.

Pois haverá neologismo mais injustificavel do que
esse modo de arranjar a phrase á franceza, sem elegancia
nenhuma, monotona e diametralmente opposta á
aquella variedade e harmonia que se deparam nas
magnificas paginas do Eurico?

Seguindo as pegadas do traductor do Misanthropo
e dos Colloquios Aldeões cuido eu que muitos dos nossos
puristas e o proprio Pinheiro Chagas, si achassem o
trecho acima em francez e não no portuguez de
Pinheiro Chagas, para evitar a pecha de gallicismo traduziriam;
«qui précèdent leur formation définitive, que
lhe precedem a formação definitiva; l’ardeur, la
vèhèmence, l’enthousiasme respirent dans leur poésie
,
ardor, vehemencia, enthusiasmo respiram-lhe na
poesia.» Já não quero dizer nada do facto de estar o verbo
para o fim; o vernaculo de Castello Branco e que taes
não gosta de variar as collocações, e vai-se pondo o
verbo sempre no fim, e nunca no principio «respiram-lhe
na poesia ardor, vehemencia e enthusiasmo.»

O vernaculo zela só a collocação dos pronomes,
mas não se importa com a collocação do verbo, das
orações complementares, etc., de modo que em prosaica
e corriqueira phrase franceza o hodierno desmancha
o terso e brilhante portuguez antigo.179

Fazendo de conta que Pinheiro Chagas tinha escripto
em francez e que depois fosse vertido em vernaculo,
o trecho «qui précèdent leur formation définitive,
que lhe precedem a formação definitiva», vê-se
ahi um lhe, destinado á evitar a traducção de leur
por sua. Este lhe é um esturdio (digo um porque não
são dois, nem quinze) que deu no gôto aos amigos do
vernaculo, mas agora não temos remedio sinão deixal-o
de parte, porque precisamos vêr insubordinações grammaticaes
de outra especie no tal trecho de Pinheiro
Chagas.

Em primeiro logar note o meu amigo que, si ha
escriptos á que se possa applicar aquella critica do
visconde de Castilho (que transcrevi na pag. 148),
no rol d’elles estão sem duvida os de Pinheiro Chagas.
Lêem-se paginas e paginas, e chegando ao fim não
sabe a gente o que leu.

Em segundo logar, (já disse que nem gosto de criticar,
nem de pôr limitações ao pensamento do escriptor;
si o homem para mim falla bem applaudo-o, sinão
deixo de parte o livro; mas aqui muda o caso de figura);
Pinheiro Chagas censurou incorrecções; como é porém
que não as aponta, nem explica? Demais, criticando
de que modo se exprime?

Pois realmente em vista de regras expressas dos
grammaticos, e em vista dos usos, como se acham nos
classicos, é portuguez o que escreveu Pinheiro Chagas?
Onde é que se viu em auctor classico esta linguagem
o ardor, o enthusiasmo, a vehemencia respiram na
sua poesia
? Que vem fazer ahi os artigos o, a?

Ainda mais, «respiram», pelo que se vê na phrase,
não é verbo activo no sentido de «soprar», nem neutro
no de «tomar folego», ou pelo menos não se concebe como
180é que possam tomar folego na poesia o ardor, o enthusiasmo,
a vehemencia
. Parece tambem que não lhe
quadra ahi o significado que tem em «respirar o dia,
respirar delicias, respirar lições do ceu
etc.»

Parece que «respiram» nesse logar equivale á
«transpiram» ou antes «spiram» referindo-se ao ar
ou halito, como em sentido parallelo se diria «rescendem»
em relação á olor, «vaporam» em relação á
gazes, «fumegam» em relação á fumo etc.

Sendo assim torno á repetir: o que é que vem
fazer ahi o artigo? Sem duvida alguma vem fora
de proposito, tal e qual se apresenta no vernaculo
«ao proposito» que á cada passo empregam pela
phrase adverbial «á proposito» Assim está elle na
corja pag. 116 «o padre João de Lucena escreve
ao proposito de S. F. Xavier prophetisar o breve
passamento de Garcia de Sá, que o padre etc.»

Da regra 1.ª de J. S. Barboza sobre o uso dos
determinativos geraes ou artigos (pag. 100 da 6ª
edicção de Lisbôa) se vê que o artigo deve appôr-se
ao appellativo quando a significação geral deste
deve ser restringida e dá o seguinte exemplo:
«Pedro foi tratado com honra» sem artigo, «Pedro foi
tratado com
a honra que lhe era devida«e aqui o
artigo.

Appliquemos e façamo-lo dando á phrase uma
collocação mais portugueza: «na sua poesia respiram
ardor, vehemencia, enthusiasmo
,» tudo sem artigo;
ou então «o ardor, a vehemencia, o enthusiasmo da adolescencia,
da juventude (do que quizesse Pinheiro
Chagas)» com artigo.

A’s vezes é bem cabido o artigo, mas botam-no
ahi á franceza, sem preposição e de um modo inteiramente
181chuè em portuguez: «Paulo ergue-se de
juba eriçada e a injuria no labio» gallicismo inadmissivel
de Eça de Queiroz; quando menos era
preciso ahi uma preposição «com a injuria» visto
não construir a phrase toda á portugueza, para dispensar
o artigo.

Eis ahi insubordinações formaes, meu caro dr.,
contra a tyrannia de Lobato; e não é de brazileiro,
é dos classicos hodiernos; e não é só isto, é d’um
que puxa pela férula para punir as insubordinações
grammaticaes.

Querem então os taes senhores impôr-nos a
tyrannia de Lobato e Soares Barboza, mas ficando
elles livres e desembaraçados para fazerem o que
quizerem? «Faze o que mando, não faças o que
faço» E’ o dictado antigo attribuido ao bom prégador.

Fazendo critica nas questões do dia, Cincinnato
transcrevia Alencar e ia dizendo:

«No fim de contas (au bout du compte) meus
sustos não têm razão de ser (mes craintes n’ont pas
raison d’être)
. Questão do dia XLVI 89.» Gallicismo
já não haveria, dizendo-se «por fim de contas» ou
«no fim das contas» ou «no fim da conta»? Esta ultima
fórma porem é a traducção litteral.

Este «no fim de contas» eu achei em C. Castello
Branco, e em livros e folhetins escriptos pelos classicos
do hodierno, como vimos n’um trecho de R. Ortigão
já transcripto; porem temos cousa ainda peior
(quasi disse melhor).

«Dous subjeitos corriam á retalhar-se ao sabre
nas sombras do Bosque de Bolonha». N’um folhetim
de Eça de Queiroz.182

Retalhar-se ao sabre, picar-se ao facão, esgrimir-se
ao espadão, expelli-lo ao cachação, moê-lo ao soco,
toca-lo aos pontapés, sova-lo ao páu e manda-lo ao
diabo. Que portuguez vernaculo e bonito!

Tenha paciencia. Aqui vai mais ũa amostra do
como se censura e depois applicarei o mesmo processo
ao trecho que tomei de Pinheiro Chagas,
trecho que tomei ao acaso, e que podia ser apanhado
em outros escriptos do hodierno.

«O eu humano é corno a sua besta» E’ ainda
phrase de J. de Alencar, que J. F. de Castilho
dissecou assim:

«O eu humano para distinguir do eu cavallo,
do eu perequito, do eu albarda; não lhe vejo outra
utilidade. E’ como sua besta. Sua de quem?»

Antes de applicar-se o mesmo processo ás phrases
de P. Chagas, notemos umas cousitas do proprio
censor. 1.ª Não pode passar despercebida a escorregadela
do mestre: Si lá estivesse «o eu homem»
estaria na regra «o eu perequito»; mas si a expressão
é «o eu humano», á isto deve corresponder
«o eu cavallar, o eu periquitano, o eu albardeiro
ou albardado».

2.ª O remate do que disse Castilho é:«Sua de quem
do subjeito, do eu, a besta do eu ou que o eu cavalga»
Responde J. S. Barbosa, o mestre da grammatica philosophica,
e todos os mestres e grammatistas que vão
pelo mestre. «O cavalleiro andante é como o seu cavallo»
Seu de quem? do cavalleiro, responde qualquer
menino de collegio. Grammaticalmente a cousa está
na regra, agora si racional e logicamente não está, é caso
differente, e então ahi temos, para alarde de erudição
e muita leitura em toda essa palha da litteratura hodierna,
183destemperos aos punhados, e nos versos da Lysia
poetica (e tambem da Brazilia poética, valha a verdade)
charadas e hieroglyphos estapafurdios á mais não poder
ser.

3.ª Nos escriptores do hodierno e até no correcto
C. C. Branco frequentes vezes topa a gente com trechos
como este: «Elle espiava os passos da baroneza com a
pertinacia de duas vinganças—a sua (1) e a de Felicia,
por causa da cunhada expulsa de casa do irmão,
e por sua (2) bocca diffamada como amante de um
padre.» sua de quem? dizemos com Castilho. A 1.ª
«sua» está conforme, refere-se ao subjeito, é a sua
vingança
delle o padre Justino (pag. 272 da Corja);
mas a 2a «sua?» á quem se refere? por sua bocca diffamada,
ou antes diffamada por sua bocca, de quem?
bocca do padre, do subjeito, como devia ser grammaticalmente,
não é logicamente (não no é, dizem com
pleonasmo os puristas); bocca da Felicia? bocca da
cunhada? bocca do irmão? tudo pode ser, e quem no
sabe são elles, os taes grammatistas.

E ainda «por causa da cunhada expulsa de casa do
irmão» pergunta-se: que cunhada? cunhada de quem?
qual irmão? só pode fallar assim um negro boçal, fallando
portuguez de Pung-Andongo; tudo vago, tudo
no ar, e tudo incongruente nessa linguagem vernacula!
Veja só mais isto.

Cincinnato increpou o dizer «no omnibus de dez
horas» e com razão (Questões do dia pag. que m’escapou),
pois devia ser «no omnibus das dez horas»

Mas como é que incorre na mesma culpa um escriptor
correcto dizendo «expulsa de casa do irmão» quando
devia dizer «da casa do irmão»?

4.a do Castilho «não lhe vejo outra utilidade»; ahi
temos o embirrante lhe, muito em regra, não contesto,
mas noto somente que aqui o «lhe» vale por «n’elle»184

Agora appliquemos o mesmo processo de analyse
ao que diz Pinheiro Chagas.

Para contrastar como «eu humano» basta a «Iliada
gigante
» naturalmente para não se confundir com a
Iliada pigmea, a Iliada liliputiana, etc. Depois ainda
temos «a Iliada gigante desses povos que ha cincoenta
annos cercam a Troya» para distinguir da Iliada gigante
(ou pigmea) etc. dos outros povos, e especialmente
dos que «não cercam a Troya ha cincoenta annos», etc. etc.

«O ardor, a vehemencia, o enthusiasmo, respiram
na sua poesia.»

«Sua» de quem? perguntemos com Castilho.

E basta, porque no mais, tudo isso é sybillino, e
não se sabe o que o homem quer dizer. Parece que «a
Troya dos velhos erros do passado» podia ser a Lusitania,
mas do principio do periodo se vê que «o Brazil
não tem uma existência bem caracterisada» para ser
«um desses povos que inflam mania sua litteratura com
todo o fogo do combate»; e lá para o fim do período ha
modo que o Brazil é um (dos taes povoi) que «ainda não
conseguiu conquistar a liberdade, a formosa Helena
que jaz (como no cemiterio?) dentro dos muros sitiados
da sobredita Troya.» Emfim é uma embrulhada, como
quasi tudo quanto se lê nas 275 paginas dos Novos ensaios
criticos
(que me acontece ter á mão.)

«E o mais eram uns cantares em prosa chã, sem
as amphibologias hebraicas de Salomão. A Corja
pag. 497.» Hebraicas por serem de Salomão, e não
cabindas ou de Pung’Andongo? (pergunto á moda de
Castilho.

Sybillino e por vezes não menos afrancezado é C.
C. Branco tambem, como ahi se vê. E ainda lá vem no
Cancioneiro Alegre outro exemplo pag. 378.185«Os sobrinhos do visconde para desbalizarem (esbulharem,
parece que é o que quer dizer o purista) da
herança o producto (é o filho) da viuva, allegaram que
a criança era filho adulterino.»

Para nós os engenheiros brazileiros (e tambem para
os lusitanos—Na Revista das obras publicas se escreve
como no Brazil, sem fumaças de vernaculice)
desbalizar
é tirar as balizas; o filho é sem duvida um
producto, mas dizer producto da viuva por filho da viuva
é esturdio e de máu gosto, parece assim vontade de mostrar
novidades; está tão cançado e estafado o vernaculo,
que na carencia de idéas, começam os homens á fazer des
jeux de mots
.

«Sabes que sou o homem o menos ponctual que
ha neste mundo» E’ phrase (uma phrase, fallando
á moda de P. Chagas et reliqua) de Alencar, na
qual sublinháram o artigo «o» por ser demais na
nossa lingua, por ser gallicismo. Ora no hodierno
portuguez, conscienciosamente fallando, a gente não
sabe quando é qne se deve empregar o artigo e
quando é que não.

Como com muita razão ponderou o dr. Paranhos
da Silva, no Brazil não se usa do artigo anteposto
ao adjectivo possessivo e se diz (ou diz-se): «minha
mãi e a tua lá estavam, quando chegou tua mulher
e a minha». No portuguez hodierno arrumam sempre
com o artigo atraz do adjectivo, de modo que não
ha differença do pronome, e como a phrase portugueza
moderna é toda franceza, ahi temos uma
mixordia, visto como no portuguez teremos invariavelmente
«o meu, a minha, o teu, a tua, o seu,
a sua, etc.», quando em francez se distingue «mon,
ma, ton, son, sa, etc.
» de «le mien, la mienne, le
186tien, la tienne, le sien, la sienne». A mixordia torna-se
ainda maior porque «seu sua» servem ainda
para traduzir «leur» e até «en».

Não é só. Applicando ao proprio Castilho as
censuras que fez ao outro, perguntamos: não são de
mais os artigos nas seguintes phrases?

«Quem mais do que tu teve a imaginação potente,
a phantasia arrebatada, o intimo enthusiasmo?»

«Morreste porque faltava o ar á teus pulmões.»

Si me não engano vem isto nas Questões do
dia
XXXIII. e a fallar a verdade a suppressão de
«o, a» nessas phrases até dava-lhes (lhes dava no
vernaculo) energia e concisão.

Outro purista diz: «Tinha irmãos briosos que lhe
impunham á elle o casamento á ponta da (devia
ser de) espada». Grifei o pleonasmo «lhe á elle»
não para censura-lo, porque elle ahi vai bem e ó
até indispensável; griphei para lembrar que é gosto
dos puristas a repetição pleonastica dos pronomes.

Agora veja o que é capricho! Repetem pronomes
pleonasticamente, empregam artigos quando
não são necessários, e, quando bem lhes parece, supprimem
o artigo que é indispensável. Castello Branco
diz: «Despediu-se… e foi para casa (em vez de
para a casa)» Evidentemente tambem se podia dizer
«foi para campo, foi para cidade, foi para rio, foi
para rua, foi para Praia do peixe chingar os brazileiros,
ou chingar brazileiros» No emtanto é o
mesmissimo escriptor que diz: «a bandeja dos licores,
os calices dos cremes, a gamella dos feijões» Parece que
si no Brozil dissessemos «traze-me um copo do vinho,
ou dos vinhos, a vernaculidade perdoaria o emprego
de de vez de com.187

O meu amigo se exaspera sempre que vou fazendo
estas minhas observações; e diz que cito auctores não
qualificados e verdadeiros puristas; mas tenha paciencia
e veja que, si formos eliminando todos esses
nos quaes aponto incorrecções, e que o doutor entende
não serem puristas, por fim de contas só restará Latino
Coelho como unico escriptor que hodiernamente sabe
e escreve portuguez.

E note mais que este unico é tambem um dos raros
que não mette á bulha o fallar brazileiro.

Torno ainda á repetir: faço estas observações não
por gosto ou por capricho de fazer criticas, nem por
entender que realmente ellas procedam e valham para
elles lá; faço-as por necessidade. Entendo e já disse
por vezes, que cada qual póde e deve exprimir-se como
muito bem quizer, com tanto que se entenda, e que
agrade ao maior numero (a maioria dá a lei); e si vou
esmiuçando certas cousinhas é só para reagir contra
os que não perdem vasa de chasquear da falla brazileira,
e para convencer aos puristas de minha terra de
que, o purismo, como o entendem, não passa de um
capricho, mais que desarrazoado.

Limito-me á imitar o methodo de critica, que
seguia o illustrado e correcto J. F. de Castilho, e prefiro-o
não só porque era menos ferino, mais cordato
na critica, realmente sabia bastante portuguez, sabia
apontar, pelo menos mais que Pinheiro Chagas e outros,
aonde estava o erro, mas ainda, no mais era brazileiro
e pugnava em prol dos interesses de sua patria adoptiva
e hoje de seus filhos. Depois, em geral, na sua critica
não empregava, tanto como outros, os toques duros de
graça portugueza genuina, os lusitanismos ricos
que dão, ao estylo um cheiro de cavalhariça
(palavras
188textuaes da Corja pag. 143) em escriptos notaveis de
peçonha e chalaça muito biliosamente adjectivadas
.

Eis ainda outras amostras, do como é que elle
fazia a critica, não ha ainda muitos annos.

«Noites involtas de nevoeiro e cerração. Não é
bom portuguez, a preposição de está mal cabida,
porque não corresponde á relação que pretende exprimir.
A’ parte a figura de noite involta devera
preferir-se a preposição em. questões do dia xlix
pag. 138.»

Tomemos ao acaso qualquer escripto do hodierno.
Aqui temos na corja pag. 288: E entrou a chorar, a
soluçar abraçado no Motta Prego!! Pois a preposição
em tem lá cabida nesta phrase abraçado no Prego!!?

Ainda na corja pag. 197: «o suave enlevo ideal de
identificar-se ao sexo por excellencia, como o perfume
á flor e a flor ao sol.» «A preposição á está mal
cabida (é Castilho quem falla) porque não corresponde
á relação que pretende exprimir. A’ parte a
metaphysica de identificar-se flor com sol, e perfume
com flor devera preferir-se a preposição com

Na mesma pagina lá vem: «apontava-se ao dedo o
conego e dizia-se…» «Pois não, disse Castilho nas questões
do dia
, on montrail au doigt. Adeante, que a molestia
dos francezes pega-se, dizem, horrivelmente.»

Em folhetins de Ramalho Ortigão e de Eça de
Queiroz achamos tambem:

«Quando alguém pessoalmente o encommodava elle
apontava ao dedo o individuo.» E’ mais que certo que
189a preposição à (em vez de com) está mal cabida, não
corresponde á relação que pretende exprimir.

«Um duello no bosque… caminham um sobre o
outro de pistola alta
. Fogo». E nós fazemos echo: fogo!
um em cima do outro, talvez cavalgando um ao outro!
caminham e vão de pistola alta! magnifico! No Brazil
nós diriamos em portuguez mais portuguez: Avançam
um para o outro (ou contra o outro) de pistola erguida
(engatilhada, ou de pistola em punho, etc). Si é portuguez
o «pistola alta» admittam tambem «chapeu baxo
ao marquez de Carabas,» e nós cá os incorrectos brazileiros
tiramos nosso chapéu aos sabichões do vernaculo,
e isto com o maior acatamento e respeito!

A’s vezes a preposição é tão mal cabida, que até
devia ser pura e simplesmente eliminada: «E se offereceu
ao barão para o liccionar no canto. corja pag. 251».
«Canto» devia estar em accusativo, e portanto não admittia
preposição, e o pronome «o» referindo-se «ao barão»
devia estar em dativo e não, como está, em accusativo;
isto sabe qualquer menino e podia lecciona-lo ao grande
escriptor na sala, no quarto, na cosinha, no quintal e
até no canto da janella, ou em outro qualquer canto,
pois é ablativo o lugar onde. Ainda mais leccionando-lhe
canto no canto
da aula, com alguns puxões de
orelhas podia leccionar-lhe tambem menos presumpção
e philaucia nas suas vernaculices.

«Nem o codigo, nem o bom senso…impedirão jamais
que o homem…injuriado, salte sobre a sua espada,
gritando á turba: ca vou defender a minha honra.»

Queriamos achar um exemplo de preposição mal
cabida, que não corresponde à relação que pretende
exprimir
; achamo-la (saltando sobre a espada, o homem,
o injuriado se cortaria ou se espetaria), mas
190achamos ainda outras cousas. Ahi temos um sua descabido
e desnecessario e ao qual se podia applicar uma
pergunta de Castilho, que já citámos por vezes. Tambem
achámos nessa quichotada ou hespanholada. «Cá
vou defender a minha honra» esse cacophaton cavou
que lembra as seguintes criticas de Castilho.

«Quiz seguil-a mas ella … (quantas vezes mazellas
meu Deus! Questões do dia xlviii pag. 124.»

«Devia ter-lhe dado o prazer de ver-me, nas questões
do dia xlviii
pag. 128 — prazer de verme, que
cheirava à minhoca ou bicho da terra.» E’ como lá
vem o commentario.

Quando na pagina 67 fallei do cacophaton m’amar
attribuido á Alencar guardei uma nota sobre este
outro cacophaton ver-me, que apanhei em folhetins do
classico hodierno e em outros, reservando-me apontal-o
opportunamente; perdi, porém, a nota. Agora
lembro apenas ao meu amigo o que referi d’um purista
na pag. 46. Com cacophatons não se deve importar um
escriptor serio. e pergunto — Castilho era escriptor serio
ou não?

«Unico homem que lhe dera tantos annos de amor
bonançoso à mistura com os tormentos do ciume,
Corja pag. 196» Este á em vez de de não serve, é
inadmissivel.

Na mesma pagina: «Muito lavado e barbeado
(sc. o conego), trajando de preto, com apontada decencia,
fato de muito bom talho, capote farto, azul, muito (já
tres vezes o muito) lustroso, com bandas de velludo, a
meia escarlate, a fivela de prata rutilante no sapato
esmerado, côres sadias, talvez resultantes da honestidade
e do iodureto (que chiste de linguagem!), a robustez
dos seus quarenta e dois annos, a abstinencia
191(com artigo) dos vinhos (com artigo) fortes, uso moderado
(sem artigo) de genebra (sem artigo), frugalidade
na carne de porco (na carne? porque não tambem abstinencia
nos vinhos
?), tudo concorria a dar-lhe (no
Brazil para dar-lhe) ao espiritual uma phase nova
etc.» Duvido muito que qualquer examinando destrincbe
e analyse este pedaço na Instrucção Publica; e
nem sei si o faria até mesmo o examinador, muito embora
armado com os modelos de analyse do professor
Bento José de Oliveira.

E custa-se á crêr! E’ este Sr. C. C. Branco o escriptor
de quem fez um elogio de arromba o conselheiro
J. F. de Castilho nos seguintes termos:

«A’ testa dessa aguerrida phalange fulgura com
deslumbrante brilho Camillo Castello Branco, não só
de infatigavel e assombrosamente fecundo estro, mas
(sobretudo nos últimos doze annos) de valentia de
imaginação, elegancia de phrase, graça e mimo de
expressão, originalidade e naturalidade de inredos,
riqueza de pensar e sentir, harmonia da prosa, vernaculidade
do dizer, inthesourar de termos pittorescos
desingastados da linguagem popular ou das paginas
dos bons livros, termos e locuções que opulentarão
os nossos lexicons; o que tudo o colloca em
altura inaccessivel nessa especialidade.» E remata-se
este magnifico encomio com a enumeração de oitenta e
tantas ou noventa obras do eximio escriptor (Nota da
pag. 182 no XXXII das questões do dia.)

A’ este trecho podiamos applicar o mesmo processo
de analyse, empregado por Cincinnato ao analysar obras
de Alencar, e então desfiariamos tambem insurreições
contra a tyrannia de Lobato
e insubordinações grammaticaes
192condemnadas pelo mestre J. S. Barbosa. Iria
longe porém com estes rascunhos.

Sómente diremos acerca do deslumbrante escriptor
que fulgura á testa de aguerrida phalange
que:

Quem se der ao massante trabalho de ler C. C.
Branco principalmente no Sentimentalismo verá realmente
muita novidade esturdia, muito termo pittoresco
(o singular aqui é á moda delles), desengastado não
sei donde, que vem enriquecer o lexicon classico de
frescuras e nudezas abandalhadas de lingua e de
porcaria vernacula (são palavras delle mesmo que
por minha propria conta jamais saberia eu empregar),
com vocabulos acídulados, mordentes, com ditos violentos
(tudo delle na Corja pag. 201) e até com barbarismos
e gallicismos de que se não lembraram nem os
traductores de romances francezes, mandando-nos do
reino essas obras de carregação, que inundam os gabinetes
de leitura. Daria panno para mangas a collecta
dessas vernaculidades e não ha papel para tanto, e é
melhor deixarmos que se fique para lá o homem, arregaçando
o seu sorriso alvar
, com o seu parolar sensaborão,
incolor, goche e chocho
(A Corja pag. 201). C. C.
Branco embirrou realmente com o Brazil e com tudo
quanto é do Brazil inclusive os compatriotas da colonia,
que aqui ficam ricos e que quando para lá voltam endinheirados
tem o alcunha de brazileiros; alcunha sim
porque são sempre uns Hermenegildos, uns commendadores
Bentos
, umas Paschoelas e outros typos deste
quilate que o homem inventa, para metter á bulha e
chasquear do Brazil. Nem aos seus poupa; referindose
á elles diz: «Andar na onça o mesmo que não ter
dinheiro, andar á lebre. Dizeres importados do Brasil,
e bons para Portugal onde são muitos os trouxas e os
193matutos e não menos os que andam á onça». Tambem
nos emenda a phrase, não quer «andar na onça» e
sim «andar á onça» que para nós significaria outra
cousa, como: «andar á gato, de manso, sorrateiramente

Demais, o escriptor que fulgura á testa da guerreira
phalange
, sáe-se ás vezes de modo que a gente
não sabe si elle sabe. Na corja pags. 114, 115 (na parte
Tragedias da India) vem:

«Corte Real…bastantemente realista, diz que
alguns sujeitos

… no pensamento vão medindo
A proporção igual, maravilhosa
Das partes perfeitissimas quo a roupa
Avara de ciosa lhe escondia»

«Estas partes parecem ser o veo dos lirios roxos
pouco avaro
de Camões.» (o griphado é delle mesmo,
delle C. Branco)

E esta!!!! As partes… que a roupa escondia,
parecem ser o véo!!!! e os matutos á cuidarem que
são «os lirios roxos» dos quaes «é pouco avaro o
veo»!

Não é só no emprego da preposição que os classicos
do hodierno se desgarram do classico antigo, e differem
dos brazileiros. No mais, em tudo, se vê (ou
(vê-se) a mesma cousa, isto é, capricho em affectar
vernaculidade, incorrecções esturdias, e de mistura
(á mistura, diz C. Branco) com isto gallicismos e mais
gallicismos.

O pronome «se» correspondente á «on» francez e servindo
de subjeito é um dos mais asquerosos solecismos
apontados por Gama e Castro (Revista Brasileira Tomo
V pag. 82) e attribuido aos brazileiros. Injustiça; n’elle
incorrem os classicos do hodierno, e de lá foi elle
194importado nas traducções das novellas francezas, e
escarrapachou-se nos annuncios do Jornal do Commercio
e nas taboletas, d’onde se vai propagando á
final pelo povo. No dialecto brazileiro propriamente
não se usa de «se» e sim de «a gente, uma pessôa, um
homem, cada qual, cada um, alguem, ninguem, todos,
quem
etc.» para traduzir o que se diz em francez com
«on.» Conforme o uso dos classicos «se» não póde ser
nominativo, entra em phrases de voz medio-passiva e
portanto é admissivel só em verbos transitivos que
são os que dão uma conjugação com o verbo ser, chamada
nas grammaticas conjugação da vóz passiva.

Eis-aqui insubordinações reaẽs dos classicos hodiernos
contra a tyrannia de Lobato: «Falla-se como
se pensa» é de Castilho e tambem «vive-se como se
póde». Os matutos diriam «cada qual ou a gente vive
como póde.» e ainda «como a gente póde».

Ainda é de Castilho ou de outro: «Quando se é
muito feliz, mal se póde etc.» Na roça se diz (ou
diz-se) «uma pessôa é muito feliz quando póde etc.».

E’ de R. Ortigão o seguinte: «Não se póde realmente
vir almoçar com a consciencia serena, quando
«se deixou (pela construcção ainda é «on» subjeito, não
obstante ser transitivo e regular se deixou) um
homem a agonisar n’uma poça de sangue; mas é triste
tambem que para se poder gozar com a alma tranquilla
a omellete (gozar a omellete!!!) do almoço, se deva
voltar do campo de ventre rasgado ou com a clavicula
em pedaços.» Francez genuino de principio a fim.

E’ de R. Ortigão tambem «Não póde ser Emilio
qualquer, com a mesma facilidade com que se é
marquez». Em lingua de caipira se diria «com que
qualquer um é marquez».195

«Que será pois, visto que é necessario ser-se
alguma coisa, uma vez que se existe. Preambular do
D. Jayme pag. XCVIII» Brazileiro não sabichão diria
«é preciso a gente ou uma pessoa ser alguma coisa,
visto como uma pessôa ou a gente existe (ou antes vive)».

Na Corja pag. 207 vem: «Desculpava-a, considerando-a
illudida pela idéia de que se era honesta
sendo-se casada com quem quer que fosse.»

Diz-me o meu amigo que nestes casos é admissivel o
emprego do «se» porque entra só em phrase de verbo
impessoal, de subjeito indeterminado, e que é apenas
uma ampliação do phraseado «diz-se, conta-se etc».
Ora valha-nos Deos com os malditos preceitos que se
estão á estender e á encolher á capricho do grammatista.

Pois não se póde tambem dizer que é ampliação
do phraseado impessoal o «vende-se livros, aluga-se
casas, compra-se biscoitos, acha-se bichos e homens»?

Em vez de affectar vernaculice é melhor acceitar o
facto novo que se apresenta, em vez de increpa-lo aos
brazileiros, deve admittir-se o phraseado posto em
voga, não pelos caipiras e matutos (que tem outro
modo de fallar) mas pelos homens de lettras, pelos parlamentares
e muito principalmente pelos cultores de
sciencias que bem á proposito dizem: «estude-se os
factos, observe-se bem os objectos, faça-se experiencias
repetidas para concluir-se leis que mereçam tal nome.»
Em conclusão vejamos com Adolpho Coelho que:

«A lingua tem perdido muito do caracter de passividade
d’essas construcções; dahi vem o emprego do
verbo no singular com o subjeito no plural (sabe-se
noticias, conta-se casos
, etc. por sabem-se notícias,
contam-se casos etc.) tão frequentes no fallar usual196

e na linguagem descurada das folhas periodicas.
N’essas phrases incorrectas «se» adquire quasi a
funcção d’um indefinido, empregado como sujeito
da proposição e corresponde apparentemente ao «on»
«francez». O linguista observa melhor as cousas e os
«factos, e vê-os de um ponto de vista mais lato.»

Além desse gallicismo (de se=on) attribuido aos
brazileiros, ha outros muito peiores em que incorrem
os classicos do hodierno. Já temos visto muitos, já
temos visto amostras de phraseado todo em francez
puro, mas ainda quero mostrar ao meu amigo outras
lncorrecções e alguns gallicismos de particular predilecção
dos soi-disant escriptores puristas, gallicismos
dos quaes os ha, que tambem têm voga no Brazil.

Cá e lá o gallicismo se apresenta no abuso do «seu,
sua
» coma differença porem qne no Brazil os nossos
littteratos não abusam dos artigos antepostos (observação
do dr. Paranhos da Silva) dizendo «os seus incidentes,
a sua literatura, a sua formação, a voz dos
seus
escriptores, as suas tradicçoes, a sua côrte, os seus
impassiveis capellães, o seu meigo coração, etc.» (Tudo
tirado do livro de Pinheiro Chagas).

Cançados (os de lá e os de cá) com o massante e
monotono «seu, sua», de que abusaram até os de cá,
os Mont’alverne e Salles Torres Homem (dous estylistas),
e reconhecendo ainda que o «seu, sua» não podia satisfazer
á todos os sentidos do francez «son, sa, leur» e
ainda menos á traducção do «en», como o fizeram
muitos estylistas de primo cartello, sairam-se á final
com o «lhe», outra cavilha, como o «um, uma», porem
mais esturdia, e caracteristica do vernaculo, porque
com ella cuidam que evitam o francezismo da phrase,
e vão arrumando para ahi artigos inintelligiveis de
197palanfrorio chocho, e palanfrorio todo á franceza. Até
na Revista Brasileira vem alguns destes!!!

Este embirrante «lhe» se initromette desageitadamente
na phrase vernacula, e lhe dá (e dá-lhe, dizem,
e eu preferia dá á ella) um feitio insupportavel, além
de torna-la frequentemente equivoca, anti-grammatical
e por vezes bestialogica (pedindo eu licença aos puristas
para este neologismo usado no dialecto do Brasil,
diz-me o meu amigo que devo dizer bestio-logica, pois
que não se diz psycha e sim psycho-logica, physia e sim
physio-logica etc.; mas o brazileiro é insubordinado.)

O tal «lhe» não se contentou com substituir o não
menos enjoado «seu, sua» e o genitivo por vezes equivalente
«d’elle d’ella»); mas exorbitando ainda das suas
funcções de dativo «á elle, á ella», deu em servir de accusativo
«quero-lhe como à irmão, chamou-lhe de bobo»,
aboletou-se no ablativo e substituio-se assim ao pronome
in totum, seja qual fôr a preposição que reja esse
pronome. Com o «lhe» querem deitar fóra todos os «elle,
ella
» que o vernaculo considera brazileirismos, e assim
figura nas pilherias de C. C. Branco, quando quer arremedar
a falla brazileira.

Servindo de «n’elle» já o vimos acima na phrase
de Castilho «não lhe vejo outra utilidade»; applicando-lhe
a interpretação grammatical ahi temos asneira,
pois isso quer dizer «não vejo outra utilidade à ou para
elle
» o que não é.

Servindo de «para elle» ahi o temos em: «o estylo
foi-lhe maromba admiravel» Dizendo-se para elle em
vez de lhe era mais correcto, mas C. Branco se riria do
brazileirismo.

«A ingerencia do barytono na intriga tambem
lhe era uma novidade. Na Corja pag. 297» Queria dizer
«era uma novidade para elle».198

O uso porém mais geral que fazem do «lhe» é pondo-o
em lugar da «seu, sua» e «d’elle, d’ella», e assim o
vemos em:

«Põe o teu dinheiro a juro e depois vai para
onde queiras comer-lhe o rendimento» isto é, o rendimento
d’elle.

Eis ainda o tal «lhe» sem proposito (sem o proposito
á moda delles) na phrase.

«Tivera um caixeiro que expulsara quando lhe
descobriu capacidade para o adulterio. Cego de Landim,
pag. 40.»

Em brazileiro em vez de «lhe» diriamos n’elle. Nessa
construcção viciosa podemos perguntar quem é o subjeito
de «descobriu» (o caixeiro ou o amo) e á quem se
refere o «lhe».

Mais bonito ainda temos:

«O Fistula… pegava da guitarra e arpejava
umas cousas muito choradas; e ella punha-lhe a cabecinha
adorada na perna e adormecia n’uma grande
pacificação.»!!! Merece um doce o grammatista que
nos disser «a cabecinha de quem, e a perna de quem».
Os outros «lhe» temos decifrado serem ora por «á elle»
ora por «n’elle» etc., mas aqui pode valer por «sua» (a
sua cabecinha
, e então ficava mais em regra e mais
claro que ella punha a sua cabecinha na perna d’elle)
e pode valer por «d’elle» (e então á brazileira tambem
ficava claro que ella punha a cabecinha d’elle na perna
sua
d’ella. está visto, a subjeita, o subjeito de
«punha»).

«Tão á ligeira lhe averigou a vida, que declara
ignorar, etc.» Na Historia fina pag. 127 «Aqui o «lhe» em
vez de «d’elle» torna a phrase equivoca, pois póde ser
«a vida d’elle» e tambem «averigou para elle» Com
199effeito elles dizem tambem «preparou-lhe o jantar, o
quarto, a cama» etc.» podendo significar «preparou
para elle o jantar, o quarto, a cama ou preparou o
jantar delle, o quarto delle etc.»

Nos brilhantes do brazileiro pag. 29 (si rite recordor)
C. C. Branco põe na bocca d’um dos por elle
denominados brazileiros o seguinte: «Physica e moralmente
fallando, sua mulher, amigo Hermenegildo,
vendendo os brilhantes, e dispondo do dinheiro, deve
dizer o que lhe fez (fez delle se diz no Brazil; e porque
já d’uma vez o Sr. Camillo não disse tambem dispondo
ao dinheiro
?) por força ou por geito. Eu cá por mim
pegava d’um arrocho e dizia-lhe (dizia á elle tambem
no Brazil, sem ser errado embora o contestem): ó minha
amiga, você diz o que fez ao dinheiro no Brazil,
(do dinheiro no Brazil) ou acaba-se aqui hoje o mundo».

Na pag. 195 de Corja: «colera mal retrahida pelo
desdem com que lhe recebeu a prenda»; o «lhe» póde
significar «d’elle» e «para elle.» Estes equivocos entram
no rol das vernaculices.

Na mesma pagina ahi temos ainda «que não lhe
comprasse nada de luxos», onde o desengonçado «lhe» se
presta á significar «d’ella, á ella, para ella»; isto na tal
pagina, em que se refere á Paschoela, porque em geral
ainda podia servir por «d’elle, á elle, para elle

São uns damnados os taes que sabem portuguez, e
por isso dizem «comprou-lhe um cávallo» tanto quando
se compra um cavallo á elle ou d’elle, como quando se
compra para elle e talvez até por elle.

A confusão e embrulhada não pára ahi; vai ainda
adiante, do «lhe» vai até o «me» e o «te» assim como o
«lhes, nos e vos», pois dizem: «compra-me o relogio» quer
no caso em que offerecem á venda o seu relogio, quer
quando pedem para si a compra do relogio.200

Nos Colloquios aldeões pag.280 lá vem isto: «Ou me
«hão de resussitar ou lhes hei de tirar a pelle com esfregações».
O que quer dizer o auctor aqui é que «os
fulminados ou hão de ser ressuscitados por mim ou
etc.»; mas quem é que adivinha isto? Litteralmente
ahi se lê que «elles hão de resussitar-me á mim (me em
accusativo).

Na Preambular do D. Jayme diz Castilho pag. xcic:
«E’ uma composição…que me está quasi decorada» E
aqui temos este «me» valendo «para mim» ou «por mim

Ah! meu caro dr. S., pois realmente é este o vernaculo
tão gabado, que os brazileiros devem imitar e
não sabem? é isto que faz com que os livros portuguezes
sejam mais artisticos,
e os brazileiros sejam de
uma forma espantosa, phantasista, doida, como disse o
distincto patricio nosso A. Barreiros?

Não podemos ser juizes em causa propria: appello
para os estrangeiros; elles preferem o fallar brazileiro,
e temos dicto tudo.

«A baroneza… não tem dez reis para mandar
tocar um cego» Corja pag. 271. O estrangeiro não
percebe e por via de regra interpreta racionalmente,
mas de modo que não é o que diz o homem na sua. Elle
interpreta «mandar expellir o cego, o importuno» por
que para exprimir o que deseja o homem seria preciso
dizer á brazileira «não tem dez reis para mandar um
cego tocar
» Seguindo logicamente para diante o brazileiro
diria «não tem dez reis para chamar o cego e
mandar elle tocar». E ahi teremos uma gargalhada do
purista, todo cheio de não presta (C. C. Branco).

A manifesta antipathia aos «d’elle, della» porém, por
um contrasenso extraordinário se desmente quando
menos se espera. Na pag. 274 da Corja, tractando da
201troca de cartas entre o tenor e a baroneza, diz o correcto
escriptor «e ella lhe passava as d’ella dentro d’um
livro de musica que elle ia folhear para a janella». Diz
«as d’ella», quando justamente a grammatica exigia «as
suas»! tambem tem graça aquelle «folhear para a janella»;
parece assim folhear para o sobredito vêr ou
lêr.»

Olhe, meu amigo devemos confessar, que pelo menos
na grammatica da lingua que se falla no Brazil, fazem-se
certas distincções, que o vernaculo não respeita,
donde resulta embrulhada e confusão na phrase. Assim
por exemplho «me. te, se» se correspondem como accusativo
com os verbos pronominaes ou reflexivos e dizemos:
«interesso-me, interessas-te, interessa-se pelo bom
exito da empreza»; me, te, o, a, se correspondem como
accusativo com os verbos transitivos, e assim dizemos:
«interessam-me, interessam-te, interesssam-no ou interessam-na
nos lucros da empreza»; me, te, lhe se correspondem
como dativos, com verbos transitivos e com
verbos intransitivos, que requerem (como dizem os
grammaticos) complemento terminativo, e assim: «interessa-me,
interessa-te, interessa-lhe a leitura do bello
poema»; ou com verbo transitivo: «deu-me, deu-te, deu-lhe
a prebenda de destrinchar as incorrecçoes da lingua
vernacula.»

Com isto de todo não se importa o vernaculo e dahi
temos:

«Nada a interessava na terra se não as horas dos
remedios,» E’ de Eça de Queiroz que poz «a» onde justamente
cabia «lhe». Evidentemente não se tratou aqui
de interessar a mulher nas horas dos remedios, como o
amo interessa o caxeiro no negocio. Com a mania
porém de tudo trocarem no vernaculo, estou vendo que202Eça de Queiroz em outra ciscumstancia diria: «interessou-lhe
(e não interessou-o) nu n’gócio dux vótex e
du paixe.»

Diz outro: «o capitão… ousava aconselha-lo e fazer-lhe
profecia». Devia ser aconselhar-lhe, e si neste
caso poude dizer «lo» tambem podia continuar «e faze-lo
prophecias».

Vejamos ainda alguns gallicismos; o verbo mettre
entre os muitos significados que tem em francez, tem
as de pôr e metter, mas os escriptores do hodierno muito
exquisitamente empregam pôr em vez de metter e vice-versa.
R. Ortigão diz: «a corôa que então llie metteram
na cabeça»; no Brazil diriamos «lhe puzeram na cabeça»
porque «lhe metteram» seria reservado para alguma
agulha, sovela ou etc. e não para corôa que seria
posta e não mettida.

Pelo contrario na corja pag. 294 vem: «A sua paixão
puzera-lhe no espirito esta tolice» No Brazil nós diriamos
«mettera-lhe no espirito, ou na idéa»; é frequente
por cá o phraseado «metteu-se-lhe em cabeça ensinar aos
mestres, metteu-se-te na idéa esse preconceito etc.»

Nestes dous exemplos vemos não só impropriedade
no emprego dos dous verbos, mas ainda inversão e o
emprego de um quanto deve ser o outro o empregado.

Agora veja o meu amigo só e unicamente o descabido
emprego de pôr e isto gallicamente (adverbio de
Castilho).

«O Fistula punha-lhe beijos ideaes na macieza da
meia» Ora esta! pôr beijos!… e ainda beijos ideaes, e
ainda muito mais pôr os taes beijos na macieza, e na
macieza das meias
! Ah! Cincinnato, que mina para as
tuas censuras si o Camillo não fosse aquelle que fulgura
á testada aguerrida phalange
etc. etc., e que é de valentia
203de imaginação, elegancia de phrase, graça e mimo
de expressão
etc. etc. como ninguem!

«Esta visão pôz uma saudade no coração de Custodia».
Leia o meu amigo na pag. 306 da corja e m’esclareça,
porque não sei realmente si o homem quiz dizer
mit un souvenir, ou si a saudade, que elle poz no coração
(era um pouco difficil) da Custodia, era a flor do genero
chamado scabiosa da familia das dipsaceas. A cousa vem
lá de modo que não entendo; é sybillina.

O verbo «fazer» tambem é empregado pelos classicos
do hodierno à troxe-moxe e gallicamente.

«Fez-se um grande espanto quando o viram etc.»
é de Castello Branco. Idem os seguintes.

«Fez-se fóra a rutilação de um relampago» Tragedia
de India
pag. 105.

«Fez-se uma grande indignação muda», Idem
pag. 106 e reporto-me ainda ao fez-se a claridade» já
citado acima.

As vezes é bem cabido o verbo «fazer» mas em
phrase muito mal airanjada, insupportavel por ser gallicistica
e até incorrecta, insubordinada contra a tyrannia
de Lobato
.

«Tudo que se faz aqui no ventre das academias
são factos imperfeitissimos que deviam de acabar na
madre
antes de sahirem á luz ao lado das elaborações
primorosas, immorredouras dos Thierry, dos Macaulay,
Niebuhr e A. Herculano».

Está isto lá na pag. 128 das Tragedias da India,
e o que é mais engraçado é que na mesma pagina um
pouco mais acima se escreveu «os grandes caboqueiros
da penedia da historia patria acabaram com Alexandre
Herculano!!! O eximio escriptor escreve por escrever
204falla por fallar, nem se lembra de se lembrar do que
disse para não se desdizer.

Desbragado e muito desavergonhado porém se apresenta
o gallicismo na phrase vernacula quando dão á
«fazer» o significado de a dizer, fallar, retrucar, replicar
etc.» E’ hoje cousa habitual no classico hodierno; não
ha escriptor que não empregue o safado «fit-il, fit-elle

«Has-de de estrear o broche amanhã no theatro…
fez elle com uma doçura muito postiça». A Corja pag.
195 onde ainda temos «uma» cavilha, e «muito postiça»,
que a’em do «muito» já apontado ainda tem o «postiço»
que lembra o que disse Castilho» O timbre doce e avelludado
é palavra franceza empregada por qualidade da
voz — deixem passar o neologismo. Questões do dia
xliii pag. 71.

Ainda mais: quero mostrar-lhe e vai o meu amigo
vêr á que ponto chega o capricho d’um dos donos da
lingua
, que quando muito bem quer, assenta um pontapé
na grammatica e a revira de catrambias. Aqui temos:

E’ o proprio fautor do Cancionario Alegre que rematando
a collecção dos auctores alistados, faz menção
da sua propria pessoa nas pags. 645 e 646. Esse sujeito
(é elle mesmo quem se diz sujeito) fallando de si (do
mesmo Camillo Castello Branco em corpo e alma) diz:

«De certo tempo em diante começou á dizer que
morria e mandava adiante delle (!!!) um volume de
versos à voragem do esquecimento».

E’ inconcebivel este capricho de empregar o antipathico
«delle» justamente no logar em que mais cabia
o sympathico «de si»!

N’outros logares não se entende o que diz o homem.
Assim na pag. 104 da corja (na parte Historia):205

«Uma grande dama goeza, casada, deu-lhe um filho;
porém como os appellidos do filho adulteríno
eram os do marido de sua mãi (Castilho não devia
perguntar aqui sua, de quem?) deshonrada, o moço,
cuidando que a salvava, nunca permittio que o
infamador d’essa mulher casada se aproximasse d’elle
como amigo».

D’elle? si se sefere ao «moço» devia dizer «de si»;
si porém é outro o «elle», digam os grammatistas quem
seja, ou ainda melhor, quem é o tal.

Aquelle «deu-lhe um filho» grammaticalmente está
na regra; porém como o purista tem a petulancia de
invadir o dominio da logica, e se intromette á dar leis
ao modo de pensar, notaremos que não é muito natural
que a mãi dê ao pai, e sim que este dê á ella o filho;
assim pensavam até os selvagens americanos que tinham
dicções differentes para «filho», designando —
quando falla o pai «o que elle dá» — quando falla a mãi
«o que ella toma, o que lhe é dado».

Não tem conta as exquisitices do vernaculo, que,
examinadas conforme as verdadeiras regras da grammatica,
redundam em disparates.

«A constituição fazia baronezas onde, no seu tempo,
as pessoas de bem faziam as mães dos seus bastardos
e as esposas dos seus lacaios.» La vem na pag. 140 da
Corja, onde o «onde» parece que vale por «á quem»,
e onde não menos de quatro artigos seriam dispensados
por quem soubesse escrever (fallando á moda de Castilho).

«Vem onde á mim, vai-te onde á elle, etc.» é um
modo de fallar. do qual não se póde dar explicação
grammatical, e o qual se depara á cada passo em escriptos
de C. Branco e outros.206

«Porque o seu irmão Bento, que estava no Brazil,
tinha-lhe mandado escrever (ou tinha-lhe escripto?
ou tinha mandado escrever-lhe?) que, assim que estivesse
com loja sua, a mandava ir para onde á elle

«A volta» vale por «em redor, em de redor», e
assim se diz «á volta do mundo, á volta da casa, ou do
quinteiro (nós dizemos quintal)» Ainda se dissessem «em
volta da casa» passe; porém mais incongruentemente
ainda em outros casos dizem «á volta dos cincoenta annos
casou» querendo dizem «por cerca dos cincoenta
annos». Ora si á «volta», que já tantos significados e
empregos, ajuntamos mais estes, que resulta? real empobrecimento
da lingua.

A’ cada instante ahi temos outras phrases esturdias
como:

«E quem ha de ficar á beira de V. Ex.? A’ minha
beira
estava sempre triste; sentou-se á beira della;
tambem se sentia enjoada á beira da Filicia». Peço ao
meu amigo, que me explique o que vem á ser este «á
beira» e tambem os «que, que não e que sim, que qual»
espalhados nas paginas de C. C. Branco e outros.

«Que sim, que não estava muito bom; que qual,
que tinha feito asneiras que farte; que não lhe batesse,
que não remediava nada, que não valia a pena;
que sim, que uma familia… não podia andar em
desordens; que elle com um vergueiro nas unhas era
um barra; que era a vergonha de sua cara; vossê
percebeu? que não; quando eu lhe disser que a burra
que é preta olhe-lhe para o cabello.»

Como o «lhe» é tambem o maldito «que» um tranbolho,
no qual vai a lingua tropeçando quando se lê
portuguez.207

Como estes muitos outros bordões, que tornam o
fallar do hodierno portuguez monotouo e sem-saborão,
e os quaes mereciam tanto como os «um», os «lhe» os «a»
(preposição) a denominação de caviihas dada por Castilho
somente á «um». Tanto mais desgraçado é este uso de cavilhas
e bordões, porque além de dar em empobrecimento
da lingua, a torna esturdia e chué.

Admittem lá idiotismos os mais extravagantes e
censuram a falla brazileira! ora! Quando não se dá
realmente incorreoção grammatical e é livre á cada um
o enunciar-se deste ou d’aquelle modo, com que direito
vem de lá o grammatico dizer—está errado, tome cautella,
é rizivel!? Que importancia póde ter a deslocação
dos pronomes, quando ahi temos tantos contrasensos
no fallar vernaculo, que de mais á mais é duro e
enfezado?

Note o meu amigo que não faço estes reparos si não
como represalia. Lendo romances de Julio Diniz, ou
passeando com D. Antonio «No Minho», ainda que deparasse
com exquisitices destas não as censuraria; pelo contrario
gostaria de vêr scenas naturaes descriptas e
narradas com singelesa, e tendo tanto prazer como ao
ler cousas de nossa terra. Mas aquelles contra os quaes
reagimos, são os que se armam de ferula para punir incorrecções,
são aquelles que mentem attribuindo aos
brazileiros phraseados de que elles não usam.

«Pega nisso e leva em fogão, Corja pag. 188» onde
e quando jamais se ouviu dizer isto no Brazil? o que se
diria aqui é: «Pega nisso e bota no fogão

Como não reagir-se contra estas e quejandas? Até
o proprio J. F. de Castilho, homem de reconhecidos meritos,
e que pugnou em prol do Brazil como verdadeiro
cidadão e patriota, fazia criticas desarrazoadas como esta:208

«Acabava o menino de fazer uma das costumadas
estrepolias. Termos de taberna por bocca de litterato…
onde ouviu o… culto, o illustrado parlamentar… …
a palavra estrepolia! E’ essa a corrupção
plebea do termo tropelias, oriundo de boa fonte
grega… Questões do dia XLII pag. 37.»

Termos de taberna! Comparados com os que se
acham nas paginas de C. C. Branco, como qualificariamos
estes? Demais estrepolia vem já nos diccionarios, e
não parece tal ser corrupção de tropelia, e este é tanto
de fonte grega (turbe) como de fonte latina (turba); e
quando a etymologia se pode referir ao latim mais próximo,
para que remqntar ao grego mais distante? só
ostentação de sabença.

O capitão da aguerrida phalange, de infatigavel e
assombrosamente fecundo estro, de valentia de imaginação,
elegancia de phrase, graça e mimo
(graça e
mimo
!!!) de expressão, é justamente um dos que mais
gosta da porcaria vernacula, e é opulentissimo de
termos, não já de taberna, mas de covís de brutos, e de
lupanares. Basta lerem-se os diamantes do brazileiro,
sentimentalismo, historias da india etc.

Pinheiro Chagas increpa os neologismos arrojados
do idioma brazileiro. Pois, meu caro doctor, haverá mais
destemperados neologismos do que os que se acham no
idioma do hodierno portuguez?

Um defeito que Pinheiro Chagas encontra na linguagem
do livro de Julio Cezar Machado
(patricio do
autor dos Novos Ensaios Criticos pag. 151) é tambem
defeito do proprio Pinheiro Chagas, que não reproduz
bem o seu pensamento
, porque, impregnando-se a
phrase no espirito estrangeiro, veste com difficuldade
as roupas nacionaes que se lhe não ajustam ao corpo
.209

E querem por força que no Brazil se falle exactamente
como em Portugal! Bem aviados estariamos nós si, fallando
de cousas de cá, de nossa terra, fossemos obrigados
á dizer aldeões em vez de roceiros ou caipiras,
choças
em vez de ranchos, páu em vez de chifre, cagão
em vez de cálice de vinho, eira em vez de terreiro, ilha
em vez de cortiço, ripada em vez de paulada ou sóva
de pau, chispe de porco
(no diccionario chispo) em vez
de ou mocotó de porco, sapatos de polimento em vez
de sapatos de verniz ou antes envernizados, arrefecer
em vez de resfriar-se, aziumar-se em vez de zangar-se,
estarrecido
(não achei no diccionario) em vez interdicto,
moinante
em vez de vadio ou peralta, verguèiro
em vez de vergalho etc. etc. Não poderiamos dizer
cuia de leite ou cuia de mate, porque lá o termo
cuia designa a rede de retroz, que aqui as senhoras
e as modistas designam por invisivel, e os nossos
folhetinistas, descrevendo toucados, é que se veriam em
apuros dizendo que ellas traziam cuias na cabeça. E
fallando do moço que tomou um tilbury, seria precizo
dizer tomou uma tipoia, embora tipoia (termo do nosso
vocabulário) originariamente significasse camisa de
mulher
, depois capa e facha suspensa ao hombro ou aos
homhros
, e afinal hoje facha ou suspensorio, em que se
mette o braço doente.

Observações

Muitas cousas, que apenas aponto, desejava eu considerar
mais largamente; queria discutir um bom numero
de incorrecções grammaticaes intoleraveis, admittidas
no portuguez hodierno, que querem impingir por
vernaculo, mas sou obrigado á dar, por emquanto, o
210basta. Com tudo convém ainda serem externadas algumas
considerações.

Arrenegue-se muito embora o meu amigo contra a
minha ousadia, assevero e persisto na intenção de mostrar
e demonstrar que não é valida, e que não podemos
admittir in totum a seguinte regra geral, que citam á
cada passo e que é dada da cadeira de professor.

«Fixada a syntaxe de uma lingua, ninguem a póde
alterar; augmente-se embora o seu vocabulario, modifiquem
os sons, innovem algumas de suas formas,
a syntaxe é immutavel, e si assim não fôr a lingua
deixa de ser a mesma.»

Ahi mesmo na regra existe contradicção. Dizendo-se
«inovem algumas das (e não de, vernaculamente)
suas formas» tem-se dicto tudo; quem innova algumas,
póde innovar muitas, póde innovar todas. E assim o
fazem os propugnadores do vernaculo, os taes puristas
— que, já vimos, mudam até o valor das preposições
e dos pronomes! mudam tudo! Não menos de tres
ordens de considerações me desafia esse theorema ou
apophtegma dos grammaticos, cada uma das quaes me
daria uma centena de paginas para estes rascunhos.
Mas não posso dar vasão á tantas reflexões e restrinjo-me.

Si a Syntaxe é immutavel como é então que o v.
de Castilho ousou dizer: «A linguagem dos Lusiadas foi
a melhor que se podia para o seu tempo; mas o seu
tempo já lá ficou para traz ha tres seculos; e fallar
hoje como fallou Camões, nem a um velho tonto e pirrhonico
se desculparia, quanto mais a um viçosinlio
de sete ou oito annos; e isto é ainda no presupposto de
que elle a podesse entender e tomar; mas não a intende,
nem rastreia. (pag. cxii da Preambular).»211

E mais adiante «A grammatica mesma, esse senso
commum da linguagem… é frequentes vezes offendida
nos Lusíadas.»?!!!

E ainda mais «Nenhum bom poeta dos nossos dias
ainda que inferior á Camões, se resignaria á… assignar
como sua uma unica estancia inteira de todos os
dez cantos».!!!

Eis-aqui ao que chegaram os donos da Lingua! A
vista disso diremos com o dr. Paranhos da Silva: «Não
se póde negar que tenham o direito vitae et necis sosobre
a lingua herdada de seus avoengos. Só nego
que os brazileiros tenhão obrigação de macaquear as
alterações que nella fizerem para seu uso particular;
principalmente quando tiverem por fim torna-la diversa
de todas as outras linguas, talvez porque são
simelhantes á dos seus rivaes de Castella. Porquanto,
si nós tambem tivessemos, como Courier, de soffrer injustiças
por causa da linguagem figurada
; si, sob pena
de sermos taxados de ignorantes, quizesse alguem obrigar-nos
á acompanhar em seus caprichos os intitulados
senhores da lingua portugueza; allegariamos
que tanto como os Primos somos descendentes dos
contemporaneos de João de Barros e de Camões, e que
tambem herdamos a lingua de nossos avós.»

E respondendo ao v. de Castilho com palavras de
J. F. De Castilho dizemos: «Camões regularisou e fixou,
com o adjutorio do latim, do italiano e do hispanhol,
a arte de escrever claro e culto» Por isso nós outros
cá preferimos offender a grammatica com elle, á acertar
com os puristas.

A grave incorrecção increpada á phrase brazileira
(do pronome enclitico com verbos de orações negativas,
condicionaes, de relativo etc.) não é cousa tão medonha
212assim como a figuram. Pelo contrario por ser de uso
geral tornou-se lei, e não sei em que se baseiam os puristas
de cá, quando condemnam tal modo de fallar, não
querendo reconhecer a nova lei ou a lei da reforma.

Como dá-se o facto assim, ou como se dá o facto
assim, e logicamente considerado não ha dislate algum
na explicação grammatical que conclue-se ou que se
conclue
do exame da phrase, entendo que o grammatista
carece de autoridade para condemnal-a; elle não
é ninguem perante a evolução natural da linguagem,
que tem vitalidade propria.

Logo que um certo modo de fallar se generalisa e
do povo (é elle quem dicta a lei e faz a lingua) passa aos
homens doutos e aos escriptos, não ha poder algum de
grammatico, nem de sabichão, que possa elidir esse
fallar errado, e si elle é contra as regras da grammatica,
podem apenas qualifica-lo de idiotismo. A soberania
politica do povo é sophismada e annulada até por
via de eleições phosphoricas. No fallar porém, no idioma
ella segue o seu caminho (elle va son train, parece mas
não é gallicismo, é caipirismo) apezar do despotismo dos
grammaticos. O pedante continúa a ralhar, e a gente
continúa a fallar como entende.

A missão do grammatico é examinar os factos, coordena-los
e mostrar as leis que os regem e as aberrações
que se desviam da lei geral. Nas linguas mortas
póde isto ser feito definitivamente; as regras com as
suas excepções podem ser estabelecidas de um modo invariavel,
e não é licito escrever latim á não ser em
fórmas auctorisadas em Cicero, Tito Livio, Tacito, Virgilio,
Horacio etc. Nas linguas vivas porém…

«Let us consider, first, that although there is a
continuous change in language, it is not in the power
213of any man either to produce or to prevent it. We
might think as well of changing the laws wich control
the circulation of our blood, or of adding an inch
to our height, as of altering the laws of speech
or inventing new words according to our own
pleasure. As man is the lord of nature only if he knows
her laws and submits to them, the poet and the philosopher
become the lords of language only if they
know its laws and obey to them.»

Quem fallou foi Max Muller. (Lectures on the Science
of language
7th edition london Xol. I pag. 40).

Nas linguas vivas a evolução continúa e as modificações
são inevitaveis, é fatal a renovação. O francez
de Victor Hugo e de Dumas não é o francez de Delille
de Malherbe e ainda menos o de Rabelais; o portuguez
de Castilho não é o portuguez de Camões (o proprio
Castilho o declarou) e ainda menos o de Gil Vicente.
Como é então que querem que o portuguez do Brazil seja
o portuguez do Chiado?

A grammatica deve ser a mesmissima, dizem, e o
facto é que ella muda e está mudando! Como é que
muda, que leis segue nessa mudança? isso é o que não
querem vêr.

«C’est ici surtout que l'initiative des changements
proposés doit être laissée á des poetes (sublinho para
responder ao distincto snr. Barreiros quando disse:
que os exemplos em verso nada provam), à des ecrivains
tels que Victor Hugo, Theophile Gautier, Alfrede
de Vigny, Mery, Barthelemy, Legouvé etc; parce
qu’il n’y a que de tels hommes qui possedent assez
le sentiment de l’harmonie et du genie de la langue,
pour ne rien risquer mal à propos. C’est Victor Hugo
qui l'a dit «dans tout grand ecrivain il y a un grand
214grammairien, comme il y a un grand algebriste
dans tout grand astronome; Pascal contient Vaugelas

La gramm. franc. philos. et pratique par
Leger Noel pag. 234 seconde partie.»

Dans le grand ecrivain des Lusiades il y eut un
grand grammairien
, que deu a constituição fundamental
da grammatica portugueza, (dízemos em continuação).
No decurso de tres seculos depois disso a lingua
deve ter continuado a sua evolução, e naturalmente
devem ter-se operado algumas mudanças; de facto assim
é: deram-se as mudanças, pequenas e gradativas na lingua
fallada no Brazil, enormes na do hodierno Portugal.

Aos meus patricios portanto eu diria, si tivesse voz:
Quereis ser philosophos e poetas na vossa lingua? estudai-a;
não nos preceitos dos grammatistas, mas na linguagem
usada geralmente pelo povo e nos bons livros,
na linguagem dos homens de verdadeiro merito e
de solidos conhecimentos; brazileiros e portuguezes
os ha de subido quilate. Mas não percais o vosso tempo
á lêr «a corja» A gente lê ou para se instruir, ou para
se divertir, ou para uma e outra cousa; a corja não
instrue nem deleita, enjôa e tira o gosto á leitura. E depois,
para que perder tempo? Time is money diz John
Bull, e o velho Pero da Goivara dizia ainda melhor:
tempo é vida. Para que então esperdiçarmos atôa a
vida?

Latino Coelho deixa á perder de vista a sucia dos
puristas, escreve portuguez vernaculo, verdadeiramente
vernaculo, e no emtanto não tem as vernaculices esturdias
que fazem arripiar as carnes e os cabellos á gente,
e ainda menos os neologismos, as barbaras construcções
francezas e os hodiernismos da phalange aguerrida á
215cuja testa fulgura o incommensuravel vulgarisador de
termos pittorescos etc; o que tudo o coUoca em altura
inaccessivel nesta especialidade
. Questões do dia XXXII
nota da pag. 182.»

Deixemos para ahi o fidalguesco vernaculo (fallando
como elles fallam)

«Irá com elle (o fidalguesco lixo,
E’ qu’o visconde aqui zurzindo vae)
Irá com elle a sórdida ignorancia,
E o seu teimoso , nazal resfolgo
Qu’arripia, nausêa. aturde e zanga;
Irá co’esses gallegos
Coachar no lodo vil donde a mofina
Nos trouxe o sestro bracharo maldito
Que o rotundo fallar da nossa origem
Tão feio corrompeu.» (Garrett.)

O tal senhor Pinheiro Chagas, na sua linguagem
correcta, elegante, vernacula disse, (pag. 215 dos Novos
Ensaios
):

«As nações americanas, se quizerem verdadeiramente
fazer acto de independencia, e entrar no mundo
com os foros de paizes que tem nobreza sua, devem
como Nathaniel Bempo, esquecer-se um pouco
da metropolp europea, e enpregnar-se nos aromas do
seu solo, proclamar-se filhas adoptivas, mas filhas
ternas e amantes das florestas do Novo mundo, e
acceitar as tradições dos primeiros povoadores, que
os seus antepassados barbara e impoliticamente expulsaram
da patria, por onde vagueavam em pleno
gozo da liberdade selvagem. Na poesia esplendida
desses povos primitivos está a inspiração verdadeira,
que deve dar originalidade e seiva á litteretura americana.»216

Sublinhei só as expressões mais exquisitas (synonimo
de peregrinas) e concertando isso cá à nosso geito,
mais incorrecto mas mais simples e claro, diremos:

O Brazil si de facto quizer tornar-se (ou si deveras
quizer ser ou constituir-se) independente, e entrar no
rol das nações (ou apparecer, figurar no mundo com cs
foros da nação), que tem nobreza (aliás autonomia), deve,
não como Nathaniel Bempo, mas como o Chili ou o Mexico,
esquecer-se de todo (e não um pouco) da metropole
(que foi) européa, e o brazileiro deve impregnar-se
dos aromas (nos aromas não é possivel) de sua terra (ou
patria, do solo não), deve não só proclamar-se, mas ser
filho legitimo, muito terno e amante de sua mãi patria,
deve acceitar (e propagar) as tradições dos incolas primeiros,
as quaes vão desapparecendo como as florestas
do Novo Mundo (com as derrubadas e queimadas), deve
regenerar-se apreciando a realidade positiva, estudando
o povo (mesmo povo) brazileiro tal qual é, e relendo a
historia dos antepassados, barbara e impoliticamente
quasi exterminados no território da patria, por onde
vagavam em pleno gozo de liberdade (selvagem? talvez
porém preferivel á licença dos alcouces). Na poesia singela
(ou mesmo esplendida por ser natural, esplendida
é qualquer paysagem do meu Jaguary com as suas cachoeirinhas
e sumidouros, em comparação com o Jardim
do Campo com a sua gruta), na poesia singela, candida
(sencilla ern castelhano, naive em fráncez) dos povos primitivos
está a inspiração verdadeira, em que póde
haurir seiva a litteratura brazileira, e que lhe deve dar
feição original, propria.

Não posso ultimar esta primeira parte dos rascunhos
sem dizer algumas palavras sobre outro ponto,
que quem primeiro aventou foi o dr. Paránhds da Silva.
Transcrevo apenas algumas palavras interpoladamente.217

«Em 1543 e 1554 se fundaram no Brazil os primeiros
estabelecimentos de instrucção superior… ensinaram
os jesuitas portuguezes uma lingua ainda proxima da
castelhana, uma lingua em que o elemento suevo não
tinha ainda de todo, por assim dizer, envolvido o elemento
castelhano. Desta lingua, que se tem conservado
quasi sem alteração importante nas diversas
provincias do Brazil, como poderá verificar quem ler
as cartas do nosso Padre Vieira, foi-se differençando
a lingua dos portuguezes, que cada vez mais procuraram
apagar todas as semelhanças com os castelhanos.

Porém ao facto de termos tido por mestres contemporaneos
dos quinhentistas, que para escreverem
suas melhores obras escolhiam o castelhano, que conheciam
a origem de sua lingua, e não desejavam a
degeneração della; concorrerão mais outros acontecimentos
para a conservação deste nosso fallar brazileiro…»

«Dahi provém que em cada provincia do Brazil
nossa fala é mais ou menos acastelhanada ou (como
dizemos) apaulistada, nossa pronuncia é mais ou menos
semelhante á das fronteiras do Rio Grande do Sul, á
de S. Paulo, á do centro do Maranhão…, á do Pará.»
(O Idioma do Hodierno Portugal—1ª parte, pag. 3, 4, 5.)

Esta opinião do dr. Paranhos da Silva, desenvolvida
e demonstrada á cada passo no escripto que acabo de
citar, tem sido contestada por todos quantos puristas,
com quem tenho conversado, e nesse numero sinto muito
que entre o doctor meu amigo.

Tem um fim esta contestação, averbam os puristas
de incorrecto o fallar dos brazileiros, apontam á cada
passo erros e contrasensos grammaticaes na phrase brazileira,
querem emfim fazer crer que o portuguez fallado
218no Brazil é um portuguez de Pung’Andongo, de
negro boçal. Não lhes faz conta, pois, que o fallar brazileiro
passe por ser parecido com o castelhano, que não
é lingua de preto.

E não é só isto. Por outros motivos, que não vem á
pello mencionar, os amigos do vernaculo querem á todo
custo que o portuguez se vá distanciando cada vez mais
do castelhano, e que delle se difference pelo terso da
phrase, pela riqueza das fórmas!!!! pela doçura da pronuncia!!!!

A’ estas ousadias e pretenções dos taes amigos do
vernaculo eu me limito á oppôr palavras textuaes do
visconde de Castilho na Preambular do D. Jayme pag.
LXXXIX.

«O fallar castelhano é meio portuguez, quando
menos; (seria mais exacto dizer o fallar portuguez é
meio castelhano).

Camões e outros poetas do seu tempo, tanto o cultivaram
a par com a lingua patria, que até para lá
saíram classicos.

Na leitura do castelhano (daqui por diante vou
gryphando as mais impagáveis das ingenuidades do
nosso visconde), se hoje em dia a frequentassemos,
como cumpria, bem facil e bem agradavelmente poderamos
nós retemperar ainda hoje o bom fallar vernaculo,
que assim se nos vai desbaratando

Bem vê o meu amigo, bem podem vêr os rigoristas
agora, que o dr. Paranhos da Silva foi fino observador,
e teve toda a razão quando veio á imprensa debellar as
pretenções do hodierno portuguez e mostrar que o bom
fallar
do Brasil é preferivel ao vernaculo que se vai desbaratando
por se não retemperar na leitura do castelhano.219

Agora quer mais uma amostra de como os puristas
são instruidos e sabios, e como os grammatistas furinbundos
chasqueam das incorrecções grammaticaes dos
brazileiros?

Qu’é della a chave? qu’e delle o chapeo? é um portnguez
de Pung-Andongo attribuido pelos puristas aos
brazileiros. Mas esse portuguez de Pung-Andongo só
existe na cachola do rigorista, que (como já disse por
vezes) não sabe o que censura, tem o vezo de chalacear
de tudo quanto é do Brazil, e nem da fé de que intrepidamente
(adverbio de Pinheiro Chagas) vai de ventas
ao chão.

A phrase correcta, como a querem os taes é»Qu’é
da chave
? qu’é do chapeu? Essa phrase porem, grammaticalmente
considerada, em que se differença de
«qu’é de la chave? qu’é de lo chapeu?

A’ muito puxar só poderia o rigorista apodá-la de
acastelhanada, e, afora disto, de ter soffrido uma degeneração
phonetica, passando o accento para a preposição
de e mais nada! Subtraindo o l, contra o qual parecia
haver antipathia, como nota Sismondi, fizeram os portuguezes
(dr, Paranhos da Silva
1ª parte, pag. 10) de la,
lo
(artigos e pronomes) a, o, que podem ser muito bons
em geral, mas que tambem tornaram mais surdo o portuguez,
e deram azo á frequentes e insupportaveis
hiatos. Para evitar os sons ingratos que surdem da concomitancia
do artigo ou pronome com certas dicções
os proprios portuguezes ás vezes restauram o «l»(todo los
homens
por todos os homens, louva-lo por louvar-o) e o
mudam em n (não no querem) ás vezes até fazendo cacophonias
(com no intento de firmar regras).Si tivessem
mais ouvido prefeririam restaurar o «l» sem deixar cair
o «r» do infinitivo, e dizer como os hispanhoes «amar-lo,
querer-lo, repartir-lo
.220

Os puristas, na realidade, são insupportaveis de
tão pernósticos. Incontestavelmente C. de L. é d’entre os
nossos folhetinistas, um que escreve bom portuguez;
censurem-lhe quantos defeitos quizerem, no em tanto é
certo que se esmera no estylo, escreve muito correctamente
e até nem incorre no defeito geral dos brazileiros
(pronome enclitico com verbos de orações incidentes subordinadas,
etc.); por acaso nos folhetins por elle escriptos
lá se depara com alguma descaida dessas e isso
mesmo só quando, interpondo-se vários e longos complementos,
acha-se o verbo atirado longe para o fim.Pois
bem, encostado ao balcão ou repotreado no banco do
bond ahi está um pernóstico de purista que lendo o
folhetim do Jornal do Commercio atira com a folha
para a banda
, resmnngando cheio de farofia: «E’ uma
lastima, no Brazil não se escreve portuguez.»

Si dizem isto de C. L. que ao menos não tem os gallicismos
de Eça de Queiroz, Cesar Machado e R. Ortigão,
e que escrevendo portuguez genuino, não tem comtudo
carrancismos e cacophonias de D. Maria Amalia, Castilho,
etc., e ainda menos as vernaculidades de Castello
Branco, e que escrevendo portuguez limpo, tem a graça
genuina portugueza
sem os lusitanismos destempera los
de que gosta o chefe da aguerrida phalange, si
dizem isto de C. de L. o que não dirão de todos os outros
nossos folhetinistas e escriptores?

Ora adeus! Zacharias não sabia portuguez, e até
Paranhos era incorrecto. Pois que leve a breca o portuguez.
Fallemos e escrevamos em brazileiro idioma.

Sigamos o exemplo do mesmissimo Pinheiro Chagas,
que, quando tracta dos seus declara, que não reproduz
a censura de pouca
vernaculilade (feita á
Julio Cesar Machado), e repetindo as palavras delle digamos
aos patricios:221

Empurremos para lá o defensor da caturrice, que
prende uma lingua aos modelos classicos e agrihôa á
um cadaver a expressão dos sentimentos dos vivos
.
(Novos Ensaios Criticos pag. 153)

Quem ousará dizer á arvore gigante que espaneja
a sua prodiga ramaria ao sol e ás brisas do Brasil
:
«Vem á fria Europa conter o teu desenvolvimento
entre os vidros de uma estufa
?» «Quem ousa dizer á
águia
»; «Não vões tão alto, receia as vertigens.»?
(Novos Ensaios Criticos pag. 167)222